POLÍCIA MILITAR

25/08/2021 às 14:18
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE O TEMA À LUZ DA DOUTRINA.

POLÍCIA MILITAR  

Rogério Tadeu Romano  

 

Como é do conhecimento geral, o coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo Aleksander Lacerda foi afastado do comando da PM nesta segunda (23/08) por desrespeitar o regulamento da corporação e postar publicamente ataques ao STF, ao governador do Estado e convocação para atos bolsonaristas em 7 de setembro. 

A politização das polícias militares é uma ameaça à democracia.  

Determina o artigo 42 da Constituição Federal:  

Art. 42. Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.  

    § 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores.  

    § 2º Aos pensionistas dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios aplica-se o que for fixado em lei específica do respectivo ente estatal.  

Como disse José Afonso da Silva(Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª edição, pág. 648) na teoria jurídica a palavra “segurança” assume o sentido geral de garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoa em vários campos dependente do adjetivo que a qualifica. “Segurança jurídica” consiste na garantia de estabilidade e de certeza dos negócios jurídicos, de sorte que as pessoas saibam de antemão que, uma vez envolvidas em determinada relação jurídica esta mantém-se estável, mesmo sem modificar a base legal sob a qual se estabeleceu. “Segurança social” significa a previsão de vários meios que garantam aos indivíduos e suas famílias condições sociais dignas; tais meios se revelam basicamente no conjunto de direitos sociais.  

Em sendo assim a palavra policia correlaciona-se com a segurança. A policia tem, exclusivamente, a função negativa, que é a função de evitar a alteração da ordem jurídica, como ensinou Hélio Tornaghi(Processo Penal, 1953, pág. 255).  

A segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos(artigo 144). A segurança pública é tarefa e responsabilidade permanente de todos, Estado e população.  

Podemos ter a policia administrativa e de segurança. Esta compreende a policia ostensiva e a policia judiciária. Esta tem por fim aquelas atividades de investigação, de apuração de infrações penais e de indicação de sua autoria, a fim de fornecer meios necessários ao Ministério Público para o exercício de sua função repressiva.  

São os policiais estaduais os responsáveis pelo exercício das funções de segurança pública e de policia judiciária: a polícia civil, a policia militar e o corpo de bombeiros. Militar.  

À policia militar, em cada Estado, cabe a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.  

Os membros das policias militares e corpos de bombeiros militares dos Estado, do Distrito Federal e dos Territórios estão sujeitos à hierarquia e a disciplilna.  

Hierarquia, como explicou Uadi Lammêgo Bulos(Constituição Federal Anotada, pág. 720) é relação de subordinação escalonada, pela qual se afere a graduação superior ou inferior. Por sua vez, disciplina é o poder que tem o superior hierárquico de impor ao subordinado comportamentos, através de ordens e mandamentos.  

Miguel Seabra Fagundes(As Forças Armadas na Constituição, Rio de Janeiro, 1955) assim se pronunciou: “Onde há hierarquia, com superposição de vontades, há, correlativamente, uma relação de sujeição objetiva, que se traduz na disciplina, isto é, no rigoroso acatamento, pelos elementos dos graus inferiores da pirâmide hierárquica, às ordens, normativas ou individuais, emanadas dos superiores. A disciplina é, assim, um corolário de toda organização hierárquica”.  

É absolutamente inaceitável conviver com uma “politização das policias militares”. Elas não devem ter partido, ideologia, pois servem à sociedade.  

Chama a atenção o que se diz no Estado de Minas, em 24 de agosto do corrente ano,  de que “o fato de um oficial ter perdido o constrangimento de fazer um ato político e manifestar publicamente opiniões antidemocráticas é mais um indício de que o risco de um motim bolsonarista nas polícias estaduais "nunca esteve tão alto", segundo pesquisadores de segurança pública ouvidos pela BBC News Brasil.” 

O motim militar é crime e deve ser punido.  

Observe –se a gravidade dos crimes de motim e de revolta.  

Acentua o Código Penal militar em seu artigo 149: 

Motim. Art. 149. Reunirem-se militares ou assemelhados: I – agindo contra a ordem recebida de superior, ou negando-se a cumpri-la; II – recusando obediência a superior, quando estejam agindo sem ordem ou praticando violência; III - assentindo em recusa conjunta de obediência, ou em resistência ou violência, em comum, contra superior; IV - ocupando quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, o utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito), com aumento de 1/3 (um terço) para os cabeças. Revolta. Parágrafo único. Se os agentes estavam armados: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, com aumento de 1/3 para os cabeças. 

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A diferença básica do crime de motim (artigo 149, caput do CPM) para o crime de revolta (artigo 149, paragrafo único[9], do CPM), é que no crime de revolta, os agentes por ocasião da  ordem recebida, encontram-se armados sendo o perigo oferecido por conta desta conduta rechaçada de um maior grau de reprovabilidade. 

Para primeira modalidade do crime de motim  os militares dispõe a manifestação clara de não cumprir uma ordem recebida de superior hierárquico, é forma comissiva – agindo contra a ordem de superior (inciso I,1ª parte). 

Na segunda modalidade, os subordinados permanecem estáticos quando recebem a ordem de superiores, nada fazem, é forma omissiva – negando-se a cumprí-la (inciso I, 2ª parte). Já na terceira modalidade os amotinados ao receberem a ordem de superior recusam-se a cumpri-la, por exemplo, trocar peças de fardamento para uma ação de policiamento tático, lembrando que nesta modalidade ocorre simultaneamente com estarem “agindo sem ordem” – recusando obediência a superior quando estejam agindo sem ordem (inciso II -1ª parte). Nas lições de Célio Lobão, o agir sem ordem ”significa qualquer comportamento diferente daquele que o militar deve ter em público ou lugar sob a administração militar”. Na quarta modalidade, que é a 2ª parte do inciso II – praticando violência, esta violência é de forma genérica, portanto, tanto faz se a violência é contra os próprios amotinados, contra bens móveis e imóveis (coisa) ou dirigida à terceiros, sendo que após individualizado a conduta do agente, este responderá cumulativamente com as penas de outros crimes que cometera (crime de dano, lesão corporal, etc). 

No inciso III, 1ª parte – assentindo em recusa conjunta de obediência, agora a quinta modalidade, os agentes que estão amotinados conjuntamente aderem a ideia  de recusar em obedecer a ordem de superior hierárquico – resistência passiva. Na sexta modalidade (inciso III – 2ª parte) – ou em resistência ou violência, que é a resistência ativa. Na sétima modalidade, do mesmo Inciso, porém, na sua parte final – contra superior – que decorre da violência praticada contra o superior. 

Para o Inciso IV – 1ª parte, tem-se  a oitava modalidade – ocupando quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar. O verbo é ocupar que é o mesmo que instalar-se, tomar conta, invadir, bens estes que estão sob a administração militar, de forma ilegal em detrimento a ordem superior ou da disciplina militar. E finalmente a nona modalidade de motim, que é a 2ª parte do mesmo inciso – utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar. Como o próprio verbo formaliza, há a utilização daqueles aparatos institucionais em detrimento da ordem e da disciplina militar. 

A revolta  é o  motim armado, sendo a existência de armas o único e essencial ponto de distinção entre os dois crimes. 

Não será suficiente a mera reunião de militares, pois é preciso que os sujeitos ativos do crime ajam contra a ordem recebida de superior ou neguem o seu cumprimento. Assim a conduta envolva o fato de que os que praticam o crime agem em desfavor da ordem, fazendo o oposto do que lhes foi devidamente ordenado ou ainda criem obstáculos à execução. Há ainda conduta criminosa quando os agentes optam por deixar de cumprir a tarefa que lhes foi atribuída pelo superior hierárquico. 

O motim é crime formal e de perigo. 

Trata-se de crime de ação múltipla. 

A disciplina militar é, segundo o art. 14, § 2º do Estatuto dos Militares, “a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes deste organismo”. 

O motim é crime  militar próprio, em que o sujeito ativo é o militar. 

Militar  é “qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às forças armadas, para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar 

Motim é um crime que só militares e seus assemelhados podem cometer. 

O dolo, elemento do tipo, é o genérico, não existindo a modalidade culposa no motim. 

Tanto o motim como a revolta são crimes que exigem ação penal pública incondicionada. 

O Brasil vive um momento gravíssimo não se podendo admitir o que se chama de “cupinização da democracia”  com afronta às instituições democráticas.  

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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