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24/07/2021 às 19:07
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Entender o porquê tantos pedidos de impeachment acompanhados de tantas denúncias de crimes de responsabilidade do atual Presidente da República não foram analisados, significa avaliar ciosamente a natureza jurídica desse instituto, bem como,..

Resumo: Entender o porquê tantos pedidos de impeachment acompanhados de tantas denúncias de crimes de responsabilidade do atual Presidente da República não foram analisados, significa avaliar ciosamente a natureza jurídica desse instituto, bem como, todos os meandros jurídicos e políticos de tão delicada questão.

Palavras-Chave: Impeachment. Denúncias. Crimes de Responsabilidade. Direito Constitucional. Estado Democrático de Direito.

 

Enfim, mais um governo de coligação ou coalizão que representa um gabinete governamental sustentado por vários partidos que cooperam, o que reduz sensivelmente o domínio de qualquer uma das partes dentro dessa coalização. Curiosamente, a coligação política por ser um pacto entre dois ou mais partidos políticos, requer que haja, ao menos, ideias comuns, para se ter alguma governabilidade consistente.

Porém, no Brasil, a federação partidária corresponde mesmo à configuração de uma coligação política mais duradoura e, nem sempre contendo maior unidade ideológica. E, com a vigência da cláusula de barreira[1] prevista desde 2006, as federações partidárias já eram alvos de debate desde 2003.

O cronômetro do impeachment está funcionando. O Presidente da Câmara dos Deputados acredita piamente que, pode ignorar todas as acusações contra a Presidente da República por um prazo indeterminado.

Convém sublinhar que o Presidente da Câmara julga ter um poder que não existe na Constituição Federal brasileira vigente nem mesmo na Lei do Impeachment, a Lei 1.079/50. Aliás, o artigo 19 da referida lei, sequer menciona a figura do Presidente da Câmara dos Deputados, sendo evidente que ao mencionar que a denúncia recebida será lida e despachada à Comissão Especial de Impeachment.

A Constituição brasileira vigente atribui o controle político sobre os processos contra o Presidente da República, seja por crimes[2] comuns como também por crimes de responsabilidade, ao plenário da Câmara de Deputados e, não à pessoa que ocupa a Presidência da Casa Parlamentar.

De sorte que Arthur Lira deve ser mero despachante de papéis que reúnem as denúncias recebidas na seção de protocolo e encaminhá-las à Comissão especial de impeachment. Em tempo, prevê o Regimento Interno da Câmara dos Deputados outorga ao Presidente da Casa poderes para rejeitar as denúncias manifestamente improcedentes.

É o caso daquelas que descrevem conduta descrita que claramente não caracteriza crime de responsabilidade, conforme ocorreu na acusação contra Itamar Franco por haver dançado ao lado da modelo Lilian Ramos em um camarote no carnaval de 1994.

Ou por faltar peças processuais deixando de preencher todos os requisitos formais exigidos por lei, como, por exemplo, a prova de quitação eleitoral dos denunciantes.

O poder de indeferir o pedido de impeachment e de mandar arquivá-lo, é completamente diferente do poder de ignorá-lo. Não é demais ressaltar que a decisão de arquivar eventual denúncia contra o Presidente da República é um poder do Presidente da Câmara, porém, mas não a sua eliminação.

O suposto poder de ignorar denúncias que esvaziem os pedidos de qualquer efeito jurídico possível, só pode ser efetivado por meio de decisão do plenário.

Em suma, nem o texto constitucional brasileiro vigente, nem a Lei do Impeachment, nem o Regimento Interno da Câmara dos Deputados outorgam poder ao Presidente da Casa Legislativa de ser o senhor absoluto e incontrastável dos destinos do impeachment.

Historicamente, antes da Constituição Federal de 1988, o sepultamento político de denúncias costumava ser realizado pela Comissão Especial de Impeachment da Câmara de Deputados. O primeiro presidente brasileiro a sofrer grave acusação de crimes de responsabilidade foi o Marechal Floriano Peixoto que fora poupado pela Comissão. E, o mesmo ocorreu, mais tarde, com Getúlio Vargas que igualmente escapou do impeachment pouco antes de seu suicídio, em 1954.

Até a gestão de Eduardo Cunha, como Presidente da Câmara dos Deputados, que tinha o hábito de rapidamente despachar as denúncias que recebiam, salvo uma ou outra exceção. E, arquivaram-se, mas, ao fazê-lo, também se submetiam ao plenário.

Já nos governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC), por três vezes, no governo de Lula, por seis vezes, o plenário da Câmara de Deputados deliberou sobre os recursos apresentados por deputados contra as decisões da Presidência da Casa que haviam negado seguimento as denúncias.

Aliás, depois da catastrófica entrevista dada por Pedro Collor à revista Veja, em maio de 1992, o então Presidente da Câmara, o Deputado Ibsen Pinheiro, recebeu vinte e três denúncias contra o então Presidente Fernando Collor de Mello.

Registre-se que apenas uma destas demorou pouco mais de duas semanas para galgar um despacho que lhe selasse o destino. Com exceção da acusação apresentada pelo saudoso Barbosa Lima Sobrinho e Marcelo Lavenère Machado que redundaria com a condenação do então presidente, todas as demais tiveram seguimento negado em poucos dias.

A denúncia de Roberto Jefferson que deflagrou o escândalo do mensalão, em meados de 2005, a Câmara dos Deputados que era presidida pelo folclórico Severino Cavalcanti que na ocasião, recebera oito acusações contra o Presidente Lula e, jamais demorou mais de noventa dias para apreciar qualquer] uma destas.

E, quando Michel Temer e Aécio Neves presidiram a Câmara dos Deputados no tumultuoso segundo mandato[3] de Fernando Henrique Cardoso, foram igualmente expeditos em despachar as acusações apresentadas.

Somente em duas ocasiões, Temer demorou mais de noventa dias para despachar as denúncias recebidas durante sua gestão. Mas, o autêntico recorde na tardança foi de Aécio Neves, afinal, como fiel correligionário de FHC, tanto quanto é Lira em relação ao Bolsonaro, contabilizou-se a demora em apenas cinquenta e sete dias.

A personagem que mais nos fez crer no poder absoluto do Presidente da Câmara no que tange ao impeachment, foi Eduardo Cunha, regendo segundo seus caprichos e conveniências e, violando o autêntico espírito republicano e democrático. Em sua gestão, recebera cinquenta e sete pedidos e, lidou com cada um segundo os benefícios pessoais e vantagens políticas que imaginava poder ter no momento.

E, somente em sua gestão, foram apresentadas cinquenta e quatro denúncias contra Dilma Rousseff, quando ignorou vinte e seis e, curiosamente, foi célere na apreciação das acusações somente no segundo semestre de 2015, quando a base governista estava dilapidada pela Lava-Jato e, o próprio Cunha que sofria para conseguir apoio no processo a que respondia no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar[4] da Câmara. E, enfim, a denúncia culminou a condenação e respectiva remoção de Dilma e, que fora despachada por Cunha em apenas quarenta e dois dias.

Rodrigo Maia, quando Presidente da Câmara, cultivou ciosamente a arte de ignorar as denúncias, e instaurou o arbitrário poder durante o governo de Temer, quando então a opinião pública estava mais voltada à denúncia por crime comum e que fora apresentada pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, contra o então Presidente.

Somente entre 2016 a 2017, Maia recebera cerca de trinta e uma denúncias por crimes de responsabilidade[5] presidenciais. Apenas com a exceção de uma, todas as demais foram devidamente arquivadas apenas em 2019, ainda no governo Bolsonaro quando evidentemente, já não mais fazia sentido, posto que Temer já não era mais presidente da República.

Mas, o campeão no estoque de denúncias na gaveta é mesmo Arthur Lira, além de medalha de ouro para Bolsonaro que é atualmente o presente que mais acusações sofreu na história brasileira. E, Rodrigo Maia, foi o Presidente da Câmara que mais ignorou peremptoriamente as denúncias de crimes cometidos por presidentes da República. Além das trinta e uma denúncias contra Temer, ignorou também as sessenta e seis acusações apresentadas contra Bolsonaro.

Infelizmente juristas, doutrinadores e alguns políticos parecem ter se conformado com o suposto poder absoluto do Presidente da Câmara para definir se e quando o pedido de impeachment deverá ser analisado, como se fosse uma decorrência natural da definição de impeachment como mero julgamento político.

Apesar do impeachment ser necessariamente político, não deve ser confundido com mero joguete da baixa politicagem, ou embate de interesses escusos e regionais. A grande política é amplamente compatível com as garantias de direito, devendo decidir e não apenas esconder ou ignorar. O direito não exige tanto, ou seja, tem que haver uma decisão, seja qual for, além da fundamentação que é alma mater de toda atividade decisória jurídica.

A interpretação das normas constitucionais e legais está distante de ser a mais restritiva para o papel do Presidente da Câmara de Deputados, tanto que o STF até já definiu que o Regimento Interno da Câmara é compatível com a Lei do Impeachment e, ainda, já firmou que o Presidente da Câmara não tem concretamente qualquer missão relevante que é o simples dever de enviar todas as denúncias à Comissão Especial. Porém, isto não está acontecendo.

Mesmo quando o Presidente da Câmara indeferir o recebimento da denúncia, caberá recurso ao plenário da Câmara e, se somente quando não houver recurso, que então a denúncia é arquivada.

Mas, diante do recurso, a decisão passa a ser do plenário e, não mais apenas do Presidente da Câmara. Acatado o recurso, deverá ser constituída a Comissão Especial para analisar a denúncia e, se for recusado o recurso, a denúncia sofre o devido arquivamento.

Em tempo, as regras do Regimento Interno da Câmara dos Deputados foram devidamente analisadas pelo STF em 2015, por ocasião do impeachment de Dilma, com a grande virtude de clareza nos procedimentos, além de manter o caráter político das deliberações. O que não coaduna com qualquer poder individual e absoluto.

A respeito do prazo que o Presidente da Câmara tem para decidir, dependerá se estiverem presentes todos os requisitos constitucionais, legais re regimentais para a denúncia, o Presidente da Câmara deverá colocá-la na pauta na sessão seguinte, eis o que consta do regimento da Câmara, em seu artigo 218, §2º[6].

Define-se sessão seguinte[7] aquela que imediatamente sucede à data do protocolo da denúncia. E, a mesma solução é da Lei de Impeachment. Há o entendimento de que é possível a análise do preenchimento dos requisitos constitucionais e legais, além dos regimentais que poderá levar algum tempo e, a inserção na pautar somente se daria na sessão seguinte ao término dessa análise, que é feita individualmente pelo Presidente da Câmara.

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O busilis é que o Regimento Interno da Câmara não estabeleceu prazo, mas o direito lida geralmente com essa situação. E, então se requer que o poder público atenda e despache em tempo razoável, o que dista de uma proposital tardança ou simples ignorância das denúncias feitas e abandonadas no fundo de uma gaveta.

Calcado em boa-fé objetiva prazo razoável não poderá exceder ao mandato do presidente da República tão regiamente denunciado. Segundo o artigo 20 da Lei de Impeachment confere-se à Comissão Especial de impeachment um prazo de dez dias para emitir parecer de mérito sobre se a denúncia deve ou não ser objeto de deliberação, quando a análise é fruto de juízo sumário. Portanto, a conduta tanto de Maia como de Lira não tem respaldo jurídico sustentável.

De fato, Lira não inova tanto quanto seus antecessores mais recentes, e insiste na prática de abuso de poder[8] ao se omitir. Lembremos, em tempo, que descumprir intencionalmente o Regimento Interno da Casa parlamentar, constitui quebra de decoro, prevista no Código de Ética da Câmara, em seu artigo 3º, II, e 5º, X, e qualquer cidadão poderá então apresentar a representação contra o Presidente da Câmara no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.

É bem veraz que as representações feitas e apresentadas à tal Conselho, mui raramente, acarretam alguma punição, porém, tal movimentação forçaria os outros parlamentares, pelos integrantes do Conselho, a assumirem o ônus de se posicionarem publicamente diante da omissão praticada.

A Comissão igualmente não tem poder de ordenar o Presidente da Câmara decidir ou despachar, tampouco, de pautar o referido pedido em seu lugar, porém, possui plenos poderes para afirmar e definir se seu comportamento viola ou não as regras regimentais da Casa Parlamentar.

Por outro caminho, poderia ser, naturalmente, da mais alta Corte Judicial do país, o STF, a quem compete conhecer, julgar e mandar corrigir ilegalidades praticadas pelo presidente da Câmara dos Deputados.

Infelizmente, nosso STF tem jurisprudência inconstante, porém, majoritariamente contrária às intervenções judiciais para a correção de desrespeitos aos regimentos internos das casas do Congresso Nacional.

Mas, já existiram exceções, como as decisões que em 2015, puseram frio às manobras malabaristas tentadas por Eduardo Cunha, logo no início da tramitação do processo contra Dilma

Enfim, a questão não se limita somente ao Regimento Interno da Câmara dos Deputados, pois, afinal é a Lei do Impeachment que exige que a denúncia seja lida ostensivamente na sessão seguinte e devidamente despachada à Comissão Especial. Não se trata de mera questão interna corporis[9], na qual o tribunal entende não pode intervir. E, sim, decisões que não são tomadas constituindo uma afronta direta à lei brasileira.

Mas se é a lei (e não apenas o Regimento Interno) que estabelece o dever que tem sido descumprido, reiteradamente, pelo Presidente da Câmara, fica difícil encontrar argumentos hábeis para justificar a impossibilidade de apreciação judicial desse descumprimento.

O processo de impeachment e seu respectivo procedimento continuam a gerar polêmicas e dúvidas. Enquanto alguns, os alcunham de “golpe de Estado”, outros, por sua vez, alegam integrar a democracia.

Ambos os lados defendem que o impeachment que se trata de um julgamento mais político que propriamente técnico, ou seja, jurídico. Porém, há um lado jurídico que deve prevalecer para servir de base técnica e amparar a devida legitimidade.

E, de fato, deve cumprir todos os requisitos constitucionais, em decorrência do chamado crime de responsabilidade que são listados na Lei 1.079/1950.  A existência de tais crimes não se dá por mera motivação política.

O conceito de crime de responsabilidade, igualmente, é questão favorável ao lado político do rito[10] do impeachment, pois não se refere meramente aos delitos comuns tão presentes no Código Penal brasileiro, mas sim, a uma vasta lista de malfeitorias que um governante pode cometer[11].

Nesse sentido, o professor de Direito Constitucional Cláudio Colnago apud Blume, prevê que o crime de responsabilidade significa o proceder de modo incompatível com dignidade, a honra e o decoro do cargo. Verifica-se, que considerarmos só as declarações bolsonarianas, já teríamos inúmeros crimes de responsabilidade cometidos. A crassa falta de respeito à liturgia do cargo é fonte inesgotável de memes.

Em verdade, para o legislador da Lei do Impeachment previa que o Congresso Nacional poderia julgar de forma diferenciada do Judiciário, poder que deve sempre se distanciar das paixões políticas ou não.

Em 30 de junho de 2021, protocolou-se um superpedido[12] de impeachment que foi entregue ao Presidente da Câmara dos Deputados, resultante de uma articulação conjunta de partidos políticos de oposição e também por ex-aliados do governo e, apontou mais de vinte crimes contra a Lei da Responsabilidade[13]. O superpedido reuniu todos os argumentos expostos em todos os cento e vinte e dois pedidos já anteriormente protocolados e jamais despachados.

Como signatários do superpedido tiveram quarenta parlamentares de dez diferentes partidos e, algumas figuras políticas que antes apoiavam o governo, como Joice Hasselmann, Alexandre Frota e Kim Kataguiri. Curiosamente, Hasselmann, recentemente, pareceu agredida recentemente em seu apartamento funcional, sofrendo fraturas na face e, até perda de dente, fato que ainda está sendo alvo de investigação da polícia legislativa.

De qualquer forma, a bem da saúde do Estado Democrático de Direito precisamos estar atentos para que a democracia legítima prevaleça e seja preservada para conseguirmos galgar uma adequada gestão diante da crise sanitária presente[14].

Referências

BLUME, Bruno André. Processo de impeachment: julgamento político ou jurídico? Disponível em: https://www.politize.com.br/processo-de-impeachment-politico-juridico/ Acesso em 23.7.2021.

MAFFEI, Rafael; DA SILVA, Virgílio Afonso. Controlando o tempo do impeachment. Revista Piauí. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/controlando-o-tempo-do-impeachment/?utm_campaign=a_semana_na_piaui_67&utm_medium=email&utm_source=RD+Station   Acesso em 23.7.2021.

RIBEIRO, Renato Ventura. Considerações sobre o decoro parlamentar e os limites legais. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2007-ago-31/decoro_parlamentar_quais_limites_legais  Acesso em 23.7.2021.

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Impeachment. Tomo Direito Administrativo e Constitucional. Edição 1. abril de 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/103/edicao-1/impeachment Acesso em 23.7.2021.

 

 

 

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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