APLICAÇÃO DA PENA PARA O ASSASSINO EM SÉRIE
Mesmo diante da ausência de testes eficazes para distinguir o serial killer dos homicidas comuns, algumas medidas são aplicadas aos assassinos em série de acordo com o sistema penal vigente no Brasil, portanto, deve-se comentar acerca de quais são os critérios estabelecidos para a aplicação da sanção do Código Penal brasileiro a esses casos.
Segundo Lucena e Vilarinho (2019), no Brasil, para verificar qual pena é aplicada tendo em vista os atos ilícitos cometidos, deve-se observar no indivíduo seu total discernimento e maturidade perante o ato praticado. Ainda de acordo com as autoras, no atual sistema penal, o serial killer é enquadrado em semi-imputável, este termo encontra-se no artigo 26 parágrafo único do Código Penal, o qual faz considerações sobre o indivíduo que está entre a total normalidade e total anormalidade mental, isto é, em um meio termo.
Biguelini e Scaravelli (2018), relatam que no Código Penal brasileiro, o parágrafo único do artigo 26 dispõe que será considerado semi-imputável o agente que em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de compreender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, podendo a pena ser reduzida de um a dois terços.
Lucena e Vilarinho (2019) discorrem sobre a pena aplicável nesse caso:
A pena mais utilizada e mais adequada para os semi-imputáveis é a medida de segurança [...]. Tanto a pena privativa de liberdade como a medida de segurança têm a finalidade de tratar do preso ou interno para que volte ao convívio social.
É imprescindível retratar que embora Lemes (2019) afirme: “[...] a maioria dos serial killers são ‘sãos’, ou seja, sabem a diferença entre o certo e o errado. Sabem que o que fazem é errado [...]” e Casoy (2002, p.30) acrescente: “É uma surpresa saber que apenas 5% dos serial killers estavam mentalmente doentes no momento de seus crimes [...]”, o Código Penal brasileiro insiste em enquadrar o assassino em série na semi-imputabilidade, a qual afirma a incapacidade do agente de compreender inteiramente o caráter ilícito dos fatos, isso mostra o quanto o sistema penal no Brasil é deficiente para tratar dos assassinos seriais.
Ainda, no caso da semi-imputabilidade, apresenta-se no artigo 98 do código Penal que somente poderá ser aplicada a medida de segurança (processo de cura do indivíduo) ou a privação da liberdade diminuída de um a dois terços da pena, já que não se pode recair as duas conjuntamente, com isso, sabe-se que o transtorno psicológico do serial killer não é modificado por tratamentos, e privá-lo da liberdade colocando-o juntamente com presos comuns torna-se um risco, pois eles têm uma alta capacidade de persuasão, ou seja, de influenciar outro indivíduo a cometer atos iguais ou similares aos seus.
Um exemplo para o fato supracitado, é o do Charles Manson apresentado na série Mindhunter (2019), um serial killer dos Estados Unidos que influenciou quatro jovens a invadir uma residência e matar cruelmente todos que estivessem nela. Manson, apesar de não ter matado nenhuma das vítimas, foi classificado como assassino em série e condenado por manipular o grupo. Como afirma Ana Beatriz B. Silva (2008): “Não podemos esquecer que os psicopatas são manipuladores inatos e que, em função disso, costumam utilizar os outros presidiários para obter vantagens pessoais”.
Ademais, no Brasil, não há uma legislação para tratar especificamente dos assassinos em série e eles acabam sendo tratados como criminosos comuns, mesmo possuindo um alto nível de periculosidade, colocando-se assim, a sociedade em risco quando postos em liberdade.
Como afirmado por Lucena e Vilarinho (2019):
Não existe no Brasil uma legislação específica para apenar os assassinos seriais, sendo, portanto, tratados como criminosos comuns, mesmo possuindo um exacerbado nível de periculosidade e pondo a sociedade em risco. Um déficit que deve ser superado, já que a nossa legislação deveria acompanhar os acontecimentos no tempo.
Renan A. Freire (2012) acrescenta a essa pauta: “Não existe no Direito brasileiro, nem mesmo um conceito jurídico-penal para o homicídio em série.”
Além disso, Larissa Karin (2017) aponta sobre a questão de o serial killer não aprender com sanções e ao voltar ao convívio social tornar a cometer os mesmos crimes:
O serial killer é alguém incapaz de aprender com sanções, e se após cumprir a pena voltar ao convívio social, certamente voltará a delinquir, uma vez que a punição não é inviável como forma de correção. É ineficaz colocar o assassino em série em presídios comuns, esperando uma reeducação e mudança. É certo afirmar que até que os órgãos de investigação tenham mais conhecimento sobre como punir os serial killers, eles continuarão sendo uma realidade.
Renan A. Freire (2012) complementa: “Os tipos penais vigentes e aplicáveis a tais casos, no ordenamento jurídico atual são, na verdade, insuficientes para a efetivação de uma punição adequada, que responda verdadeiramente a esses atos reprováveis.”
Szklarz, (2009, apud SILVA E PANUCCI, 2016) acrescenta que no Brasil não há prisões especiais, dessa forma os semi-imputáveis ficam com os presos triviais no sistema prisional comum. Como a psicopatia é um distúrbio que não é tratável ou suscetível de melhora, mesmo com muitos anos de prisões, após soltos praticam a reincidência.
Tendo em vista os pontos mencionados acima, a lei da semi-imputabilidade não se aplica com efetividade aos serial killers, pois eles são resistentes a qualquer forma de ressocialização, levando em conta que a psicopatia dos assassinos em série é um transtorno mental não modificado pelos tratamentos, e, consequentemente, eles voltam a cometer atos ilícitos quando postos em liberdade. Como afirma Lucena e Vilarinho (2019):
O meio mais eficiente para o tratamento dos psicopatas é a medida de segurança, mas isso não funciona bem com o serial killer visto que com relação a eles a psicopatia não se trata de uma doença mental e sim de um transtorno onde é inviável a ressocialização, ou seja, nenhum tipo de tratamento irá funcionar com esses assassinos em série. Existindo total ineficácia no tratamento brasileiro para esses indivíduos. [...] a parte cognitiva do assassino serial é perfeita, possuindo, consequentemente, total consciência de seus atos, ou seja, não se trata de uma doença mental e sim de um transtorno psicológico, não havendo, portanto, a possibilidade de um psicopata ser coagido a agir da forma “certa” por meio de punições.
Para acrescentar no que se refere ao ato do serial killer voltar a cometer os mesmos crimes quando postos em liberdade, utiliza-se a história do serial killer brasileiro Francisco Costa Rocha (Chico Picadinho), relatada por Ana Beatriz. B. Silva (2015):
Em 1966, Francisco, que até então parecia ser uma pessoa normal, matou e esquartejou a bailarina Margareth Suida no apartamento dele, no centro de São Paulo. Chico foi condenado a dezoito anos de reclusão por homicídio qualificado e mais dois anos e seis meses por destruição de cadáver. No interrogatório, Francisco foi capaz de relatar com riqueza de detalhes como a vítima foi retalhada e esquartejada. Em junho de 1974, oito anos depois de ter cometido o primeiro crime, Francisco recebeu liberdade condicional por bom comportamento. No parecer para a concessão de liberdade condicional, feito pelo então Instituto de Biotipologia Criminal, constava que ele tinha “personalidade com distúrbio profundamente neurótico”, excluindo o diagnóstico de personalidade psicopática. No dia 15 de outubro de 1976, Francisco matou Ângela de Souza da Silva com requintes de crueldade e sadismo mais sofisticados que em seu crime anterior. Novamente preso, Chico já cumpriu mais de quarenta anos de reclusão e, mesmo com todos os recursos da defesa, poderá ficar detido por prazo indeterminado. Os últimos exames periciais realizados em 2010, demonstraram que, em função de sua indiferença pelas vítimas, ele representa uma ameaça à sociedade, podendo cometer novos crimes. Certamente, se não tivesse sido solto na primeira vez, não teríamos uma segunda vítima.
Outrossim, Morana, Stone e Abdalla (2006) consideram que o assassino em série necessita de uma atenção especial, devido a seu grau de reincidência, se fazendo necessário que haja, por parte dos órgãos governamentais, uma iniciativa em construir estabelecimentos adequados para a custódia desses criminosos. Sendo a psiquiatria forense indispensável para classificar esses sujeitos e auxiliar a Justiça a buscar uma melhor forma de puni-los.
Em resumo, percebeu-se, com base nos posicionamentos dos autores, que o Código Penal brasileiro não tem eficácia para identificar e penalizar os serial killers, dessa forma, a sociedade é quem sente os efeitos desse descaso, pois os assassinos em série podem estar em qualquer lugar agindo como pessoas normais e, consequentemente, escolhendo suas vítimas ou até mesmo já cometendo crimes e ficando impunes, sem serem descobertos, por causa da deficiência desse sistema penal, portanto, é preciso buscar soluções práticas e eficazes, a fim de garantir a segurança do convívio social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Comentar sobre serial killers é sempre um desafio, pois, embora seja um assunto de extrema importância, tanto à sociedade civil, quanto às autoridades que regem a coletividade, desconhecem os pontos básicos, como por exemplo, o que vem a ser um assassino em série e de qual forma ele age e, ainda, negam a relevância em compreendê-lo. Por conta disso, observa-se que há uma demora para tentar entender e se posicionar acerca do assunto, e com isso muitas atrocidades podem acontecer nesse intervalo de tempo.
No Brasil não é diferente, a pouca atenção dada aos casos dos assassinos seriais tem colocado em risco a segurança do corpo social. Com essa pesquisa foi possível observar, evidentemente, que o Código Penal brasileiro não é eficaz para tratar os serial killers, porque ainda não se tem uma legislação específica, banco de dados com perfis traçados desses infratores e sanções rigorosas para estes indivíduos de alta periculosidade. Portanto, é de suma relevância dar continuidade à discussão sobre esse assunto, pois enquanto não existir um sistema penal satisfatório, a fim de abordar os casos dos assassinos em série, a sociedade continuará exposta às suas atrocidades.
Em síntese, sugere-se que as lacunas deixadas por este estudo possam impulsionar o surgimento de novas pesquisas mais aprofundadas e dessa forma alargue as reflexões dos leitores sobre a temática abordada. Conclui-se tal pesquisa com as palavras de Illana Casoy (2002), as quais se aplicam também à dedicatória deste estudo: “[...] é dedicado às vítimas conhecidas e desconhecidas de assassinos loucos ou cruéis, cujas histórias de sofrimento e morte só podemos adivinhar. É dedicado também aos seus pais, filhos, companheiros de vida e amigos, que nunca tiveram a chance de se despedir.”
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Abstract: This paper aims to understand the figure of serial killers, also known in Portuguese as serial killers, in order to analyze how the Brazilian Penal Code is applied to crimes committed by these individuals. Furthermore, an approach was made to the exceptional characteristics and modus operandi of serial killers so that it was possible to interpret the study in depth and thus observe the possible failures of the Criminal System in Brazil when dealing with these highly dangerous killers. Finally, the article 26 of the Penal Code, the absence of identification tests, aspects present in childhood, applicable sanctions, resocialization and the behavior of the serial killer were also discussed in this study from the perspective of several authors.
Keyword: Serial Killer. Brazilian Criminal Code. Behavior.