UMA MP DIANTE DO MARCO CIVIL DA INTERNET

07/09/2021 às 12:51

Resumo:

- Presidente assina medida provisória para endurecer regras de remoção de conteúdos em redes sociais
- Medida provisória altera o Marco Civil da Internet para evitar remoções arbitrárias de perfis e conteúdos
- MP gera polêmica ao acenar à militância digital bolsonarista e especialistas alertam para propagação de informações falsas e discurso de ódio

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O ARTIGO DISCUTE SOBRE RECENTE MEDIDA PROVISÓRIA QUE REVOGA ITENS CONSTANTES DA LEI DO MARCO CIVIL DA INTERNET.

UMA MP DIANTE DO MARCO CIVIL DA INTERNET

Rogério Tadeu Romano

I – O FATO

Segundo publicou o Estadão, em seu site, no dia 6 de setembro de 2021,o presidente Jair Bolsonaro assinou nesta segunda-feira, 6, uma medida provisória com o objetivo de endurecer as regras para a remoção de conteúdos de redes sociais no País. A MP altera o Marco Civil da Internet, lei criada em 2014, para evitar a “remoção arbitrária e imotivada” de perfis e de conteúdos das redes, segundo divulgou a Secretaria de Comunicação (Secom) do Planalto.

Conforme o jornal O Globo, “a MP é uma resposta do governo à atuação das principais plataformas da internet e um aceno à militância digital bolsonarista, que tem sido alvo de remoções nas redes sob acusação de propagar conteúdos falsos. Especialistas acreditam que a MP pode permitir a propagação de informações falsas e o discurso de ódio.”

Sabe-se que, no ano passado, as plataformas de redes sociais removeram publicações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro e por aliados, como o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, contendo informações falsas sobre a Covid-19. Na ocasião, o Twitter argumentou que havia implantado regras para impedir a propagação de mensagens que aumentassem o risco de transmissão da doença.

Ainda noticiou o GLOBO, que, segundo o texto da MP, as redes sociais só poderão retirar conteúdos em determinados casos explicitados na medida provisória, como no caso de inadimplência, contas falsas, contas automatizadas (robôs), contas que ofereçam produtos falsificados ou por determinação judicial — neste caso, por exemplo, continuarão válidas as ordens do Supremo Tribunal Federal (STF) para remover contas das redes sociais, que têm sido proferidas para combater ataques às instituições democráticas.

Além disso, a medida provisória indica uma série de possibilidades que justificam a retirada de conteúdo, como publicações que contenham nudez, incitação a crimes ou a violência, disseminação de vírus, entre outros.

A MP cita que a "prática, apoio, promoção ou incitação de atos contra a segurança pública, defesa nacional ou segurança do Estado" também será motivo para retirada de conteúdo.

II – A NEUTRALIDADE E A ISONOMIA

O chamado marco da internet leva em conta, entre outras ilações, duas importantes funções: a neutralidade e a isonomia.

A neutralidade de rede é tratada no inciso IV, do artigo 3º, e no Capítulo III, da Lei Federal nº 12.965/2014, ao passo que a liberdade de expressão é tratada nos artigos , , , 19, do referido diploma legal.

O artigo da Lei Federal nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) estabelece tratamento isonômico aos fornecedores de acesso à internet (neutralidade de rede) e, como mencionado alhures, há dispositivos próprios tratando sobre a liberdade de expressão.

O professor de Direito de Internet e Mídia na Universidade de Sussex, no Reino Unido, Christopher Marsden, é conhecido por ser um tradicional defensor da neutralidade da rede, e escreveu em sua obra Net Neutrality: Towards a Co-regulatory Solution que garantia de acesso do usuário à Internet com a Neutralidade de Rede possui dois elementos: um “positivo”, com maior qualidade de serviço, correspondendo a preços maiores, desde que fossem estabelecidos de forma justa e igualitária; e “negativo”, com a prática de degradação intencional do serviço pelo (s) provedor (es) de acesso, com consumidores que tentassem obter vantagem em suas conexões (Net Neutrality: Towards a Co-Regulatory Solution. Bloomsbury. Academic Publishing. 2010).

O artigo , da lei 12.965/2014 traz expressamente que “a disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como: I – o reconhecimento da escala mundial da rede; II – os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; III – a pluralidade e a diversidade; IV – a abertura e a colaboração; V – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e VI – a finalidade social da rede”.

E como princípios o artigo da lei 12.965/2014 elencou os seguintes:

“I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;

II – proteção da privacidade;

III – proteção dos dados pessoais, na forma da lei;

IV – preservação e garantia da neutralidade de rede;

V – preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;

VI – responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;

VII – preservação da natureza participativa da rede;

VIII – liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei.”

III – A LIBERDADE DE PENSAMENTO

Sampaio Dória (Direito Constitucional, volume III) ensinava que liberdade de pensamento é “o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte ou o que for”. É forma de liberdade de conteúdo intelectual e supõe o contato do indivíduo com seus semelhantes.

A liberdade de opinião resume a própria liberdade de pensamento em suas várias formas de expressão. Daí que a doutrina a chama de liberdade primária e ponto de partida de outras, sendo a liberdade do indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha, quer um pensamento íntimo, quer seja a tomada de uma posição pública; liberdade de pensar e dizer o que se creia verdadeiro, como dizia José Afonso da Silva (Direito Constitucional positivo, 5ª edição, pág. 215).

De outro modo, a liberdade de manifestação de pensamento constitui um dos aspectos externos da liberdade de opinião. A Constituição Federal, no artigo , IV, diz que é livre a manifestação de pensamento, vedado o anonimato, e o art. 220 dispõe que a manifestação do pensamento, sob qualquer forma, processo ou veiculação, não sofrerá qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição, vedada qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística.

A liberdade de comunicação consiste num conjunto de direitos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação de forma desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação em consonância com o que ditam os incisos IV, V, IX, XII e XIV do artigo , combinados com os artigos 220 a 224 da Constituição.

A liberdade de comunicação compreende, nos termos da Constituição, as formas de criação, expressão e manifestação do pensamento e de informação, e a organização e manifestação de pensamento, esta sujeita a regime jurídico que é especial.As formas de comunicação regem-se pelos seguintes princípios básicos: a) observado o disposto na Constituição, não sofrerão qualquer restrição qualquer que seja o processo ou veículo por que se exprima; b) nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística; c) é vedada toda e qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística; d) a publicação de veículo impresso de comunicação independe da licença da autoridade; e) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens depende de concessão, permissão e autorização do Poder Executivo federal, sob controle sucessivo do Congresso Nacional a que cabe apreciar o ato, no prazo do art. 64, § 2º, e 4º(45 dias, que não correm durante o recesso parlamentar); f) os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio.

IV – A QUESTÃO DA REMOÇÃO DE CONTEÚDO

Surgem, no entanto, no dia a dia da internet, atos ilícitos com afrontas a honra e opiniões inverídicas que depõem contra a boa- fé.

Os artigos 186 e 187 do Código Civil Brasileiro (Lei Federal 10.406, de 10.01.2012) são expressos ao dispor que:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Alesandro Gonçalves Barreto e Marcos Tupinambá Martin Alves Pereira (.Fake news e os procedimentos para remoção de conteúdo, in Conteúdo Jurídico, 11 de março de 2018) bem esclareceram que o ambiente das redes sociais é propício para a disseminação desse tipo de conteúdo, pois o algoritmo que o governa busca conteúdos que agradem aos usuários e, depois, estes mesmos tratam de pulverizar essas notícias, sem verificar a fonte, apenas porque o conteúdo os agrada no âmbito de suas convicções pessoais.

Conforme consolidado na jurisprudência do STJ, "anteriormente à publicação do Marco Civil da Internet, basta a ciência inequívoca do conteúdo ofensivo, sem sua retirada em prazo razoável, para que o provedor se tornasse responsável", porém, "a regra a ser utilizada para a resolução de controvérsias deve levar em consideração o momento de ocorrência do ato lesivo" já que "após a entrada em vigor da lei 12.965/2014, o termo inicial da responsabilidade da responsabilidade solidária do provedor de aplicação, por força do art. 19 do Marco Civil da Internet, é o momento da notificação judicial que ordena a retirada de determinado conteúdo da internet (REsp 1694405/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 29/06/2018).

Já alertou Douglas Guzzo Pinto, in Migalhas, em 21 de maio de 2021, “quanto à suspensão e à exclusão de contas em redes sociais de usuários que descumpram as normas previstas nos respectivos termos de uso, tem-se que o Código Civil prevê, categoricamente, em seu artigo 474, a possibilidade de cláusula resolutiva expressa, que opera de pleno direito, portanto, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário”. O artigo citado era: “Poder Executivo prepara decreto que prevê a necessidade de ordem judicial para a remoção de conteúdo e suspensão de contas em redes sociais.”

Tal conclusão acima exposta se deu diante da possibilidade do governo federal disciplinar a matéria por decreto, o que é visivelmente inconstitucional, pois ninguém pode fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

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Mas o governo federal insistiu na matéria e para agradar seus seguidores, em detrimento ao princípio da supremacia do interesse público, edita ato legislativo, medida provisória, permitindo “a selva na internet”.

Tudo isso, na mesma preocupação externada por Douglas Guzzo Pinto, naquela matéria, representaria um retrocesso social e digital, contribuindo para a disseminação de conteúdo inverídico e discursos de ódio, sem falar no possível abarrotamento do Poder Judiciário com novas ações de ajuizamento obrigatório para a simples exclusão de conteúdo, atualmente, passível de análise e remoção pelas próprias plataformas, inclusive com a colaboração dinâmica de seus usuários diretamente no ambiente online.

V – OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE

Afrontam-se, cabalmente, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Não se defende a liberdade de expressão, afrontando-se direitos.

A razoabilidade é vista na seguinte tipologia como informa Humberto Ávila (Teoria dos princípios, São Paulo, Ed. Malheiros, 8ª edição, pág. 152): a) razoabilidade como equidade: exige‐se a harmonização da norma geral com o caso individual; b) razoabilidade como congruência: exige‐se a harmonização das normas com suas condições externas de aplicação; c) a razoabilidade por equivalência: exige‐se uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.

Há de se considerar uma razoabilidade interna, que se referência com a existência de uma relação racional e proporcional entre motivos, meios e fins da medida, e, ainda, uma razoabilidade externa, que trata da adequação de meios e fins.

A medida é incongruente, pois não se harmoniza a suas condições externas de aplicação. Afronta, pois, a própria lógica, em benefício de um grupo, que é o que apoia o presidente da República, ao afrontar adversários.

Tais ilações foram essencialmente de cogitação do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, como bem ensinou Luís Roberto Barroso (Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo, ed. Saraiva, 2003, pág. 228) ao externar um outro qualificador da razoabilidade-proporcionalidade, que é o da exigibilidade ou da necessidade da medida. Conhecido ainda como princípio da menor ingerência possível, consiste no imperativo de que os meios utilizados para consecução dos fins visados sejam os menos onerosos para o cidadão. É o que conhecemos como proibição do excesso.

Há ainda o que se chama de proporcionalidade em sentido estrito, que se cuida de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. Pesam-se as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.

Em resumo, do que se tem da doutrina no Brasil, em Portugal, dos ensinamentos oriundos da doutrina e jurisprudência na Alemanha, extraímos do princípio da proporcionalidade, que tanto nos será de valia para adoção dessas medidas não prisionais, os seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento de fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.

Trago a lição de Willis Santiago Guerra Filho (Ensaios de teoria constitucional. Fortaleza, UFC, Imprensa Universitária, 1989, pág. 75) de feliz síntese:

¨Resumidamente, pode-se dizer que uma medida é adequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e finalmente proporcional em sentido estrito, se as vantagens superarem as desvantagens.¨.

Assim proíbe-se o excesso e busca-se a adequação da medida.

A medida é inadequada, desproporcional na relação meio e fim.

A matéria já foi debatida no passado, em seu foro próprio: O parlamento.

VI – OS LIMITES NAS FORMAS DE CENSURA A MANIFESTAÇÕES

Ademais a Medida Provisória cria forma de censura impedindo a exposição de temas de nudez.

No julgamento da ADPF 130 foi assentada a regulação estritamente

constitucional do tema, imunizando o direito de livre expressão contra tentativas de disciplina ou autorização prévias por parte de norma hierarquicamente inferior, a teor do art. 220 da Carta Federal, segundo o qual a “manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”

O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgãos de comunicação social.

Com efeito, para que ocorra a real concretização da liberdade de expressão, consagrada no art. , IX, da Carta Maior, é preciso que haja liberdade de comunicação social, prevista no art. 220 da Carta Maior, garantindo-se a livre circulação de ideias e informações e a comunicação livre e pluralista, protegida da ingerência estatal. Ensinou José Afonso da Silva:

“A ‘liberdade de comunicação’ consiste num conjunto de direitos, formas, processos e veículos que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação. É o que se extrai dos incisos IV, V, IX, XII e XIV do art. , combinados com os arts. 220 a 224, da CF. Compreende ela as formas de criação, expressão e manifestação do pensamento e de informação, e a organização dos meios de comunicação, esta sujeita a regime jurídico especial”(Comentário contextual à Constituição. 3. ed., São Paulo: Malheiros, 2007. p. 98).

Lembre-se que a Lei 13.718/2018 introduziu tipo penal, artigo 218-C, que detém a seguinte redação:

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.

Passou a ser o crime o fato de a pessoa divulgar/compartilhar cenas de estupro, que faça apologia a essa prática, bem como o fato de repassar foto ou vídeos de cenas de sexo, nudez ou pornografia. Esse compartilhamento de imagens de nudez, apenas será crime quando não houver consentimento da pessoa.

Ademais, já há com relação a apresentação dessas imagens nos meios de comunicação a regra da indicação com relação a tais situações de forma a não expor a menores e adolescentes a tais imagens.

José Eduardo Elias Romão, que já exerceu o cargo de Diretor do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, em obra coletiva acerca da classificação indicativa no Brasil, explicita:

“De uma vez por todas é preciso esclarecer que a classificação de produtos audiovisuais é uma informação que indica aos pais e aos responsáveis a existência de conteúdo

inadequado a crianças e a adolescentes. A classificação indica aos pais e aos responsáveis para que eles possam decidir, calcados na autoridade que lhes concede o poder familiar, se a

criança ou o adolescente sob sua guarda poderá assistir a um filme ou jogar um ‘game’ considerado inadequado para sua idade.

(...) A classificação indicativa produzida pelo Ministério da Justiça é uma orientação geral que deve ser ‘aplicada’ pelos pais nos casos em concreto, isto é, consideradas as características de seus filhos e o contexto onde vivem” (A nova classificação indicativa: construção democrática de um modelo.In: Classificação Indicativa no Brasil: desafios e perspectivas. CHAGAS, Cláudia Maria de Freitas e et al. (Org.) Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, 2006. p. 37/38).

VII – A FALTA DE URGÊNCIA E RELEVÂNCIA

Onde está a urgência e a ainda a relevância para a edição de uma MP na matéria? Certamente inexistem.

Segundo Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo), de acordo com a nova redação do artigo 62 dada pela Emenda Constitucional 32/2001, medidas provisórias são"providências (como o próprio nome diz, provisórias) que o Presidente da República poderá expedir, com ressalva de certas matérias nas quais não são admitidas, em caso de relevância e urgência, e que terão força de lei, cuja eficácia, entretanto, será eliminada desde o início se o Congresso Nacional, a quem serão imediatamente submetidas não as converter em lei dentro do prazo - que não correrá durante o recesso parlamentar - de 60 dias contados a partir de sua publicação prorrogável por igual período nos termos do Art. 62 § 7º CRFB.

Há relevância para tal? Haveria urgência?

Marco Aurélio Greco (Medidas provisórias) afirma que "fixando-nos na figura da medida provisória a situação que autoriza sua edição deve assumir, tal importância e urgência cuja solução não comporte retardamento"devem, ademais,"configurar uma situação de fato, concreta, aferível, real que implique risco de grave dano ou grave prejuízo a determinados valores básicos que somente a edição imediata de novas normas legais pode solucionar", e continua alegando que deve ser"uma alternativa a ser utilizada quando surgirem dificuldades episódicas de implantação de programas de governo".

Segundo o ministro Celso de Mello, na ADI 2.213-0 – DF, a “possibilidade de controle jurisdicional, mesmo sendo excepcional, apóia-se na necessidade de impedir que o Presidente da República, ao editar medidas provisórias, incida em excesso de poder ou em situação de manifesto abuso institucional, pois o sistema de limitação de poderes não permite que práticas governamentais abusivas venham a prevalecer sobre os postulados constitucionais que informam a concepção democrática de Poder e de Estado, especialmente naquelas hipóteses em que se registrar o exercício anômalo e arbitrário das funções estatais...”

O pressuposto da urgência admite relativa precisão conceitual. O conceito de urgência é relacional. Não existe urgência se a eficácia da disposição só puder se materializar após um lapso do processo legislativo, em algumas forma disciplinadas pela Constituição.

Urgente, como disse Clèmerson Merlin Clève (Atividade Legislativa do poder executivo no estado contemporâneo e na Constituição de 1988, pág. 163), deve ser não apenas a vigência da norma editada como, igualmente, sua incidência. Por isso, não é admissível editar medida provisória para produzir efeitos apenas após o determinado lapso temporal, como avisou Pablo Santolaya Machetti.

A edição de medida provisória deve ser suficiente motivada.

José Levi Mello do Amaral Júnior destaca que “é próprio da decretação de urgência não ter âmbito temático pré-definido ou tê-lo definido de modo negativo (pela exclusão de determinadas matérias do seu campo material). Isso porque se destina a dar respostas a situações que escapam à previsibilidade — independentemente da matéria — e que exigem solução urgente” (Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo, Saraiva/Almedina, 2013, p. 1152).

Ademais, não cabe falar na edição de medida provisória quando se tratar de disciplina de direitos políticos. Ora, o direito de manifestação é um direito político, de forma que incide o artigo 62, I, alínea a, de forma que é vedada a edição de medida provisória sobre o tema. 

O marco civil da Internet foi objeto de intensos debates no Parlamento. Sua eventual rediscussão é tema para o mesmo Parlamento, não cabendo ao presidente da República, sem a necessária urgência para tal e sem qualquer fundamentação relevante, a não ser para os seus apoiadores, muda-la, dessa forma, por um instrumento normativo que se revela inadequado.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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