Ativismo judicial: uma crítica à extrapolação de limites constitucionais nas decisões judiciais do STF

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27/08/2021 às 15:45

Resumo:


  • Decisões judiciais concedendo leitos de UTI antes e depois do COVID-19 geram tratamento desigual e inaplicabilidade, priorizando alguns pacientes em detrimento de outros.

  • Sucessivas mudanças no entendimento do STF sobre a execução penal provisória causam insegurança jurídica, violando princípios constitucionais como a presunção de inocência.

  • Formas de accountability do Judiciário incluem o controle interno por fundamentação das decisões, sistema de recursos e CNJ, além do controle externo pela sociedade, ouvidorias e até mesmo impeachment para ministros do STF.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6. FORMAS DE ACCOUNTABILITY DO JUDICIÁRIO

Frente as extrapolações de limites constitucionais cometidas pelo Judiciário é necessário definir formas de responsabilização e de enfrentamento as limitações de controle existentes.

De um lado está a necessidade de independência judicial, que é a autonomia que o Judiciário tem de exercer a sua função, o exercício da Jurisdição. Do outro está a necessidade de accountability, que são formas de controle na qual um poder ou instituição é submetido, devendo prestar informações sobre seus atos e consequências. Ou seja, accountability judicial são formas de fiscalização e sanção do Poder Judiciário.

Partindo da premissa de que em um Estado Democrático de Direito os limites do controle judicial estão relacionados obrigatoriamente a independência judicial, há de se considerar que o Judiciário não pode estar submetido aos demais Poderes da República. E que também há independência funcional da magistratura, pois apesar das diferentes instâncias e graus de jurisdição, não deve haver subordinação hierárquica entre magistrados, sendo essa uma garantia ao regime democrático.

Robert F. Utter reflete que há um risco de o Judiciário perder seu papel de protetor do interesse das minorias quando mais houver accountability e pressões populares, mas que apesar disso há um risco de afastamento do Judiciário aos valores populares quando se é totalmente independente.

Não obstante a necessária independência judicial na aplicação imparcial de leis constituir um dos pilares do Estado Democrático do Direito. A Separação de Poderes e o sistema de pesos e contrapesos também fazem parte da essência do Estado Democrático de Direito. Não sendo possível e nem adequado uma independência judicial plena, se fazendo necessário formas de accountability com limitações e previamente previstas.

Constitui accountability judicial decisional a imposição aos magistrados de fundamentação as suas decisões, apresentando informações do caso, justificativas por meio dos fatos, das leis e da Constituição. Com o devido cuidado de não afrontar a independência judicial. Essa forma de accountability também dá origem ao controle exercido por meio do sistema de recursos.

De acordo com Tomio e Robl Filho o Poder Judiciário brasileiro é um dos que possuem maior independência, se comparado a outros países, como aos Estados Unidos. Os extensos poderes e as diversas garantias constitucionais existentes à independência decisional e institucional justificam a previsão de elevado número de recursos existentes contra decisões judiciais. Sendo o controle pela via recursal uma forma de accountability judicial decisional, onde há controle interno pelo próprio Judiciário.

Dessa forma, a apresentação de recursos permite a revisão de decisões equivocadas e a avaliação por outros magistrados de decisões relevantes. Entretanto, fica a indagação de quem controla as decisões do órgão superior máximo, a última instância, o STF?

Com a Emenda Constitucional nº 45/2004, outra forma de accountability passou a existir, a exercida pela criação do CNJ, Conselho Nacional de Justiça, que é um órgão responsável por uma das formas de exercício de accountability judicial institucional. Sendo parte da função do CNJ zelar pela autonomia e cumprir o Estatuto da Magistratura, como uma forma de controle interno do Judiciário.

Outro ponto que há de se considerar, é que tanto os magistrados, tanto os ministros do STF não são eleitos. Para o caso dos juízes a seleção é feita por meio de concursos de provas e títulos e no caso dos ministros são escolhidos por indicação política.

A ausência de democracia representativa por meio de eleições exige outras formas de controle institucional pela sociedade. Dessa forma, surge a modalidade de accountability social, exercita em manifestações da população, da mídia e das associações, expondo publicamente agentes públicos e incitando a abertura de processos administrativos e de ações judiciais de responsabilização. Essa forma de controle externo só é possível por meio do princípio da publicidade, fazendo com que seja viável um controle externo das informações públicas prestadas pelo Judiciário.

Além disso, há previsão constitucional de criação de ouvidorias, sendo regulamentada pela Resolução nº103/2010 a criação de ouvidorias nos tribunais estaduais e a criação de um canal direto entre a ouvidoria do CNJ e o cidadão. De acordo com os dados apresentados por Freire, Bernardes e Rover, metade das reclamações feitas sobre membros do judiciário tratavam da morosidade judicial. Ou seja, esse seria um meio pelo qual a população poderia denunciar violações constitucionais no Ativismo Judicial, mas na maioria das vezes usam esse instrumento somente para reclamar de demandas pessoais.

Apesar do CNJ ser uma forma de accountability existente, em 2020 com o julgamento em conjunto da ADI 4412, Rcl 33459 e Pet 4770 foi firmada a tese de que é competência exclusiva do STF o processamento e julgamento de ações contra o CNJ. Mantendo, portanto, o posicionamento de que o CNJ está sujeito ao STF, não tendo esse Conselho competência de supervisão e fiscalização dos ministros do STF, já que a Suprema Corte é o órgão máximo do Poder Judiciário.

No entanto, a Lei 1.079/50, lei dos crimes de responsabilidade, prevê impeachment ou responsabilização política aos ministros do STF, sendo o Senado Federal o órgão competente para julgar. No caso de votos favoráveis por maioria qualificada, há a perda do cargo público e a inabilitação por oito anos a qualquer exercício de função pública.

Tendo nessa medida a punição máxima possível a um ministro do STF, com a perda do cargo, nota-se a falta de medidas mais brandas de responsabilização aos membros do STF para que haja punição adequada a cada tipo de irregularidade, sem necessariamente representar o afastamento do cargo. Pois o impeachment pode representar uma medida drástica a atos que poderiam somente serem advertidos ou censurados, dessa forma haveria de fato efetividade nas formas de responsabilização e repressão dos membros do órgão máximo do Judiciário, sem a violação da independência judicial.


CONCLUSÃO

No decorrer do artigo foram analisadas decisões judiciais, em que houve Ativismo Judicial e extrapolação de limites constitucionais. Tendo sido demonstrado violações a princípios e direitos fundamentais, como da legalidade, da liberdade, da presunção da inocência e da Separação de Poderes.

Essas violações apontam para a necessidade de formas de responsabilização do Judiciário e maior controle pela sociedade. Tendo em vista a ameaça que o Estado Democrática de Direito corre.

Encontrando nas previsões de accountability, seja pelo controle interno (exercido pelo próprio Judiciário pelas decisões fundamentadas, pelo sistema de recursos e pelo CNJ), seja pelo controle externo (exercido pela sociedade e pela previsão de impeachment) maneiras de fiscalizar e responsabilizar os atos judiciais.

Entretanto, em nenhuma das decisões judiciais analisadas haveria configuração de crime de responsabilidade, pois apesar de serem decisões em que houve Ativismo Judicial, o impeachment se mostra uma medida completamente residual e atípica que não se enquadraria a nenhuma das situações analisadas. Apontando para formas de controle mais brandas e efetivas.

Demonstrando que o Ativismo Judicial pode ser positivo quando aplicado em prol da sociedade, por exemplo, para suprir a mora legislativa e proteger minorias. Mas desde que esse Ativismo seja controlado e limitado as previsões constitucionais.

Além disso, a necessidade de preservação da Independência Judicial também impõe limites ao estabelecimento dessas formas de controle. Tendo em vista a necessidade de autonomia nas decisões judiciais para o exercício da Jurisdição e na proteção de minorias.

Portanto, os apontamentos sugerem o estabelecimento de formas de controle mais brandas e efetivas para os membros da Suprema Corte, no intuito de evitar a extrapolação de limites constitucionais. Já que por fazerem parte da Última Instância não sofrem algumas das formas de accountability interno.

Conclui-se que para a manutenção de um Estado Democrático de Direito é necessário haver formas de accountability eficazes e limitadas, a fim de preservar a Independência Judicial.


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