A inimputabilidade e as causas de exclusão da antijuridicidade no procedimento do tribunal do júri, enfrentando o elemento subjetivo.

Para o reconhecimento das causas de exclusão da criminalidade, perante o Tribunal do Júri, faz-se mister a presença do elemento subjetivo?

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28/06/2021 às 20:22
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Há necessidade, ou não, da presença do elemento subjetivo para reconhecimento das causas excludentes de criminalidade no Tribunal do Júri?

 

SUMÁRIO

 

 

I - Introdução ................................................02

 

II - Tribunal do Júri ......................................09

 

III - Da Culpabilidade ...................................23

 

IV - A Inimputabilidade e as Causas de Exclusão da Antijuridicidade no Procedimento do Tribunal do Júri ..........................................................38

 

V - Do Elemento Subjetivo como Requisito para a Caracterização de uma Causa de Exclusão de Antijuridicidade Considerando-se a Explanação frente ao Tribunal do Júri ..............................64

 

VI - Conclusão ..............................................77

 
VII - Bibliografia ..........................................79

 

 

 

 

 

 

Luiz Carlos de Oliveira

 

 

 

A INIMPUTABILIDADE E AS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ANTIJURIDICIDADE NO PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI, enfrentando o elemento subjetivo

 

Tese de pós graduação, no ano de 2.001, pela

Escola Superior do Ministério Público de São Paulo

 

 

Apresentação:

 

 

Trata-se, à luz de meu reduzido entendimento, de assunto de pouca atenção dispensada, pois raramente encontramos obras versando sobre o tema.

 

Nada obstante nos depararmos, com freqüência, em julgamentos perante o tribunal do Júri, com a questão da necessidade, ou não, da presença do elemento subjetivo, para a caracterização de uma causa legal de exclusão da antijuridicidade, pouco se fala sobre o assunto.

 

Nessa linha, procurei discorrer sobre a necessidade da presença do elemento subjetivo, para a caracterização de uma causa de justificação, sem, contudo, desconsiderar, totalmente, a corrente objetivista, que entende ser dispensável a presença desse elemento para a ocorrência da excludente.

 

Apresentei, inicialmente, uma breve abordagem acerca das supostas origens do Tribunal do Júri. Discorrendo, um pouco adiante, sobre a introdução do instituto no Brasil.

 

Posteriormente, apresentei algumas considerações sobre a culpabilidade; sobre as teorias do Delito: Clássica e Finalista da Ação. Para depois, adentrar nas causas legais de exclusão de criminalidade, asseverando sobre o elemento subjetivo.

 

Finalmente, enfrentei o tema e apresentei algumas indagações, com as respectivas respostas.

 

Registre-se que o presente trabalho fora apresentado como escopo de contribuir, mesmo que de forma ínfima para que estudiosos no assunto dediquem atenção ao assunto, pois o tenho como um dos mais apaixonantes e interessantes do Direito Penal e Processual Pátrio.

 

Espero que tenha, ao menos, atingido uma pequena camada daqueles que estudam o Direito Penal e Processual, e que tenha conseguido acrescentar algo em suas vidas.

II - TRIBUNAL DO JÚRI

 

SUMÁRIO: 1 - Origem do Tribunal do Júri: 2 - Teorias sobre as supostas origens do júri: 3 - Quaestiones Perpetuae: 4 - Semelhanças entre as Quaestiones Perpetuaes e o Procedimento do Júri no Brasil; 4.1 - Outras Semelhanças Existentes entre o Sistema Processual Penal Romano e Procedimento do Júri Brasileiro: 5 - Brevíssima Anotação sobre a Introdução do Tribunal do Júri no Brasil:

 

1 - Origem do Tribunal do Júri

 

As origens do Tribunal do Júri não pode ser, seguramente, apontada como sendo esta ou aquela, uma vez que várias são as argumentações nesse sentido, e todas, com as devidas ressalvas, apresentam-se revestidas de coerência.

 

As alegações nesse sentido, apresentam-se fundamentadas e até mesmo convincentes; entretanto, apontam, cronologicamente, para períodos bem diferentes, de modo que não se pode afirmar, com precisão, em que período teria surgido o Tribunal do Júri.

Razão pela qual, apresentarei fundamentos acerca de sua suposta origem, anotada por diversos autores, sem, contudo, afirmar ser esta ou aquele teoria a correta. Registre-se; entretanto, que todas(teses), mesmo que de maneira reduzida, contribuíram para a atual composição do tribunal do Júri em nosso sistema jurídico pátrio.

 

O Tribunal do Júri, a mais democrática das instituições jurídicas em vigência[1], no que tange às suas origens, objeto de estudo de poucos, visto que consagrados doutrinadores como Sampaio Dória e Pontes de Miranda, sequer ousaram tecer comentários acerca de sua origem, é, sem dúvidas, um dos mais polêmicos temas de todo o nosso ordenamento jurídico.

 Desde a sua introdução, principalmente no ordenamento jurídico pátrio, sempre foi objeto de controvertidas discussões sobre a sua importância; surgindo, principalmente, duas correntes: a primeira daqueles que pregam  a sua extinção, sob argumentos de que o júri cumpriu o seu papel histórico de obstáculo à prepotência da monarquia absoluta e dos sistemas judiciários fracos e dependentes do rei, portanto, viciados e corruptos[2].

 

E essa mesma corrente que se coloca contrariamente a manutença do Instituto, assevera que atualmente, estando liberto das demais funções do Estado, o Judiciário é forte e imparcial, não sendo mais necessária a participação do povo diretamente na administração de justiça[3]

 

Por outra, argumentam que jurado não tem bom senso e o júri constitui, na verdade, um teatro ou um circo, prevalecendo a opinião da parte que mais consegue iludir o juiz leigo, com seus argumentos nem sempre jurídicos, mas sobretudo emocionais e falsos.

Acrescente-se a esta corrente a manifestação do Desembargador José Frederico Marques[4], em obra atualizada por Hermínio Alberto  Marques Porto, José Gonçalves Canosa Neto e Marco Antonio Marques da Silva, ao anotar que:

 

“O Júri foi apontado, outrora, como instituição democrática destinada a substituir os magistrados profissionais das justiças régias do ancien régime, que se curvaram às ordens dos dinastas de que dependiam. No entanto, a independência dos juízes togados no estado de direito, e as transigências dos jurados com os ‘senhores do dia’ em democracias de pouca vitalidade ou em regimes autoritários mostraram que no plano político não há mais razão para a manutenção do Júri”.

 

De outra parte, a corrente daqueles que defendem, ardorosamente, a sua permanência, sob argumentos, e. g., o homem deve ser julgado pelo homem; se para construir leis justas basta o bom senso, também para julgar; o bom senso é suficiente[5].

 

Temos ainda, conforme transcreve em sua obra o enovado Doutor Guilherme de Souza Nucci, a belíssima lição de Antonio Macieira. Qual seja:

 

“O juiz é escravo da lei, e a força de julgar criminosos, não tem por esses a atenção que o júri lhes dispensa”.

 

Acrescente-se a esta corrente a magnífica manifestação de Hélio Tornagui[6]. A saber:

 

“Que o povo não tem ciência é certo; mas que lhe sobra a sabedoria, que é o gosto, o paladar, o sentido da ciência, que é a experiência acumulada e polida pela prudência, ele próprio o revela nas máximas, nos brocardos em que exprime uma forma concisa e lapidar o que filósofos não saberiam dizer: O povo tem o instinto da sobrevivência e a sabedoria da vida. Ele sabe, ele sente o que contém e o fundamento do Direito é utilitário: é o homem comum temporal”.

 

Muito poderia se dizer acerca das controvérsias sobre a necessidade, ou não, do Tribunal do Júri, com a composição dada pela Constituição Federal de 1.988. No entanto, não é este o escopo de nosso trabalho, de modo que procuramos apenas evidenciar argumentos favoráveis e contrários ao Tribunal do Júri.

2 - Teorias Sobre as Supostas Origens do Júri

 

Podemos iniciar esta sob a denominação de antecedentes tidos como mais remotos[7] pelas razões anteriormente aduzidas, de modo que há quem afirme, com respeitáveis argumentos, que os mais remotos antecedentes do Tribunal do Júri se encontram na lei mosaica, nos Dikastas, da Heliéia (tribunal dito popular), ou no Areópago Gregos; nos centeni comites, dos primitivos germanos; ou ainda, em território britânico, de onde passou para os Estados Unidos e, depois, de ambos para os continentes europeus e americano[8].

 

O brilhante Processualista Rogério Lauria Tucci, ao discorrer sobre as origens do tribunal do júri, após assinalar a manifestação transcrita acima, anota que:

 

“Assim é que, num globalizado enfoque, Ruy Barbosa, ainda que indecisamente, vislumbrou sua prefiguração longínqua, além de nos iudices romanos, nos dikastas gregos e nos centeni comites germânicos; aduzindo que somente nas Ilhas Britânicas, sob Henrique II, depois da conquista normanda, teria recebido ‘os primeiros traços de sua forma definitiva”. (Tribunal do Júri, estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999).

Neste diapasão, há quem afirme que nascido na Inglaterra, depois que o Concílio de Latrão aboliu as ordálias e os juízes de Deus, ele guarda até hoje a sua origem mística, muito embora ao ser criada, retratasse o espírito prático e clarividente dos anglo-saxões[9].

Sobre esta manifestação de Frederico Marques, reporto-me às anotações iniciais, quando mencionei o fato de cada autor apontar para um período cronológico completando diverso sobre o possível surgimento do júri. Ora, se o belíssimo estudo de Arthur Pinto mostra-se extremamente coerente e apaixonante, obrigatoriamente, em caso de aceitação, temos, data maxima venia, de discordarmos, ao menos em parte, com a suposta origem do júri apontada pelo saudoso Frederico Marques.

 

Cremos que a manifestação de Lauria Tucci, lembrando Ruy Barbosa é que mais nos convence, pois admitimos que o tribunal do júri teria, em território britânico, adquirido as características atuais; entretanto, não se pode admitir ter ali nascido.

 

Nota-se que, somente por estes argumentos, não se pode mais, como muitos o fazem, sustentar que o tribunal do júri surgira em território britânico, depois, com o descobrimento e colonização da América do norte, ali introduzido, e depois transmitido para todo o mundo.

Poder-se-ia admitir que o Tribunal do Júri teria adquirido os seus traços atuais em território britânico; mas não admitir o seu nascimento; o seu surgimento nas terras da Rainha. Portanto, parece-me que se perdem na noite dos tempos as origens da instituição do júri[10].

Pois bem, conforme salientado anteriormente, consagrados doutrinadores sequer ousaram discorrer acerca das supostas origens do tribunal do júri. Isto, em razão dos escassos registros sobre o assunto. 

 

Assim é que, em correta referência, Rogério Lauria Tucci[11] transcreveu a manifestação da lavra de Arthur Pinto da Rocha[12], que no início deste século, elaborou trabalho de maior fôlego, pontuando os diversos momentos históricos, a partir da lei mosaica, nos quais as peculiaridades do instituto foram se mostrando, diversificadamente, até a aquisição dos contornos cristalizados na modernidade. A saber:

 

“... É muito além do Capitólio e do Parthenon e não nos Heliastas e Dikartas gregos como pretende a corrente hellenista que nós procuraremos a origem da instituição. As leis de Moysés, ainda que subordinando o magistrado ao sacerdote, foram, na antigüidade, as primeiras que interessaram os cidadãos nos julgamentos dos tribunaes. Muito, antes, portanto, de, na Grécia antiga, ser chamado o povo para decidir todas as grandes questões judiciárias, em plena praça pública, no exercício da justiça atheniense, antes da constituição desse tribunal, que era composto de cidadãos escolhidos entre os que todos os annos a sorte designava para julgarem collectivamente ou divididos em secções, muito antes da existência desses juizes populares, aos quaes, como requisitos eram apenas exigidas a edade de trinta annos, reputação ilibada e quitação plena do thesouro público; muito antes do aparecimento desses tribunais de pares, já o Deuteronomio, o Exodo, o Levitico e os Numeros, na formosa e símplice linguagem do direito mosaico, nos fallam do Tribunal Ordinário, do Conselho dos Anciãos e do Grande Conselho. Na velha legislação mosaica encontramos nós o fundamento e a origem da instituição do jury.

 

Registre-se que o trabalho de Arthur da Rocha, considerando-se, sobretudo, a escassez de informações, deve ser recebido como fruto de uma desgastante pesquisa; como um trabalho de ser lançado no rol de grandes manifestações sobre o tribunal do júri, visto que delineou os seus traços, apontando as suas características de cada época assinalada.

 

De outra parte, consoante o magistério de Rogério Lauria Tucci, pensamento do qual comungamos, outra, entretanto, em nosso entender, e com o máximo respeito, deve ser a conclusão da pesquisa às fontes disponíveis, determinantes da convicção de que o verdadeiro, por assim dizer autêntico, embrião do tribunal popular, que recebeu a denominação hoje corrente (tribunal do júri), se encontra em Roma, no segundo período evolutivo do processo penal, qual seja, o sistema acusatório, consubstanciado nas quaestiones perpetuae.

 

De sorte que, em que pese as opiniões contrárias, acredito que os traços atuais da mais democrática instituição jurídica, em atividade, vale dizer, o tribunal do júri, é verdadeiro embrião fincado, certamente, no processo penal romano[13], conforme demonstrarei a seguir.

 

Nada obstante aos comentários iniciais acerca do júri, parece-me que, para ser considerado como um procedimento que tenha o condão de conduzir o direito material, mister se faz uma estrutura mínima, o que, inequivocamente, não ocorria com as formas e maneiras antigas de seu desenvolvimento, de modo que somente no processo penal romano, o tribunal do povo, adquiriu esta estrutura.

 

Cumpre ressaltar que a estrutura necessária para o regular desenvolvimento do procedimento do júri, mencionada acima, refere-se aos contornos atuais do procedimento do júri em nosso sistema jurídico pátrio. Razão pela qual, pactuando com o entendimento de Lauria Tucci, somente no segundo período evolutivo do processo penal romano; o sistema acusatório, consubstanciado nas quaestiones perpetuae, é que encontramos as efetivas origens do atual sistema brasileiro.

3 - Quaestiones Perpetuae

 

Por quaestiones perpetuae, em sua primeira edição, compreendia-se como sendo uma espécie de comissão de inquérito, com a finalidade de investigar e julgar os casos em que o referido funcionário estatal tivesse causado prejuízo a provinciano. Esta foi a primeira quaestio instituída, criada pela Lex Calpurnia, de 149 A.C.; sucedendo-lhe, todavia, várias outras, v. g., as quaestiones para conhecer e julgar os crimina de alta traição e de desobediência aos órgãos supremos do Estado(quaestio maiestatis).

 

No que diz respeito a composição da quaestio, têm-se que era formada por um presidente(praetor vel quaesitor), e no máximo, cinqüenta cidadãos(iudices iurati), retirados, inicialmente, dentre os senadores, pois, num passo seguinte, passou-se a escolhê-los, com o advento da Lex Sempronia, por Caio Gracco(122 a. C.), também entre os cavaleiros; e, finalmente, com a Lex Aurelia (70 a. C), entre senadores, cavaleiros e tribuni aerarii, uma terça parte de cada ordem.

 4 - Semelhanças entre as Quaestiones Perpetuaes e o Procedimento do Júri no Brasil

 

Nota-se, somente pelos comentários acima, a ligeira semelhança entre o sistema romano e brasileiro, uma vez que, assim como o iudex quaestiones, também temos um juiz presidente, este togado, bacharel em direito, e os jurados, escolhidos dentre os cidadãos de notória idoneidade.

 

E as semelhanças não param por aí, visto que nas quaestiones perpetuae, com a ocorrência de um fato criminoso, instituía-se a quaestio(corte judicante)[14], formada por um magistrado, que a presidia(quaesitor, responsável pela direção dos trabalhos, porém, sem o direito de voto), e jurados(iudices iurati), sendo de competência destes julgar, num processo de natureza pública e oral.

A forma de seleção dos jurados e as peculiaridades do respectivo procedimento, sendo, este, também bifásico, assim como tal o tribunal popular brasileiro, assemelhando-se, ainda, até mesmo no momento da votação. 

 

4.1 - Outras Semelhanças Existentes entre o Sistema Processual Penal Romano e Procedimento do Júri Brasileiro

.A decisão era tomada por maioria de votos;

.O juramento dos jurados;

.soberania do veredicto;

.formação do conselho de sentença mediante sorteio; e, mesma denominação dos membros da quaestio; jurados.

 

5 - Brevíssima Anotação sobre a Introdução do Tribunal do Júri no Brasil

 

Pois bem, conforme anotado inicialmente, o propósito deste trabalho não é apontar para o surgimento e evolução do tribunal do júri, de modo que apresentamos, como introdução, as supostas origens e as semelhanças entre o antigo sistema romano e o brasileiro. Assim, encerraremos esta parte, para efetivamente enfrentarmos o tema do trabalho.

 

Contudo, uma derradeira anotação deve ser feita, qual seja, a introdução do tribunal do júri em nosso sistema jurídico. 

 

O tribunal do júri foi instituído em nosso país pela lei 18 de Julho de 1822, com competência inicial para julgar os crimes de imprensa, posteriormente, foi incorporado à Constituição Federal de 1824.

Nessa linha de raciocínio, oportuna as lições do enovado Juiz de direito Guilherme de Souza Nucci[15], ao anotar que desde o julgamento dos crimes de imprensa, sua competência inicial, até atingir a exclusividade dos crimes dolosos contra a vida, atual esfera de competência mínima, fixada pela Constituição de 1998.

 

 

 

E arremata, prescrevendo que:

 

“Costuma-se, no entanto, questionar se ele deve permanecer no sistema judiciário, provocando, pois, as mais ardentes discussões entre juristas e políticos. O fato é que existe e está colocado no título dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, constituindo-se cláusula pétrea, como prevê o art. 60, § 4o, IV da Constituição Federal. Devemos, pois, conviver com ele e estudá-lo minuciosamente, a fim de aprimorá-lo, tornando seus veredictos o mais próximo possível do desejado, em nível de legalidade e justiça”.(grifo e negrito nossos).

 

Inicialmente, era composto por vinte e quatro juízes de fato, cidadãos escolhidos dentre os homens inteligentes, patriotas e homens bons. Consequentemente, com o advento de novas Constituições e leis infraconstitucionais, várias mudanças foram acontecendo ao longo dos anos, sem, contudo, tivessem o condão de afastá-lo do sistema jurídico vigente, de modo que desde a sua introdução até os dias atuais, inobstante a todas as críticas, o tribunal do júri continua firme e distribuindo justiça.

 

De sorte que, para encerrar esse breve retrospecto histórico, esclareça-se que desde o Brasil Império, até a República de nossos dias, mesmo com todas as críticas e falhas na instituição do júri, este permaneceu e permanece em plena atividade, mesmo levemente que fosse, teve suas colunas mestras abaladas.

III - Da Culpabilidade

 

SUMÁRIO: 1. Breves Comentários Acerca da Culpabilidade: 2 - Teoria Clássica ou Causalista: 3 - Teoria Finalista da Ação: 4 - Algumas Diferenças Existentes entre a Teoria Clássica e a Teoria Finalista da Ação:

 

1 - Breves Comentários Acerca da Culpabilidade

 

À luz dos ensinamentos do Doutor em Direito Penal pela Universidade de Sevilha, Cezar Roberto Bitencourt[16], segundo o princípio da culpabilidade, em sua configuração mais elementar, “não há crime sem culpabilidade”. No entanto, o Direito Penal primitivo caracterizou-se pela responsabilidade objetiva, isto é, pela simples produção do resultado, forma de responsabilidade objetiva que está praticamente erradicada do Direito Penal contemporâneo, vigindo o princípio “nullum crimen sine culpa”.

 

Em nosso ordenamento jurídico penal, parece-nos inequívoca a introdução do princípio da culpabilidade, uma vez que fora expressamente previsto pela reforma de 1.984.

 

Melhor esclarecendo, a reforma da parte geral do Código de Penal, de 1.984, afastou, definitivamente de todo o ordenamento jurídico, os resquícios de responsabilidade objetiva, que ainda, insistia em sobreviver, para introduzir; para sedimentar, o princípio da culpabilidade.

 

Nesse sentido, a exposição de motivos da nova parte geral do Código Penal, introduzida pela Lei no 7.209/84, prescreve em seu item 18, que o princípio da culpabilidade estende-se, assim, a todo o Projeto[17]...

 

Entretanto, para não perder a linha de exposição, deixarei, de lado, neste momento, os comentários acerca da responsabilidade objetiva, para prosseguir enfrentando o intrigante e tormentoso tema da culpabilidade.

 

Pois bem, Bitencourt, na mesma obra apontada acima, anota que não há necessidade de assinalar que a uma concepção de Estado corresponde, da mesma forma, uma de pena, e a esta uma outra de culpabilidade. Destaca-se a utilização que o Estado faz do Direito Penal, isto é, da pena, para facilitar e regulamentar a convivência dos homens em sociedade.

 

Através da pena, o Estado procura regular, porque, inquestionavelmente, não consegue, de forma pacífica, o convívio social. Por este motivo, pode-se seguramente assegurar que Pena e Estado são conceitos intimamente relacionados entre si. O desenvolvimento do Estado está intimamente ligado ao da pena[18].

 

Razão pela qual, de forma magnífica, manifestou-se Von Liszt, ao declinar que pelo aperfeiçoamento da teoria da culpabilidade mede-se o progresso do Direito Penal[19].

 

Tal assertiva acreditamos ser correta; entretanto, trazemos à colação com o escopo de apresentar uma pequena idéia do conceito de culpabilidade, aliado às infrações penais e a resposta estatal. Assim, passaremos adiante.

 

Para o Professor Francisco Munõz Conde[20], a culpabilidade não é um fenômeno isolado, individual, mas é um fenômeno social, afetando somente o autor do delito[21], e prescreve:

 

“Não é uma qualidade da ação, mas uma característica que se atribui, para poder ser imputada a alguém como seu autor e fazê-lo responder por ela. Assim, em última instância, será a correlação de forças sociais existentes em um determinado momento que irá determinar os limites do culpável, da liberdade e da não liberdade”.  

 

Como destinação da culpabilidade; a que se objetiva; a que se presta; trago à colação a seguinte manifestação de Munõz Conde[22]:

 

“Não é uma categoria abstrata ou a-histórica, à margem, ou contrária às finalidades preventivas do Direito Penal, mas a culminação de todo um processo de elaboração conceitual, destinado a explicar por que, e para que, em um determinado momento histórico, recorre-se a um meio defensivo da sociedade tão grave como a pena, e em que medida se deve fazer uso deste meio”.

 

E o professor Francisco Munhoz Conde, esclarece qual o momento em que se avalia a culpabilidade, diante do caso concreto, conforme transcreve Bitencourt[23]. Senão vejamos:

 

Esta afirmação tem caráter seqüencial, isto é, o peso da imputação vai aumentando na medida que passa de uma categoria a outra (da tipicidade à antijuridicidade, da antijuridicidade à culpabilidade etc.), tendo, portanto, que se tratar em cada categoria os problemas que lhe são próprios”.

 

Considerando as lições de Munõz Conde, temos como mesmo posicionamento assinalado no dicionário jurídico de Maria Helena Diniz[24], ao registrar que culpabilidade é o estado do que é imputável; a possibilidade de ser imputável ao agente a autoria de um crime.(grifos e negritos nossos).

 

Para Hanz Welzel, a culpabilidade é reprovabilidade do fato antijurídico individual e o que se reprova; é a resolução de vontade antijurídica em relação ao fato individual[25]

 

Nesse sentido, em síntese, vários interpretes do Direito Penal pátrio se posicionam de acordo com Welzel; entre eles, Luiz Flávio Gomes[26].

 

A noção de culpabilidade está, pois, estreitamente vinculada à de evitabilidade da conduta ilícita, pois só se pode emitir um juízo de reprovação ao agente que não tenha evitado o fato incriminado quando lhe era possível fazê-lo[27].

 

E prossegue o Professor Assis Toledo, argumentando que de uns tempos para cá tem-se questionado-e muito-esse fundamento da culpabilidade. Autores há que não hesitaram em negá-lo; outros pretendem fazer a culpabilidade derivar da idéia de prevenção ou dos fins da pena.

 

E arremata, sob o fundamento de que  o certo, porém, é que o princípio da culpabilidade, fruto de lenta e penosa elaboração dos povos civilizados, entendido como censurabilidade da formação e manifestação da vontade, constitui, ainda hoje, a base irredutível de nosso sistema penal. E nada indica que venha a ser substituído em futuro próximo.(grifos e negritos nossos).

 

Todavia, a culpabilidade, ao nosso ver, não se presta a um único papel; não se apresenta em um único momento, porque é um conceito dogmático a afirmativa de ser um juízo de reprovação.

De sorte que a culpabilidade cumpre vários papéis e deve ser interpretada de várias formas, definindo-a, levando-se em consideração, a questão a ela submetida.

 

De modo que atribui-se, em Direito Penal, um triplo sentido ao conceito de culpabilidade, que precisa ser liminarmente esclarecido[28].

 

Para a correta elucidação do tríplice conceito de culpabilidade, em direito penal, trago à colação as manifestações da lavra do ilustre Professor Cezar Roberto Bitencourt[29]. Quais sejam:

 

“Em primeiro lugar, a culpabilidade - como fundamento da pena - refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a presença de uma série de requisitos - capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta - que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade. A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal.(grifos e negritos nossos).

 

Em segundo lugar, a culpabilidade como elemento da determinação ou medição da pena. Nesta acepção a culpabilidade funciona não como fundamento da pena, mas como limite desta, impedindo que seja imposta aquém ou além da medida prevista pela própria idéia de culpabilidade, aliada, é claro, a outros critérios, como importância do bem jurídico, fins preventivos etc.

 

E, finalmente, em terceiro lugar, a culpabilidade como conceito contrário à responsabilidade objetiva. Nesta acepção, o princípio de culpabilidade impede a atribuição da responsabilidade objetiva. Ninguém responderá por um resultado absolutamente imprevisível, se não houver obrado, pelo menos, com dolo ou culpa”.

 

Sobre este terceiro conceito de culpabilidade, anotado acima, nós que interpretamos o direito penal e processual penal, no dia-a-dia forense, temos que se trata de uma das mais importantes garantias a favor dos acusados, posto ser comum a imputação a estes; quer seja pelo titular da ação penal, quer seja, via de regra, através da resposta penal, a responsabilização objetiva.

 

Não se pode mais admitir a responsabilização pelo resultado, ou seja, a responsabilidade objetiva, sem que esteja presente o dolo ou a culpa do agente.

 

Feito estes esclarecimentos de ordem pessoal, e sem maiores pretensões, cumpre discorrer sobre as teorias que se apresentam sobre a definição de crime, para que possamos enfrentar diretamente o tema proposto.

 

Entretanto, apresentarei comentários acerca de apenas duas das teorias do delito existentes. Quais sejam: A teoria Clássica ou Causalista e a Teoria Finalista da Ação.

 

2 - Teoria Clássica ou Causalista

 

À luz da teoria clássica, temos o crime como um fato típico, antijurídico e culpável.

 

Como fato típico, tem-se que é a adequação do fato ao modelo legal de crime ou contravenção pena[30]. Vale dizer, compara-se a conduta realizada pelo suposto agente infrator ao conceito prescrito por lei.

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Nessa linha, ocorrendo o fato típico, estaremos diante da antijuridicidade, pois o fato está em desconformidade; contrário ao ordenamento jurídico.

 

A culpabilidade, conforme já explanado, nesta acepção, é o juízo de reprovação em razão da conduta delituosa.

 

Pois bem, a teoria clássica, diferentemente da teoria finalista da ação, coloca a culpabilidade no conceito do crime, de modo que para a ocorrência do crime, mister se faz presente a culpabilidade, ou seja, que a conduta mereça reprovação.

 

Para o finalista Damásio de Jesus[31], ao considerar a conduta; a ação; a teoria clássica é meramente causal - movimento corpóreo que produz resultado no mundo exterior. Não contém o dolo nem a culpa.

 

Como defensores desta teoria, no ordenamento jurídico pátrio, temos Nélson Hungria, Aníbal Bruno, Bento de Farias, Magalhães Noronha, Basileu Garcia, Bettiol, Paulo José da Costa Júnior, etc...

 

Registre-se, em tempo, e até como uma menção saudosa, as lições do ilustre Professor e Ministro Francisco de Assis Toledo, que, ao discorrer sobre a teoria do crime, posicionou-se na mesma linha de entendimento de Aníbal Bruno e Magalhães Noronha, ou seja, defensor da Teoria Clássica.

 

Nessa esteira de raciocínio, Assis Toledo asseverou que dentre as várias definições analíticas que têm sido propostas por importantes penalistas, parece-nos mais aceitável a que considera as três notas fundamentais do fato-crime, a saber: ação típica (tipicidade), ilícita ou antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade)[32].

 

Na mesma linha de entendimento, o enovado jurista Cezar Roberto Bitencourt[33], ao asseverar que a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são predicados de um substantivo que é a conduta humana definida como crime. Não nos convence o entendimento dominante na doutrina brasileira segundo o qual a culpabilidade, no atual estágio, deve ser tratada como um pressuposto da pena, e não como integrante da teoria do delito(grifos e negritos nossos).

E arremata, argumentando que é de uma clareza meridiana, uma ação típica e antijurídica somente se converte em delito com o acréscimo da culpabilidade.

 

Parece-nos uma manifestação causalista, pois não exclui a culpabilidade do conceito de crime.

 

3 - Teoria Finalista da Ação

 

A teoria finalista da ação, que revolucionou o direito penal moderno[34], desenvolvida por Hanz Welzel, em trabalho publicado, nos idos de 1931, sob o título Kausalitat und Handlung (causalidade e ação)[35], define o crime como sendo um fato típico e antijurídico.

Por amor ao tema, registre-se que a Teoria Finalista da Ação não fora preconizada ou proposta por Welzel, como sustentam alguns autores[36], porque, sem procurar enfrentar seriamente o tema, há registros de que Welzel aperfeiçoou a já existente Teoria Finalista da Ação.

 

Pois bem, à luz do magistério de Bitencourt[37], a teoria do delito encontra no finalismo um dos mais importantes pontos da sua evolução. É uma das mais caras contribuições da teoria finalista, que fora iniciada pelo normativismo neokantiano, foi a extração da culpabilidade de todos aqueles elementos subjetivos que a integravam até então e, assim, dando origem a uma concepção normativa pura da culpabilidade...(grifos e negritos nossos).

 

A culpabilidade, no finalismo, pode ser resumida como o juízo de reprovação pessoal levantado contra o autor pela realização de um fato contrário ao Direito, embora houvesse podido atuar de modo diferente de como o fez[38].

 

Cumpre realçar; entretanto, que os ensinamentos acima transcritos, colhidos da obra do Professor Bitencourt, não são taxativos quanto a exclusão da culpabilidade do conceito de crime, pois, ao discorrer sobre a localização da culpabilidade, demonstrou entender que a culpabilidade é elemento da definição de crime, conforme demonstrarei em tópico adiante, denominado A Culpabilidade como Fundamento da Pena.

 

De qualquer sorte, contrariando o conceito de crime assinalado pela Teoria Clássica, a finalista retira do conceito de crime a culpabilidade; assim, não é elemento do crime, mas condição para a imposição da pena[39].

 

4 - Algumas Diferenças Existentes entre a Teoria Clássica e a Teoria Finalista da Ação

 

O professor Damásio E. de Jesus, um dos fiéis defensores do finalismo, em recomendada obra doutrinária[40], aponta para algumas diferenças entre a teoria que defende e a Teoria Causalista ou clássica.

 

Inicia o mestre Damásio, comparando a conduta(ação), anotando que consoante a Teoria Clássica, têm-se que é meramente causal-movimento corpóreo que produz um resultado no mundo exterior. Não contém o dolo e nem a culpa. Ao passo que na Teoria Finalista da Ação, é o comportamento humano consciente dirigido a certa finalidade.

 

Quanto à localização do dolo e da culpa, anotou que estão localizados na culpabilidade(Teoria Causalista); e no tipo. Dolo: elemento subjetivo do tipo; culpa: elemento normativo do tipo(Teoria Finalista da Ação).

 

As diferenças entre os componentes da culpabilidade, segundo Damásio de Jesus, avaliando as teorias em estudo, residem no seguinte: Teoria Clássica: imputabilidade, dolo ou culpa e exigibilidade de conduta diversa. Teoria Finalista: imputabilidade, possibilidade de conhecimento da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.

 

Por oportuno, registre-se a seguinte manifestação do Professor Francisco de Assis Toledo[41] :

 

“A culpabilidade é o terceiro elemento do conceito jurídico do crime(Teoria Clássica). Nullum crimem sine culpa. Deve-se entender o princípio da culpabilidade como a exigência de um juízo de reprovação jurídica que se apóia sobre a crença - fundada na experiência da vida cotidiana - de que homem é dada a possibilidade de, em certas circunstancias, agir de outro modo”.

 

Logo se vê que a Teoria Causalista inclui o dolo e a culpa como componentes da culpabilidade. Ao revés, a finalista  os coloca no Tipo penal.

 

Como efeitos da ausência de dolo e culpa, tem-se que, à luz da Teoria clássica, não haverá culpabilidade, de modo que se a culpabilidade presta-se a compor os elementos do crime, não há que se falar em crime; observando-se, contudo, que a conduta é típica.

 

Para a Teoria Finalista da Ação, ante a ausência de dolo ou de culpa, a conduta será atípica; estaremos diante de ausência de conduta.

 

Para finalizar, considerando-se a Teoria da culpabilidade adotada[42], temos que:

 

Teoria Clássica ou Causalista: psicológico-normativa, apresentando elementos psicológicos (dolo e voluntariedade na culpa) e normativo (exigibilidade de conduta diversa); e,

 

Teoria Finalista da Ação: normativa pura: puro juízo de censurabilidade, não contendo elementos psicológicos.

 

E arremata Damásio de Jesus, asseverando que a Teoria finalista da Ação fora adotada pela reforma da parte geral do Código Penal de 1.984.

 

IV - A Inimputabilidade e as Causas de Exclusão da Antijuridicidade no Procedimento do Tribunal do Júri

 

SUMÁRIO: 1 - Da Imputabilidade Penal: 2 - Das Causas Legais de Exclusão de Criminalidade: 2.1 - Do Estado de Necessidade: 2.2 -  Da Legítima Defesa: 2.2.1 - Repulsa a Agressão Atual ou Iminente e Injusta; 2.2.2 - Defesa de Direito Próprio ou Alheio; 2.2.3 - Emprego Moderado dos Meios Necessários de Defesa; 2.2.3.1 - Da Atormentada Questão do Reconhecimento dos Meios Moderados pelo Conselho de Sentença(Tribunal do júri): 3 - Do Estrito Cumprimento do Dever Legal: 4 - Do Exercício Regular de Direito:  

 

1 - Da Imputabilidade Penal

 

Poder-se-ia questionar o porque de discorrer acerca da culpabilidade e da teoria Clássica e Finalista da Ação; entretanto, o tema deste trabalho, para melhor compreensão, exige tais asseverações, pois guardam estreita relação, conforme se demonstrará.

 

À luz do magistério de Assis Toledo[43], para  a doutrina finalista, que adota uma concepção normativa, pressupõe a capacidade de culpa (imputabilidade), ou seja, que o agente tenha  a idade mínima prevista pela lei penal (no Brasil, dezoito anos) e que, além disso, possua ao tempo do fato a higidez biopsíquica (saúde metal) necessária para a compreensão do injusto e para orientar-se de acordo com essa compreensão.

 

De sorte que os menores de dezoito anos e os que não possuam a higidez biopsíquica(saúde mental), não possuem capacidade de culpabilidade.

 

A imputabilidade, consoante os ensinamentos de E. Magalhães Noronha[44], é o conjunto de requisitos pessoais que conferem ao indivíduo capacidade, para que, juridicamente, lhe possa ser atribuído um fato delituoso. Pelos próprios termos do art. 26, imputável é a pessoa capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Sinteticamente, pode dizer-se que imputabilidade é a capacidade que tem o indivíduo de compreender a ilicitude de seu ato e de livremente querer praticá-lo.

 

E arremata, o revisor e atualizador desta mesma obra supra mencionada, o ilustre Desembargador Adalberto José Queiroz T. de Camargo Aranha, asseverando que o fundamento da imputabilidade é a vontade humana, livre e consciente.

Cumpre, ainda, como definição apontada em dicionário jurídico, transcrever a definição de imputabilidade anotada por Maria Helena Diniz[45]. Qual seja:

 

“Possibilidade de atribuir-se a alguém a autoria de um crime e a conseqüente responsabilidade.

2. Conjunto de condições pessoais que conferem ao agente a capacidade para ser-lhe juridicamente imputada a prática do crime(Aníbal Bruno)”

 

Nos termos da manifestação da lavra do eminente Professor Julio Fabbrini Mirabete[46], admitindo-se que a culpabilidade é um juízo de reprovação e assentado que somente pode ser responsabilizado o sujeito pela prática de um fato ilícito quando poderia ter agido em conformidade com a norma penal, a imputação exige que o agente seja capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse entendimento.(grifos e negritos nossos).

Os elementos que integram a culpabilidade, segundo a concepção finalista, são: a) a imputabilidade; B) possibilidade de conhecimento da ilicitude do fato; c) exigibilidade de obediência ao direito[47].

 

Logo se vê que a imputabilidade, sob a ótica finalista, é um dos elementos que integram a culpabilidade. De sorte que ausente a imputabilidade, não há que se falar em culpabilidade, pois faltará capacidade de culpabilidade.

 

Assim, conforme já assinalado, de acordo com a Teoria do Delito a ser utilizada, estaremos diante de conseqüências diversas.

Sem a capacidade de culpabilidade ou ausente a imputabilidade, consoante a Teoria Clássica, não há que falar em crime, pois esta inclui a culpabilidade como formadora do conceito de crime.

Para a Teoria Finalista da Ação, ausente a imputabilidade, ou seja, se o agente era menor de dezoito anos à época dos fatos, ou não possua ao tempo do fato a higidez biopsíquica (saúde metal) necessária para a compreensão do injusto e para orientar-se de acordo com essa compreensão, não haverá juízo de reprovação.

 

O agente, embora cometa a infração penal, não sofrerá reprimenda; não será imposta a ele sanção penal, porque não podia entender o caráter ilícito da ação ou omissão; não reunia capacidade de culpabilidade, pois lhe faltou um de seus elementos, qual seja, a imputabilidade.

 

Pode-se asseverar, outrossim, valendo-se das lições de Munhoz Conde, que o crime não se aperfeiçoou, visto que o peso da imputação vai aumentando na medida que passa de uma categoria a outra (da tipicidade à antijuridicidade, da antijuridicidade à culpabilidade etc.)[48].

 

Vale dizer, faltará o elemento final(culpabilidade) que irá determinar a necessidade de punição, e se for o caso, qual o grau.

 

E para não deixar dúvida sobre a natureza e localização da culpabilidade, defendida por Welzel, invocamos suas próprias palavras sobre a concepção de delito: “O conceito da culpabilidade acrescenta ao da ação antijurídica - tanto de uma ação dolosa quanto de uma não dolosa - um novo elemento, que é o que a converte em delito”[49].

 

Portanto, para a perfeita caracterização da ocorrência delituosa, mister se faz a presença da culpabilidade, com todos os seus elementos.

 

Acrescente-se, mais uma vez que, nos termos da Teoria Finalista da Ação, a imputabilidade é um dos pressupostos da culpabilidade, de modo que ausente a imputabilidade, não há que se falar em capacidade de culpabilidade.

 

Ora, se para a ocorrência do delito imprescindível a presença dos elementos anotados anteriormente, de acordo com as duas teorias do delito estudadas, como se ajustaria o fato daquele que pratica o fato, sob o manto de uma causa excludente de criminalidade, ser inimputável?

 

Poderia o agente inimputável atuar sob o manto de uma causa de exclusão de criminalidade, considerando-se a necessidade do elemento subjetivo para a caracterização da excludente?

Essas indagações procurarei esclarecer, a seguir, apontando o meu entendimento acerca dos desdobramentos.

 

Contudo, neste trabalho, limitarei apenas a comentar sobre as causa legais de excludentes, pois não desconheço e admito a existência das causas extralegais de exclusão da ilicitude, posto ser o direito penal contemporâneo regido pelo princípio da culpabilidade, de modo que não se pode retirar o direito, mesmo que não previsto expressamente, de alegar uma causa de exclusão; quer seja da criminalidade; quer seja da ilicitude.

 

2 - Das Causas Legais de Exclusão de Criminalidade

 

Consoante o magistério de Assis Toledo[50], a lei de reforma do Código penal (Lei n. 7.209 de 11-04-1984), ao dar nova redação à parte geral, reproduziu, no art. 23, as mesmas causas do art. 19 do Código de 1940, ou seja: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito.

Assim é que temos presente em nosso ordenamento jurídico, penal e civil[51], causas que autorizam a ação que, sem os elementos das justificativas, se tornariam ilícitas, para que o agente não sofra a punição do Estado.

 

É a autorização prescrita no ordenamento jurídico para o indivíduo que, naquele momento não pode receber a proteção do Estado, possa defender-se; proteger bens jurídicos, que foram violados, ou estão na iminência de o serem.

 

O notável Professor Julio Fabbrini Mirabete, ao discorrer sobre o assunto, anota que[52] sendo o crime um fato típico e antijurídico, é necessário para a existência do ilícito penal que a conduta seja antijurídica, ou seja, na denominação legal, ilícita. A ilicitude decorre da contradição entre uma conduta e o ordenamento jurídico. Nesse sentido formal, o fato típico, em princípio, é antijurídico, dizendo-se, assim, que a tipicidade é o indício ou índice da antijuridicidade.

 

E continua, anotando que pode ocorrer, porém, que o agente pratique a ação típica em um das situações em que a lei a considera como lícita, excluindo-se a ilicitude e, portanto, a criminalidade da conduta.

O Código Penal pátrio prescreve quais as causas legais de exclusão de antijuridicidade como sendo o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito.

 

2.1 - Do Estado de Necessidade

 

Considera-se em estado de necessidade, consoante o artigo 24, do Diploma Penal,  o agente quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

 

Jescheck assinalou que é o estado de necessidade a situação de perigo atual, para interesses legítimos, que só pode ser afastada por meio da lesão de interesses de outrem, igualmente legítimos[53].

Ressalte-se, conforme assinala o Código Penal, que não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo; e por fim, anota que, embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

 

O estado de necessidade pressupõe sempre um conflito entre interesses lícitos do agente e do ofendido, em que um pode parecer licitamente para que outro seja poupado[54].

 

Muito poderia prescrever sobre o estado de necessidade; porém, não é este o objetivo deste trabalho, de modo que passarei a apontar para os requisitos exigidos para a caracterização desta causa excludente de ilicitude.

 

À luz da manifestação da lavra do Desembargador Adalberto José Queiroz Teles de Camargo Aranha; nosso mestre; em revisão da obra de E. Magalhães Noronha[55], argumenta que existe no estado de necessidade um conflito de bens-interesses. A ordem jurídica, considerando a importância deles igual, aguarda a solução para proclamá-la como legítima.

 

E assevera que  é óbvio que, na colisão de dois bens igualmente tutelados, o Estado pode intervir, salvando um e sacrificando outro. Há de manter-se em expectativa, è espera que se resolva o conflito.

 

Como requisitos para a caracterização dessa causa de justificação encontramos no artigo 24, do Código Penal, pois dali se depreende que o pressuposto é a existência de um direito do agente ou de terceiro, que é salvo com o sacrifício de outrem[56].

São elementos da justificativa: atualidade do perigo; inevitabilidade dele; involuntariedade em sua causação; e inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado[57].

 

Como casos clássicos da ocorrência desta excludente, podemos apontar para o dos náufragos, em pleno oceano, sobre uma tábua que apenas pode sustentar um deles; o do espectador de uma casa de diversões que incendeia e que para se salvar fere ou mata outro espectador; o do alpinista que precipita no abismo o companheiro, visto que a corda que os sustenta não suporta o seu peso etc[58].

 

2.2 - Da Legítima Defesa

 

Diz-se em legítima defesa quem, empregando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, contra um bem jurídico próprio ou alheio[59].

 

O reconhecimento da faculdade de autodefesa contra agressões injustas não constitui uma delegação estatal, como já se pensou, mas legitimação pela ordem jurídica de uma situação de fato na qual o direito se impôs diante do ilícito[60].

 

O Professor Assis Toledo, ao discorrer brilhantemente acerca desta excludente de criminalidade, transcreve a definição prescrita por Jiménez de Asúa, ao assinalar que la legitima defensa es repulsa de la agressión ilegítima, actual o inminente, por el atacado o tercera persona, contra el agressor, sin transpasar la necesidad de la defensa y dentro de la racional proporción de los medios empleados para impedirla o repelirla[61].

 

Depreende-se da definição de Jiménez de Asúa ser necessários a ocorrência de requisitos apontados por vários doutrinadores, de modo que não será necessário transcrever outros.

 

Pois bem, para aceitar o estado de Legítima Defesa; para restar configurada esta excludente de criminalidade, mister se faz a presença de seus requisitos.

 

Pensamos que os elementos que se podem extrair dessa regulamentação da causa de justificação em exame são os seguintes:

  • repulsa a agressão atual ou iminente e injusta;

  • defesa de direito próprio ou alheio;

  • emprego moderado dos meios necessários;

  • orientação de ânimo do agente no sentido de praticar atos defensivos[62].

2.2.1 - Repulsa a Agressão Atual ou Iminente e Injusta

Nos termos das inesquecíveis lições do Professor Assis Toledo, entende-se por agressão a lesão ou ameaça de lesão, provenientes de uma ação humana, a bens jurídicos (Stratenwerth). É atual a agressão já em curso no momento da reação defensiva. Se a agressão, porém, já se consumou e produziu os seus efeitos danosos, é agressão transata, não atual[63].

 

Todavia, se a reação ocorre antes da agressão; se esta ainda está para acontecer, estaremos diante da agressão iminente. Poder-se-ia argumentar: ora, mas a simples ameaça que não se revela um perigo concreto não autoriza imaginar que está atuando sob os mantos da legítima defesa.

 

Contudo, deve-se separar a possibilidade de ameaça; a que não representa um perigo concreto da agressão que está para acontecer. A possibilidade de ameaça de fato não pode ser utilizada para justificar a legítima defesa, visto que, nesses casos, é promessa de agressão futura, para cuja repulsa estão legitimados os órgãos do Estado incumbidos da prevenção do crime[64].

 

Ao revés, a agressão que está por acontecer; a agressão iminente, pode e deve ser entendida, conforme prescreve o próprio texto de lei, como oportunidade para a justa reação, porque a possibilidade concreta de agressão autoriza os atos necessários de defesa.

Agressão iminente é pois, sinônimo de perigo concreto de agressão, a ser aferido dentro de um quadro de probabilidades reais, não apenas fantasmagóricas[65].

 

Cumpre ressaltar, contudo, que se o agente forma em sua mentem turbada pelo medo, o fantasma de uma agressão sem aquelas características, não agirá em legítima defesa mas em estado de erro que poderá ser relevante.

 

No que tange a agressão injusta, temos ser aquela agressão ilícita antijurídica, pois um ato lícito pode ser uma agressão, e.g. penhora; porém não será uma agressão injusta.

 

Assim é que, valendo-me das lições de Assis Toledo, podemos afirmar que não há, pois, legítima defesa contra legítima defesa ou contra o agente que atua ao abrigo de uma outra causa de justificação. Admite-se, porém, o estado de necessidade contra estado de necessidade. A razão dessa diferença de tratamento está em que, na legítima defesa, a reação defensiva se faz contra uma agressão injusta, ao passo que, no estado de necessidade, a reação defensiva pode endereçar-se também contra um inocente[66].

 

Para melhor elucidar o caso, trazemos à colação o exemplo clássico de dois indivíduos sobre uma tábua de salvação em alto mar; situação em que nenhum dos dois náufragos poderá invocar a legítima defesa contra o outro; entretanto, poderão, sim, agir sob o manto do estado de necessidade.

 

Registre-se, ainda, que não se exige que a agressão injusta seja necessariamente um crime, pois existirão casos em que a reação defensiva será contra um ato que não se configurará necessariamente crime, e. g., mesmo quando a ação agressiva não caracterize o crime de esbulho possessório (CP, art. 161, II)[67].

 

Poderá a reação ser entendida como em estado de legítima defesa, mesmo quando praticada contra injusta agressão de inimputável, uma vez que se a agressão não precisa ser um crime, bastando a sua ilicitude, entendemos que não se exige ser ela culpável.

 

Nesse diapasão, o entendimento do saudoso E. Magalhães Noronha, ao asseverar que nada ela tem que ver com a culpabilidade do agressor: pode ser inimputável, como quando se tratar de um menor de dezoito anos. Lícita é a repulsa contra seu ataque[68]...

 

 

 

2.2.2 - Defesa de Direito Próprio ou Alheio

 

A legítima defesa aplica-se tanto em defesa de direitos próprios quanto a de terceiros, conforme a expressa vontade do legislador, pois o que se objetiva é evitar ou salvar violação a direitos, não necessariamente aos do que reage à injusta agressão.

 

Afirma Costa e Silva que “todos os direitos (bens ou interesses jurídicos) são suscetíveis de legítima defesa”. No mesmo sentido Nélson Hungria, Jescheck, Noronha e muitos outros. Assim, são defensáveis, exemplificativamente: a vida, a liberdade, a integridade física, o patrimônio, a honra, enfim, todo e qualquer direito reconhecido pela ordem jurídica[69].

 

Este posicionamento transcrito acima dá a exata dimensão da extensão de possibilidade de aplicação do instituto da legítima defesa, de modo que acreditamos ser dispensável outros comentários sobre essa parte.

 

Destarte, resta-nos discorrer sobre a reação defensiva, sob o manto da legítima defesa, em defesa de direitos de terceiros. Entretanto, depreende-se do artigo 25, do estatuto penal, que agirá em legítima defesa quem repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.(grifos e negritos nossos).

 

Nessa esteira de raciocínio, não há muito que se falar sobre esta hipótese, porque a determinação é expressa; não suscita controvérsias. Demais disso, autores consagrados, como Assis Toledo, Damásio de Jesus, Magalhães Noronha, Aníbal Bruno, Paulo José da Costa Junior, entre outros, em atenção a doutrina alemã, apontam para a legítima defesa de Bens do Estado e das pessoas jurídicas de direito público[70].

 

2.2.3 - Emprego Moderado dos Meios Necessários de Defesa

 

Acredito que, dentre os elementos exigidos para a caracterização da legítima defesa, o emprego moderado dos meios necessários seja dos que suscite controvérsias, considerando-se as circunstâncias do caso concreto, pois encontramos vários comentários acerca do assunto, versando de forma diversa.

 

Nem todo ato de defesa ou de autodefesa é legítimo, ou seja, autorizado pela ordem jurídica. O direito impõe restrições mais ou menos precisas para que o indivíduo, por seus próprios meios, possa fazer prevalecer, sem o concurso dos órgãos do Estado, seus interesses ou bens diante do agressor. Assim, mesmo quando presentes os requisitos já examinados (repulsa a injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio), há que se examinar, ainda, se a conduta daquele que defende os bens ou interesses ameaçados desenvolveu-se dentro de um quadro de necessidade e “moderadamente dos meios necessários[71]”.(grifos e negritos nossos).

Assim após a análise dos primeiros requisitos(repulsa a injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio), considerando-se, inclusive, a apreciação pelo Conselho de Sentença, nos casos de crimes de competência do tribunal do júri, passa-se a avaliação do uso moderado dos meios necessários; momento em que deve ser aferido o caso concreto, e não sob uma análise fria e calculista, qual seja, exigir uma reação milimétrica do meio utilizado e de sua intensidade.

 

São necessários os meios reputados eficazes e suficientes para repelir a agressão. Nem menos, nem mais do que isso. Assim, quando a diferença de porte dos contendores revelar que a força física do agredido era ineficaz para afastar a ameaça de espancamento, o emprego de arma poderá ser um meio necessário, se de outro recurso menos lesivo e também eficaz não dispuser o agredido[72].

Se, entretanto, for possível e suficiente a imobilização de um frágil agressor, por parte de um truculento agredido, sem maiores riscos, o emprego de armas e de instrumentos letais (ou mesmo o espancamento do agressor) será um meio desnecessário[73].

 

Cumpre ressaltar, outrossim, que o modo de repelir a agressão também pode influenciar decisivamente na caracterização do elemento em exame. Nesse sentido, já se manifestou o Colendo Supremo Tribunal Federal.

 

De sorte que o emprego de arma de fogo não para matar mas para ferir ou para amedrontar, pode ser considerado, en certas ocasiões, o meio disponível menos lesivo, eficaz e, portanto, necessário. O emprego de arma não descaracteriza, por si só, o caráter necessário do meio, se a arma tiver sido utilizada com toda a sua potencialidade[74].

 

A posição jurisprudencial apresenta-se no mesmo diapasão, pois mesmo não desconhecendo pequena corrente rigorosa quanto aos meios utilizados, a predominância é a de que deve ser aferida considerando-se caso a caso. Nesse sentido:

 

TJSP: “Havendo o réu usado do único recurso ao seu alcance, não é, por si só, a natureza do instrumento de defesa, ou as conseqüências da reação que desvirtuam a excludente de criminalidade prevista no art. 21 (art. 25 vigente) do Código Penal” (RT 434/328).

 

TACRSP: “Os meios necessários de que fala o art. 21 (art. 25 vigente) do CP são aqueles que o agente dispõe no momento em que revida uma agressão injusta a direito seu, podendo ser até mesmo desproporcional, desde que seja ‘o único à sua disposição no momento da reação’” (JTACRIM 71/297).

TACRSP: “Em tema de legítima defesa, o juízo de proporção não deve ficar adstrito ao cotejo entre o mal causado pela reação e o que poderia ter sido causado pela agressão, mas, sim, à necessidade e ao possível comedimento no emprego do meio defensivo. Assim, não há falar em excesso de defesa na conduta de quem, ofendido em sua honra e não dispondo de outro meio, menos grave, para repelir a agressão, reage a mão armada, suspendendo, porém, o revide após leve vulneração da vítima” (JTACRIM 44/159).

 

Uma infinidade de julgados nesse sentido, poderíamos trazer à colação; entretanto, parece-nos redundância, de modo que resta asseverar que o que se pretende é que o meio necessário seja aquele que tenha o condão de afastar a injusta agressão; e se o meio utilizado, mesmo que desproporcional diante da agressão, deverá ser aceito como tal, se de outro não dispunha o ofendido.

Quanto à moderação da reação defensiva, cremos não deva ser exigida em proporções milimétricas, visto não poder se exigir do ofendido que, diante, em certos casos, de situações de profunda alteração emocional, seja capaz de cessar a sua reação, de tal forma que se possa determinar até que ponto possa agir.

 

Trata-se, ao nosso ver, de critério que deva ser observado considerando-se, sobretudo, as circunstâncias de cada caso; não simplesmente aferir levando-se em consideração à norma escrita, como se fosse possível simplesmente aplicá-la.

 

Poder-se-ia, de outra parte, argumentar: mas qual o conceito de moderação? Se existe um conceito, ainda assim se pode falar em dúvidas?

Pois bem, uma das Câmaras do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, anotou o seu conceito de moderação. Qual seja:

 

“Homicídio. Absolvição sumária. Legítima defesa. Acusado premido por circunstâncias que não criou. Inexigibilidade de precisão absoluta na reação. Excessos não reconhecido. Recurso não provido. Para extrair-se o conceito de moderação na legítima defesa, é imprescindível ater-se ao homem e às circunstâncias que o rodeiam” (JTJ 199/143).

 

Depreende-se da manifestação acima transcrita exigir-se critérios subjetivos, ou seja, avaliando-se as circunstâncias de cada caso, da mesma forma que apontamos inicialmente.

 

Não se pode pretender aja o agente da legítima defesa com matemática proporcionalidade. Defesa própria é um ato instintivo, reflexo. Ante a temibilidade do agressor e o inopinado da agressão, não pode o agredido ter reflexão precisa para dispor sua defesa em equipolência com o ataque[75].

 

Cumpre realçar que a moderação exigida na lei diz respeito com a intensidade dada pelo agente no emprego dos meios de defesa. Quaisquer instrumentos ou armas - e até mesmo a força muscular - podem ser empregados para ameaçar, ferir ou matar o agressor[76].

2.2.3.1 - Da Atormentada Questão do Reconhecimento dos Meios Moderados pelo Conselho de Sentença(Tribunal do Júri)

 

Na ânsia de melhor elucidar a questão, passarei a narrar um caso em que atuei como defensor de um acusado de matar o invasor de sua residência, perante o Egrégio 3o Tribunal do Júri da Capital desse Estado, estabelecido no Foro Regional-II de Santo Amaro/Ibirapuera.

 

Do vertente caso, encontravam-se presentes todos os elementos que apontavam para a legítima reação do acusado; porém, um único requisito exigido para a caracterização da excludente de legítima defesa causava divergências entre acusação e defesa, pois, nada obstante entender que o acusado agiu inicialmente em estado de legítima defesa, o Digníssimo representante do Ministério Público, entendia que este excedera quanto aos golpes defensivos.

Nessa linha, a acusação pugnava pelo reconhecimento da legítima defesa; entretanto, requereu que o Conselho de Sentença reconhecesse o excesso, para condenar o réu por Homicídio Culposo

 

Nossa posição era oposta, posto que, inobstante os quase 35(trinta e cinco) golpes de arma branca(faca) desferidos pelo acusado, entendíamos que naquelas circunstâncias não haveria que se esperar que pudesse cessar os seus golpes.

 

Cumpre realçar que a vítima, mediante o uso de arma de fogo, invadira a residência do réu em período noturno, e segundo se constatou, na ânsia de subtrair os seus bens, quando fora surpreendido pela presença desta; iniciando-se uma longa e perigosa luta corporal. Ao se atracar com a vítima, o réu conseguiu segurar o tambor do revólver, não permitindo que àquela efetuasse disparos.

 

Após conseguir inibir a vontade da vítima de disparar contra ele, o acusado conseguira alcançar um facão que mantinha ao lado da porta de sua cozinha, e atingiu àquela por várias vezes, prostrando-a no solo, que não resistiu aos ferimentos e faleceu.

 

O Conselho de Sentença entendera que, diante das circunstâncias, não se podia esperar que o réu cessasse a sua investida, uma vez que após alguns golpes, a vítima ainda se mantinha firme, ou ao menos, não deixava de ofertar perigo. Assim, reunidos na sala secreta, decidiu pela legítima defesa; afastando a pretensão acusatória de excesso culposo.

 

Todavia, não se pode esquecer que o Conselho de sentença é formado por cidadãos, via de regra, leigos, que julgam de acordo com a suas convicções, sentimentos, crenças, entendimento religioso, cultural e sócio-econômico, e não possuem o mesmo posicionamento de um juiz togado, formado em direito, que possui, em sua grande maioria, uma visão técnica.

 

Nessa linha, se o caso apresentado fosse submetido a apreciação de um juiz singular, se tivesse competência para julgá-lo, talvez o entendimento fosse diverso, pois, se pegaria muito na questão da moderação.

O certo é que, mesmo considerando entendimentos diversos, de acordo com a formação do julgador, vê-se que cada caso é um caso; não se pode, considerando-se as assertivas já anotadas, e. g., que o número de golpes seja o fator que determinará a exclusão da moderação da reação.

 

3 - Do Estrito Cumprimento do Dever Legal

 

Consoante o magistério de Julio Fabbrini Mirabete[77], não há crime quando ao gente pratica o fato no “estrito cumprimento de dever legal”. Evidentemente, como a lei não contém contradições, quem cumpre regularmente um dever não pode, ao mesmo tempo, estar praticando um ilícito penal. Essa excludente pressupõe no executor um funcionário ou agente público que atua por ordem da lei, não se excluindo o a particular que exerça, eventualmente, uma função pública.

 

O fundamento do dispositivo é óbvio. Se o agente atua no cumprimento de dever legal, seu comportamento não é antijurídico. O dever que ele cumpre pode ser imposto por qualquer norma legal(lei, decreto, regulamento etc.) e não apenas por leis de natureza penal[78].

 

Ressalte-se que o agente deve orientar-se em estrito cumprimento do dever legal. De modo que se o agente não obedecer ao dever legal; se exceder, ultrapassará os limites, e, consequentemente, incorrerá em abuso de direito ou excesso de poder – ou o excesso punível do parágrafo único – e não exclusão de ilicitude (ou antijuridicidade). 

 

De se registrar que não se deve confundir essa causa de exclusão de criminalidade com a dirimente da estrita obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico. Explica melhor fernando de Almeida Pedroso: “exclui a primeira a antijuridicidade do fato típico. Na última, subsiste a ilicitude, porque a ordem é ilegal (embora não apresente esta transparência), eximindo de culpabilidade o seu executor (mas possibilitando a punição do mandante)[79]”.

 

Como exemplo dessa causa de justificação, vários são as hipóteses citadas, e. g., a ação do executor de fuzilamento de condenado, a morte do inimigo no palco da guerra, a prisão em flagrante efetuada pelo agente policial, etc... Todos, exemplos apresentados por consagrados doutrinadores.

 

4 - Do Exercício Regular de Direito

 

A lei prevê como causa excludente de criminalidade quando o agente pratica o fato em exercício regular de direito, nos termos da segunda parte do art. 23, inciso III, do Código Penal.

O fundamento dessa exclusão está em que a antijuridicidade é única e não privativa do Direito Penal ou de qualquer outro ramo do direito. O ordenamento jurídico tem de ser harmônico. Por isso, se um comportamento é aprovado ou legitimado por lei extrapenal (civil, administrativa etc.), o Direito Penal não pode considera-lo ilícito penal. Note-se, porém, que a lei fala em exercício regular de direito, demonstrando que não podem ser ultrapassados os limites, determinados ou implícitos, em que a lei extrapenal faculta seu exercício (vide Excesso punível, no parágrafo único)[80].

V - Do Elemento Subjetivo como Requisito para a Caracterização de uma Causa de Exclusão de Antijuridicidade Considerando-se a Explanação frente ao Tribunal do Júri

 

SUMÁRIO: 1 - Brevíssimo comentário Sobre o Enfrentamento de Algumas Questões em Plenário de Júri: Da Imputabilidade Penal: 2 - Da Necessidade da Presença do Elemento Subjetivo para a Caracterização de uma Excludente de Criminalidade no Tribunal do Júri: 3 - Questões para Reflexões:

 

1 - Brevíssimo comentário Sobre o Enfrentamento de Algumas Questões em Plenário de Júri

 

O Tribunal do Júri, previsto em todas as Constituições que esse país já teve, quanto à formação cultural e educacional de seu membros julgadores, revela paixões, discussões e debates emocionantes, pois o orador defende a sua tese, e objetiva convencer os seus ouvintes de que é a mais apropriada.

 

Tal fato ocorre porque os jurados, escolhidos dentre os cidadãos de moral ilibada e corretos, para que exerçam mandamento constitucional, sem qualquer restrição quanto ao ofício exercido(desde que moral), e, assim, poucas são as vezes em que temos profissionais do direito ocupando a cadeira de julgador, não tem conhecimento jurídico suficiente para enfrentar a questão de forma racional e técnica.

Nessa linha de raciocínio, os protagonistas responsáveis por promoverem a acusação e a defesa, procuram explorar fatos e provas constantes dos autos que sejam capazes de conduzir a votação de acordo com os seus interesses, de modo que, em certos casos, utiliza-se de meios que, se fossem submetidos ao crivo do juiz singular, certamente não apresentariam resultados esperados, e. g., discorrer sobre a vida pregressa do réu, em casos de constar de sua folha de antecedentes crimes que não guardam qualquer relação com o caso sub judice.

Ora, se aos jurados é entregue a difícil missão de julgar os fatos imputados ao acusado, entendidos como crime doloso contra a vida, por qual motivo é explorada a vida pregressa do réu, quando os dados ali constantes não guardam qualquer relação com o crime pelo qual está sendo julgado?

 

Nesses casos, a vida pregressa do réu interessa ao Juiz-presidente, quando da aplicação da pena, em caso de condenação.

 

2 - Da Necessidade da Presença do Elemento Subjetivo para a Caracterização de uma Excludente de Criminalidade no Tribunal do Júri

 

Outro ponto de controvérsias e discussões nos Plenários dos Tribunais do Júri, espalhados por todo o nosso país, revela-se na exigência, ou não, do elemento subjetivo, para a caracterização de uma causa excludente de ilicitude, de sorte que a seguir passaremos a tecer alguns comentários sobre o tema.

O elemento subjetivo reside no estado de ânimo do agente que pratica  a ação defensiva. São os motivos e a intenção do agente que se revelam no intuito de defender-se, no agir “para defender-se”, sem que se exija uma consciência da licitude do fato[81].

 

Nos termos da manifestação da lavra do saudoso Professor Francisco de Assis Toledo[82], assim como no estado de necessidade e nas causas de justificação, exige-se o elemento intencional que, na legítima defesa, se traduz no propósito de defender-se. A ação defensiva - já o dissemos - não é um fenômeno cego do mundo físico, mas uma verdadeira ação humana. E como tal só se distingue da ação criminosa pelo significado positivo que lhe atribui a ordem jurídica.

 

Em uma, isto é, na ação criminosa, dá-se o desvalor da ação; em outra, na ação defensiva, reconhece-se a existência de um intenso conteúdo valioso. Em ambas, porém, a orientação de ânimo, a intencionalidade do agente, é elemento decisivo, pois o fato, que, na sua configuração ou aparência exterior, permanece o mesmo (exemplo: causar a morte de um ser humano), dependendo das circunstâncias e também dos motivos e da intenção do agente, pode ser: homicídio doloso ou culposo; legítima defesa; excesso doloso, culposo ou exculpante de legítima defesa; legítima defesa putativa[83].

 

Posicionamento diverso apresenta o Desembargador Camargo Aranha, em revisão à obra de Magalhães Noronha[84], visto asseverar não ser possível exigir o elemento subjetivo para a caracterização das causas de exclusão de ilicitude.

 

De acordo com o seu entendimento, argumenta que a legítima defesa é causa objetiva de excludente da antijuridicidade, porque reduz à apreciação “do fato” qualquer que seja o estado subjetivo do agente; qualquer que seja sua convicção. Ainda que pense estar praticando um crime, se a “situação de fato” for de legítima defesa, esta não desaparecerá. O que está no psiquismo do agente não pode mudar o que se encontra na realidade do acontecido.

Parece-nos que a posição mais acertada é a do Professor Assis Toledo, porque, se de acordo com as circunstâncias de cada caso, os desdobramentos jurídicos; a imputação, apresenta-se de uma ou de outra forma, o mesmo se diga ação defensiva.

 

Assim é que, considerando-se as variedades de possibilidades, não se pode afirmar que a legítima defesa, bem como as outras causas de exclusão de antijuridicidade, exigem elementos apenas objetivos.

Todavia, cumpre ressaltar e acrescentar que a análise do elemento subjetivo deve ser feita sem que se exija do reagente uma consciência da licitude do fato. O que deve estar presente, ou ao menos verossímel, é que a ação defensiva ocorreu com o escopo de se defender; com orientação de ânimo do agente no sentido de praticar atos defensivos[85].

 

Isto, ao nosso ver, limita, consideravelmente, a exigência do elemento subjetivo, como requisito para a caracterização de uma causa de exclusão de criminalidade, pois, conforme anotado acima, prescinde da consciência da licitude, ou seja, o agente que pratica a reação defensiva, não precisa ter conhecimento de que, para valer-se da excludente, está praticando, e. g., a legítima defesa, o estado de necessidade. Será preciso que tenha consciência de que os seus atos são defensivos; que assume a vereda com o escopo de se defender(nos casos de legítima defesa própria).

 

3 - Questões para Reflexões

 

Contudo, para uma reflexão um pouco mais apurada da consciência de reação defensiva, não se pode esquecer da Teoria do Delito a ser considerada, uma vez que cada qual apresenta diferentes elementos para a caracterização da conduta infracional, conforme já estudado anteriormente, de modo que, a partir de agora, analisaremos esses pontos; procuraremos esclarecer as indagações propostas. Quais sejam:

 

1a) Ora, se para a ocorrência do delito imprescindível a presença dos elementos anotados anteriormente, de acordo com as duas teorias do delito estudadas, como se ajustaria o fato daquele que pratica o fato, sob o manto de uma causa excludente de criminalidade, ser inimputável?

 

2a) Poderia o agente inimputável atuar sob o manto de uma causa de exclusão de criminalidade, considerando-se a necessidade do elemento subjetivo para a caracterização da excludente?

 

Primeira Indagação:

 

Pois bem, considerando-se a Teoria do Delito a ser respeitada, temos que na Finalista da Ação, ante a ausência de consciência da ilicitude; o que se pode asseverar acerca do inimputável; não possuirá capacidade de culpabilidade.

 

Se não possui capacidade de culpabilidade, não possui condições de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento[86]. Não possuirá, ao tempo do fato, a higidez biopsíquica (saúde metal) necessária para a compreensão do injusto e para orientar-se de acordo com essa compreensão[87].

 

Admitindo-se que a culpabilidade é um juízo de reprovação e assentado que somente pode ser responsabilizado o sujeito pela prática de um fato ilícito quando poderia ter agido em conformidade com a norma penal, a imputação exige que o agente seja capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse entendimento[88].(grifos e negritos nossos).

 

Logo, sendo o agente inimputável, à luz da Teoria Finalista da Ação, não sofrerá Juízo de reprovação; embora reconhecida a prática de uma conduta infracional, deixará de sofrer as sanções porque não era capaz de entender o caráter ilícito. È isento de pena o agente que, por doença mental incompleta ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação, ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento(CP, art. 26).

 

Para a teoria Clássica ou causalista, sem a capacidade de culpabilidade, ou ausente a imputabilidade, não há que se falar em crime, pois esta inclui a culpabilidade como formadora do conceito de crime. Frise-se que, consoante os ensinamentos do causalista E. Magalhães Noronha[89], a imputabilidade é o conjunto de requisitos pessoais que conferem ao indivíduo capacidade, para que, juridicamente, lhe possa ser atribuído um fato delituoso.

 

Pois bem, se o agente que pratica o fato, sob o manto de uma causa excludente de antijuridicidade, for inimputável, considerando-se a teoria finalista, entendo que a solução que se apresenta será: poderá invocar a excludente de antijuridicidade a seu favor, porque, nada obstante não possuir entendimento; não possuir higidez biopsíquica(saúde mental), não se pode exigir que tenha consciência da licitude de sua conduta(que esteja praticando o fato valendo-se de uma causa de justificação).

 

De sorte que, o que se deve aferir, e já discorremos sobre isso, é a vontade de praticar atos defensivos(legítima defesa); de entender, ou sentir que a sua vida está em riscos - que a tábua de sustentação irá afundar, caso não lance às águas o outro ocupante(estado de necessidade).

 

No que tange ao estrito cumprimento de dever legal, embora escasso o acervo doutrinário sobre os elementos subjetivos frente a inimputabilidade daquele que a realiza, cremos que o fato de ser o agente inimputável, não as excluíra, posto que o que se deve atentar é para o fato do cumpridor da ordem estar agindo em estrito cumprimento do dever legal; pouco importando se tem conhecimento de que a ordem é ilegal, ou não, ou se existe alguma causa legal que tenha o condão de excluir o caráter ilícito de sua conduta.

Imaginem um indivíduo, com dezessete anos de idade; portanto menor(inimputável), que, em atenção a determinação baixada pela empresa, através de circular(uma ordem), para não deixar que ninguém entre na empresa. Para tanto, recebe a ordem de que, se necessário for, atirar contra o pretenso invasor. Parece-nos que, se atirar no invasor, nesses termos fixados por intermédio de ordem, estará acobertado pela excludente, sem que se exija uma consciência da licitude do fato; não se exigindo que tenha consciência de que não poderá assumir tal vereda, ou que imagine existir essa causa de exclusão.

Assim é que ouso sustentar, inclusive, pouco importar se reúne capacidade de entendimento, ou não, sobre a conduta que realizará, pois, o que, imagino, estar em sua mente, seja o desejo de cumprir a ordem; agir em estrito cumprimento do dever legal.

 

Parece-me, outrossim, que no caso de inimputável, se torna ainda mais evidente que a sua conduta está intimamente ligada a determinação do mandante, pois torna-se presa fácil.

Se o inimputável não reúne capacidade para entender o caráter ilícito, não sofrerá atormentações que o imputável, via de regra, suportaria, frente a ordem e o conhecimento de que realizará conduta ilícita.

 

Mas o que realça e define, de acordo com o meu limitado entendimento, a questão, é que o elemento subjetivo(orientação do agente no sentido de cumprir a ordem), sem que se exija a presença de conhecimento da licitude de seu ato, mesmo no inimputável, está presente, e, em alguns casos, de forma mais evidente e tranqüila, pois não haverá a aflição entre a ordem e o conhecimento da conduta.

 

Razão pela qual, poderá o inimputável valer-se da excludente de criminalidade do estrito cumprimento de dever legal, mesmo se exigindo a presença do elemento subjetivo.

 

Questão que se revela um pouco mais intrigante é no que diz respeito a excludente de exercício regular de direito, visto que se não possui capacidade de culpabilidade; não possui entendimento, certamente não poderá aceitar a idéia de que agira sabedor de que estava exercendo regular direito.

 

Todavia, se não pode valer-se dessa excludente, de outra parte, não sofrerá sanção penal porque a sua conduta não sofrerá juízo de censura por ausência de um dos elementos da culpabilidade(imputabilidade penal, ou falta de capacidade para se orientar de acordo com a norma); preceito imprescindível(Teoria Finalista) para a aplicação da lei penal.  

 

À luz da Teoria Clássica, diante da falta de imputabilidade, sua conduta, que não será acobertada pela excludente, não constituirá crime, por falta de imputabilidade penal; um dos elementos que compõe a culpabilidade, esta, um dos três elementos estruturais do conceito de crime.

 

Segunda Indagação:

 

Já restou esclarecido que o inimputável é aquele que não possui capacidade de culpabilidade; que não é capaz de entender o caráter ilícito de sua conduta ou de ajustar-se de acordo com a norma.  

Esclarecemos também um pouco sobre o elemento subjetivo, frente às causas de exclusão de ilicitude; momento em que assinalamos ser necessário a presença do elemento subjetivo para a ocorrência da causa de justificação.

 

Sobre essa parte, e para que não se alegue que a presença do elemento subjetivo deve ser de tal sorte que o agente tenha consciência de que está atuando de acordo com a lei, porque esta prevê que, naquelas circunstâncias, poderia agir que nada lhe ocorreria,  registre-se, mais uma vez, que o que se deve exigir é vontade de reação; de ação, ou de que está cumprindo a vontade de quem lhe manda executar a ordem, e não que esteja presente o conhecimento sobre a previsão de sua conduta no regramento jurídico.

 

Feito estes esclarecimentos, cumpre assinalar que o agente inimputável poderá atuar sob o manto de uma de exclusão de ilicitude, porque o que se tem em mente, e o que se deve exigir é a sua vontade de praticar atos defensivos(legítima defesa); de, diante do perigo, lançar ao mar o outro ocupante da tábua de salvação(estado de necessidade); e, de estar executando a ordem do superior hierárquico, ou em estrito cumprimento do dever legal.

 

Ora, se o que se exige não é o conhecimento de que existe previsão legal prescrevendo sobre a sua conduta; que tenha conhecimento sobre a licitude de seu ato, e sim, que pratique o fato porque necessita se salvar; salvar outrem, ou, ainda, proteger direito seu ou de terceiro; ou cumprir ordem de superior hierárquico(dever contratual; determinação do empregador), parece-nos tranqüilo aceitar que esteja cometendo o fato sobre o manto de uma de exclusão de criminalidade.

Mesmo que não possua higidez biopsíquica (saúde metal) necessária para a compreensão do injusto e para orientar-se de acordo com essa compreensão, cremos que poderá valer-se da excludente.

 

Isto, considerando-se o nosso entendimento acerca da necessidade da presença do elemento subjetivo para a caracterização da excludente, porque, segundo o entendimento dos objetivistas, e. g., Carrara, ao sustentar que se o Estado transfere ao cidadão, o direito de se praticar aqueles atos, que, sem a excludente, caracterizaria conduta criminosa, não há que se exigir a presença do elemento subjetivo, pois houve delegação de poder. Nesse sentido, se o Estado é quem deveria atuar na defesa do cidadão, como poderíamos exigir a presença do elemento subjetivo?

 

Registre-se, por derradeiro, que, se o inimputável é tido como indivíduo que não possui higidez biopsíquica (saúde metal) necessária para a compreensão do injusto e para orientar-se de acordo com essa compreensão, seria, no mínimo, razoável aceitar que, diante de certas situações, principalmente nos casos de inimputabilidade causada pela menoridade, o agente sabe o que está fazendo e o porque está fazendo, posto ser sentido do homem reagir, ou se manifestar contrariamente a fatos que possam colocá-lo em situação complicada, mesmo que não possua capacidade de culpabilidade.

 

VI - Conclusão

 

 O assunto, ora timidamente tratado, acredito ser um dos mais intrigantes temas do direito penal, uma vez que ainda não há paz acerca das teorias do delito, e muito menos, sobre a culpabilidade; o que vem a ser a culpabilidade; e, se há um conceito de culpabilidade.

Razão pela qual, a inimputabilidade frente às causas de exclusão de antijuridicidade, considerando-se o elemento subjetivo, é assunto pouco estudado e comentado pelos doutrinadores pátrios; merecendo, à luz de meu reduzido entendimento, alvo de destaque, pois sempre foi marca de nossos intérpretes do direito, enfrentar temas controversos, novos, e, sobretudo, que necessitem de debates, para que se possa, ressalvadas as opiniões contrárias, atingir-se um ponto de equilíbrio.

 

O tema escolhido, embora não relacionando, somente aos casos entregues ao Tribunal do Júri, procurei direcioná-lo às causas de criminalidade e as excludentes relacionadas ao Júri, pois, atuante que sou perante essa apaixonante instituição, verifico as aflições que assolam os jurados, quando lhes é entregue questionamentos, mesmo que fáticos sobre a necessidade de presença de elemento subjetivo, quando se aponta para uma causa de justificação

Demais disso, deve-se assinalar que a Instituição do tribunal do Júri, é a responsável, na maioria dos casos, de invocação das excludentes estudadas; principalmente, a legítima defesa, que a todos os momentos são invocadas pelos acusados e submetidos a julgamento pelo Tribunal Popular.

 

Por outra, procurei apontar alguns questionamentos, para futuras reflexões até mesmo de minha parte, pois, a cada discussão;  a cada leitura, novas idéias vão surgindo, e, assim, poderei, num futuro próximo, aprimorar este trabalho.

 

Cuida-se, outrossim, de assunto pouco tratado na doutrina, que ousamos discorrer para que, no mínimo, possamos chamar a atenção dos estudiosos no assunto, e, com isso, possamos auferir conhecimentos com obras editadas sobre o tema.

 

Finalmente, procurei desenvolver o tema, colocando-o de forma coerente e lógica, para propiciar aos leitores fácil entendimento, mesmo diante de tópicos controversos, e. g., a culpabilidade; seus elementos; as teorias do delito.

 

Acreditando ter cumprido a proposta apresentada, encerro confiante de que possa, com este trabalho, ofertar a todos os intérpretes e operadores do direito, sobretudo, do direito penal e processual penal, um pouco de informação sobre um tema pouco estudado.

 

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Sobre o autor
Luiz Carlos de Oliveira

Advogado, formado pela Universidade Ibirapuera, no ano de 1.999. Pós graduado pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, no ano de 2.000, com o título de especialista em Direito Penal. Especialista em Tribunal do Júri e em direito condominial, atuante nas áreas cíveis e penal. Mestrando profissional em direito constitucional pelo IDP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Tese em pós graduação pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, em 2001.

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