Tenho imóvel na Região dos Lagos, em terreno de Marinha. Posso regularizar por Usucapião Extrajudicial?

14/06/2021 às 21:15
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A regularização de imóveis situados em TERRENO DE MARINHA pode ser possível inclusive mediante Usucapião Extrajudicial, mas o caso deve ser analisado cuidadosamente

A Região dos Lagos aqui no Rio de Janeiro reúne diversas cidades praianas com visual deslumbrante, verdadeiro paraíso muito frequentado por turistas tanto do Brasil quanto do resto do Mundo. É formada por municípios como ARRAIAL DO CABO, Armação dos Búzios, Cabo Frio, Saquarema e outros. Naturalmente por estar situada no litoral fluminense a região abarca diversas áreas que podem ser conceituadas como TERRENOS DE MARINHA e, nos termos do Decreto-Lei 9.760/46 c/c art. 20, inc. VII da CRFB/88, pertencem à União - sendo portanto, imprescritíveis e IMPOSSÍVEIS de serem adquiridos por Usucapião - conforme inclusive deixa claro o art. 200 do referido Decreto-Lei e o art. 183, par.3º da Carta Magna, por exemplo.

Ainda assim, estabelecida a ocupação POR MUITOS ANOS, seria possível a regularização dos imóveis cravados nessas regiões paradisíacas, conceituadas como terreno de marinha?

Não costumo descartar um caso imobiliário sem o exame cuidadoso (que exige TEMPO, diga-se de passagem) da documentação registral inteira, além é claro de outras informações que podem ajudar a elucidar o caso e indicar a melhor estratégia para a REGULARIZAÇÃO. Assim também devemos trabalhar na questão dos imóveis ditos "terrenos de marinha" - ciente inclusive de que quando a ocupação for irregular - mera detenção - não haverá sequer possibilidade de indenização por eventuais acessões realizadas (vide, p.ex., AREsp 1832939/MG, J. em 05/05/2021).

A bem da verdade, de fato, sabemos que os imóveis estabelecidos em Terreno de Marinha não podem mesmo ser objeto de aquisição por Usucapião, porém, o grande ponto a ser investigado é se de fato há DOMÍNIO ÚTIL estabelecido em favor de particular (regime de enfiteuse/aforamento). Daí sim pode haver chance de Usucapião - não sobre a propriedade - mas sim sobre o Domínio Útil - mantendo-se hígida e intocável a propriedade em favor da União.

A lúcida e sólida doutrina do mestre BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO (Tratado de Usucapião. 2012), Ex-Desembargador e atualmente Advogado esclarece com segurança:

 

"DOMÍNIO diz-se ÚTIL quando consiste no exercício do poder ou do direito de POSSUIR, gozar ou usufruir cabalmente a coisa, a título gratuito ou mediante o pagamento de uma RENDA anual ao aforador, ou àquele que tem o domínio direto. É o direito do FOREIRO ou do locatário etc. O DOMÍNIO DIRETO é também chamado domínio eminente, constituindo, assim, o direito à SUBSTÂNCIA propriamente do imóvel, sem as suas utilidades. (...) Temos que a coisa hábil à prescrição é o DOMÍNIO ÚTIL (dominium utile) incidente sobre as terras não cultivadas ou terrenos que se destinem à edificação".

Recentemente, em 06/05/2021, o E. Conselho da Magistratura do TJRJ confirmou em sede de reexame obrigatório sentença em processo de DÚVIDA REGISTRAL do Juízo da cidade de ARRAIAL DO CABO, na Região dos Lagos, reconhecendo a possibilidade de USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL de Domínio Útil sobre imóvel situado em TERRENO DE MARINHA, valendo destacar trechos da referida Sentença:

 

"TJRJ. Proc. 0010876-96.2020.8.19.0005. J. em 12/12/2020. (...) Procedimento EXTRAJUDICIAL de Usucapião. (...) A dúvida consiste na possibilidade de usucapião do domínio útil do imóvel, pois, considerando o fólio real, sempre foi exercido por particular e restaria preservada o domínio direto da União (...) Na certidão de ônus reais de fl. 43, observa-se que a gleba originária é foreira à Prefeitura de Municipal de Arraial do Cabo, de forma que, independente de a área estar situada em TERRENO DE MARINHA, o que se tem é a aquisição do DOMÍNIO ÚTIL do imóvel por particulares. Deste modo, o possuidor do imóvel deve pleitear a usucapião do domínio útil contra particulares, não envolvendo o direito dominial da União. (...) ISTO POSTO, julgo procedente a dúvida, na forma do art. 487I do CPC, para reconhecer possível a aquisição, por meio do usucapião administrativo, do domínio útil do imóvel, eis que terreno de marinha em regime de aforamento, mantendo-se inalterado o direito ao domínio direito pertencente à União".

Esse tipo de Usucapião tem peculiaridades que precisam ser observados no caso concreto a fim de possibilidade o sucesso da regularização.

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

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