Ativismo judicial: uma crítica à extrapolação de limites constitucionais nas decisões judiciais do STF

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27/08/2021 às 15:45

Resumo:


  • Decisões judiciais concedendo leitos de UTI antes e depois do COVID-19 geram tratamento desigual e inaplicabilidade, priorizando alguns pacientes em detrimento de outros.

  • Sucessivas mudanças no entendimento do STF sobre a execução penal provisória causam insegurança jurídica, violando princípios constitucionais como a presunção de inocência.

  • Formas de accountability do Judiciário incluem o controle interno por fundamentação das decisões, sistema de recursos e CNJ, além do controle externo pela sociedade, ouvidorias e até mesmo impeachment para ministros do STF.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O objetivo do artigo é abordar a extrapolação dos limites constitucionais no Ativismo Judicial e suas implicações na sociedade. Serão analisadas decisões judiciais, em que há violação a Separação de Poderes e por fim abordar as formas de accountability.

INTRODUÇÃO

Consta na Constituição Federal de 1988 como um dos objetivos da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Comumente as pessoas associam o Judiciário à Justiça, em frases como: “Vamos acionar a Justiça?”, mas essa seria uma nomenclatura um tanto quanto equivocada, tendo em vista que o Poder Judiciário não necessariamente é sinônimo de Justiça.

Junto ao fenômeno da Judicialização, trazido pela Constituição de 1988, que promoveu a consciência na tomada de direitos, o Judiciário passa a ser acionado constantemente pela sociedade na esperança de efetivação de Justiça. Tendo no Ativismo Judicial uma atitude, uma postura ativista, uma forma proativa de interpretação da Constituição na aplicação de casos não expressamente contemplados por ela.

Por vezes essa perspectiva de Justiça é alcançada, entretanto nem sempre uma decisão judicial é a mais justa. Isto porque, além das formalidades processuais e desigualdades no acesso ao Judiciário, há também um tratamento injusto com o resto da população ao conceder um direito a um, enquanto outros que são assegurados pelas mesmas prerrogativas não são abarcados.

Exemplo disso, são as decisões judiciais que concedem leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), tanto no contexto do COVID 19, tanto antes da pandemia. A concessão dessas medidas gera tratamento desigual, tendo em vista que privilegiam parcela da população, em detrimento de outra. Enquanto a maioria aguarda na fila de espera, os que acionam o Judiciário passam na frente de pacientes que as vezes estão em estado mais grave de saúde. No contexto do COVID-19 essas decisões se tornam vazias e inaplicáveis, frente a superlotação dos hospitais e necessidade de seguir o critério baseado no quadro clínico do paciente para ocupação dos leitos de UTI.

Além disso, mudanças constantes no entendimento da Suprema Corte geram insegurança jurídica. Como exemplo, as diversas mudanças de entendimento adotadas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da execução provisória da pena. Ora decidem pelo cabimento da prisão provisória somente com o exaurimento das instâncias ordinárias, ora decidem pela possibilidade da prisão somente quando ocorrido o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, relativizando o princípio da presunção da inocência.

Junto a esses fatores está a popularidade alcançada pelo Supremo. Há pouco tempo o debate em torno do ativismo judicial era exclusivo do meio acadêmico, mas atualmente esse debate circunda o cotidiano dos brasileiros. Os ministros do STF, antes figuras ocultas, hoje são vistos como personalidades públicas, onde suas decisões são amplamente discutidas por toda a sociedade, entre juristas e leigos.

Ao passo que essa popularidade dada ao Judiciário é fruto da legitimidade concedida pela população, a dominação torna-se uma consequência quando extrapolados os limites constitucionais. Ou seja, quando um Poder extrapola seu papel ao adentrar na competência de outro, há desequilíbrio ao Estado Democrático de Direito.

Apesar do potencial risco de dominação por um só Poder, existem grupos sociais que precisam reivindicar seus direitos no Judiciário, pois não são incluídos nas pautas do Poder Legislativo e são carecedores de amparo as suas garantias legais, tendo no Judiciário o único meio de acesso à “Justiça”. Exemplo disso, é a vitória na demanda do grupo LGBT, na decisão em que criminalizou a homofobia.

Entretanto, esse foi mais um de tantos outros exemplos em que a decisão do STF “cria lei”, se amparando na justificativa da mora Legislativa e usando de sua criatividade interpretativa. Assunto que será debatido por meio da abordagem que alguns autores trazem, como Lênio Streck que considera a discricionariedade e arbitrariedade das decisões judiciais.

Portanto, o principal objetivo deste trabalho é provar por meio da pesquisa bibliográfica e por meio da análise de algumas decisões do STF, que o ativismo judicial extrapola limites constitucionais e gera insegurança jurídica à sociedade, representando ameaça ao Estado Democrático de Direito.

A importância se dá tanto no campo acadêmico, tanto no campo social, pois a partir do exame feito a algumas decisões judiciais é possível a construção de uma visão crítica ao Ativismo Judicial e na tomada de consciência dos meios disponíveis de accountability. Sendo essa discussão de extrema relevância no contexto atual, onde a crise política exige a necessidade de acionamento do Judiciário para garantia de direitos e ao mesmo tempo exige um controle institucional.


1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E PROBLEMATIZAÇÃO

O ser humano vivia no estado de natureza, estado de selvageria, em que se fazia justiça com as próprias mãos. Com o advento do Contrato Social os cidadãos transferem sua liberdade plena a um Estado que passa a assegurar direitos e deveres a todos.

Entretanto, na antiguidade prevalecia a concentração de poder nas mãos de uma só pessoa, de um só poder, sendo vista as atitudes de um monarca como tirânicas. No intuito de evitar a submissão e servidão a um tirano, colocando fim ao absolutismo, Montesquieu pensou na teoria da Separação dos Poderes.

O Brasil adotou o sistema político da República, em que há independência e harmonia entre Executivo, Legislativo e Judiciário, onde cada dimensão de poder fiscaliza a outra mantendo o equilíbrio em um Estado Democrático de Direito.

Entretanto, com o fenômeno global da Judicialização, em que a sociedade como um todo judicializa diversas das suas demandas, o poder Judiciário assume uma posição ativa, no tocante da interpretação da norma, preenchimento de lacunas e execução de sanções, sendo esse tipo de decisão, em que há inovação por parte do Judiciário chamada como Ativismo Judicial, por Luís Roberto Barroso.

Em que pese, haver necessidade da intervenção de um poder pelo outro a fim de assegurar os direitos e garantias dos cidadãos em um sistema de checks and balances, algumas vezes o Judiciário excede sua posição, com medidas criativas, que extrapolam os limites constitucionais, colocando a sociedade em risco de violação ao Estado Democrático de Direito. Ficando à margem de um retrocesso ao sistema monárquico de política, em que há concentração nas mãos de um só poder.

A mutação constante de entendimentos judiciais gera insegurança jurídica e coloca a população brasileira em eminente risco de perda de prerrogativas e proteções constitucionais. Pois assim como há inovação Legislativa no Ativismo Judicial ao alterar e dar novos sentidos para leis, os direitos fundamentais também correm risco de serem relativizados, como já tem sido feito em algumas decisões tomadas.

Em seu texto “Aplicar a Letra da Lei é uma atitude Positivista” Lênio Streck aponta uma ameaça ao Estado Democrático de Direito ao afirmar que além do risco de perda de autonomia pelos debates externos políticos e econômicos, o Estado Democrático de Direito também torna-se frágil em seus pilares internos por conta das decisões judiciais eivadas de discricionariedades e arbitrariedades, que mais se assemelham a decisionismo. Ou seja, decisionismo são decisões em que a lei, duramente alcançada pela democracia, é substituída pela preferência do julgador.

Dialogando com essa visão Mauro Cappelletti considera que toda interpretação carrega intrinsicamente criatividade, o que pode significar discricionariedade, ou seja, poder de escolha, mas essa afirmação não deve ser confundida com uma liberdade total do intérprete. Concordando que a criatividade interpretativa dos membros do Judiciário deve ser restrita aos limites constitucionais.


2. OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A DECISÃO DE CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA, EXEMPLO DE INOVAÇÃO LEGISLATIVA

Nesse contexto de judicialização pós Constituição de 88, se insurgem os movimentos sociais, como, da comunidade LGBT. Representando, em suma, a luta pela identidade de gênero e a busca pela igualdade social. Tendo sido nos últimos anos uma de suas principais pautas a criminalização da homofobia.

Os direitos dos que vivem à margem da sociedade são afastados, muitas vezes ignorados, uma vez que a voz política das classes dominantes fala mais alto. Nesse cenário se apresenta o funcionalismo jurídico, que em sua perspectiva sistêmica, nada mais é que um reflexo do sistema social, que vê o direito como um instrumento.

A reação a esse constructo social é o funcionalismo jurídico político que é representado pelo uso alternativo do direito e pela teoria crítica do direito. Já que para a finalidade do Direito ser alcançada, não basta a construção de direitos e deveres feita dentro da política, em que há jogo de interesses e prevalência das classes dominantes, é necessária uma construção de cidadania, com garantias voltadas aos seres políticos, refletindo a sociedade como um todo, não somente da maioria, mas também de minorias.

Nessa visão do funcionalismo jurídico político inserem-se os movimentos sociais, que de maneira engajada, resguardados pela Constituição Federal de 1988, tomam espaço nos debates públicos, em uma luta pela “cultura de direitos”. Sendo, portanto, os movimentos sociais “A intersecção da sociedade com a política. Já que são a conjunção dos sujeitos coletivos em prol de direitos políticos e sociais.”

Dessa forma, os representantes dos movimentos sociais LGBT levam ao Supremo Tribunal Federal uma demanda judicial, no intuito de criminalizar condutas homofóbicas e transfóbicas. Assunto que ganha espaço no debate jurídico, por meio da repercussão da Ação Direta De Inconstitucionalidade por Omissão 26 do DF.

No julgamento ocorrido em 13/06/2019 os ministros do STF decidiram pela aplicação por adequação do tipo penal do racismo, previsto na Lei nº 7.716/89 às condutas homofóbicas e transfóbicas, aos discursos de ódio a orientação sexual ou identidade de gênero, em razão da expressão racista desse tipo de conduta, além de qualificar o homicídio cometido por essas razões como doloso, devido ao motivo torpe, previsto no art. 121, § 2º, I, do Código Penal.

A decisão foi tomada em razão da mora legislativa, além da repercussão geral foi determinado que a criminalização dessas condutas não afeta a liberdade religiosa, com ressalva aos discursos de ódio.

A decisão foi fundamentada mediante o entendimento do significado amplo de racismo, que não se restringe somente a questões biológicas e fenotípicas, mas abarca uma construção histórico-cultural desigual, se estendendo a proteção das pessoas LGBT, devido a sua vulnerabilidade e posição de opressão, frente a uma sociedade hegemônica. De acordo com o Ministro Celso de Mello na decisão que motivou a Criminalização da Homofobia, a legitimidade se sobrepõe a legalidade estrita, diante da mora legislativa.


3. A LINHA TÊNUE ENTRE LEGITIMIDADE E DOMINAÇÃO

Existe uma polêmica no âmbito jurídico e social que visa responder se esse tipo de decisão, como da Criminalização da Homofobia, extrapola ou não os limites constitucionais da Separação de Poderes, idealizados por Montesquieu.

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“O princípio da legalidade nasceu do anseio de estabelecer na sociedade humana regras permanentes e válidas, que fossem obras da razão, e pudessem abrigar os indivíduos de uma conduta arbitrária e imprevisível da parte dos governantes.”

Portanto, a legalidade surge para que as leis sejam superiores a concentração de poder na mão de uma só pessoa, fazendo com que o povo fique imune as arbitrariedades de um tirano.

“Do ponto de vista filosófico, a legitimidade repousa no plano das crenças pessoais, no terreno das convicções individuais de sabor ideológico, das valorações subjetivas, dos critérios axiológicos [...].”

Dessa forma, podemos questionar a legitimidade do poder por meio de perguntas de cunho filosófico, como, “por que uns obedecem e outros mandam” e ao indagarmos a continuação ou provisoriedade do poder.

Sociologicamente, analisamos a legitimidade conforme os tipos de poder dominante. Por meio dos diversos tipos de submissão é possível alcançar a dominação, entretanto não quer dizer que toda dominação seja legítima, pois é necessário que se tenha fundamentos jurídicos para obtenção de uma legitimidade pura.

A Dominação Legítima, tendo em vista somente a sua legitimação decorrente da aceitação do ser dominado, está de acordo com um dos conceitos desenvolvidos pelo filósofo francês Étienne de La Boétie, em sua obra: “Discurso da Servidão Voluntária”, em que é defendido que o dominador só tem autoridade, porque essa autoridade lhe foi concedida quando o povo escolheu servi-lo voluntariamente, se deixando ser dominado. Todavia essa dominação é ilegitimada quando o poder está concentrado nas mãos de um só tirano.

Portanto, a decisão que decidiu pela Criminalização da Homofobia, pode ser analisada sob à luz da legitimidade em detrimento a legalidade estrita, quando o relator ministro Celso de Mello dispõe:

“reconheço que a lei pode muito, mas não pode tudo. Estamos aqui a tratar da necessidade de mudanças culturais complexas, que, acaso vinguem, serão incorporadas ao repertório jurídico e policial paulatinamente.”

Apesar dessa decisão ter sido uma vitória para a comunidade LGBT, a motivação é preocupante, pois não sabe até quando e em que medida essas decisões serão em prol da sociedade. Sob o critério de 12 ministros, pessoas de carne e unha, investidas de jurisdição teremos pautas importantes na sociedade sendo discutidas, em decisões em que primeiro se toma um lado e depois se busca a fundamentação.

Deixar a legalidade de lado, com base na legitimidade é trabalhar em um campo minado, pois é deixar ao bem entender dos ministros a resolução de questões ignorando a letra da lei previamente escrita, após um longo proces/so democrático.


4. AS SUCESSIVAS DECISÕES DO STF SOBRE A EXECUÇÃO PENAL PROVISÓRIA E A CONSEQUENTE INSEGURANÇA JURÍDICA

Outro exemplo de decisão judicial em que há extrapolação dos limites constitucionais são as sucessivas decisões do STF tratando da execução provisória da pena. Dessa vez, ao longo da história foram tomadas decisões que não foram em prol da sociedade e nem com base na garantia de direitos e sim na violação de princípios constitucionais.

De acordo com a Constituição Federal e com o princípio da presunção de inocência, ninguém será considerado culpado sem que ocorra o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Entretanto, tanto à mídia ao noticiar um crime e declarar os suspeitos como culpados, tanto o poder Judiciário ao decretar prisão sem o esgotamento das vias recursais violam esse princípio constitucional e ofendem o direito fundamental da liberdade.

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 o entendimento aplicado por vinte e quatro anos pelo Supremo Tribunal Federal era o da imediata aplicação provisória da pena após o exaurimento das instâncias ordinárias.

Ou seja, antes mesmo do trânsito em julgado da sentença penal condenatória era possível a aplicação da prisão provisória, desde que exauridas as instâncias ordinárias e independente do acusado cumprir ou não os requisitos da prisão preventiva, previstos no art. 312. do Código de Processo Penal.

Entretanto, em 2009 com o julgamento do HC 84.078-7 MG os ministros do STF decidiram pela impossibilidade da aplicação provisória da pena antes do trânsito em julgado da condenação, seguindo a literalidade do texto constitucional e o princípio da presunção da inocência, violado até então.

Esse entendimento perdurou até 2016, com o julgamento do HC n.º 126.292 SP, em que mais uma vez, por maioria dos votos, o Plenário do STF decidiu pela possibilidade da execução penal provisória antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, defendendo que esse posicionamento não afetaria o princípio da presunção da inocência.

Mais uma vez, recentemente, em 2019, esse entendimento foi alterado com o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44 e 54, dessa vez decidindo o Plenário pela prevalência da presunção da inocência até o trânsito em julgado da ação, declarando a constitucionalidade do art. 283. do Código de Processo Penal, com base no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Prevalecendo dessa vez o respeito as garantias do Estado Democrático de Direito, em que o réu responde em liberdade até o trânsito em julgado da condenação. Sendo esse o entendimento que até então prevalece.

Com a ressalva de que a mudança no entendimento da Suprema Corte não implicaria na soltura automática daqueles que foram presos após o julgamento da segunda instância, sem ter ocorrido o trânsito em julgado da condenação. Pois seria analisado caso a caso, mantendo a prisão nos casos que os presos provisórios cumpriam os requisitos da prisão cautelar, disposto no art. 312. do Código de Processo Penal. Dessa vez essa observação foi feita.

Contudo, tantas modificações jurisprudenciais afetaram diretamente a vida dos cidadãos, que ficam à mercê das inconstantes decisões em favor ou desfavor da liberdade. Gerando um quadro de insegurança jurídica, em que ora cabe prisão, ora cabe soltura. Tendo em vista que o texto constitucional é claro em definir que ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado da condenação, ou seja, exaurimento de todas as instâncias e recursos cabíveis, não haveriam razões que justificassem a aplicação de entendimento tão diverso ao texto constitucional.

De acordo com Lênio Streck, as decisões antes tomadas que permitiam a execução provisória da pena estão em total desacordo com todo o ordenamento jurídico, pois julgou o próprio texto constitucional como sendo inconstitucional e nos termos do autor aniquilou uma garantia fundamental.

Deflagrando claro quadro de ilegalidade, em que os violadores têm nome, sobrenome e cargo, mas nenhuma autoridade competente para responsabiliza-los. A modificação constante de entendimentos, usando o mesmo argumento ora para concordar com o texto constitucional, ora para violá-lo demonstra mais uma vez que os ministros do STF primeiro se posicionam, depois usam dos argumentos jurídicos para fundamentar posições já tomadas, em circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis, selecionando ocasiões e eventualmente afastando a legalidade, apoiando-se somente na legitimidade que lhes foi confiada.


5. DECISÕES JUDICIAIS CONCEDENDO LEITOS DE UTI ANTES E DEPOIS DO COVID 19

O começo do ano de 2020 deu início a uma pandemia antes nunca vista pela história da humanidade. A pandemia do COVID-19 causada pelo Coronavírus SARS-CoV-2 afeta o Brasil e o mundo, principalmente por sua alta taxa de contaminação e mortalidade.

Sem a comprovada eficácia de remédios e sem perspectiva de vacina que atenda toda a população, viu-se no distanciamento social a única medida capaz de frear a propagação do vírus e assim evitar o colapso no sistema de saúde. Entretanto, as medidas restritivas de isolamento social impactam diversos setores da sociedade, principalmente a economia.

Dentre os diversos sintomas da doença, está a ocorrência da síndrome respiratória aguda grave, gerando dificuldade de respiração e dependência de oxigênio. Fazendo com que pacientes com o quadro mais grave de COVID necessitem de leitos de UTI para a manutenção da vida.

Entretanto, a quantidade de leitos de UTI não atende à demanda da sociedade, o que não é novidade, já que por diversas vezes antes da pandemia do COVID 19 o poder Judiciário já vinha sendo acionado a fim de conceder decisões para fornecimento de medicamentos e vagas de leitos de UTI.

Em defesa a essas demandas o Governo do Distrito Federal se manifestou argumentando principalmente pela falta de previsão orçamentária, tendo no atendimento de demandas individuais o prejuízo no oferecimento de serviços de saúde a toda população. Além da argumentação de que a concessão desses pleitos fere o princípio da isonomia, pois há tratamento diferenciado e privilegiado aos pacientes de um mesmo Sistema Único de Saúde. Enquanto existem pessoas na lista de espera aguardando vagas de UTI, há concessão de medidas liminares a outras.

Decisões Judiciais que concedem o sequestro de ativos públicos para o fornecimento de medicamentos e de leitos de UTI, ignoram todo o processo administrativo de distribuição de verbas. Tendo como consequência, uma crise institucional, enquanto uma pessoa recebe um remédio de alto custo outra grande parcela da sociedade é afetada ao deixar de ter acesso ao sistema de saúde. Decisão que não faz parte da esfera judiciária, ou pelo menos não deveria fazer, tendo em vista que a destinação de recursos públicos é previamente prevista em lei.

No contexto do COVID 19, há ocupação máxima dos leitos de UTI no Distrito Federal, existindo uma lista de prioridade na ocupação de leitos com base no estado clínico de cada paciente. Entretanto, há um número elevado de mandados judiciais determinando a inclusão imediata de pacientes na lista de ocupação dos leitos de UTI do DF, seja na rede pública ou privada.

Em nota emitida pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal em 16 de março de 2021, há a determinação da retirada de solicitação de leito de UTI de pacientes que não preencham os requisitos de indicação a leitos com suporte de cuidados intensivos, inclusive dos pacientes inclusos na lista de espera por meio de determinação judicial, que não atendam aos requisitos de urgência para ocupação de vagas.

Portanto, decisões judiciais que concedem leitos de UTI em um contexto de calamidade pública, sem antes um estudo de viabilidade da decisão, se tornam vazias e inaplicáveis. Pois além de ignorar a lista de prioridade, causam desigualdade no acesso a saúde, já que aqueles que possuem instrução para judicializar sua demanda, independente do seu quadro clínico, são priorizados na ocupação de leitos e tomam o lugar da fila de quadros clínicos mais graves.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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