Abandono afetivo de idosos e a necessidade de uma regulamentação específica para tal

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O presente trabalho tem como objetivo analisar a responsabilidade civil na questão do abandono afetivo do idoso, visto que é algo recorrente e que ainda não possui legislação específica.

1        INTRODUÇÃO

É muito normal observar casos de abandono e maus tratos contra idosos no nosso cotidiano, onde filhos agridem seus pais mais velhos e frágeis, sendo nos apresentados por meio de reportagens e às vezes até por programas sensacionalistas situações em que velhos são abandonos e esquecidos por aqueles que deveriam cuidar e zelar pela sua vida. Tal abandono resulta em um sentimento de desvalorização e exclusão, ocasionando numa dor afetiva e incurável que é a dor de se sentir esquecido e não amado.

Por esperar que sua família lhe assegure um descanso digno e respeito merecido, muitos idosos acabam se vendo em uma situação extremamente dessa, onde estes se vêm abandonados e muitas vezes maltratados pelos filhos, deixados sem condições mínimas de existência, lhes faltando alimento, higiene adequada, entre outras coisas, ocasionando em traumas psicológicos e sofrimentos além dos físicos. Daí se faz necessário que se busque uma responsabilização àqueles que lhes causaram aquela dor, tanto física quanto mental.

A responsabilidade civil por abandono afetivo não possui legislação específica para encarar essa situação, mas há diversas garantias constitucionais que lhe dá embasamento e, por analogia, pode-se considerar que o abandono afetivo de idoso também pode se considerar uma responsabilidade civil resultante em indenização por dano moral.

Nossa pesquisa busca identificar a responsabilidade civil no direito familiar, bem como caracterizar as formas de responsabilidade civil. Além, caracterizar-se-á os tipos de abandono afetivo, bem como explorar-se-á o abandono afetivo do idoso e se buscará embasamento constitucional e infraconstitucional para a garantia dos direitos dos mais velhos. Por fim, buscar-se-á jurisprudência capaz de assegurar os direitos dos idosos nos casos de abandono afetivo de idoso.

2        RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA

O Código Civil de 2002 nos aponta a Responsabilidade Civil em seu art. 186 como: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. ” (BRASIL, 2002). Logo, para integrar a responsabilidade civil, identificamos que deve existir a conduta do agente, o dano e o nexo causal. Dissecando os pressupostos da responsabilidade civil, Maria Helena Diniz (2008) conceitua a “conduta” como:

A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou licito, voluntario e objetivamente imputável do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.

Assim, precisamos que haja uma voluntariedade e consciência da ação que está sendo realizada. Eveline de Amorim Brito (2011) aponta conduta como:

A responsabilidade civil está atrelada à conduta, o ser humano tem capacidade da conduta devido a sua capacidade de determinação. Logo, a ação é consciente, própria do ser humano, direcionada para uma finalidade, que compõe objeto da ética e do Direito.

O “dano” acaba sendo o mais essencial de todos os pressupostos, pois não há de se falar em responsabilidade civil sem que ocorra um dano a outrem. De acordo com Rui Stoco (2007), o dano é componente precípuo e preciso para a responsabilização do autor, independentemente de onde se origina a obrigação.

Por fim, há o “nexo causal”, que, segundo Maria Helena Diniz (2008), é aquele acontecimento que liga a conduta (ou não) do agente ao dano ocasionado. Entende-se que o nexo causal é um elemento referencial advindo da conduta e do resultado, o dano, e através desse nexo de causalidade é que será possível determinar quem causou o dano.

Para Maria Helena Diniz, a responsabilidade civil é uma obrigação que é imposta a alguém com o intuito de se reparar um dano causado a outrem, seja de forma subjetiva, quando há culpa pelo ocorrido, ou objetiva, que é quando se presume a culpa baseando-se no risco. Assim, a responsabilidade civil “[...] é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. ” (DINIZ, 2008). Assim, nota-se que sempre que houver um dano moral ou matrimonial a terceiro, haverá uma responsabilidade civil sobre a reparação daquele dano, seja ele praticado pela pessoa, por quem ela seja responsável ou que pertence à mesma.

Em suma, entende-se que a responsabilidade busca a reparação a um prejuízo causado, seja esta através de uma restituição, quando se tratar de um bem, ou uma reparação monetária com valoração a ser estabelecida pelo juiz, buscando sempre, no direito atual, a restauração do equilíbrio moral e patrimonial da vítima.

2.1  Responsabilidade Civil subjetiva e objetiva

A responsabilidade civil subjetiva é aquela que precisa necessariamente que haja um dolo ou alguma forma de culpa, ou seja, comprovando-se a culpa do causador do dano, haverá obrigação de indenização. Gonçalves (2011) elucida que: "Quando se esteia na ideia da culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro dessa concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.". Então, deverá o indivíduo que recebeu o dano o provar. Não havendo a prática de uma postura ilícita, deve haver nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

Por tempos, apenas a responsabilidade civil subjetiva fora utilizada como solucionadora dos casos apresentados, mas, conforme mudanças em doutrinas e jurisprudências concluiu-se que apenas a culpa não seria capaz de solucionar todos os casos apresentados. Em relação à insuficiência da responsabilidade civil subjetiva, Rui Stoco nos aponto que a "[...] necessidade de maior proteção à vítima fez nascer a culpa presumida, de sorte a inverter o ônus da prova e solucionar a grande dificuldade daquele que sofreu um dano demonstrar a culpa do responsável pela ação ou omissão” (STOCO, 2007) e finaliza com "o próximo passo foi desconsiderar a culpa como elemento indispensável, nos casos expressos em lei, surgindo a responsabilidade objetiva, quando então não se indaga se o ato é culpável".

Diferente da responsabilidade civil subjetiva, na responsabilidade civil objetiva não é necessário que haja dolo ou culpa, pois, havendo nexo de causalidade entre a conduta e o dano sofrido, já há possibilidade de indenização ao ofendido. Pela necessidade de algo que contemplasse mais todos os casos concretos que chegavam aos tribunais, fora criada a Teoria do Risco, norteada pelo princípio de que todo dano é indenizável e deve reparação, ainda que não haja culpa, resultante da atividade do agente que violou o bem, de acordo com Albuquerque (2009).

Para Ana Cecília de Paula Soares Parodi (2007), havendo um nexo de casualidade entre a conduta o dano sofrido, a lei brasileira, na maior parte dos casos, aplica a culpabilidade como algo extremamente necessário para impor a obrigação, mas conforme atos ilícitos ocorriam e o mundo ocidental evoluía, surgiram hipóteses exaustivas em que foi necessário que o legislador criasse a responsabilidade civil objetiva, não levando mais em consideração o elemento pessoal, mas analisando o caso pela Teoria do Risco e sendo necessário apenas o nexo causal. Para a autora há o risco advindo do mero exercício da atividade que pro sí só já traz um perigo.

Sérgio Cavalieri Filho (2010) conceitua a responsabilidade civil objetiva:

Pela concepção clássica, todavia, a vítima só obterá a reparação do dano se provar a culpa do agente, o que nem sempre é possível na sociedade moderna. O desenvolvimento industrial, proporcionado pelo advento do maquinismo e outros inventos tecnológicos, bem como crescimento populacional geraram novas situações que não podiam ser amparadas pelo conceito tradicional de culpa.

Além disso, o próprio Código Civil (2002) aponta, em seu art. 927, o conceito de responsabilidade civil objetiva:

Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Em regra, a teoria da Culpa continua sendo a aplicada, mas há exceções, onde a teoria objetiva é adotada apenas em casos que a lei a prevê expressamente, como pode-se ver no parágrafo único do art. 925 do Código Civil (2002):

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, de quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Diferentemente da responsabilidade civil subjetiva, a objetiva considera irrelevante a prova da culpa do agente, bastando apenas que se prove a ação ou omissão daquele dano e do nexo de causalidade para que haja o dever de prestar indenização, de acordo com Rodrigues (2003).

2.2  Abandono Afetivo

No âmbito familiar, o ponto essencial é o afeto, fator basilar para que haja uma boa convivência, trazendo ao entendimento de que família está diretamente relacionada à proteção. Não havendo o cumprimento do dever de proteção, cuidado e afetividade dos pais e seus filhos, considera-se isto abandono afetivo. Tal fenômeno ocorre geralmente quando há dissolução de casamento entre os genitores e a guarda acaba restando a um deles, tendo, na maioria das vezes, o outro genitor a impressão de que não deve mais nada ao filho, uma vez que não é possuidor da guarda. Engana-se, pois, além de possuir responsabilidade alimentícia para com seu filho, o mesmo possui também uma responsabilidade afetiva, devendo acompanhar e cuidar do desenvolvimento daquele filho. Sobre abandono afetivo, Hironaka (2003) conceitua-o como sendo: “missão dos pais, ou de um deles, pelo menos relativamente ao dever de educação, entendido este na sua acepção mais ampla, permeado de afeto, carinho, atenção, desvelo”.

De acordo com o Código Civil (2002), é dever dos pais:

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

I - dirigir-lhes a criação e a educação;

II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;

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V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;

VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo- lhes o consentimento;

VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Assim, fica claro que é dever dos pais criar e educar seus filhos, não sendo restringido, como visto no artigo, a apenas um dever financeiro de sustento.

Havendo negação dos pais na assistência afetiva e no desenvolvimento dos filhos, a criança sofrerá diversas consequências em decorrência daquilo, haja vista que é na infância que se tem maior necessidade em estar vinculado a alguém mais velho, superior e que serve como exemplo, alguém que o fará se sentir amado e protegido. O abandono afetivo pode gerar sofrimentos emocionais no pequeno que foi colocado de lado. Por diversas vezes, mesmo que o outro pai se esforce por atuar como mãe e pai, a criança sempre questionará o porquê de ter sido abandonada.

Abordado o abandono afetivo, que não é o ponto principal do trabalho, vamos conceituar e entender o que é o abandono afetivo inverso, como ocorre, por que ocorre e quem são seus sujeitos.

2.2.1        ABANDONO AFETIVO INVERSO

O abandono afetivo inverso é a ausência de cuidado contínuo ao idoso, quando há um desprezo, desrespeito e indiferença aos pais, que, em regra, precisam ser idosos. Tal ato é considerada a forma de violência mais grave contra o idoso, ainda mais por ocorrer no âmbito familiar, um local que em teoria deveria ser de proteção e afeto. Para Rafaela Chain (2012): “No caso de os filhos de os filhos ou parentes próximos deixarem o idoso em alguma casa de repouso pagando-lhes a mensalidade, mas não os visitando, é caracterizado abandono afetivo”. De acordo com Silva (2018): "O abandono afetivo é oriundo da negligência, da inobservância ou mesmo da omissão dos filhos em relação aos deveres que possuem para com os pais idosos."

O abandono afetivo na velhice pode ocasionar num sentimento de tristeza e solitude, podendo gerar afetações à autoestima do idoso, bem como dificuldades de socialização e os deixa em situações de risco, configurando, assim, numa lesão à dignidade da pessoa humana.

2.3  Dano Moral no abandono afetivo inverso

 Para Cavalieri Filho (2010), o dano moral está intimamente ligado à dignidade do indivíduo:

[...] temos hoje o chamado direito subjetivo constitucional à dignidade. E dignidade nada mais é do que a base de todos os valores morais, a síntese de todos os direitos do homem. O direito à honra, à imagem, ao nome, à intimidade, à privacidade, ou qualquer outro direito da personalidade, todos estão englobados no direito à dignidade, verdadeiro fundamento e essência de cada preceito constitucional relativo aos direitos fundamentais. (CAVALIERI FILHO, 2010).

Assim, temos que a dignidade humana é um valor fundamental protegido pela Constituição Federal e é indiscutível a sua preservação.

Como já visto, o abandono afetivo inverso é constituído pela falta do afeto ou de cuidado dos filhos em relação aos seus genitores idosos, baseado na solidariedade familiar e a segurança afetiva da família. Tal instrumento visa garantir o princípio da dignidade humana, buscando evitar ou até compensar os abalos sofridos pelos mais velhos. Mas questiona-se se é possível que haja indenização por dano moral em relação ao abandono afetivo inverso.

Para Viegas e De Barros (2016), não existir lei específica sobre a falta de afeto dos filhos para com seus pais idosos não significa que eles não devem exercer o dever de cuidado advindo da paternidade responsável, decorrentes do art. 229 da Constituição Federal que nos diz que "[...] os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência e enfermidade" (BRASIL, 1988). Apesar de não haver legislação específica, o abandono afetivo inverso deve ser discutido para evitar tal desrespeito e indiferença filial. Tal instituto não busca impor afeto, mas busca lembrar à prole que eles têm o dever jurídico de cuidar de seus pais e ainda que necessite de dispositivo constitucional para garanti-lo, este deve ser respeitado, como afirmam Viegas e De Barros (2016).

O abandono afetivo inverso é um ato ilícito e deve ser indenizado, uma vez que viola o dever de assistência. Para Azevedo (2004):

O descaso entre pais e filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa merecer severa atuação do Poder Judiciário, para que se preserve não o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da rejeição e da indiferença.

Mesmo que não traga o amor dos filhos pelos seus pais, o poder judiciário deve pelo menos conseguir responsabilizar aqueles que não respeitam o dever de cuidar de seus pais idosos, que pode ocasionar em problemas mentais decorrentes da rejeição e indiferença de seus filhos, bem como traumatiza-los pelo pouco que ainda lhes resta de vida.

Para Toaldo e Reis (online), até nos casos em que há a falta de amparo material (alimentos, necessidades básicas, etc.) pode-se considerar abandono afetivo, visto que, se não é assegurada pelos filhos as necessidades mínimas de sobrevivência, claramente tal idoso se encontra abandonado.

3        ABANDONO AFETIVO DO IDOSO

De acordo com Pinheiro (2008), é possível notar que há um progresso no âmbito legal, inclusive constitucional, no que diz respeito ao idoso, sendo a Constituição de 1934 a primeira a lidar com a velhice em se tratando de ordem econômica e social, a Constituição de 1937 abordou sobre seguros de velhice, invalidez, vida e acidentes de trabalho. A Constituição de 1967 garantiu previdência social nos casos de velhice, mas foi a Constituição Federal de 1988 (nossa atual) que se preocupou mais com a proteção e respeito dos mais velhos, "conferindo-lhes outros direitos, deixando-os a salvo de discriminações e injustiças" (PINHEIRO, 2008). Fora do âmbito Constitucional, há a Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS), que tem a proteção à velhice como um de seus principais objetivos. Há de se destacar também a Lei nº 8.824/94 (Política Nacional do Idoso) que prevê “basicamente os princípios e diretrizes a serem observados em relação aos idosos, não estabelecendo, porém, os mecanismos de punição em caso de descumprimento dos direitos” (PIHNHEIRO, 2008).

Mas foi o Estatuto do Idoso que veio para abarcar diversas outras situações que não estavam abarcadas nas leis supracitadas. Para garantir a proteção e valorização do idoso, o Congresso Nacional aprovou no dia 1º de outubro de 2003 a Lei nº 10.741, dispondo sobre o Estatuto do Idoso. Tal legislação possui 118 artigos que visam apresentar os direitos das pessoas com mais de 60 anos. Em seu artigo 2º, o Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003) prevê direitos fundamentais aos Idosos, bem como o direito à vida, à liberdade, ao respeito, à dignidade, ao alimento, à saúde, à educação, esporte, lazer, trabalho, entre outros. Através dessa legislação específica para os Idosos, estes passaram a ter direitos reconhecidos que eram alheios a seu conhecimento e permitiu uma maior conscientização acerca de tal assunto.

Como já mencionado anteriormente, a família tem o dever de zelar e cuidar dos idosos, a fim de que haja uma garantia integral de seus direitos, algo previsto no art. 230 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) prevê a responsabilização da família, da sociedade do Estado em relação ao dever de cuidar dos idosos, garantindo que estes participem da comunidade, defendam sua dignidade e seu bem-estar, bem como lhes garantindo o direito à vida. Há ainda a previsão legal, no Estatuto do Idoso, em seus artigos 3º e 4º (BRASIL, 2003) de que os filhos devem cuidar, conviver, garantir a dignidade, etc. dos seus pais idosos.

Os filhos também têm obrigação legal de garantir alimentos aos seus pais idosos, visto a previsão legal no Código Civil (BRASIL, 2002) em seu artigo 1.696 que prevê: “O direito a prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta dos outros”.

Garantido legalmente o direito à indenização material por parte dos idosos em relação a seus filhos, questiona-se, como ponto principal deste trabalho, sobre o abandono afetivo dos filhos em relação aos seus pais idosos e as consequências de tal. Pode-se considerar uma responsabilidade civil, como já mencionado nos tópicos anteriores, uma vez que esta é certa e objetiva na garantia de reparação do dano moral, havendo violação aos direitos do idoso mencionados acima. Para Tartuce (2007), o principal argumento para que se admita uma reparação dos danos morais em relação ao abandono afetivo se encontra no art. 186 do Código Civil (BRASIL, 2002) que nos elucida que “[...] aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Logo, para o autor, está assegurada pela legislação brasileira a violação de assistência moral aos idosos. Em concordância com Tartuce, Azevedo e Venosa (2004) afirmam que “o descaso entre pais e filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa merecer severa atuação do Poder Judiciário” e ainda finalizam: “[...] para que se preserve não o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da rejeição e da indiferença”.

Tribunais de Justiça do Brasil reiteradamente têm dado procedência nos pedidos de indenização por danos morais advindos do abandono afetivo, mas pouco ou quase nada se fez possível de achar em relação ao abandono afetivo inverso, ou o abandono afetivo do idoso, talvez por se tratar de algo muito recente, assim como é o próprio abandono afetivo, ou até mesmo por o idoso estar tão abandonado que não sabe da possibilidade de procurar a justiça para buscar seus direitos, ou lhes é negado por aqueles que (não) cuidam deles. Em decorrência desta ausência jurisprudencial, analisar-se-á as jurisprudências acerca do abandono afetivo como um todo e poder-se-á considera-los como análogos aos casos de abandono afetivo inverso.

4        ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DO ABANDONO AFETIVO

No que diz respeito aos pedidos de indenização decorrentes de abandono afetivo, há uma grande discussão nos tribunais ao redor do país, havendo divergências de posicionamentos acerca do tema, uma vez que ainda consideram que tal assunto familiar não deva ser resolvido judicialmente, já que se trata de amor e este não é assegurado juridicamente.

Três foram as decisões acerca do tema escolhidas para se analisar, a começar pela do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que, em 2012, decidiu pela não responsabilização civil dos pais em relação ao abandono afetivo, a observar:

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO AFETIVO. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO NÃO PROVIDO. - O tardio reconhecimento de paternidade, se não estabelecido vínculo de convivência entre pai biológico e filho, depois de muitos anos de vida distanciados no tempo e espaço, ainda que essa situação de fato possa ser cunhada de abandono afetivo, não configura ato ilícito passível de reparação por danos morais. - Mesmo que possa ser moralmente reprovável a conduta do pai, a falta de relacionamento afetivo com o filho não configura ato ilícito passível de reparação por danos morais. (Acórdão n° 1072009052727-9, Relator: José Flávio de Almeida, 30.01.2012).

Por outro lado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que há possibilidade de responsabilização civil decorrentes de omissão afetivo, ressalvada uma interpretação restritiva e criteriosa de cada caso:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ABANDONO MATERIAL, MORAL E AFETIVO. ABALO EMOCIONAL PELA AUSÊNCIA DO PAI. O pedido de reparação por dano moral no Direito de Família exige a apuração criteriosa dos fatos e o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao (já vulgarizado) princípio da dignidade da pessoa humana, sendo mero fato da vida. Embora se viva num mundo materialista, nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo, enfim de um vínculo amoroso saudável entre pai e filho, sendo essa perda experimentada tanto por um quanto pelo outro. RECURSO DESPROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70045481207, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 28/03/2012).

Apesar destas decisões, o Superior Tribunal de Justiça proferiu sentença inédita no dia 24 de abril de 2012 em que o pai deveria pagar indenização de R$ 200 mil por danos morais em decorrência do abandono afetivo de sua filha. Como observa-se:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.

1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.

2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.

3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.

4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.

5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.

6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.

7. Recurso especial parcialmente provido.

Tal decisão nos assegura que danos advindos das relações de família não se diferem dos ilícitos em geral. Com tal decisão do STJ, a Ministra Nancy Andrighi assegura a possibilidade de se exigir indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais. Analogicamente é possível que se responsabilize os filhos nos casos de abandono afetivo do idoso, porém, infelizmente, estas possibilidades ainda permanecem apenas na esfera social e não se vê tantos julgados a respeito do analisado.

5        CONSIDERAÇÕES FINAIS

O abandono afetivo ainda é algo polêmico a ser discutido e que deve sempre ser analisado no âmbito acadêmico e jurídico para que se apresentem variações de pensamentos e de posicionamentos, para que se chegue a um horizonte de possibilidades e entendimentos acerca do assunto.

Discute-se bastante a inexistência, ainda, de lei específica capaz de lhe definir, sobrando para a doutrina a conceituação e discussão sobre o tema, porém, até na doutrina há grande divergência sobre tal objeto, levando a pensamentos diferentes, como um que acredita que não deve haver indenização no caso de abandono afetivo tendo em vista que não se deve obrigar ninguém a amar outra pessoa, sendo o afeto e carinho algo a ser conquistado pelas pessoas e não imposto juridicamente. Outras pessoas acreditam que deve haver um auxílio imaterial, tal como conviver em família, como visto nos artigos do Estatuto do Idoso e ocasionando em possibilidade de danos morais em casos de abandono afetivo.

Em relação ao abandono afetivo inverso, do idoso, não há posicionamento fixado sobre o assunto, mas por analogia e em conformidade com o artigo 229 da Constituição Federal, que estabelece dever de cuidar dos filhos enquanto menores e os filhos de cuidar dos pais em sua velhice, há de se considerar que as decisões devem seguir para a mesma direção.

Infelizmente o idoso no Brasil sofre muito preconceito e indiferença, sendo abandonados e considerados fardos por aqueles que estão no auge de sua juventude e imaginam que nunca chegarão àquela situação e nunca precisarão de ajuda, sendo assim, se faz necessário que haja uma lei a fim de garantir a fundo os direitos dos idosos, devendo esta buscar zelar as vidas destes e solucionar os conflitos decorrentes disso.

Por fim, considera-se que ainda há muito que se trabalhar em cima do tema, como buscar maior efetividade da lei, como o Estatuto do Idoso, na garantia dos direitos destes que são vencedores por terem vencido a batalha que é viver por tanto tempo. Deve-se buscar respeitar os idosos e garantir que estes, como todos os outros, sejam tratados dignamente.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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STJ – Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.159.242 - SP (2009/0193701-9) Distrito Federal, Terceira Turma, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Julg. 24/04/2012. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=indeniza%E7%E3o + por+ abandono + afetivo&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1#>. Acesso em: 15 maio 2018.

 

 

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

 

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2007.

 

TJMG. Acórdão n° 1072009052727-9, Relator: José Flávio de Almeida, Julgado em: 30.01.2012. Disponível em: <http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&palavras=abandono+afetivo.+Repara%E7%E3o&pesquisarPor=ementa&pesquisa>. Acesso em: 14 maio 2018.

 

TJRS. Apelação Cível nº 70045481207, Sétima Câmara Cível, Relatora: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 28/03/2012). Disponível em: <http:// www1.tjrs.jus.br/busca/?q=Apela%E7%E3o+C%EDvel+N%BA+70045481207%2C+S%E9tima+C%E2mara+C%EDvel&tb=jurisnova&partialfields=>. Acesso em: 14 maio 2018.

 

VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo; DE BARROS, Marília Ferreira. Abandono Afetivo Inverso: O Abandono do Idoso e a Violação do Dever de Cuidado por Parte da Prole. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito–PPGDir./

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