A RESPONSABILIDADE E OS LIMITES DE ATUAÇÃO DO AGENTE INFILTRADO NAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS QUANDO ULTRAPASSAR OS LIMITES DETERMINADO JUDICIALMENTE PARA OBTENÇÃO DE PROVAS

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27/07/2021 às 13:14
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Ao falar da responsabilização do agente infiltrado a Lei 9.034/95 não deixava claro acerca da responsabilidade, a Nova Lei de Organizações Criminosas, trouxe de forma clara e objetiva o referido assunto.

A RESPONSABILIDADE E OS LIMITES DE ATUAÇÃO DO AGENTE INFILTRADO NAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS QUANDO ULTRAPASSAR OS LIMITES DETERMINADO JUDICIALMENTE PARA OBTENÇÃO DE PROVAS

 

Vale rememorar que o agente infiltrado é um policial estatal em posse de uma autorização judicial para incorporar em uma organização criminosa com intuito de adquiri provas contra os membros que compõem tal organização.

Conforme visto anteriormente, de acordo com o art. 1º, §1 da Lei 12.850/2013[1], são necessárias pelo menos 4 pessoas para se caracterizar como uma organização criminosa e ainda tenham ordenadamente funções especificas, que seja estruturalmente organizada e que exista uma divisão de tarefas com intuito de obter vantagens e que seja as infrações praticadas tenham pena máxima superior a 4 anos.

Como já dito outrora, para que exista uma infiltração dos agentes é necessário que exista uma autorização judiciaria motiva. Essa infiltração deve ser controlada pelo juiz que autorizou exigindo do agente infiltrado relatórios periódicos e detalhados sobre o andamento da investigação enquanto perpetuar a medida, havendo violação aos direitos fundamentais dos acusados, o juiz deve avaliar se continua com a infiltração é necessário para dissolver a organização, podendo ele cessar a mesma caso seja necessário.

A autorização é quem delimita a atuação do agente na infiltração. Contudo, a Lei 12.850/2013 não menciona detalhadamente quais são os limites do agente. Com isso percebe-se que existe dois princípios constitucionais: o da legalidade e da proporcionalidade.

Uma vez que o princípio da legalidade é quando existe um superior hierárquico que comanda, conduz e orienta toda a operação e para que isso aconteça deve haver um agente devidamente autorizado parar exercer na atividade da infiltração.

 

3.1 Os limites do agente na infiltração policial

 

É indispensável que o agente infiltrado tenho um treinamento preliminar antes de adentrar a organização, deve também se atentar ao que profere na autorização, pois é ela que irá conduzir a operação e nortear o agente infiltrado.

Compreende-se que ao se infiltrar na organização criminosa, o agente irá cometer crimes, falando de inexigibilidade de conduta diversa do agente, mas deve preservar a proporcionalidade nos atos praticados. É notório que se ele se ausentar dessa pratica ilegal poderá comprometer toda a investigação.

Após a infiltração caberá ao agente infiltrado a coleta de provas bem como observar os limites de atuação. Carlos e Friede destaca que:

 

Ao nosso ver, enquanto meio de obtenção de prova, é possível relacionar, em linhas gerais, as seguintes finalidades inerentes à infiltração policial:

a) Identificação da estrutura da organização criminosa, bem como de seus vínculos com outras máquinas delituosas.

b) Identificação dos membros da organização criminosa, em todos os aspectos possíveis (nome, alcunha, fotografia, hábitos e preferências pessoais, posição ocupada dentro da estrutura do crime organizado etc).

c) Identificação das atividades delituosas (principais ou secundárias) desenvolvidas pelo grupo criminoso investigado, bem como o respectivo modus operandi.

d) Identificação das fontes de recursos e financiamento da empreitada criminosa.

e) Identificação das estratégias desenvolvidas pela organização criminosa para efeito de proteção de suas atividades delituosas.

f) Identificação dos possíveis bens patrimoniais da organização criminosa, ainda que estejam em nome dos denominados “laranjas”, os quais também deverão ser identificados[2].

 

O agente infiltrado deverá sempre atuar com acuidade e não perder o foco no objetivo da infiltração, logo caso isso transcorra, será responsável pelos seus atos em excessos de acordo com a Lei 12.850/2013, que diz que o agente que não observar em sua atuação, a devida proporcionalidade com o propósito da investigação, responderá pelos excessos praticados.

O princípio da proporcionalidade descrito no art.13 da Lei 12.850/2013[3], revela que o agente deverá agir dentro dos limites da autorização judicial. 

Após a infiltração o agente infiltrado começa a integra-la sendo então um de seus participantes, com isso é natural que os membros do grupo exijam sua contribuição para a realização de crimes. Pinto leciona sobre:

 

Vemos que para a total integração do infiltrado na organização criminosa, não se descarta a possibilidade de que venha a praticar alguns crimes, pois ao buscar infiltrar-se no mundo da droga o policial deve acostumar-se com o consumo e ao tráfico; ao buscar relação com uma quadrilha de falsificadores deverá possuir dinheiro e documentos falsos; ao relacionar-se com um bando de assaltantes a carros fortes ou roubo de cargas, deve acostumar-se às ações que garantem a execução do crime[4].

 

Ao falar da responsabilização do agente infiltrado a Lei 9.034/95 não deixava claro acerca da responsabilidade, a Nova Lei de Organizações Criminosas, trouxe de forma clara e objetiva o referido assunto, que se o agente atuar de forma proporcional e mantendo a finalidade da investigação ele não será penalizado, e essa não penalização só cessará quando ele age de forma excessiva.

Além disso, a lei é clara quando diz que o agente deve observar a devida proporcionalidade, porém, o magistrado deve analisar minunciosamente essa proporcionalidade. Cunha[5] diz que quando o agente se encontrar em uma situação onde não se tem outra possibilidade de obter sucesso na infiltração, deve agir para não ter sua identidade revelada e arruinar a operação. Contudo, se o agente age de forma que não respeito o nexo de causalidade com a infiltração, deve então responder pelos excessos.

Para se compreender a proporcionalidade fortalecemos com o pensamento de Nucci:

“Ilustrando, o agente se infiltra na organização criminosa voltada a delitos financeiros; não há cabimento em matar alguém somente para provar lealdade a um líder. Por outro lado, é perfeitamente admissível que o agente promova uma falsificação documental para auxiliar o grupo a incrementar um delito financeiro”.[6]

 

  Haja vista que existirá variação na análise dos excessos, pois também existe variação de casos concretos. Ainda que é possível que o agente infiltrado seja testado na organização para provar sua fidelidade com a organização, caso haja uma negativa do agente, poderá levantar suspeitas e comprometer toda investigação. O art. 13 da Lei 12.850/2013 referência a necessidade de o agente respeitar a proporcionalidade.

 

3.2 TEORIAS ADOTADAS ANTES DA LEI 12850/2013 AO QUE TANGE A EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DO INFILTRADO

 

Antes da Lei 12.850/2013, existia grande divergência entre doutrinas ao que se referia sobre qual seria a natureza jurídica da exclusão da responsabilidade penal do agente infiltrado, surgindo assim as quatro correntes, que são elas: inexigibilidade de conduta diversa, escusa absolutória, atipicidade penal e excludente de ilicitude. 

A primeira determinava que a natureza jurídica era uma causa de exclusão de culpabilidade, por inexigibilidade de condita diversa. Já a segunda alegava ser uma escusa absolutória, que por motivos de políticas criminais não era o certo admitir a responsabilidade penal do agente. A terceira tratava-se de uma excludente de ilicitude no estrito cumprimento do dever legal. E por fim, a quarta tratava sobre a natureza jurídica da responsabilidade penal do agente corresponde a atipicidade penal da conduta do agente, por se tratar de uma conduta cuja a atividade de risco juridicamente permitida.  Aprofundaremos cada uma delas a seguir.

 

3.2.1 Exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa

 

A primeira corrente defende que o agente infiltrado estaria atuando por ser inexigível uma conduta diversa diante da situação da qual se encontra. O agente infiltrado muitas das vezes é testado pela própria organização afim de comprovar sua fidelidade ante a eles. Com isso é inegável que poderá ocorrer a necessidade da pratica de crimes por parte do agente, pois caso haja recusa da parte dele em cometer o crime, poderá levantar suspeitas na organização criminosa e acabar comprometendo sua identidade. Na responsabilização do agente é observada se a conduta delitiva poderia ser evitada caso contrário seria inexigível sua conduta, sendo assim não seria responsável pelo crime praticado.

Nesse mesmo pensamento, Toledo:

Essa possibilidade de evitar, no momento da ação ou da omissão, a conduta reputada criminosa é decisiva para a fixação da responsabilidade penal, pois, inexistindo tal possibilidade, será forçosa a conclusão de que o agente não agiu por conta própria, mas teve seus músculos acionados, ou paralisados, por forças não submetidas ao domínio de sua inteligência e/ou vontade.[7]

 

A teoria adotada pela Lei 12.850/2013 foi a exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, a qual extingue a responsabilização penal do agente infiltrado, mas deve deixar claro que é indispensável respeitar a proporcionalidade e os limites estabelecidos na autorização judicial para a infiltração. Essa edição na lei acabou com toda discussão doutrinaria que havia a cerca desse assunto, pois se o agente agir com a justa proporcionalidade, ele não será responsabilizado pelos atos praticados no curso da investigação. Cabe ressaltar que quando se fala da justa proporcionalidade é quando não houver outro modo de agir, ou seja quando não for viável evitar esquiva-se da prática delituosa.

Sobre o tema, Nucci indica que:

 

A infiltração de agentes policiais no crime organizado permite, por razões óbvias, que o referido infiltrado participe ou até mesmo pratique algumas infrações penais, seja para mostrar lealdade e confiança nos líderes, seja para acompanhar os demais. Constrói-se, então, a excludente capaz de imunizar o agente infiltrado pelo cometimento de algum delito: inexigibilidade de conduta diversa (art. 13, parágrafo único, da Lei nº 12.850/13) Trata-se de excludente de culpabilidade, demonstrando não haver censura ou reprovação social ao autor do injusto penal (fato típico e antijurídico), porque se compreende estar ele por circunstâncias especiais e raras, evidenciando não lhe ter sido possível adotar conduta diversa. O Código Penal nem mesmo prevê essa excludente de culpabilidade de modo expresso, mas somente duas de suas espécies, que são a coação moral irresistível e a obediência hierárquica (art. 22 do CP). A inexigibilidade da conduta diversa sempre foi acolhida como excludente supralegal da culpabilidade, passando, hoje, à mais expressa legalidade.[8]

 

O agente infiltrado quando comete algum crime no decorrer da operação, da qual o objetivo é mostrar lealdade a organização, estamos perante a um fato típico e antijurídico, mas que não é culpável. Como a teoria adotada no Brasil é da acessoriedade limitada, é necessário que tenha um fato típico e antijurídico e faltando a ilicitude não poderia penalizar o agente, mas como a inexigibilidade de conduta diversa trata-se de uma causa supralegal que com o surgimento da lei 12.850/2013 passou a ser legal.

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Greco leciona sobre:

 

A estrita obediência a ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico afasta a culpabilidade do agente em virtude de não lhe ser exigível, nessas condições, um comportamento conforme o direito. Para que possa ser beneficiado com essa causa legal de exclusão da culpabilidade, é preciso, nos termos do art. 22, a presença de vários requisitos, a saber: a) que a ordem seja proferida por superior hierárquico; b) que essa ordem não seja manifestamente ilegal; c) que o cumpridor da ordem se atenha aos limites da ordem. Hierarquia é relação de Direito Público. Para que a máquina administrativa possa funcionar com eficiência, é preciso que exista uma escala hierárquica entre aqueles que detêm o poder de mando e seus subordinados. [...] Isso quer dizer que não há relação hierárquica entre particulares, como no caso do gerente de uma agência bancária e seus subordinados, bem como tal relação inexiste nas hipóteses de temor reverencial entre pais e filhos ou mesmo entre líderes religiosos e seus fiéis. O segundo requisito diz respeito à legalidade da ordem emanada pelo superior. Se a ordem não for manifestamente ilegal, ou seja, se não for evidente a sua ilegalidade, deverá o servidor, atento aos princípios que regem a Administração Pública, obedecer-lhe. Ao contrário, se for manifesta a ilegalidade da ordem, o servidor estará desobrigado de cumpri-la. O último requisito diz respeito ao cumprimento da ordem não manifestamente ilegal dentro dos limites que lhe foram determinados. Se o agente extrapola esses limites, também não poderá ser beneficiado com a causa da exclusão da culpabilidade prevista no mencionado art. 22. Aquele, portanto, que cumpre ordens não manifestamente ilegais não pode ser por elas responsabilizado, uma vez que não lhe era exigível, no caso concreto, ter outra conduta senão aquela determinada pelo seu superior hierárquico. Afasta-se, dessa forma, a culpabilidade do agente, por ser-lhe inexigível outro comportamento.[9]

 

Ante exposto, quando o agente infiltrado for induzido a cometer ilícitos penais dentro da organização, ele devera respeitar a proporcionalidade e sempre levar em conta a finalidade da infiltração, sendo inexigível conduta diversa por parte dele, excluirá apenas a culpabilidade, mantendo a ação como típica e ilícitas, permitindo assim de acordo com a teoria da acessoriedade limitada, a punição dos partícipes pelo delito cometido.

Sobre o princípio da proporcionalidade, Pacheco indica:

 

O princípio da proporcionalidade, enquanto constituído pelas regras da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, é, portanto, uma implicação lógica do caráter jurídico da Constituição como norma rígida hierarquicamente superior, atributiva de proporções e impositiva de eficiência. Portanto, o princípio da proporcionalidade, apesar de ter sua origem como garantia de direitos fundamentais, aplica-se, presentemente, a quaisquer entes normativos, sejam objetivos, princípios, regras, direitos, deveres, garantias, interesses ou bens jurídicos, com uma carga argumentativa em favor dos fundamentais. A pluralidade de fundamentos normativos do princípio da proporcionalidade decorre de sua inerência ao direito. Por isso, é possível interpretá-lo como corolário dos entes normativos variados como princípio do Estado do Direito, princípio do devido processo legal, princípio da razoabilidade, princípio da igualdade, caráter principal do devido processo legal, princípio da razoabilidade, princípio da igualdade, caráter principal das normas dos direitos fundamentais, etc.[10]

 

Podemos observar uma situação trazida por Nucci que pode notar a relação entre a proporcionalidade na conduta do agente e a finalidade da investigação:

 

Ilustrando, o agente se infiltra em organização criminosa voltada a delitos financeiros; não há cabimento em matar alguém somente para provar lealdade a um líder. Por outro lado, é perfeitamente admissível que o agente promova uma falsificação documental para auxiliar o grupo a incrementar um delito financeiro. No primeiro caso, o agente responderá por homicídio e não poderá valer-se da excludente, visto a desproporcionalidade existente entre sua conduta e a finalidade da investigação. No seguindo, poderá invocar a inexigibilidade de conduta diversa, pois era a única atitude viável das circunstâncias.[11]

 

 Assim sendo, não se tem que falar em excludente de ilicitude do artigo 23 do código penal. Por essa razão, o agente não será responsabilizado pelos atos praticados no âmbito da investigação, porém, poderá responsabilizar todos os participes que realizaram a conduta delituosa na organização criminosa.

Pensamento de Fabio Ramazzini e Damasio Evangelista:

 

Discute-se, entretanto, qual seria a natureza da exclusão da responsabilidade penal do agente infiltrado. É possível identificar as seguintes soluções:

1.ª) trata-se de uma causa de exclusão de culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa. Isso porque, se o agente infiltrado tivesse decidido não participar da empreitada criminosa, poderia ter comprometido a finalidade perseguida com a infiltração, ou seja, não havia alternativa senão a prática do crime;

2.ª) escusa absolutória: o agente infiltrado age acobertado por uma escusa absolutória, na medida em que, por razão de política criminal, não é razoável nem lógico admitir a sua responsabilidade penal. A importância da sua atuação está diretamente associada a impunidade do delito perseguido;

 3.ª) trata-se de causa de excludente da ilicitude, uma vez que o agente infiltrado atua no estrito cumprimento do dever legal;

4.ª) atipicidade penal da conduta do agente infiltrado. Essa atipicidade, todavia, poderia decorrer de duas linhas de raciocínio distintas. A atipicidade poderia derivar da ausência do dolo por parte do agente infiltrado, uma vez que ele não age com a intenção de praticar o crime, mas visando a auxiliar a investigação e a punição do integrante ou dos integrantes da organização criminosa. Faltaria, assim, imputação subjetiva. De outro lado, a atipicidade poderia derivar da ausência de imputação objetiva, porque a conduta do agente infiltrado consistiu numa atividade de risco juridicamente permitida, portanto, sem relevância penal.

Seja lá qual for a interpretação que se faça em relação à natureza jurídica da isenção da responsabilidade penal do agente infiltrado, para que essa efetivamente se ultime, devem concorrer algumas exigências:

a) a atuação do agente infiltrado precisa ser judicialmente autorizada;

b) a atuação do agente infiltrado o qual comete a infração penal deve ser uma consequência necessária e indispensável para o desenvolvimento da investigação, além de ser proporcional à finalidade perseguida, de modo a evitar ou coibir abusos ou excessos;

c) o agente infiltrado não pode induzir ou instigar os membros da organização criminosa a cometer o crime, o que configuraria um delito provocado, o qual, devido à sua impossibilidade de consumação, é impune tanto em relação ao sujeito provocado. O provocador poderia responder pelo crime de abuso de autoridade.

 

À vista disso, consolidamos com o entendimento de CUNHA[12] quando refere que a Inexigibilidade da conduta diversa, sendo a teoria mais acertada pelo legislador para extinguir a responsabilidade penal do agente infiltrado.

 

3.2.2 Escusa absolutória

 

A escusa absolutória foi uma teoria defendida por alguns doutrinadores antes da Lei 12.850/2013 para justificar a exclusão da responsabilidade penal dos agentes infiltrados. Segundo eles o agente agiria “apadrinhado” pela escusa absolutória. Não existe nenhum pressuposto legal que alimente a ideia de que o agente ao se infiltrar deve praticar ações delituosas, ao contrário, a infiltração tem como intuito apenas a obtenção de provas referentes as práticas ilegais da organização criminosa.

 

A escusa absolutória aparece fundamentada em motivos transitórios e de conveniência, pois o legislador considera mais útil tolerar o delito que lhe castigar, ainda que reconhecendo que exista delito e que há pessoa que possa responder por ele. Assim, de forma sintética, as escusas absolutórias são circunstâncias pessoais que, por estrita razão de política criminal de utilidade em relação à proteção do bem jurídico, excluem a imposição de pena, restando o pleno reconhecimento da existência do crime, sem, no entanto, a correspondente aplicação de pena[13].

 

Por conseguinte, é fácil evidenciar que as escusas absolutórias tem razões especificas pessoais de exclusão de pena que se encontram resguardada e são utilizadas em vários países que adotam a infiltração policial, como forma de garantir maior segurança ao agente infiltrado e preservar o objetivo maior da investigação.

 

3.2.3 Estrito cumprimento do dever legal

 

Antes da Lei 12.850/2013 entrar em vigor, e a excludente de ilicitude pelo estrito cumprimento do dever legal era outra teoria alvo de muitas discussões. No art. 23, inciso III do Código Penal apenas limitou em dizer que não há crime quando o agente pratica delito em estrito cumprimento do dever legal.

Nesse caso, Bitencourt:

 

Quem pratica uma ação em cumprimento de dever imposto pela lei não comete crime. Ocorrem situações em que a lei impõe determinada conduta e, em face da qual, embora típica, não será ilícita, ainda que cause lesão a um bem juridicamente tutelado. Nessas circunstâncias, isto é, no estrito cumprimento de dever legal, não constitui crimes a ação do carrasco que executa a sentença de morte, do carcereiro que encarcera o criminoso, do policial que prende o infrator em flagrante delito etc.[14]

 

Por tanto, entende-se que o agente infiltrado que comete infrações, sendo ele estimulado não pode ser punido, isso também se estenderia ao participe, membro da organização criminosa também não seria punido, visto que no Brasil o concurso de pessoas, adota a teoria da acessoriedade limitada, é necessário apurar que o autor tenha praticado um fato típico e antijurídico pelo menos. Sendo que o estrito cumprimento do dever legal é um excludente de ilicitude mencionada no art. 23 do código penal. Caso não haja tipicidade ou ilicitude não há que punir o participe, um dos motivos que essa teoria não foi adotada na Lei 12.850/2013.

 

3.2.4 Atipicidade penal

 

Existem duas linhas de raciocínio, uma em defesa da atipicidade, da qual poderia proceder da inexistência de dolo por parte do agente, visto que ele não age com intenção de praticar atos ilícitos e sim contribuir na investigação para punir os associados da organização criminosa. A segunda linha, por outro lado visa que a atipicidade poderia proceder por causa da ausência de imputação objetiva, porque tal conduta do agente teve como resultado numa atividade de risco juridicamente amparada, com isso, sem relevância penal.

Por essa teoria, entende-se que o agente ao cometer algum delito não haveria dolo, pois ele estaria em busca de provas para desmantelar uma organização e contribuir para a investigação. Com isso o agente ao cometer um delito ele estaria produzindo um resultado, assumindo o risco e com isso caracterizando um dolo eventual.

Segundo Bittencourt[15] o dolo eventual, acontece “quando o agente não quiser diretamente a realização do tipo, mas a aceita como possível ou até provável, assumindo o risco da produção do resultado (art. 18, § I, do CP)”. Com isso essa teoria também não foi adotada pela atual lei 12.850/2013.

3.3 Responsabilidade penal do agente

 

O Art. 13 lei Nº 12.850, de 2 de agosto de 2013[16] dispõe que “O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados. Parágrafo único.  Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa” fica claro que o agente terá autorização para ter sua conduta desviada para praticar ações criminosas, mas em situações delicadas em que não se tem outra antelação. Contudo temos que o agente deve agir de forma cautelosa e seguindo todos os critérios exigidos para que sua conduta não seja alvo de responsabilização, sendo esses limites contrariados o mesmo deverá ser disciplinarmente e criminalmente punido, Capez; Prado.[17]

O agente terá, de antemão, ter um estudo da sociedade que este estará inserida e os órgãos competentes também deverão ter ciência de tal para que o mesmo seja autorizado a ter condutas divergentes, mas que sejam estritamente de exercício do ambiente que o mesmo está inserido. E isto é um ponto importante pois, ora, se o agente não usufruísse de tal mecanismo poderia ter dificuldades de ingressar e ser aceito pela organização ou, com êxito nessa etapa, ser descoberto posteriormente e colocar sua vida em risco.

Ao se referir à responsabilização do agente infiltrado, a Lei 12.850/2013 em seu art. 13 § único, onde a teoria da inexigibilidade de conduta diversa, ou seja, quando existe um fato típico, ilícito, não culpável, podendo assim punir todos os que participaram da conduta criminosa.

Veja jurisprudência a seguir: 

 

HABEAS CORPUS. - Cumpre registrar, inicialmente, que o parágrafo único do art. 13 da Lei nº 12.850/13 prevê causa de exclusão de culpabilidade, pois permite que o agente infiltrado - na tentativa de elucidar os delitos a que sua infiltração se destina esclarecer - pratique "crime", quando inexigível outra conduta. Assim, o fato de o agente infiltrado ter se disfarçado de consumidor não macula a prisão do paciente. - Por outro lado, a Autoridade Policial da Comarca de Frederico Westphalen, após prévia investigação dando conta da realização do delito de tráfico de drogas [inclusive com infiltração de policiais civis, captação ambiental de sinais acústicos/óticos e ação controlada (aquisição de entorpecentes) - medidas que foram judicialmente autorizadas], representou pela prisão preventiva do paciente Diogo e da co-acusada Silvana, bem como pela prisão temporária da paciente Karine. - Em prosseguimento, o digno Magistrado, precedido de manifestação ministerial favorável, em decisão devidamente fundamentada, acolheu a representação formulada pela autoridade policial e decretou a segregação cautelar do paciente Diogo e da co-acusada Silvana, bem como decretou a prisão temporária da paciente Karine. - Em cumprimento aos mandados de prisão, em 04/02/2014, os policias lograram encontrar na residência da acusada Karine, "03 (TRÊS) PAPELOTES DE UM PÓ BRANCO COM CARACTERÍSTICAS DE COCAÍNA PESO 05 GRAMAS; APROXIMADAMENTE 30 (TRINTA) GRAMAS DE UM PÓ COM ODOR E CARACTERÍSTICAS DE COCAÍNA, ACONDICIONADO EM 03 EMBALAGENS; 01 (UMA) ESPINGARDA CALIBRE 28, SEM MARCA E SEM NUMERAÇÃO APARENTE, CORONHA DE MADEIRA.", oportunidade em que ela foi presa em flagrante, sob a acusação de ter praticado os delitos de tráfico de drogas, associação para o tráfico e posse de arma de fogo. - O ora paciente, ouvido na Delegacia de Polícia, afirmou que "(...) a totalidade da droga apreendida na casa de KARINE lhe pertence, colocou no interior da casa sem ela saber, pois tem livre acesso à casa (...)." - Não podemos olvidar que presentes estavam os pressupostos da segregação cautelar (art. 313, inc. I), pois a espécie (tráfico) trata-se de crime doloso, punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos. - Por outro lado, presente um dos fundamentos (requisitos) para a segregação, a bem da garantia da ordem pública (art. 312, do CPP), observando, neste passo, que há prova da materialidade dos delitos e indícios de autoria, estes com arrimo no resumo da investigação policial (Representação pela Prisão Preventiva), inclusive na confissão extrajudicial do paciente, na qual estava acompanhado de advogado constituído. - Em relação à configuração do delito, nesta fase de cognição parcial, deve ser lembrando as Turmas (5ª e 6ª) componentes da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça já haviam firmado orientação no sentido de que para a consumação do delito de tráfico de entorpecentes bastava à prática de qualquer um dos verbos previstos no art. 12 da Lei nº 6.368/76. Para adequação típica não se exigia qualquer elemento subjetivo adicional. O entendimento jurisprudencial, deve ser lembrado, continua atual, pois "Na nova Lei de Tóxicos (Lei nº 11.343/06) as exigências para a tipificação do delito de tráfico são as mesmas da Lei nº 6.368/76" (passagem da ementa do REsp 846481/MG, Relator Ministro FELIX FISCHER). Precedente em igual sentido: REsp 1084294/MG - "A difusão maciça do consumo de drogas nas últimas décadas", conforme assevera Carlos Alberto Plastino (Psicanalista, cientista político e economista, Professor de IMS-UERJ e da PUC-Rio - trabalho apresentado no Seminário Internacional sobre Toxicomanias, em 8 de julho de 2000), "transformou a toxicomania numa grave questão social.". Além disso, cresce a violência causada pelo uso de drogas. Com efeito, "O Brasil é citado nas primeiras páginas do novo relatório do Conselho Internacional de Controle de Narcóticos, órgão das Nações Unidas, como um exemplo da violência causada pelas drogas. Segundo o documento, boa parte dos 30 mil assassinatos que ocorrem por ano no país está relacionada ao tráfico ou ao uso de drogas." A violência relacionada com as drogas é um desafio nacional particularmente sério, que tem um grande impacto nas comunidades ", diz o relatório." - do artigo "ONU: violência ligada à droga é desafio nacional - de Lisandra Paraguassú). - Perdura, lamentavelmente, a situação, bastando para tanto acompanhar os noticiários. Destacamos, entre tantos, a reportagem de contida da ZERO HORA (20/03/2013), intitulada "CAPITAL VIOLENTA - Mais mortes do que Bogotá, Rio e SP.", onde está destacado "Tráfico de drogas está relacionado à violência". - Não há dúvida, por todos estes vetores, que os fatos imputados ao paciente põem em risco a ordem pública. O Superior Tribunal de Justiça, não desconhecendo esta realidade, há muito deixou assentado: "... ações delituosas como as praticadas na espécie (tráfico e associação para o tráfico), causam enormes prejuízos não só materiais, mas também institucionais, gerando instabilidade no meio social. E, nesse contexto, a paz pública ficaria, sim, ameaçada, caso não fossem tomadas as providências cautelares necessárias para estancar a atuação dos traficantes." (sublinhei - passagem da ementa do HC 39675/RJ, Quinta Turma, Relatora: Ministra Laurita Vaz, j. em 22/02/2005). - A alegação de que a manutenção da prisão cautelar fere o princípio constitucional da presunção de inocência não se sustenta, pois não encontra amparo na jurisprudência do Pretório Excelso. - Por fim, devemos lembrar que a presença de condições pessoais favoráveis (primariedade, bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa) não desautorizam, por si só, a segregação cautelar. ORDEM DENEGADA. (Habeas Corpus Nº 70059454884, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Julgado em 10/07/2014)[18]

 

 

O agente infiltrado em uma organização criminosa, ele está sujeito a cometer crimes até mesmo para garantir sua própria segurança, relatos de um policial federal infiltrado diz que a regra é clara, ou faz ou morre. Com isso, está claro a presença da inexigibilidade da conduta diversa, não existindo outra alternativa, sendo assim não será responsabilizado, conforme parágrafo único art. 13 da Lei 12.850/2013.

Ainda que ao cometer ilícitos, o agente infiltrado deverá agir respeitando os limites da autorização judicial, bem como levar em consideração todas as orientações a ele passadas, devendo ele respeitar a proporcionalidade em suas ações.

De acordo com Capez:

 

O policial que, desbaratar uma grande quadrilha internacional de tráfico de drogas, acaba por participar de ações criminosas, como sequestros, homicídios, tráficos de entorpecentes etc., será responsabilizado criminalmente. Evidentemente, não poderá estabelecer de antemão uma regra inflexível, retirando-se do julgador a análise discricionária de cada caso concreto, pois pode ocorrer que a incidência dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da adequação social, diretamente derivados da dignidade humana (CF, art. 1º III), influencie na aferição do comportamento humano. Estando a conduta compreendida na razoabilidade do senso médio, no critério social de justiça, conformada com o conceito social e, acima de tudo, compensada pela relação custo-benefício social.[19]  

 

Caso o agente venha a extrapolar os limites a ele concedidos, ainda que exista perigo à sua própria vida, ele ficará à mercê da interpretação do magistrado, que deve analisar com cautela os fatos, levando em consideração todos os elementos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERENCIAS

 

[1] BRASIL Lei n° 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências.

[2] Carlos, André. Friede, Reis. Aspectos jurídico-operacionais do agente infiltrado. Rio de Janeiro: Freitas Barros, 2014, p. 49.

[3] BRASIL Lei n° 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências.

[4] PINTO, Soraya Moradillo. Infiltração policial nas organizações criminosas. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007, p. 81.

[5] CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Crime organizado. Comentários à Lei 12.850/2013. 4 ed. Ver. Ampl. e atual. Salvador: JusPodvm, 2016.

[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Organização Criminosa. 2ª ed. Ver. Atual. E ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 92.

 

[7] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.327.

[8] NUCCI, Guilherme de Souza. Organização Criminosa: Comentários à Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pag. 82-83.

[9]  GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 13. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 404-405.

[10] PACHECO, DenilsonFeitoza. O princípio de proporcionalidade no direito processual penal brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 89.

[11] NUCCI, Guilherme Souza. Organização Criminosa: Comentários a Lei 12.850 de 02 de Agosto de 2013. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2013, p. 83.

[12] CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Crime organizado. Comentários à Lei 12.850/2013. 4 ed. Ver. Ampl. e atual. Salvador: JusPodvm, 2016.

[13] PACHECO, Rafael. Crime Organizado: Medidas de Controle e Infiltração Policial. Curitiba: Juruá, 2007, p. 133.

[14] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 12. ed. v.I. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 322.

[15] BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.261.

[16] BRASIL Lei n° 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências.

[17] CAPEZ, Fernando; PRADO, Stela. Código Penal Comentado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

[18] TJ-RS - HC: 70059454884 RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Data de Julgamento: 10/07/2014, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 06/08/2014.

[19] CAPEZ. Fernando. Curso de Processo Penal. 20ª edição de acordo com a lei 12.736/2012. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 281.

 

Sobre a autora
Andressa Gonçalves Sobrinho

Discente do Curso de Direito do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara-GO.

Informações sobre o texto

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