O conceito de segurança nacional e os Estados contemporâneos.

24/08/2021 às 14:27
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Os contornos contemporâneos da segurança nacional confirmam que seu viés totalitário e, a atual LSN brasileira foi considerada incompatível com a vigente Constituição Federal do Brasil de 1988 pelo STF. De qualquer forma, o manejo da LSN pode punir ...

O conceito de segurança nacional e os Estados contemporâneos.

Le concept de sécurité nationale et les États contemporains

 

 

 

Resumo: Os contornos contemporâneos da segurança nacional confirmam que seu viés totalitário e, a atual LSN brasileira foi considerada incompatível com a vigente Constituição Federal do Brasil de 1988 pelo STF. De qualquer forma, o manejo da LSN pode punir tanto governistas como a opositores.

Palavras-Chave: Segurança Nacional. Lei de Segurança Nacional (LSN). Constituição Federal do Brasil de 1988. Nação. Estado Democrático de Direito.

 

Résumé: Les contours contemporains de la sécurité nationale confirment que son parti pris totalitaire et l'actuelle LSN brésilienne ont été considérés comme incompatibles avec l'actuelle Constitution fédérale du Brésil de 1988 par le STF. Dans tous les cas, le traitement de la LSN peut punir à la fois les responsables gouvernementaux et les opposants.

Mots-clés: Sécurité nationale. Loi sur la sécurité nationale (LSN). Constitution fédérale du Brésil de 1988. Nation. Etat démocratique.

É interessante observar atentamente os contornos conceituais galgados pela segurança nacional em contexto autoritário.  O que envolve a noção de nação[1] e outros como nacionalismo[2], o conceito de segurança e, ainda a necessidade de se atentar aos conceitos históricos ainda em construção e, ainda, aspectos legais.

Por segurança nacional, entende-se como uma condição relativa de proteção coletiva e individual dos membros de uma sociedade contra ameaças plausíveis à sua sobrevivência e autonomia. Nesse sentido, o termo refere-se a uma dimensão vital da existência no contexto moderno de sociedades complexas, delimitadas por estados nacionais de base territorial[3].

No limite, estar seguro nesse contexto significa viver num estado que é capaz de neutralizar ameaças vitais através da negociação, da obtenção de informações sobre capacidades e intenções, do uso de medidas extraordinárias e do leque de opções relativas ao emprego de meios de força. A dupla face dessas ameaças, interna e externa, implica algum grau de complementaridade e de integração entre as políticas externa, de defesa e de provimento da ordem pública.

A segurança nacional, como uma condição relativamente desejável a ser obtida através dessas políticas públicas, fornece a principal justificativa para o exercício da soberania e o monopólio estatal do uso legítimo de meios de força.

O modelo de nação que foi estruturado e suas consequências refletem sobre o desenvolvimento da cidadania e sobre a noção de república no contexto brasileiro. O sentimento de nação não é tão antigo que o existente no século XVIII, portando historicidade recente conforme aponta Anderson (2008) quando demonstra que a criação desses produtos típicos do fim do século XVIII, foi uma destilação espontâneo oriunda do cruzamento complexo de diferentes forças históricas.

Hobsbawm (1990) tratou inicialmente a questão da nação como qualquer corpo de pessoas suficientemente grande e cujos membros consideram-se como membro de uma nação, e há ainda o aparecimento de porta-vozes de algum ideal nacional, fomentando um discurso[4] e um modelo de Estado.

Em verdade, as nações são tortuosas invenções históricas e se imaginam tributárias de velhas tradições. Trata-se de leituras de um certo passado editadas de acordo com as necessidades ou possibilidades de cada época. Atenta-se que também a imagem do passado muda ao longo do tempo, sendo sempre matizada pelo olhar presente. Ao contemplar uma nacionalidade[5] percorremos a leitura sobre certa sociedade.

A nação como uma reconstrução contínua nos leva à reflexão de retomada da formação republicana bem como sobre o papel desempenhado por intelectuais que serão sempre alvo de fervoroso debate.

Assim, a referência de nação que organizou o Estado brasileiro, particularmente, a partir de 1930, estabelecendo distinções e reforçando o modelo que pressupõe a articulação de uma ordem institucional e um conjunto de valores, costumes e solidariedades, isto é, um ordenamento político, jurídico e cultural.

Não obstante a nossa primeira república[6] ter sido uma organização liberal do Estado e que sofreu constantes críticas fulcradas em dois aspectos, a saber: as condições efetivas da realidade brasileira versus a presença de ideias fora do lugar, o que se refere a uma fundamentação, presente em diferentes doutrinadores e historiadores, entre os quais destaca-se Oliveira Vianna (1987).

Oliveira Vianna (1987) apresenta uma dicotomia[7] proposta entre o povo-massa, por sua expressão numérica, no sistema eleitoral, e os fatos que concorreram para sua aparição no campo político e eleitoral, e, demonstraram que o povo não estava preparado para exercer sua condição estrutural e cultural para o regime política. Enfim, o povo deveria ser uma entidade plenamente consciente de sua vontade.

O que nos faz concluir que a república brasileira se moldou em um modelo de Estado incompatível com as condições estruturais do povo e, ipso facto, tal desenvolvimento precisa ser corrigido para que se torne um Estado-nação centralizado.

Mas, o Estado liberal que tem por base fulcral a autonomia do indivíduo e, pela argumentação proposta, este seria o principal cerne do problema, pois não tinha condições mínimas para o exercício de suas liberdades individuais, civis, sociais e quiçá políticas.

Em resumo, a abordagem liberal do conceito de segurança nacional tende a afirmar precipitadamente que os Estados são inseguros porque e, apenas na medida em que suas instituições governamentais são autoritárias.

E, também por isso, não tinha o povo uma estrutura política autônoma configurando o que o doutrinador chamou de solidariedade de clã.

Durkheim afirmou que a solidariedade do tipo mecânica depende da extensão da vida social que a consciência coletiva (ou comum) alcança. Quanto mais forte a consciência coletiva, maior a intensidade da solidariedade mecânica. Aliás, para o indivíduo, seu desejo e sua vontade são o desejo e a vontade da coletividade do grupo, o que proporciona uma maior coesão e harmonia social.

Este sentimento estaria na base do sentimento de pertencimento a uma nação, a uma religião, à tradição, à família, enfim, seria um tipo de sentimento que seria encontrado em todas as consciências daquele grupo.

Desta forma, os indivíduos não teriam características que destacassem suas personalidades, como apontamos no exemplo dado em relação à tribo indígena, por se tratar de uma organização social “mais simples”.[8]

Prossegue o doutrinador em argumentar que a república brasileira manteve a estrutura de interesses privados alicerçando os interesses públicos, mantendo uma relação desigual e hierárquica. E, na teia de costumes indicavam a carência de sentimento e práticas de interesse público, dificultando práticas efetivamente cidadãs. E, considerando a estrutura do Estado e as condições da sociedade tidas como incompatíveis com modelo de Estado adotado.

Assim, o liberalismo[9] consagra-se como ideia exótica, fora do lugar, particularmente, entre os latino-americanos[10] que são dominados pelo célebre complexo de inferioridade[11] em razão da cultura europeia ou anglo-americana. Enfim, tais povos pertencem ao grupo de povos que imitam. Muitas vezes, sem raciocinar o que estão a imitar.

Destaque-se, ainda, que a importância da nação se configura como elo unificador e centralizador dos encaminhamentos políticos, e possibilidade ser a nação um elemento unificador de interesses destes setores sociais tão díspares e distantes, o que viabiliza forma de resolução das duas dificuldades apresentadas. Mas, o que tipifica a ideia de nação com viés autoritário.

Faz-se necessário retomar as reflexões conceituais sobre os nacionalismos e modelos de Estado-nação que foram desenvolvidos em diferentes lugares do mundo, e percebe-se que não existiram um conteúdo e perfil únicos, podendo moldar-se em diversas propostas nacionalistas, tanto de cariz conservador como os radicais, apesar de que Hobsbawm (1990) indicou forte tendência conservadora a partir de 1870.

Aqui em terra brasilis verifica-se, igualmente, uma tendência conservadora e autoritária, apesar de não homogênea e apresentando pelo menos três grandes vertentes do pensamento nacionalista conservador denominados, a saber: de nacionalismo de direito, nacionalismo cientificista, católico e fascista, com firmes aproximações e distanciamentos entre si.

E, entre os cientificistas que constituíram uma base mais consistente, propondo um nacionalismo[12] fulcrado em aspectos bem demarcados, a saber: como princípio estatal, visão orgânico-corporativa, visão paternalista-autoritária do conflito social que deveria ser vigiado, reprimido e muito controlado, princípio da não organização da sociedade civil, princípio da não mobilização social, objetivismo tecnocrático e uma espécie de Leviatã[13] benevolente, que ao mesmo tempo zela pela sociedade e a corrige.

Portanto, cogitar na valorização da nação[14] e no sentimento de nacionalismo no Brasil significa refletir sobre o modelo de Estado-nação fulcrado no viés paternalista-autoritário, de molde orgânico e corporativo.

 E, o componente autoritário se denuncia por diversas formas. O primeiro é a centralização autoritária, tão defendida pelo historiador, que pressupõe o uso da coação e violência para o controle e, foi amplamente praticado a partir do Estado Novo. E, ainda se orienta pela noção de ordem que justifica toda coação e ação arbitrária do Estado.

A ordem pressupõe assim uma organização, participação e funcionamento do Estado para além do uso da força nos casos de descontrole, traduzindo assim um modus operandi do Estado na prática do binômio organicidade / corporação e que traduz a face de uma mesma moeda, isto é, a concepção firma e autoritária do Estado.

Outra concepção é a visão elitista da sociedade, onde reconhece-se que uns têm maiores e melhores condições do que outros, de governo e de participação, o que influencia a própria natureza essencial da ação política é de ordem intelectual, ou seja, exerce-se pelo domínio da inteligência de minorias privilegiadas cerebralmente sobre as maiores intelectualmente inferiores.

Segundo Fernando de Azevedo  (apud PÉCAUT, p. 30), a democracia consiste, praticamente, não no governo do povo pelo povo, o que, em ultima ratio, é uma ficção, mas no governo por elementos diretamente tomados do povo e preparados pela educação.

Não existe salvação para a democracia senão na escolha, principalmente, pela escolha de capacidades. A democracia deve ser entendida como regime político fundado na soberania popular e no respeito integral aos direitos humanos[15].

Em nosso país, em nossa tradicional e persistente oposição existente entre país legal e país real, a aproximação entre a realidade política da democracia foi consagrada na Constituição Federal Brasileira de 1988, mas, dependente, essencialmente de um esforço educacional, ou seja, da educação para democracia[16].

A realização de grande ideal nunca é, propriamente, obra coletiva da massa, e, sim de uma elite, que com este se identifica, que por ele luta. A noção de despreparo das massas, fundamentando a proposta de um Estado centralizador e autoritário, onde a noção de cidadania galga conotações peculiares e específicas, nada plenas, o que termina por alimentar a manutenção desta mesma proposição.

Afinal, o argumento de despreparo das massas é interessante arma de controle social, configurando clara lógica autoritária.

O autoritarismo segundo o Dicionário de Política, in litteris: “Neste sentido, o pensamento autoritário não se limita a defender uma organização hierárquica da sociedade política, mas faz desta organização o princípio político exclusivo para alcançar a ordem, que considera como bem supremo. Sem um ordenamento rigidamente hierárquico, a sociedade vai fatalmente ao encontro do caos e da desagregação (...)”

Para a doutrina autoritária, a organização hierárquica da sociedade acha a própria justificativa em si mesma e a sua validade perene. Além do mais, o autoritarismo, como ideologia da ordem, se distingue de forma clara do próprio totalitarismo fascista, já que ele apenas impõe a obediência incondicional e circunscrita do súdito e não a dedicação total e entusiástica do membro da nação ou da raça eleita” (In: BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINI. Dicionário de Política, p. 95).

E, Bobbio nesse aspecto destaca o princípio hierárquico como necessário para a constituição e permanência da ordem e, esta como o cerne da própria definição de política.

O princípio da ordem[17] se fundamenta numa perspectiva elitista, tanto no âmbito político, quanto cultural, e tão bem formulado pelos intelectuais e que também carrega a prática de controle, logo uma prática violenta.

Aliás, a violência, num debate proposto por Chauí que parte da conceituação da violência entendida como toda e qualquer forma de sujeição. Isto, porque a sujeição é modo de coisificação e toda retificação de um indivíduo reduz sua condição humana.

E, assim, critica a proposição de violência centrada na noção de violação, pois esta se ampara no corpo da lei, ausentando o Estado e a própria sociedade de crítica à prática da violência.

Afinal, se pressupõe que existe um ordenamento legal e formal e moral amparado no corpo da lei e das regras sociais e aquele que viola este sistema corrompeu o mesmo e precisa ainda ser submetido.

Assim, a violência aparece tanto no ato de violação como também na repressão, com o pressuposto de que, neste caso, o Estado está amparado no uso da violência legal para a restauração da ordem que foi violada e transgredida.

A violência institucional é forma de violência, infelizmente, pouco discutida, porém é tão grave como as demais formas e também afeta, sobretudo, as mulheres, os pobres, negros, imigrantes e gays, lésbicas ou transexuais.

A violência por poderes, por sua vez, é definida pela  utilização indevida do sistema de Justiça para gerar danos das mais diversas ordens às  jurisdicionadas, especialmente por meio do embaraço direto ao legítimo andamento processual, com o fito de coagir aquelas que ousam ser desiguais a desistirem não apenas dos seus pleitos levados a juízo, mas também de suas identidades ou aspectos delas que não correspondem  à idealização fantasiosa e, por vezes, preconceituosa de suas ou seus julgadores,  na prática condenando-as a dano existencial ou a dano aos seus projetos de vida. 

E, no espectro da violência, aponta Chauí a identificação do machismo, racismo, as fobias sociais como formas diferentes de práticas de violência.

Bem como a própria estruturação do próprio conhecimento, a existência de diferentes lógicas violentas, como os silenciamentos de participantes de diferentes processos sociais e desconsiderados na formalização final dos conteúdos, na escolha de linguagem e rituais próprios de áreas do conhecimento que, intencionalmente, sujeitam os indivíduos, alienando-os da possibilidade de compreensão e de participação nos processos, entre muitos outros exemplos.

Assim, confirma Chauí que a violência se encontra originalmente do lado da sujeição e da dominação, da obediência e de sua interiorização, e não do lado da violação dos costumes e das leis. O que justifica o retorno do autoritarismo no Brasil.

A premência da ordem como maior justificativa para o controle, e a desordem foi constituída em função da manipulação da massa, trazendo embutido o discurso recorrente do despreparo popular e, consequentemente, a necessidade de centralização.

E, vinculado ainda ao temor em relação às massas está o temor da explicação da luta de classes e o remédio para evitar da explicitação da luta de classes e o remédio para evitar esse encaminhamento é o da unidade nacional.

Já anunciado, no preâmbulo da Constituição Federal vigente está a necessidade de proposições de segurança, associando definitivamente nação e segurança nacional. O que não está explicitamente indicado, mas minuciosamente discutido no bojo da Carta Magna é o outro encaminhamento para a diluição da luta de classes que é a proposição da organicidade nacional e, portanto, a proposição de organização corporativa.

Analisando o discurso de Plínio Salgado[18] que propôs o modelo de sociedade orgânica, in litteris: “Mas o Brasil não pode realizar a união íntima e perfeita de seus filhos enquanto (...) Existirem classes lutando contra classes, indivíduos isolados exercendo ação pessoal nas decisões do governo; enfim, todo e qualquer processo de divisão do povo brasileiro. Por isto a Nação precisa organizar-se em classes profissionais. Cada brasileiro se inscreverá em sua classe”. (PLINIO SALGADO apud CHAUÍ, 1978, p. 44).

Observa-se que a orientação ideológica de Plínio Salgado se fez presente na organização do Estado brasileiro a partir de 1937, particularmente, no item do “Do Poder Legislativo”, no artigo 38[19].

Durante o Estado Novo[20] a organização corporativa será um pressuposto da organização do Estado e, estava presente na Carta Constitucional e na organização dos poderes. E, nos períodos posteriores, democrático (1945-1964) ou autoritário (1964-1985) onde se observou a manutenção da lógica corporativa a partir da organização sindical e da valorização do trabalho. Trata-se de permanência autoritária menos visível e presente na lógica burocrática e racionalista, porém, não identificadas como autoritária.

Entende-se que o espírito corporativo como importante aspecto centralizador e autoritário, pois o corporativo na dicção de Francisco Campos, mata o comunismo como o liberalismo[21] gera o comunismo. O corporativismo interrompeu o processo de decomposição do mundo capitalista previsto por Marx como resultante da anarquia liberal. Principalmente por diluir o conflito de classes sociais ao introjetar o enfrentamento no âmbito do Estado, numa lógica orgânica e sob seu controle e ordenamento.

Mesmo durante o período democrático, o corporativismo se manteve apesar de menos explícito, porém, não menos eficiente e, isto se justificou pela lógica que o sustenta.

O período do Estado Novo, explicitamente autoritário formalizou o binômio nação/segurança nacional através da Lei de Segurança Nacional, datada de 1935, portanto, anterior à Constituição brasileira de 1937. E, associa a legitimidade e a legalidade do controle, da opressão e da repressão fundados na ideia do bem maior nacional, isto é, a ideia de Nação, mas o que realmente nos interessa é observar os elementos justificadores desta articulação que tanto norteou a repressão.

Toda a argumentação centrou-se na necessidade de evitar a luta de classe, bem como o enfrentamento, calcado no corporativismo e sobre a própria ideia de organicidade nacional, o que destacou a questão política que conduziu toda a organização do Estado.

Também é perceptível o fato de que o risco é localizado no enfrentamento das classes internas, o que confirma a ideia de que a noção de segurança dissocia o risco da influência externa, mantendo a noção de segurança nacional assentava em dois aspectos distintos: segurança das fronteiras e diluição dos conflitos de classe.

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Já quanto o segundo período autoritário da república brasileira, identifica-se a manutenção da articulação existente entre nação e Segurança justificada, porém, de outra forma, o que reafirma a historicidade de sua construção. A segurança, então, foi pautada por novo conceito de guerra[22], a guerra revolucionária e que vinha sendo dirigida por muito tempo ao longo dos anos cinquenta no país, a partir da Escola Superior de Guerra (ESG) dentro do contexto de guerra fria e de disseminação do comunismo.

A Escola Superior de Guerra (ESG) foi criada em agosto de 1949 pela Lei 785/1949, é o Instituto de Altos Estudos de Política, Defesa e Estratégia, integrante do Ministério da Defesa do Brasil. A Escola destina-se a desenvolver e consolidar os conhecimentos necessários ao exercício de funções de direção e assessoramento superior para o planejamento da Defesa Nacional, nesta incluídos os aspectos fundamentais da Segurança e do Desenvolvimento

Destaque-se que o conceito de guerra fora elaborado por diferentes países. E, in casu, a noção de segurança que carregou em si, algo mais do que apenas o princípio hierárquico, pois pressupôs concepção de guerra para galgar o objetivo de ordem, assumiu uma força inegável, gerando uma condição ilimitada de ação.

Tal nova definição, alterou a anterior e foi além de fronteiras e territórios, o conflito, normalmente, interno e estimulado pelo exterior, inspirado em geral por uma ideologia e que visava à conquista do poder pelo controle progressivo da nação.

Para a Segurança Interna e, logo, a Segurança Nacional[23] deve-se considerar todo tipo de antagonismo, um grande perigo. Não importa sua natureza: política, econômica, psicossocial ou militar. Não importam suas formas: violência, subversão, corrupção, tráfico de influência, infiltração ideológica, domínio econômico. A tarefa é neutralizá-los (Manual Básico da ESG apud ALVES...).

Sublinhe-se que o inimigo se tornou difuso, o que explica a ampliação de campos de vigilância dirigidos pela dimensão do risco, contínuo e pautado pela temática do comunismo.

Esta estrutura se manteve estável até início de 1967 quando houve: a ‘promulgação da carta outorgada’ em 24/01/1967, a Lei de Segurança Nacional (já indicada), a Lei de Imprensa e a publicação do Decreto-Lei nº 200 de 25/02/1967, alterando a composição do Conselho de Segurança Nacional, ao incorporar os chefes dos gabinetes Civil e Militar da Presidência da República, o chefe do EMFA e o chefe do SNI e ampliando suas funções.

Pela referida lei, ainda, todo inquérito ou processo relacionado à segurança nacional[24] estava submetido aos tribunais militares, ampliando ainda mais o campo de ação dos governos militares, numa composição de autoritarismo e militarização do Estado.

A Lei de Segurança Nacional acima descrita ampliou ferozmente o controle sobre o cidadão, amparando no corpo da lei a vigilância contínua e a sua justificativa, assim como o Conselho de Segurança Nacional atrelou todo e qualquer risco à segurança da Nação:

“Pelo Decreto-Lei nº 900, de 29 de setembro de 1969, o CSN tornou-se o “órgão de mais alto nível no assessoramento direto do presidente da República, na formulação e na execução da política de segurança nacional”[25]. Os amplos poderes concedidos ao conselho por esse decreto foram reafirmados pela Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro do mesmo ano”[26] (KORNIS, Verbete, Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. CPDOC-FGV).

O inimigo interno central continuou a ser o mesmo, as classes trabalhadoras e, neste sentido, o resultado foi a desmontagem dos direitos do cidadão. O fato, já citado, da condição de delator numa estrutura de vigilância e repressão contínua demarcou a efetividade da alteração da condição de cidadania restringindo, ainda mais, os parcos direitos civis e políticos vigentes até então.

Verifica-se no país uma democracia atravessada e perpassada por paradoxos e contradições na seara política e econômica. Sendo plausível a hipótese de que as desigualdades econômicas e sociais funcionem como fator limitativo da democracia e, em razão da ampliação das dimensões políticas e culturais da democracia[27] que estão muito ligadas às condições sociais mínimas para permitir ao cidadão efetivamente participar do jogo democrático.

Assim, vemos o ataque aos direitos civis nas restrições de associação e circulação e no cerceamento ao pensamento e à palavra com a censura da imprensa e de atividades artístico-culturais. Vemos também a restrição aos direitos políticos, com eleições indiretas em vários níveis e a criação da figura do senador biônico[28], inaugurando a eleição indireta para o poder legislativo.

Enfim, conclui-se que o conceito de nação, como qualquer conceito, se estrutura historicamente, podendo assumir conotações autoritárias ou libertárias. Buscamos demonstrar, também, que a conjuntura brasileira favoreceu a conformação de uma ideia de nação centralizadora e autoritária, justificada e construída por intelectuais de direita que ajudaram a modelar o Estado a partir dos anos de 1930.

Os valores relevantes para a definição de segurança nacional são tratados de forma diferentes por países como Brasil, ora aceitando-se como quesito força militar, ora refutando-os como típicos da imposição dos EUA, tidos como as exigências de liberdade e exercício de direitos políticos.

O senado brasileiro aprovou em 10 de agosto de 2021 o Projeto-Lei 2.108/2021 que revoga a Lei de Segurança Nacional e inclui na ordem jurídica os crimes contra o Estado Democrático de Direito e o projeto seguiu para a sanção do Presidente da República.

A primeira Lei de Segurança Nacional foi promulgada em 4 de abril de 1935 e definiu os crimes contra a ordem política e social e, sua primaz finalidade era transferir para legislação especial a definição dos crimes contra a segurança do Estado, submetendo-os a um regime mais rigoroso, inclusive ocorrendo a supressão de garantias processuais.

Foi aprovado e ao tramitar no Congresso Nacional passou ser alvo de mitos debates em face da crescente radicalização política, depois de os setores da esquerda terem fundado a Aliança Nacional Libertadora.

Nos anos seguintes à sua promulgação foi aperfeiçoada pelo Governo Vargas e, tornou-se cada vez mais rígida e detalhista. E, em setembro de 1936, sua aplicação foi reforçada com a criação do Tribunal de Segurança Nacional.

Com a queda e fim da ditadura do Estado Novo em 1945, a LSN foi mantida nas Constituições pátrias que se sucederam. E, no período dos governos militares, de 1964 até 1985, o princípio da segurança nacional galgou relevância com a formulação feita pela Escola Superior de Guerra, e a difusão da doutrina da segurança nacional e entidades democráticas da sociedade brasileira tais como a Ordem dos Advogados do Brasil que sempre se opuseram à sua vigência, denunciando-o como instrumento limitador e violador de garantias individuais e do regime democrático.

Ultimamente, especialmente no ano de 2020, a LSN voltou a ser aplicada e evocada por diversos lados do espectro político brasileiro e, particularmente, pelos grupos de extrema-direita que rogam pelo retorno da ditadura militar.

Recentemente, em razão da pandemia de coronavírus, o atual governo brasileiro ameaçou enquadrar na LSN os servidores e funcionários que divulgassem dados e informações discutidas no Ministério da Saúde, que se encontrava sob o comando do General Eduardo Pazuello. Assim, foram obrigados a assinar e ratificar o termo de sigilo que informava que qualquer vazamento poderia ser enquadrado e punido pela LSN.

Em outra ocasião, o atual governo brasileiro evocou a LSN quando o advogado-geral da União, André Mendonça (pessoa indicada ao STF para ocupar a vaga deixada pelo Ministro Marco Aurelio Mello) havia dito que iria solicitar a investigação contra o cartunista Aroeira com fulcro na LSN, em face de charge crítica ao Presidente da República.

No desenho, Bolsonaro aparecia pintando uma suástica nazista sobre um símbolo de pronto-socorro, uma explícita crítica ao incentivo presidencial as pessoas que invadissem os hospitais para filmar. Em apoio ao cartunista, dezenas de outros cartunistas repetiram a charge.

Em tempo, cumpre recordar que apoiadores do atual Presidente da República igualmente correm o risco de serem processados criminalmente com base na LSN. E, em abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal autorizou a abertura de inquérito para apurar possível violação da LSN em atos em favor do atual Presidente, onde se pediu o fim do STF e o retorno do AI-5, o ato institucional que endureceu a ditadura militar e autorizou diversas medidas de exceção, permitindo até o fechamento do Congresso Nacional, intervenções do governo federal nos Estados, prisões ilegais, além de suspensão e cassação de direitos políticos dos cidadãos sem necessidade de justificativa.

A derradeira LSN que estava em vigor, fora criada em 1983, na fase de reabertura democrática e, estabeleceu crimes contra quem lesa ou coloca em risco e perigo a integridade territorial e a soberania nacional, bem como o regime representativo e democrático, a federação e o Estado de Direito e a pessoa dos Chefes dos Poderes da União.

Nosso país teve várias Leis de Segurança Nacional, oriundas de vários e diferentes momentos históricos, em geral, não muito bons, sendo que o próprio conceito de segurança nacional fora manipulado e usado durante o período militar justamente para perseguir os opositores do regime político vigente na ocasião.

"As leis de segurança nacional atribuíam à Justiça Militar a competência para julgar certos crimes, então civis contrários ao regime passaram a ser perseguidos e processados militarmente. O conceito de segurança nacional ficou bem notabilizado por esse cunho de perseguição na época da ditadura".

Nas raras vezes em que a lei foi aplicada, desde o fim da ditadura, contra as invasões do Movimento dos Sem Terra (MST) foi em 2000 e, também contra manifestantes em 2012 e 2013 e, sua aplicação sempre foi discutível e criticada.

Após a polêmica do uso contra o MST, em 2002, o governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso criou uma comissão com juristas para criar um projeto de  lei para substituir a LSN e incluir no Código Penal "crimes contra o Estado democrático de Direito". Enquanto isso, a Câmara dos Deputados discutia a revogação da lei herdada da ditadura. Mas o projeto do governo não foi para frente e a revogação da LSN acabou nunca tramitando no Congresso.

Mais recentemente, em 2018, o uso da lei para enquadrar Adélio Bispo[29], que deu uma facada no então candidato à presidência Jair Bolsonaro, também iniciou discussões sobre seu histórico.

Nesse contexto, a LSN que tem conceitos bem amplos, por fim, sendo evocada por defensores de ambos os caminhos. Por um lado, tem instrumentos que, de fato, podem ajudar a proteger a democracia. Por outro, cogita-se, que serve para simples perseguição de opositores políticos, acaba minando os próprios princípios democráticos, como a liberdade de expressão.

O manejo da lei contra manifestantes contrários à democracia é justificável, mas ao ameaçar processar um cartunista e servidores de saúde, o governo "faz uma confusão" conveniente entre o que seja assunto de Estado e, o que seja questão de segurança nacional.

É característica dos governos autoritários tratar todos os assuntos como sendo de segurança nacional, não é porque seja realmente um assunto de Estado, tal como as informações do Ministério da Saúde, que é questão de segurança nacional".

Um dos busilis da LSN que acabam dando margem a esses usos, dizem os juristas, são seus conceitos muito amplos.

"O problema da atual LSN é que traz figuras criminosas muito vagas que dão uma certa abertura de interpretação", afirma Davi Tangerino[30]. Ele ainda explica que isso fere o princípio jurídico da taxatividade no direito penal (que um crime precisa estar descrito de forma clara e precisa). O uso do termo "grupos paralimitares"[31] na LSN é um exemplo.[32] É o que se chama de conceito jurídico indeterminado.

O que pode servir tanto para um grupo armado que tenta invadir o Congresso. Mas também para os índios com flechas que ocupam um prédio da Funai. O que, claramente, não são uma ameaça à democracia, mas essa lei, sem uma definição mais específica, abre margem para uma interpretação totalmente antidemocrática que pode ser usada para perseguir os índios."

A Lei de Segurança Nacional tem sido usada pelo governo federal contra seus críticos. O STF (Supremo Tribunal Federal) também a utilizou quando o Ministro Alexandre de Moraes mandou prender o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ)[33].

Aliás, o Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes, arquivou o processo contra o deputado afastado Daniel Silveira (PSL-RJ) por desacato a uma servidora pública. Em fevereiro de 2021, o parlamentar discutiu com uma funcionária do IML (Instituto Médico Legal) por se recusar a usar máscara facial. O procedimento foi arquivado depois que o deputado pagou uma multa de R$ 20.000 (vinte mil reais) à União, em acordo com a PGR (Procuradoria-Geral da República) em junho do corrente ano.

Há um certo consenso jurídico nos últimos quinze ou mais anos, de que uma nova lei é necessária.

De qualquer forma, o processo penal não é o meio adequado e devido para a perseguição de dissidentes políticos. No Estado de Direito, o processo penal se revela em ser instrumento da tutela da liberdade, da dignidade humano do réu, assim como de valores éticos em que se consubstancia a Justiça.

Aliás, num autêntico Estado de Direito são definidas com clareza as relações existentes entre a autoridade e a liberdade. Assim, devem as leis descrever fatos puníveis de forma inequívoca, sem deixar margens as dúvidas sobre sua punição. Sendo dever do legislador evitar as expressões dúbias, formulações genéricas ou vagas.

A Lei de Segurança Nacional não pode ser deixada ao total arbítrio do Poder Executivo, mas deve preservar a incolumidade do Estado e dos direitos políticos dos cidadãos[34].

Conclui-se que a segurança nacional é meio para prover garantias aos direitos individuais. Particularmente, os direitos fundamentais que se relacionam à igualdade, as liberdades da pessoa, ao direito político de votar e ser votado e ao direito de propriedade.

Bem como os direitos complementares, indispensáveis, tais como a liberdade de pensamento e aos direitos econômicos.

A liberdade de pensamento compreende as liberdade de imprensa, de associação e reunião. E, quanto aos direitos econômicos expressam-se no direito ao trabalho, no direito sindical, no direito de greve e na livre inciativa na esfera econômica.

 

 Referências

ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil. Bauru: Edusc, 2005.

ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

ARENDT, Hannah. O que é política? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

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[1] O termo “nação” ganhou repercussão a partir da publicação do livro de Adam Smith chamado “A Riqueza das Nações”, de 1776, que não se preocupou em caracterizar muito bem o termo, apenas o utilizou para designar as várias organizações humanas, sendo que a principal vinculação do termo Nação era com Estado. O termo foi absorvido em dois grandes movimentos históricos, a Revolução Americana e a Revolução Francesa.

Em ambos se utilizou o termo “Nação” para legitimar o poder do povo. A partir daí, o termo “Nação” seria recorrente na história da humanidade, integrando grandes acontecimentos como os que envolveram os estopins para a Primeira e para a Segunda Guerra Mundial. No mesmo século XX, entre as guerras, fundou-se a Liga das Nações, com o intuito de tentar garantir a paz entre os povos, que foi substituída pela Organização das Nações Unidas após o segundo conflito.

[2] Nacionalismo é uma ideologia surgida no século XIX quando se afirmavam os Estados-Nações na Europa. O termo é utilizado para descrever o sentimento e a atitude que os integrantes de uma nação têm quando forma a identidade nacional. O Nacionalismo surge após Napoleão conquistar grande parte da Europa. Contra a resistência ao general francês surge a ideia de fortalecer características próprias de cada país a fim de se diferenciar do invasor.

[3] Na modernidade, o conjunto complexo das relações sociais, no campo e cada vez mais significativo na cidade, na esfera pública e na esfera privada, se realiza no território do Estado-nação. Por sinal, a partir desse momento da história humana, “o provimento da vida só pode realizar-se através de um Estado, que possui o monopólio do poder e impede a guerra de todos contra todos”.

Tal guerra pode ser identificada com a violência banalizada, que se generaliza pelo tecido social, e pode fragilizar o poder do Estado. De qualquer forma, esta violência não elimina o poder no conjunto das relações sociais, trate-se do poder do Estado ou do poder dos diferentes grupos sociais, clandestinos/ilegais ou não.

[4]  Segundo Samanta Ribeiro Meyer-Pflug, doutora em Direito, o discurso de ódio é a manifestação de “ideias que incitem a discriminação racial, social ou religiosa em determinados grupos, na maioria das vezes, as minorias”. Entretanto, podemos ver que nesta definição são abordados apenas os pontos de discriminação racial, social ou religiosa, sem considerar, por exemplo, gênero, orientação sexual, peso, algum tipo de deficiência, classe, dentre outros.

[5] O século XIX, cuja variada gama de pensamentos iria formar o substrato contextual para o surgimento do futuro conceito de integração, testemunhou a emergência do princípio da nacionalidade como fator particularmente significativo na história do direito internacional A partir dos ensinamentos de Mancini, um dos artífices do Risorgimento, iniciou-se um novo momento na ciência internacionalista. Em oposição à ordem derivada da Paz de Vestfália, sob cujos ditames o direito internacional tinha como principais sujeitos os Estados, a concepção de Mancini era a de que o sujeito central do ordenamento jurídico internacional não deveria ser o Estado, mas a Nação,

[6] A Constituição de 1891 definiu as bases institucionais do novo regime – presidencialismo, federalismo e sistema bicameral – e implementou uma série de mudanças para bem marcar a ruptura. A Igreja separou-se do Estado, e introduziu-se o registro civil de nascimentos, casamentos e mortes. A proposta federalista, por sua vez, organizava o novo regime em bases descentralizadas, dando às antigas províncias, agora transformadas em estados, maior autonomia e controle fiscal, e jogava por terra a crença no centralismo monárquico como agente de coesão nacional.

[7] Entretanto, se a democracia veio a estabelecer-se como a forma antes das formas, tornando a dicotomia república vs. monarquia secundária, o debate sobre a representação e os partidos políticos nunca deixou de estar presente. Aliás, não raramente, o questionamento faz-se pelo distanciamento entre as vontades de representantes e representados. Papel fundamental na sua evolução é o desempenhado pelo alargamento do direito de voto, o que se dá num lento processo evolutivo, ao longo dos séculos XIX e XX.

[8] Em suma, Émile Durkheim buscou compreender a solidariedade social (e suas diferentes formas) como fator fundamental na explicação da constituição das organizações sociais, considerando para tanto o papel de uma consciência coletiva e da divisão do trabalho social.

[9] Para os liberais, o nacionalismo acabava sendo interpretado como um grande desdobramento do próprio liberalismo. Afinal de contas, a busca pelo direito de escolher seu próprio governo, criar suas próprias leis e defender o território integravam o amplo conjunto de lutas que garantiriam a liberdade e a igualdade. Em contrapartida, podemos ver que este movimento ia de encontro às doutrinas socialistas que conclamavam a união dos trabalhadores de todo o mundo.

[10] Terceiro Mundo e América Latina têm agendas de segurança que não necessariamente se alinham com o que é proposto pelos Estados Unidos. As características deletérias comuns ao Terceiro Mundo – sempre enfatizando que estão presentes em graus diferentes nos diversos países– envolveriam falta de coesão interna, desigualdade econômica e social, ausência de reconhecimento incondicional de fronteiras, baixa legitimidade das instituições políticas e fragilidade em relação à ação de atores externos.

[11]  É o célebre "complexo de vira-latas" exaltado por Nelson Rodrigues em 1958 e, que é entendido como a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos "os maiores" é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, espetacular o nosso vira-latismo.

[12] O surto de desenvolvimento econômico iniciado com a Primeira Guerra Mundial, expandido com a crise de 1929 e, intensamente dinamizado depois da Segunda Guerra Mundial, conduziu o país, a voltar-se para si mesmo, produzindo para consumo interno, compondo sua estruturação social de acordo com a situação de suas próprias classes sociais, refletindo sobre seus problemas e modelando suas instituições sob a pressão de próprias forças sociais. No Brasil, os movimentos nacionalistas surgiram de forma fragmentária e descontínua, em função das áreas de integração constituídas pelo desenvolvimento econômico-social. Houve, um nacionalismo cultural, a que se ligam o movimento modernista e as correntes deste derivadas, como a verde-amarela, a regionalista, a do realismo social e, etc.

[13] Leviatã é nome que se atribui a um “monstro marinho” citado na bíblia em Jó 3.8 e Jó 40.25 (tradução: Bíblia de Jerusalém): “Que a amaldiçoem os que amaldiçoam o dia, os entendidos em conjurar Leviatã!” (Jó 3.8); “Poderás pescar o Leviatã com anzol e atar-lhe a língua com uma corda? Serás capaz de passar-lhe um junco pelas narinas, ou perfurar-lhe as mandíbulas com um gancho? (...) A tua esperança seria ilusória, pois somente vê-lo atemoriza. Não se torna cruel quando é provocado? Quem lhe resistirá a frente? Quem ousou desafiá-lo e ficou ileso? Ninguém debaixo do céu.” (Jó 40 25, 25 e Jó 41. 1 – 3). Suas origens remontam à mitologia fenícia em que simbolizava o caos e possuía a imagem de um crocodilo. Na crença judaica, o Leviatã (também chamado de dragão em Ezequiel 29.3 e de crocodilo em Ezequiel 32.2) simboliza um poder contrário ao de Deus que, segundo o cristianismo, deverá sucumbir no Juízo Final.

[14] Em síntese, o doutrinador italiano defendeu que a família e a Nação eram as duas formas perpétuas da associação humana, “companheiras inseparáveis do homem social”. Enquanto o Estado nascia do arbítrio humano, a Nação, “ideia-mãe da ciência”, emanava do seio de um povo, a partir de elementos materiais comuns à população e, também, de um elemento espiritual: uma “consciência da nacionalidade” (MANCINI, 2003, p. 68).

Para Mancini, a luta entre Estado e Nação traduzia-se numa luta dos “artifícios humanos contra as necessidades da natureza” (MANCINI, 2003, p. 70), sendo os primeiros dotados de uma perene impotência em relação às segundas. Assim, como princípio basilar do direito na divisão dos povos, portanto, a nacionalidade ofereceria critérios “bem mais certos e duradouros que os instáveis arbítrios das combinações diplomáticas” referentes às abstrações estatais.

[15] Historicamente, o caráter formal da igualdade não se expressou apenas no campo econômico. Ela se manifestou, também, no plano político. O sufrágio universal na Europa do século XIX, por exemplo, era um privilégio dos detentores de propriedade ou daqueles que pagavam uma certa quantia de impostos, ficando, dessa forma, excluída a maior parte da população do direito de votar. O voto universal masculino foi um direito conquistado apenas no final do século XIX e início do século XX, sendo o voto feminino uma vitória bem mais recente.

[16] A democracia tem como princípios fundamentais: liberdade do indivíduo perante os representantes do poder político, especialmente face ao Estado; liberdade de opinião e de expressão da vontade política; multiplicidade ideológica; liberdade de imprensa; acesso à informação; igualdade dos direitos e oportunidades favoráveis para que o povo e os partidos se pronunciem sobre todas as decisões de interesse geral; alternância do poder de acordo com os interesses dos cidadãos.

[17] Lei e Ordem (ou Law & Order) foi a política criminal vigente nos Estados Unidos, em especial a partir dos anos 1980. Seus teóricos, em linhas gerais, endossam uma maior atuação policial de modo a restaurar a ordem nos grandes centros urbanos e diminuir a criminalidade. O Movimento de Lei e Ordem é uma política criminal que tem como finalidade transformar conhecimentos empíricos sobre o crime, propondo alternativas e programas a partir se sua perspectiva.  O alemão Ralf Dahrendorf foi um dos criadores deste movimento.

[18] Plínio Salgado (1895-1975) foi um político, escritor e jornalista brasileiro. Fundou, em 1932, a Ação Integralista Brasileira – movimento político inspirado no fascismo italiano. A doutrina integralista era uma versão brasileira do fascismo europeu, que se propagou no Brasil quando os fascistas e os nazistas conseguiram seus primeiros êxitos na Europa no período anterior à Segunda Guerra Mundial. O integralismo tinha como lema “Deus, Pátria e Família” e como símbolo o sigma – letra do alfabeto grego, assim representada: (Σ).  Seus seguidores usavam camisa verde nas manifestações públicas de que participavam, sendo conhecidos como “camisas-verdes”.

[19] Art. 38 - O Poder Legislativo é exercido pelo Parlamento Nacional com a colaboração do Conselho da Economia Nacional e do Presidente da República, daquele mediante parecer nas matérias da sua competência consultiva e deste pela iniciativa e sanção dos projetos de lei e promulgação dos decretos-leis autorizados nesta Constituição. § 1º - O Parlamento nacional compõe-se de duas Câmaras: a Câmara dos Deputados e o Conselho Federal. § 2º - Ninguém pode pertencer ao mesmo tempo à Câmara dos Deputados e ao Conselho Federal. Constituição Federal brasileira de 10 de novembro de 1937.

[20] O regime político recebeu o nome de Estado Novo, nome inspirado no regime de António de Oliveira Salazar em Portugal, e durou até 29 de outubro de 1945, quando Getúlio Vargas foi deposto pelas Forças Armadas. O Estado Novo foi a terceira e última fase da Era Vargas. Durou de 1937 a 1945 e sucedeu, portanto, as fases do Governo Provisório (1930 a 1934) e do Governo Constitucional (1934 a 1937). A característica principal do Estado Novo era o fato de ter sido propriamente um regime ditatorial inspirado no modelo nazifascista europeu, então em voga à época.

[21] Segundo Bobbio (1993), a democracia pode ser considerada como um prolongamento natural do Estado liberal, não pelo lado do seu ideário igualitário, mas pela sua fórmula política, que é a soberania popular. Esta tornar-se-ia possível, na medida em que um maior número de cidadãos tivesse o direito de participar direta e indiretamente da tomada das decisões coletivas, significando a extensão dos direitos políticos até o limite último do sufrágio universal masculino e feminino. Bobbio assevera, ainda, que: Ideias liberais e método democrático vieram gradualmente se combinando num modo tal que, se é verdade que os direitos de liberdade foram desde o início a condição necessária para a direta aplicação das regras do jogo democrático, é igualmente verdadeiro que, em seguida, o desenvolvimento da democracia se tornou o principal instrumento para a defesa dos direitos de liberdade (p. 44).

[22] Afinal, o que é guerra? Preliminarmente, utilizar-se-á o conceito insculpido no livro “Da Guerra”, cuja resposta do general prussiano Carl von Clausewitz (1996, p. 7) é a seguinte: “A guerra é, pois, um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade. Para defrontar a violência, a violência mune-se com as invenções das artes e das ciências.” Michael Walzer (2003, p. 3), em “Guerras Justas e Injustas”, complementa: “A guerra situa-se numa outra realidade, na qual é reduzida a suas formas elementares e prevalecem o interesse pessoal e a necessidade.” In: YABIKU, Roger Moko. Anotações jusfilosóficas contemporâneas sobre a guerra. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70139/anotacoes-jusfilosoficas-contemporaneas-sobre-a-guerra Acesso em 22.8.2021.

[23] O substantivo “segurança” e o adjetivo “nacional” não se unem ao acaso no século XX, bem como não se imagina que assim o façam nesse limiar do século XXI. Há uma densa trama histórica que dá sentido à “segurança nacional” a partir do final da Segunda Guerra Mundial – marco inicial de nosso recorte temporal –, toda ela sustentada de modo doutrinário-ideológico. A grande guerra de 31 anos inaugura um mundo novo, distinto daquele caracterizado pelo otimismo liberal do século XIX.

[24] O conceito de segurança nacional é amplo, mas o objetivo é a proteção suprema e incondicional do território e do povo brasileiro. Não se trata apenas de armas e tropas, mas também, por exemplo, no controle dos meios de produção de alimentos, energia e medicamentos, entre tantos outros. O importante é notar que os investimentos que uma nação faz na sua própria segurança mostram o tipo de imagem e o grau de respeito que ela tem por si mesma.

[25] Segurança nacional não se confunde com segurança pública, nem tampouco com doutrina ou ideologia de segurança nacional. Entende-se aqui segurança nacional como um estado em que se percebe, materialmente: a) a estabilidade e inviolabilidade dos limites fronteiriços do Estado; b) a capacidade de se traduzir a soberania nacional, bem como a capacidade nacional de projetar poder no exterior, em um conjunto de medidas que proporcione ganhos sociais e econômicos para a população nacional; c) a solidez e impessoalidade do sistema constitucional, assim como sua Segurança nacional não se confunde com segurança pública, nem tampouco com doutrina ou ideologia de segurança nacional.

Entende-se aqui segurança nacional como um estado em que se percebe, materialmente: a) a estabilidade e inviolabilidade dos limites fronteiriços do Estado; b) a capacidade de se traduzir a soberania nacional, bem como a capacidade nacional de projetar poder no exterior, em um conjunto de medidas que proporcione ganhos sociais e econômicos para a população nacional; c) a solidez e impessoalidade do sistema constitucional, assim uma impermeabilidade em relação a pressões externas; e d) a garantia da previsibilidade legal das relações político-eleitorais e econômicas. Enfatizam-se três dimensões de entendimento da segurança nacional

[26] Em 17 de outubro de 1969, estando em recesso forçado o Congresso Nacional, foi outorgada pelos três ministros militares a nova Carta constitucional do país que, sob a aparência de emenda constitucional, manteve o Ato Institucional nº5. Essa Carta, se comparada com a de 1967, aprofundou o retrocesso político do país, incorporou ao seu texto medidas autoritárias dos Atos Institucionais, consagrando a intervenção federal nos Estados, a cassação da autonomia administrativa das capitais e de outros municípios, a imposição das restrições ao Poder Legislativo e a ampliação das medidas restritivas da Constituição de 1967. Enfim, a Constituição de 1969 não favorecia o ideal dos Direitos Humanos.

[27] Se no campo político, verificaram-se avanços democráticos, ainda que limitados, no plano dos diretos sociais não ocorreram alterações significativas, uma vez que o crescimento econômico no Brasil não foi acompanhado da adoção de programas sociais amplos capazes de modificar o quadro social.

É interessante notar que grande parte dos ganhos conquistados e formalmente incluídos na Constituição de 1988 não foram regulamentados e nem postos em prática, ou foram, em alguns casos, beneficiando apenas determinados segmentos da sociedade. Na década de 90, inclusive, as políticas neoliberais adotadas pelos dois últimos governos vêm ameaçando alguns ganhos sociais conquistados. Assim, a seletividade/exclusão continuam sendo a marca registrada das políticas sociais no Brasil.

[28] Na política brasileira, cargo biônico é aquele cujo titular foi investido mediante a ausência de sufrágio universal e cujo parâmetro para escolha era a sanção das autoridades de Brasília à época do Regime Militar de 1964 nas décadas de 1960, 1970 e 1980.

[29] Adélio Bispo foi considerado inimputável e a Justiça impôs medida de segurança de internação, cujo prazo para nova avaliação médica dele se encerra em 14 de junho de 2022. A depender do resultado, ele poderá ser solto. Atentado ocorreu em 6 de setembro de 2018 em Juiz de Fora. Em agosto de 2020, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a permanência de Adélio Bispo na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS). A medida ocorreu após um juiz de Campo Grande decidir que ele deveria ser transferido para um hospital psiquiátrico de Barbacena.

[30] Bolsista de pós-doutorado no Max Planck Institut de Direito Penal Internacional e Comparado (Freiburg, Alemanha) e na Universidade Humboldt (Berlim, Alemanha). Doutor (2009) e Mestre (2005) em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), com estágio doutoral na Universidade Humboldt (Berlim, Alemanha). Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Foi assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Sócio de Davi Tangerino & Salo de Carvalho Advogados.

[31] A milícia é um poder paralelo, que não integra as forças armadas ou de polícia de um país, composta por militares, paramilitares ou civis armados. De acordo com a Anistia Internacional, as milícias utilizam da força para extorquir a população em determinados territórios urbanos ao redor do mundo. Há quem afirme que as milícias são uma justiça paralela, que supre o abandono social de um Estado malsucedido em políticas públicas.

[32] Segundo Barros, o número de agentes necessários: 1ª corrente- O número mínimo seria de três pessoas, já que não se pode cogitar de um grupo de uma ou duas pessoas.2ª corrente – o número mínimo seria de 4 (quatro pessoas) utilizando-se de uma interpretação sistemática com o crime de quadrilha ou bando, previsto no artigo 288, CP. Se mais de três pessoas se associarem incorrerá em uma pena majorada pela metade, de acordo com artigo 2º da Lei 2.889/1956.

[33] O deputado foi preso em fevereiro de 2021 depois de divulgar um vídeo em que ele defende a destituição de ministros do STF e em que faz apologia ao AI-5, ato considerado o mais radical da ditadura. As ações são inconstitucionais. O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados aprovou em 22.3.2021 a continuidade de mais um processo por quebra de decoro contra o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). O parlamentar é acusado, em representação (REP 8/2021) apresentada pelos partidos Rede, Psol e PSB, de ameaçar manifestantes do movimento “antifascistas”, em postagem no Twitter.

Os partidos alegam que Daniel Silveira teria quebrado o decoro ao dizer torcer para que os manifestantes levem “um tiro no meio da caixa do peito” e querer ser ele a dar esse tiro, caso encontre um manifestante na rua.  Daniel Silveira responde a processos no Conselho de Ética por ofender integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e fazer apologia ao AI-5, instrumento que, em 1968, endureceu a ditadura militar e permitiu, por exemplo, o fechamento do Congresso Nacional (REP 1/21); e por gravar ilegalmente uma reunião de seu partido ocorrida em outubro de 2019 (REP 17/19). O episódio da ofensa ao STF e apologia ao AI-5 levou à detenção do deputado, que se encontra em prisão domiciliar.

Fonte: Agência Câmara de Notícias

[34] A atual crise democrática brasileira iniciada com as manifestações de junho de 2013 culminou no dramático capítulo em 2018, com a vitória eleitoral presidencial de um apologista da ditadura militar. O que enuncia questionamentos sobre a suposta estabilidade de valores democráticos. A lembrança e significados em torno de meio século do Golpe de Estado de 1964 trouxe festejo comemorativo e nos fazem refletir sobre o real sentido dos presentes acontecimentos e sobre a produção de saberes sobre o período da ditadura militar.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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