A isenção tributária sobre as operações de seguro rural - Decreto Lei nº 73/66

Não aplicabilidade para o IRPJ e CSLL

01/07/2021 às 16:23
Leia nesta página:

A isenção sobre a operação de seguro não abrange o IRPJ e CSLL, ficando restrita tão somente ao IOF.

O artigo 19 do Decreto Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966 confere isenção de todos os tributos federais para as operações de seguro rural.

Art 19. As operações de Seguro Rural gozam de isenção tributária irrestrita, de quaisquer impostos ou tributos federais. (grifo nosso)

O Código Tributário Nacional – CTN (Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966), artigos 63, III e 64, III tratam do imposto de competência da União que incide sobre operações de seguro:

Art. 63. O imposto, de competência da União, sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários tem como fato gerador:

(...)

III - quanto às operações de seguro, a sua efetivação pela emissão da apólice ou do documento equivalente, ou recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável;

(...)

Art. 64. A base de cálculo do imposto é:

(...)

III - quanto às operações de seguro, o montante do prêmio;

(...)

(grifo nosso)

O imposto sobre a renda tem seu fato gerador definido pelo artigo 43 do CTN como sendo a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica.

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

(...)

(grifo nosso)

O diploma legal em vigor que regula o Imposto Sobre a Renda das Pessoas Jurídicas é o Decerto Lei nº 1.598 de 26, de dezembro de 1977. Trata-se de um imposto de competência da União e incide sobre a renda e proventos de qualquer natureza (art. 153, III, CR/88).

A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, autorizada pelo inciso I do artigo 195 da CR/88, foi instituída pela Lei ° 7.689, de 15 de dezembro de 1988 e incide sobre o lucro da pessoa jurídica, sendo sua base de cálculo o valor do resultado do exercício. Neste sentido é o artigo 1º e o artigo 2º da mencionada norma.

Lei ° 7.689/88

Art. 1º Fica instituída contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, destinada ao financiamento da seguridade social.

Art. 2º A base de cálculo da contribuição é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda.

(...)

(grifo nosso)

A isenção é uma forma de exclusão do crédito tributário e deve ser interpretada literalmente, sem possiblidade de ampliações. Sua concessão deve ser feita por lei específica que regule as condições e requisitos exigidos para sua concessão, bem como os tributos a que se aplica. A isenção, ainda, não é extensiva, salvo expressa disposição de lei em contrário, aos tributos instituídos posteriormente à sua concessão.

Neste sentido são os artigos 111, 175 e 177 do CTN:

Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

 I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

 

Art. 175. Excluem o crédito tributário:

I - a isenção;

 

Art. 177. Salvo disposição de lei em contrário, a isenção não é extensiva:

(...)

II - aos tributos instituídos posteriormente à sua concessão.

E, por fim, o artigo 150, §6º da Constituição da República de 1988 estipula a exigência de especificidade da lei instituidora da isenção:

Art. 150

§ 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

(grifo nosso)

Uma vez que não existe nenhuma lei específica regulamentando a isenção sobre rendas e proventos nas operações de seguro rural, também não existe, e nem poderia existir, nenhuma regulamentação desta isenção no Regulamento do Imposto de Renda.

No entanto, o Regulamento do IOF, atual Decreto nº 6.306, de 14 de dezembro de 2007, apresenta o seguinte comando:

Art. 23.  É isenta do IOF a operação de seguro:

(...)

III - rural (Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de 1966, art. 19);

Assim, a correta interpretação da redação do artigo 19 do Decreto-Lei nº 73/66, a qual deve ser realizada considerando todo a legislação vigente, em especial ao artigo 150, §6º, CR/88, é que a isenção recai única e exclusivamente sobre os tributos federais que incidam sobre a operação de seguro rural, sendo o IOF o único tributo federal vigente no ordenamento jurídico que incide sobre a operação de seguro rural.

Desta forma, a isenção tratada no Decreto Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, tem o condão de excluir da esfera tributária, somente o IOF, não podendo se falar em isenção para o Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) nem para a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

O artigo 19 do DL nº 73/66 confere isenção tributária irrestrita de quaisquer impostos ou tributos federais para operações de seguro rural. Portanto, trata-se de uma isenção que diz respeito somente às operações de seguro rural, não atingindo ampla e indistintamente todos os tributos a cargo da pessoa jurídica que opera com seguro rural.

Entender de outra forma, estaria interpretando de forma ampliativa a norma que concede a isenção, ao arrepio do artigo 111 do CTN que taxativamente determina intepretação literal da legislação tributária que confere o benefício fiscal. E ainda, estaria se criando uma isenção genérica, aplicável a praticamente todos os tributos do sistema por via oblíqua, o que não é permitido no ordenamento jurídico nacional ante a exigência constitucional da especificidade da lei instituidora do benefício (art. 150, §6º, CR/88).

Desta forma, da interpretação literal da norma, é patente o entendimento que a isenção ora pretendida recai sobre “as operações de seguro rural”. Ora, o único tributo de competência da união que tem como hipótese de incidência a operação de seguro rural é o Imposto sobre Operações Financeiras –IOF, definido nos artigos 63 ao 67 do Código Tributário Nacional. Portanto, a norma, isenta as operações de seguro rural tão somente da incidência de IOF não abrangendo o IRPJ nem a CSLL.

A operação de seguro rural, certamente, pode gerar incidência de IRPJ e CSLL caso encerre o período de apuração com lucro. Mas a isenção, ora discutida, é exclusiva sobre a operação e não sobre a renda ou sobre o lucro.

O IRPJ incide sobre o resultado da operação de seguro, hipótese de incidência diferente da operação de seguro.

O artigo 43 do CTN define que o IRPJ incide sobre a renda, tendo como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda, em outras palavras, sobre o lucro apurado no encerramento do período de apuração.

Conforme determina a artigo 63 do CTN o imposto de competência da União sobre operações de seguro (IOF-seguro) se efetiva com a emissão da apólice ou pelo recebimento do prêmio. Portanto, o fato gerador do IOF é a operação de seguro.

Sendo assim, o IOF incide sobre a operação de seguro, atividade mercantil de comercialização do seguro. Já o IRPJ incide sobre o lucro. Portanto, não há identidade entre o lucro e operações. As operações são causas do efeito lucro, portanto, necessariamente, distintos.

Ressalta-se que o Egrégio Supremo Tribunal Federal, ao analisar tema semelhante, em que se discutia a legitimidade da incidência do FINSOCIAL (DL nº 1.940/82), em face da imunidade preconizada pelo artigo 155, §3º da CR/88 sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País, decidiu pela legitimidade da tributação, argumentando que o FINSOCIAL incide sobre receita, não sobre operações.

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Eis a ementa:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. FINSOCIAL. IMPOSTO ÚNICO SOBRE MINERAIS. CF/67, art. 21, IX. INCIDÊNCIA DO FINSOCIAL FRENTE AO DISPOSTO NO ART. 155, 3º. I. - Legítima a incidência do FINSOCIAL, sob o pálio da CF/67, não obstante o princípio do Imposto Único sobre Minerais (CF, 1967, art. 21, IX). Também é legítima a incidência do mencionado tributo sob a CF/88, art. 155, 3º. II. - Agravo não provido. "(RE 205.355-AgR, rel. min. Carlos Velloso, Pleno, DJ de 08.11.2002).

A seguir, destaca-se um excerto do Voto do Ministro Carlos Velloso proferido no curso do Recurso Extraordinário RE 205.366-Agr que reforça a tese da diferenciação da isenção de operações e isenção de receita, lucro ou faturamento:

“Examino, agora, a segunda questão: a não incidência do PIS, sob o pálio da CF/88, tendo em vista o disposto no §3º do art. 155, CF/88.

A sentença, que é da lavra do então Juiz Federal Sacha Calmon Navarro Coelho, dos melhores tributaristas brasileiros, assim afastou a pretensão da impetrante:

“(...)

14) Em quarto lugar, finalmente, em razão dos critérios de validação finalística, há pouco referidos, verifica-se que a contribuição para o PIS não incide sobre operações com energia elétrica, combustíveis e minerais do país mas sobre receita operacional bruta. (...)”

(Grifos nossos)

Nesse sentido foi a decisão à apelação cível n° 0009513-83.2012.4.03.6100/SP, do TRF 3ª Região que manteve a decisão de primeira instância nos seguintes termos:

“A r. sentença merece ser mantida, nas exatas razões e fundamentos nela expostos, os quais tomo como alicerce desta decisão (...).

Assim, transcrevo aos fundamentos da bem lançada sentença, adotando-os como razão de decidir:

(...)

‘O referido decreto-lei foi editado para regular as operações de seguros e resseguros e outras providências. Dispõe o dispositivo em apreço que as "operações de Seguro Rural gozam de isenção tributária irrestrita, de quaisquer impostos ou tributos federais.".

A isenção é uma exclusão do crédito tributário que deve ser interpretada literalmente, a teor do art. 111 do Código Tributário Nacional.

Depreende-se da interpretação literal da norma que a isenção ora pretendida recai sobre "as operações" de seguro rural, logo, o único imposto federal cuja hipótese de incidência abarca as operações de seguro rural é o IOF.

Uma operação pode gerar incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, mas a isenção aqui discutida é exclusiva sobre a operação e não sobre a renda, sobre o lucro ou receita.

Mesmo porque a CSLL, o PIS e a COFINS são contribuições sociais destinadas ao custeio da Seguridade Social e foram criados após à edição da regra isentiva e, a teor do art. 177 do CTN, a isenção não se aplica aos tributos instituídos posteriormente à sua concessão.’

(...)”

(TRF 03 – 6ª Turma – Apelação Cível n° 0009513-83.2012.4.03.6100/SP – Relator: Desembargador Federal Johonsom di Salvo – Publicação: 01/09/2017)

Diante do exposto, o Decreto–Lei nº 73/66 deve ser interpretado literalmente e este é expresso ao afirmar que a isenção recai sobre as operações de Seguro Rural. O único tributo federal que incide sobre operações de seguro rural é o IOF, não podendo a isenção ser estendida a outros tributos como é o caso da isenção do IRPJ, o qual incide sobre a renda.

A mesma fundamentação apresentada para o IRPJ é inteiramente válida para a CSLL. Trata-se de um tributo que incide sobre o lucro, ou seja, sobre o resultado da operação, hipótese de incidência distinta da operação.

Ademais, no caso da CSLL, a argumentação para afastar a isenção do artigo 19, DL nº 73/66, vai além.

O Código Tributário Nacional, art. 177, expressamente, veda extensão da isenção aos tributos instituídos posteriormente à sua concessão. Decorrência lógica da exigência de especificidade da lei instituidora do benefício fiscal (art. 150, §6º, CR/88). Nos termos constitucionais, a lei é específica quando regula exclusivamente a própria isenção ou o correspondente tributo ou contribuição. Assim, fica difícil imaginar a possibilidade de se atender essa exigência ao se isentar tributo que sequer existe ao tempo da promulgação da lei isentiva.

A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, autorizada pelo inciso I do artigo 195 da CR/88, foi instituída pela Lei ° 7.689, de 15 de dezembro de 1988 a isenção em comento foi instituída pelo artigo 19, Decreto Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966.

Conforme se observa o benefício fiscal para os tributos incidentes sobre a operação de seguro rural foi criado em novembro de 1966, já a CSLL, que incide sobre o lucro, foi instituída em dezembro de 1988.

Portanto, não há qualquer liberdade interpretativa, a norma tributária é clara e expressa, não havendo qualquer possibilidade de se valer da isenção sobre as operações de seguro rural para afastar a incidência de CSLL sobre o lucro decorrente desta atividade.

Este artigo reflete interpretação pessoal do autor sobre a norma.

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Sobre o autor
Rafael Morais Rocha

Graduado em direito com aprovação na ordem dos advogados em 2006 e Graduado em Contabilidade em 2020.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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