1. O QUADRO DIANTE DA REDAÇÃO ORIGINÁRIA DO CPC DE 1973
O inciso I do artigo 584 do CPC de 1973 previa expressamente a “sentença condenatória proferida no processo civil” como título executivo judicial.
Sob o império do CPC de 1973 tinha-se que a ação declaratória visa à declaração da certeza objetiva de "existência ou inexistência de relação jurídica", ou da "autenticidade ou falsidade de documento" (CPC, art. 4º), ou ainda da inconstitucionalidade de uma lei (ação declaratória de inconstitucionalidade: CF, arts. 102, I, a, e 103).
Como disse Carnelutti (Derecho y processo. v. 1. Trad. Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Europa-America, 1971), as ações declaratórias não são lides de dano, mas de probabilidade de dano, “procura-se evitar sua consumação por meio do acertamento preventivo. O juiz intervém para que a incerteza atual não provoque uma escolha futura de conduta indevida”. Como disse o ministro Alfredo Buzaid (A Ação Declaratória no Direito Brasileiro, 2ª edição, 1986, pág. 118), entre nós, Costa Manso, Jorge da Veiga, Guilherme Estelita e Seabra Fagundes, lhe reconheceram o caráter de justiça preventiva. Mas esse caráter preventivo pode ser reconhecido eventualmente.
Plosz (Theorie des Klagerechts, 1880, pág. 162), no direito alemão, admitiu-a como um direito contra o Estado para dele obter uma sentença e contra o réu para que coopere na sua abstenção.
Ensinou o ministro Alfredo Buzaid (A Ação Declaratória no Direito Brasileiro) que o único objetivo do autor é obter a certeza jurídica, representada por uma sentença revestida da autoridade de coisa julgada e, como tal, indiscutível entre as mesmas partes. Como tal e nesse entendimento tal sentença não tinha força executiva.
O STJ firmou o entendimento no sentido de que a ação declaratória pura é imprescritível, salvo quando houver pretensão condenatória-constitutiva em que está sujeita à prescrição do Decreto 20.910/1932. Nesse sentido: REsp 1721184/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª T., DJe 16/11/2018; AgRg no REsp 696.743/RJ, Rel. Ministro Fernandes, 6ª T., DJe 22/03/2010; AgRg no REsp 646.899/AL, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª T., DJe 17/06/2009; AgRg no REsp 616.348/MG; REsp 959.096/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, 2ª T., DJe 08/05/2009; REsp 750.620/ES, Rel. Ministro João Otávio De Noronha, 2ª T., DJ 25/04/2007 p. 305.
A segurança perseguida pela via da ação declaratória é alcançada pela coisa julgada, como bem lembrou Rosalina Moitta Pinto da Costa (Reflexões acerca da Executividade das sentenças de improcedência em ações declaratórias negativas, Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 75, pp. 487-512, jul./dez. 2019).
Ensinou o ministro Alfredo Buzaid que o único objetivo do autor é obter a certeza jurídica, representada por uma sentença revestida da autoridade de coisa julgada e, como tal, indiscutível entre as mesmas partes. Como tal e nesse entendimento tal sentença não tinha força executiva.
Para Alfredo Buzaid (obra citada) o que distingue a sentença declaratória, quer dizer, ela se limita a verificar e declarar e este é precisamente sua função. Por sua vez, a sentença condenatória não se consuma em si mesma: ela é proferida em vista da possibilidade de que, perdurando o inadimplemento do devedor, deva o credor pedir a execução. Ainda como lembrou o ministro Buzaid (obra citada, pág. 136), entenderam outros que a diferença não está na própria sentença, mas no seu objeto, isto é, na qualidade de sentença declaratória e propriamente a que verifica e declara a existência de um direito a uma prestação não satisfeita. Disse então o ministro Buzaid, naquela obra: "Naturalmente, se ele preferiu a ação declaratória, a sentença não lhe permite pedir a execução".
Esse era o quadro antes da vigência da lei 11.232/2005.
2. OS ENSINAMENTOS DO MINISTRO TEORI ZAVASCKI
Mesmo diante do dispositivo do artigo 584 do CPC, o Ministro Teori Albino Zavascki, antes mesmo da reforma, já admitia a sentença declaratória como título executivo judicial.
As concepções sobre a não executividade das sentenças declaratórias foram abaladas pelo belíssimo estudo doutrinário do ministro Teori Zavascki (RePro, volume 208, 2003 b, pág. 405 a 408), quando ensinou de forma sólida:
“Ao legislador ordinário não é dado negar executividade a norma jurídica concreta, certificada por sentença, se nela estiverem presentes todos os elementos identificadores da obrigação (sujeitos, prestação, liquidez, exigibilidade), pois isso representaria atentado ao direito constitucional à tutela executiva, que é inerente e complemento necessário do direito de ação. Tutela jurisdicional que se limitasse à cognição, sem as medidas complementares necessárias para ajustar os fatos ao direito declarado na sentença, seria tutela incompleta. E, se a norma jurídica individualizada está definida, de modo completo, por sentença, não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente. Instaurar a cognição sem oferecer às partes e principalmente ao juiz outra alternativa de resultado que não um já prefixado, representaria atividade meramente burocrática e desnecessária, que poderia receber qualquer outro qualificativo, menos o de jurisdicional. Portanto, repetimos: não há como negar executividade à sentença que contenha definição completa de norma jurídica individualizada, com as características acima assinaladas”.
Sobre a questão da eficácia executiva das sentenças declaratórias, assim se manifestou o ministro Zavascki, em voto-vista nos autos do RESP 544.189/MG, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, unânime, julgado em 02.12.2003:
" (...) 2. A orientação adotada pelo Ministro Relator é contrária a precedentes de ambas as Turmas da 1ª Seção, entre os quais podem ser referidos os seguintes:
"PROCESSUAL - EXECUÇAO - SENTENÇA QUE OUTORGA A FACULDADE DE COMPENSAR CRÉDITO TRIBUTÁRIO - OPÇAO DO CONTRIBUINTE PELO PROCESSO EXECUTIVO - CPC, ART. 743, III - FALTA DE INTERESSE DO DEVEDOR. I - Decisão judicial que permite ao contribuinte recuperar indébito tributário, mediante compensação. Tal decisão, longe de estabelecer forma de execução, outorgou uma faculdade ao credor: compensação não é modo de executar sentença, mas simples fenômeno pelo qual extinguem-se as dívidas simétricas. II - Não há ofensa ao 743 , III do Código de Processo Civil, se o contribuinte, em lugar de levar à compensação seu crédito por exação indevida, prefere recuperá-lo em processo de execução contra o Estado.
III - A compensação é o modo mais eficaz de repetir-se tributo pago indevidamente. Em contrapartida, o processo de execução constitui método lento e doloroso de recuperar exações indevidas. IV - Em sendo o processo de execução mais cômodo para o Estado que a compensação, carece este de interesse para recorrer contra decisão que permitiu ao contribuinte optar pela execução" (RESP 207.998/RS, 1ª Turma, Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 21.02.2000).
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. DIREITO À REPETIÇAO DO INDÉBITO VIA COMPENSAÇAO ASSEGURADO POR DECISAO TRANSITADA EM JULGADO. EXECUÇAO. OPÇAO POR RESTITUIÇAO EM ESPÉCIE DOS CRÉDITOS VIA PRECATÓRIO. POSSIBILIDADE. VIOLAÇAO À COISA JULGADA. AUSÊNCIA.
1. Operado o trânsito em julgado da decisão que determinou a repetição do indébito, é facultado ao contribuinte manifestar a opção de receber o respectivo crédito por meio de precatório regular ou compensação, eis que constituem, ambas as modalidades, formas de execução do julgado colocadas à disposição da parte quando procedente a ação.
2. Não há na hipótese dos autos violação à coisa julgada, pois a decisão que reconheceu o direito do autor à compensação das parcelas pagas indevidamente fez surgir para o contribuinte um crédito que pode ser quitado por uma das formas de execução do julgado autorizadas em lei, quais sejam, a restituição via precatório ou a própria compensação tributária.
3. Por derradeiro, registre-se que todo procedimento executivo se instaura no interesse do credor (CPC, art. 612) e nada impede que em seu curso o débito seja extinto por formas diversas como o pagamento propriamente dito - restituição em espécie via precatório, ou pela compensação.
4. Recurso Especial improvido" (RESP 551.184/PR, 2ª Turma, Min. Castro Meira, julgado em 21.10.2003).
3. A orientação desses precedentes deve prevalecer. Eles são mais um exemplo de que, no atual estágio do sistema do processo civil brasileiro, não há como insistir no dogma de que as sentenças declaratórias jamais têm eficácia executiva. Há sentenças, como a de que trata a espécie, em que a atividade cognitiva está completa, já que houve juízo de certeza a respeito de todos os elementos da norma jurídica individualizada. Nenhum resíduo persiste a ensejar nova ação de conhecimento. Estão definidos os sujeitos ativo e passivo, a prestação, a exigibilidade, enfim, todos os elementos próprios do título executivo. Em casos tais, não teria sentido algum mas, ao contrário, afrontaria princípios constitucionais e processuais básicos submeter as partes a um novo, desnecessário e inútil processo de conhecimento. É o que tivemos oportunidade de sustentar em sede doutrinária (Comentários ao Código de Processo Civil , vol. 8, 2ª ed., RT, 2003, p. 194-199; Título Executivo e Liquidação, RT, 1999, p. 101-106), bem como em estudo específico (Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia executiva dos julgados , Revista de Processo Repro 109:45), cujos fundamentos principais tomamos a liberdade de reproduzir:
"A tese segundo a qual apenas sentença condenatória é título executivo, verdadeiro dogma para a maioria da doutrina, é de difícil demonstração. A dificuldade reside, desde logo, na identificação da natureza dessa espécie de sentença. Para Liebman, "a sentença condenatória tem duplo conteúdo e dupla função: em primeiro lugar, declara o direito existente e nisto ela não difere de todas as outras sentenças (função declaratória); e, em segundo lugar faz vigorar para o caso concreto as forças coativas latentes na ordem jurídica, mediante aplicação da sanção adequada ao caso examinado e nisto reside a sua função específica, que a diferencia das outras sentenças" (Enrico Tullio Liebman, Processo de Execução , 3 a ed., São Paulo, Saraiva, 1968, p. 16). Fazer vigorar a força coativa da sanção não constitui, propriamente, função da sentença condenatória, mas sim da ação executiva que a ela posteriormente segue. Pois bem, conforme observou Barbosa Moreira, "se não é de efetivar a sanção que se trata na sentença condenatória, então só uma coisa é concebível que se trate: de declarar a sanção a que se sujeita o vencido" (José Carlos Barbosa Moreira, Reflexões ..., cit., p. 76). É assim, aliás, que Carnelutti via a sentença condenatória: uma sentença de dupla declaração, a declaração de certeza do que foi e do que devia ser (Francesco Carnelutti, Derecho y Proceso , tradução de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-América, 1971, vol. I, p. 66). Calamandrei, a sua vez, descreveu a sentença condenatória como a decisão "mediante la cual la autoridad judicial individualizará el concreto precepto jurídico nacido de la norma, establecerá la certeza acerca de cuál ha sido y cuál habría debido ser el comportamento del obligado y determinará, como consecuencia, los médios prácticos aptos para restablecer en concreto la observancia del derecho violado"
(Piero Calamandrei, Instituciones de Derecho Procesal Civil , tradução de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-América, 1986, vol. I, p. 142).
Todavia, conforme anotou o próprio Calamandrei, "nem todas as sentenças condenatórias pressupõem ato ilícito", assim como"nem todas as sentenças que certificam o ilícito são sentenças condenatórias" (Piero Calamandrei,"La condana", apud Opere Giurideche , Nápoli, Morano Editore, 1972, 5º vol., p. 486). Ratificando tal objeção, Barbosa Moreira cita como exemplo de sentença condenatória, mas "sem correspondência com atos ou comportamentos antijurídicos", a da"condenação do litigante vencido ao pagamento das custas processuais e dos honorários de advogado do vencedor, nos sistemas que prevêem como corolário do mero fato do sucumbimento" (José Carlos Barbosa Moreira, Reflexões ..., cit., p. 74). Cita outrossim as "hipóteses em que se permite ao juiz proferir, antes de vencida a obrigação, sentença idônea para constituir, se o réu não a cumprir sponte sua , título executivo para o autor vitorioso" (José Carlos Barbosa Moreira, Reflexões ..., cit., p. 75). Poder-se-ia referir outros exemplos, como o das sentenças homologatórias de conciliação ou de transação, que, em nosso sistema, constituem título executivo, inclusive, se for o caso, em favor do réu, e que têm por conteúdo, às vezes, direitos que sequer foram objeto da demanda. Em tais situações certamente não há juízo sobre ilícito ou sua sanção. Não é a aplicação da sanção a um ilícito, portanto, a nota característica da executividade dessa espécie de sentença.
Calamandrei busca superar tais objeções sustentando que a característica da sentença condenatória não está na aplicação ou na declaração da sanção. "Somente há condenação", diz ele, "quando, por força da sentença, o vínculo obrigacional é substituído por um vínculo de sujeição. A transformação da obrigação em sujeição, esta me parece ser verdadeiramente a função específica da condenação". E acrescenta: "pode-se dizer que a função da sentença de condenação é a de constituir aquele estado de sujeição, por força do qual o condenado é posto a mercê dos órgãos executivos e submetido a suportar passivamente a execução forçada como um mal inevitável" (Piero Calamandrei,"La condana", cit., p. 492).
Ocorre que o estado de sujeição a que se refere Calamandrei é próprio de qualquer título executivo, inclusive dos extrajudiciais, e não apenas da sentença condenatória. Ele não é, portanto, "constituído" pelo ato sentencial. É, antes, consequência natural da norma jurídica consubstanciada no título executivo, mais especificamente do enunciado da perinorma, que estabelece a sanção jurídica para a hipótese de descumprimento. Aliás, esta mesma objeção pode ser colocada à doutrina de Liebman, quando sustenta que a sanção à violação do direito é constituída pela sentença condenatória, e daí a razão de ser ela, no seu entender, pré-requisito indispensável à execução forçada. Também a sanção jurídica decorre da norma, e não da sentença. Esta, no máximo, a identifica e declara.
Com efeito, a sanção jurídica, assim considerada como a reação do direito à inobservância ou à violação das suas normas, não só está prevista no preceito normativo, como também constitui um dos seus elementos essenciais, o da perinorma (ou norma secundária), cujo destinatário é o órgão estatal encarregado de prestar jurisdição. "O que se chama de sanção", diz Bobbio, "outra coisa não é senão o comportamento que o juiz deve ter em uma determinada circunstância" (Norberto Bobbio, Teoria General de Derecho , tradução de Jorge Guerrero R., 2 a ed., Santa Fe de Bogota, Colombia, Temis, 1992, p. 125). Atribuir ao lesado a faculdade de exigir a prestação jurisdicional é, portanto, qualidade inerente à própria norma jurídica. É justamente essa atributividade ou, como preferem alguns, esse autorizamento (Goffredo Telles Júnior, Direito Quântico , São Paulo, Ed. Max Limound, p. 263), a mais marcante diferença entre a norma jurídica e as outras normas de conduta: "a essência específica da norma jurídica é o autorizamento, porque o que compete a ela é autorizar ou não o uso dessa faculdade de reação do lesado. A norma jurídica autoriza que o lesado pela violação exija o seu cumprimento ou a reparação pelo mal causado" (Maria Helena Diniz, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito , 8ª ed., São Paulo, Saraiva, 1995, p. 341). "A norma jurídica permite que o lesado pela violação dela exija o cumprimento dela" , escreveu Goffredo Telles Júnior, acrescentando: "em virtude do autorizamento, o lesado pode, com fundamento jurídico, completar sua interação com quem o prejudicou. Após a ação violadora da norma jurídica, a própria norma violada autoriza e permite a reação competente" (Goffredo Telles Júnior, Direito Quântico , cit., p. 263). Esse é, aliás, o elemento distintivo por excelência entre a norma jurídica e as demais normas de conduta: a aptidão para atribuir ao lesado a faculdade de exigir o seu cumprimento forçado. Segundo a lição clássica de Luis Recasens Siches, "en el Derecho, cabalmente la posibilidad predeterminada de esa ejecución forzada, de la imposición inexorable de lo determinado en el precepto jurídico, incluso por medio de poder físico, constituye un ingrediente esencial de éste. La sanción jurídica, como ejecución forzada de la conducta mandada en el precepto (...), o como ejecución forzada de una conduta sucedánea de reparación o compensación, o como retribución de una infracción consumada ya irremediable pena constituye un elemento esencial de la norma jurídica" (Luis Recasens Siches, Estudios de Filosofía del Derecho , Barcelona, Bosch Casa Editorial, 1936, p. 128. No mesmo sentido: Maria Helena Diniz, Compêndio , cit., p. 341).
É equívoco, portanto, afirmar que a sentença condenatória, ou outra sentença qualquer, é constitutiva da sanção ou do estado de sujeição aos atos de execução forçada. Não é esta, consequentemente, a justificação para a força executiva dessa espécie de sentença. Sua executividade decorre, isto sim, da circunstância de se tratar de sentença que traz identificação completa de uma norma jurídica individualizada, que, por sua vez, tem em si, conforme se viu, a força de autorizar a pretensão à tutela jurisdicional. Se há "identificação completa" da norma individualizada é porque a fase cognitiva está integralmente atendida, de modo que a tutela jurisdicional autorizada para a situação é a executiva.
Ocorre que tais virtudes e características não são exclusivas da sentença condenatória, podendo ser encontradas em outros provimentos jurisdicionais, inclusive em certas sentenças declaratórias. Veja-se.
(...)
A ação puramente declaratória, e, portanto, a sentença que nela vier a ser proferida, tem por objeto, segundo o artigo4ºº do CPCC, a declaração "da existência ou inexistência de relação jurídica" ou "da autenticidade ou falsidade de documento". Segundo os padrões tradicionais, não compõe seu objeto o juízo a respeito da violação da norma individualizada ou da sanção correspondente. A declaração de certeza, nestas ações, refere-se, como ensinava Calamandrei, ao preceito primário ("no transgredido todavía, pero incierto") e não ao mandado sancionatório (Piero Calamandrei, Instituciones... , cit., p. 152 e 168).
Nesse pressuposto, identificada a relação entre o objeto da ação puramente declaratória e a norma primária (enunciado endonormativo), conclui-se que nela não se faz juízo sobre a sanção (enunciado da perinorma), do que somente se poderia cogitar caso já tivesse havido violação. Por isso mesmo, aliás, a doutrina clássica a respeito das lides que fazem surgir interesse de mera declaração assinala o caráter preventivo da correspondente tutela jurisdicional. Não são lides de dano, mas de probabilidade de dano, dizia Carnelutt - Francesco Carnellutti, Derecho y Proceso, cit., p. 67. , e têm origem, não no descumprimento da obrigação, mas sim na dúvida a respeito da existência da relação jurídica, ou do seu modo de ser ou, quem sabe, do conteúdo da prestação ou da sanção que, no futuro, poderá ser exigida. Evidencia-se, assim, que, em regra, na sentença puramente declaratória há enunciados de certeza sobre um ou mais de um dos elementos da norma jurídica concreta , mas não sobre o seu todo (endonorma e perinorma), nem, especialmente, sobre a existência de uma prestação exigível .
Assim entendida tal espécie de sentença, faz sentido afirmar, na linha do pensamento clássico, que elas não constituem títulos executivos, e se acrescenta também sob influência desses mesmos padrões, que apenas as sentenças condenatórias, que trazem identificação completa da norma individualizada, podem servir de base à execução. O Código de Processo Civil de 1939 refletia justamente essa doutrina, quando dispunha, no seu artigo 290, que "na ação declaratória, a sentença que passar em julgado valerá como preceito, mas a execução do que houver sido declarado somente poderá promover-se em virtude de sentença condenatória"."
Veja-se à luz da doutrina trazida por Carlos Cóssio (teoria egológica), a lição do ministro Zavascki sobre a natureza jurídica do título executivo.
Disse o ministro Zavascki (Processo de execução. São Paulo: Editora RT, 2004, p. 309),“na verdade, o exame do conteúdo da decisão mostra-se método mais adequado à discriminação das sentenças passíveis de serem consideradas como título executivo, bastando, para tanto, que ela contenha "a identificação integral de uma norma jurídica concreta, com prestação exigível de dar, fazer, não fazer ou pagar quantia."
Em sua exposição sobre o tema o ministro Zavascki ainda disse no EREsp 609.266/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, 1ª Seção, DJ 11/09/2006, em verdadeira lição doutrinária:
“ (...) 1. No atual estágio do sistema do processo civil brasileiro não há como insistir no dogma de que as sentenças declaratórias jamais têm eficácia executiva. O art. 4º, parágrafo único, do CPC considera “admissível a ação declaratória ainda que tenha ocorrido a violação do direito”, modificando, assim, o padrão clássico da tutela puramente declaratória, que a tinha como tipicamente preventiva. Atualmente, portanto, o Código dá ensejo a que a sentença declaratória posa fazer juízo completo a respeito da existência e do modo de ser da relação jurídica concreta.
2. Tem eficácia executiva a sentença declaratória que traz definição integral da norma jurídica individualizada. Não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente. E instaurar um processo de cognição sem oferecer às partes e ao juiz outra alternativa de resultado que não um, já prefixado, representaria atividade meramente burocrática e desnecessária, que poderia receber qualquer outro qualificativo, menos o de jurisdicional.
3. A sentença declaratória que, para fins de compensação tributária, certifica o direito de crédito do contribuinte que recolheu indevidamente o tributo, contém juízo de certeza e de definição exaustiva a respeito de todos os elementos da relação jurídica questionada e, como tal, é título executivo para a ação visando à satisfação, em dinheiro, do valor devido. (...)”.
Fica o ensinamento do ministro Zavascki:
[...] todas as sentenças proferidas no processo civil que definam, de modo completo, uma norma jurídica individualizada, contendo prestação exigível de pagar quantia, são títulos que, até por decorrência constitucional, ensejam ao credor, desde logo, a postulação da tutela satisfativa do direito. Sentença semelhante, quando definir prestação de fazer, não fazer ou entregar coisa, constitui título que enseja atividade executiva desenvolvida na própria relação processual cognitiva (arts. 461 e 461-A). Ao legislador ordinário não é dado negar executividade a norma jurídica concreta certificada por sentença se nela estiverem presentes todos os elementos identificadores da obrigação (sujeitos, prestação, liquidez, exigibilidade), pois isso representaria atentado ao direito constitucional à tutela executiva, que é inerente e complemento necessário do direito de ação. Tutela jurisdicional que se limitasse à cognição, sem medidas complementares para ajustar os fatos ao direito declarado na sentença, seria tutela incompleta. E, se a norma jurídica individualizada está definida, de modo completo, por sentença, não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, novamente, a juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente. (Op. Cit., p. 308).
Em síntese na matéria afirmou o ministro Zavascki de forma taxativa: “afirmou Teori Zavaski a executividade das sentenças declaratórias decorre “da circunstância de se tratar de sentença que traz identificação completa de uma norma jurídica individualizada”, pois quando isso ocorre “é porque a fase cognitiva está integralmente atendida”. Ora, se existe algum resíduo a ensejar nova ação de conhecimento é porque a atividade cognitiva não está completa; logo, nem todas as sentenças declaratórias positivas proferidas quando o juiz julga improcedente uma ação declaratória negativa devem ser consideradas títulos executivos.
Conforme decisão abaixo ficou assentada a executividade das sentenças que reconhecem a existência de obrigação de pagar quantia:
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. SENTENÇA QUE CONDENA CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA EM OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER (IMPEDIMENTO DE CORTE NO FORNECIMENTO) E DECLA-RA LEGAL A COBRANÇA IMPUGNADA EM JUÍZO, SALVO QUANTO AO CUSTO ADMINISTRATIVO DE 30% REFERENTE A CÁLCULO DE RECUPERAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 475-N, INC. I, DO CPC PELA CONCESSIONÁRIA EM RELAÇÃO À PARTE DO QUE FOI IMPUGNADO PELO CONSUMIDOR NA FASE DE CONHECIMENTO. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO.
1. Com a atual redação do art. 475-N, inc. I, do CPC, atribuiu-se “eficácia executiva” às sentenças “que reconhecem a existência de obrigação de pagar quantia”.
2. No caso concreto, a sentença que se pretende executar está incluída nessa espécie de provimento judicial, uma vez que julgou parcialmente procedente o pedido autoral para (i) reconhecer a legalidade do débito impugnado, embora (ii) declarando inexigível a cobrança de custo administrativo de 30% do cálculo de recuperação de consumo elaborado pela concessionária recorrente, e (iii) discriminar os ônus da sucumbência (v. fl. 26, e-STJ).
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/0833."
REsp 1.261.888/RS, segundo o rito previsto no art. 543-C do CPC – tema repetitivo 509