Os impactos da “uberização” nas relações de trabalho

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26/07/2021 às 20:14
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se, ao longo do presente estudo, discutir as questões afetas aos impactos da Uberização nas relações de trabalho. Logo, foram analisadas questões como a proteção conferida ao trabalhador ao longo dos tempos e as mudanças no modo de produção, os reflexos das novas tecnologias nas relações sociais e jurídicas e o atual panorama doutrinário e jurisprudencial do reconhecimento do vínculo de emprego entre plataforma digital e prestador de serviços.

Viu-se que, no Brasil, para ser amparado pelo Direito do Trabalho, o trabalhador necessita estar inserido em uma relação de emprego, configurada a partir de alguns pressupostos. Dentre eles, a subordinação é considerada essencial. Como o estudo demonstrou, não tem prosperado a tentativa de admitir a existência de subordinação na relação entre a Uber e os motoristas, e a posição predominante nos tribunais trabalhistas é de negar provimento a esta hipótese. Assim, sobressai a percepção de que a natureza do negócio praticado pela Uber ainda não é bem compreendida pelo Direito Trabalhista.

Do ponto de vista econômico, o modelo da Uber é indiscutivelmente bem sucedido. Não se vislumbra, ao menos no Brasil, um recuo ou revisão do modelo. Pelo contrário, pode-se até mesmo antever sua expansão: recentemente, a plataforma Uber ampliou o modelo de negócios para incluir a categoria “táxi”.

Além disso, o número de trabalhadores que passaram a exercer a atividade de “motorista de aplicativo” tem aumentado progressivamente. Este aumento é especialmente dramático, principalmente em virtude da crise econômica que culminou em inúmeros desempregados, o que tem levado milhares de trabalhadores ao trabalho sob plataformas digitais, mesmo que às custas de eventual fragilização de sua proteção trabalhista.

Se tal fragilização ocorre, ela de fato deve muito à incompreensão dos novos modelos econômicos por parte do Direito Trabalhista. A jurisprudência brasileira ainda parece aferrar-se ao modelo tradicional, onde a prestação de serviços era realizada apenas sob as ordens diretas do empregador, modelo do qual surgiu o conceito tradicional de subordinação jurídica.

No entanto, para diversos autores, esta situação não traduz adequadamente a natureza da relação, pois, por representar a muitos trabalhadores uma alternativa única para geração de renda, não permite o exercício efetivamente livre e autônomo do trabalho – e, nesta senda, não há que se falar em trabalho autônomo.

Não bastasse isso, o labor exercido pelos motoristas da Uber apresenta características de trabalho precário e perigoso, em especial por estimular o trabalho excessivo, que tende a acarretar doenças físicas ou psíquicas.

Por estas razões, os autores acreditam que a jurisprudência deve encontrar maneiras de se adaptar e proteger o motorista da mesma forma que protege as relações tradicionais, revertendo a posição doutrinária de não reconhecer a subordinação.

Neste sentido, a razão de ser do Direito do Trabalho é garantir a justiça social por meio de um sistema de proteção trabalhista, e a tecnologia por si só não tem o condão de afrontar estes valores que a sociedade se comprometeu a defender, inclusive constitucionalmente, motivo pelo qual os legisladores e tribunais devem buscar a regulação dos modelos de compartilhamento digital e sua adaptação à jurisprudência trabalhista.

Em que pese tais considerações, há posicionamentos que defendem que este processo deve ser cuidadoso, pois a regulamentação excessiva do setor poderia causar aumento do custo associado, afetando de tal modo o modelo e vários negócios a ele associados que poderia deixar de ser uma alternativa, jogando vários trabalhadores em um cenário sem perspectivas. Afinal, se a tecnologia pode ser considerada como ameaça para alguns empregos, também é geradora de outros, notadamente no gerenciamento de mídias digitais, nas quais os trabalhadores necessitam de constante aperfeiçoamento e diferenciação.

Não obstante, no mundo contemporâneo, a existência de uma relação de trabalho não deveria ser analisada a partir do seu status contratual, mas sim das do condições de fato em que a atividade profissional é efetivamente exercida. Sob esta visão, a posição predominante no momento (qual seja, não reconhecimento de vínculo empregatício entre a Uber e seus motoristas) deveria ser readequada, no intuito de garantir a proteção de direitos trabalhistas àqueles obreiros.

Mas, ainda que reconhecida a situação, como efetivar esta proteção, frente à atual compreensão doutrinária e à lacuna constatada nos instrumentos normativos?

Por isso é mister, frente às dificuldades de reconhecer subordinação nos modelos clássicos (principalmente nas modalidades jurídica, estrutural ou objetiva), o Direito deverá adaptar-se no sentido de reconhecer outras modalidades, dando destaque à teoria da subordinação econômica como expressão fiel da verdade no caso concreto da Uber, que assim ensejaria o reconhecimento do vínculo.

Contudo, o fato de que muitos destes trabalhadores não se limitam a prestar serviços para a plataforma Uber compromete a aceitação da hipótese da existência de subordinação econômica, já inclusive afastada em diversos julgados.

A partir do presente estudo, sobressai a percepção de que a tese de adaptar conceitos tradicionais da jurisprudência trabalhista modelo da Uber não tem prosperado, e também não se vislumbra um panorama favorável à admissão de subordinação na relação entre os motoristas e a Uber a partir desta vertente.

Outra alternativa para configurar o vínculo empregatício no caso da plataforma Uber é o reconhecimento da parassubordinação como substituta da subordinação tradicional, tal como apontado neste estudo. Mas, em que pese sua aceitação por doutrinadores e até mesmo pela jurisprudência de outras nações, o conceito ainda enfrenta grande resistência de incorporação no Direito Trabalhista brasileiro, e ocasionalmente tem sido utilizado no sentido oposto; isto é, de afastar definitivamente o reconhecimento da subordinação na relação de trabalho.

Tem sido aventada também a possibilidade de alterar o arcabouço legal do Direito Trabalhista brasileiro, insculpindo na lei uma nova compreensão do que é relação de trabalho. A concordar com esta premissa, os defensores alegam que o país encontra-se diante da necessidade da atuação legislativa para criar um novo suporte normativo capaz de assegurar proteção aos trabalhadores da Uber e demais empresas de economia do compartilhamento, independente da pacificação ou não do tema “vínculo empregatício”.

Por fim, em síntese breve do presente estudo, pode-se afirmar que a questão está longe de ser pacificada. Embora exista, no momento, um posicionamento majoritário no sentido de desconsiderar a existência de subordinação na relação de trabalho entre os motoristas e a plataforma Uber, há um crescente clamor para que o Estado estenda a este grupo de trabalhadores a proteção mínima que dele se exige para todos os trabalhadores.

A década que se descortina será, sem dúvida, de profundas mudanças e de construção de novos paradigmas. Os modelos de compartilhamento digital já estão incorporados ao modo de vida contemporâneo e não podem ser considerados, por si só, como uma ameaça. O Direito do Trabalho deverá se adaptar e incorporar, de uma forma ou de outra, os novos formatos de relação laboral, em benefício tanto do bem-estar econômico quanto da proteção social dos trabalhadores.

É necessário ressaltar as limitações do presente estudo, que, por tratar-se de revisão analítica de literatura e jurisprudência destacando os posicionamentos doutrinários predominantes, não tem o condão de estabelecer fundamentação consolidada a respeito do tema.

Destarte, outros estudos a respeito do tema são especialmente recomendados, mormente em um modelo de negócio tão complexo e dinâmico quanto o da plataforma Uber e congêneres.


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Sobre o autor
Ronie Winckler Gouvea

Auditor de Tributos. Especialista em Direito Tributário. Especialista em Prática Trabalhista Avançada. Pós-graduando em Direito Público.

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