O sistema penitenciário brasileiro e o surgimento das facções criminosas: causa e consequência

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Resumo:


  • O sistema penitenciário brasileiro tem suas raízes históricas na aplicação de penas variando de vingança privada a pública, evoluindo ao longo do tempo até a atualidade, onde se observa a ineficiência estatal na ressocialização e punição, contribuindo para o surgimento de facções criminosas.

  • Facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) originaram-se dentro das prisões, como resposta às condições degradantes e violações dos direitos humanos, expandindo-se e estabelecendo-se como organizações criminosas influentes e bem estruturadas em todo o território nacional.

  • A falta de políticas públicas eficazes e o contínuo descumprimento dos direitos humanos no sistema carcerário brasileiro são apontados como causas diretas para o fortalecimento das facções criminosas, que hoje dominam as prisões e exercem grande influência no crime organizado no Brasil.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo: Pretende buscar historicamente a origem das penas no mundo, que vão da vingança privada a vingança pública que objetivava representar os interesses da comunidade e as suas primeiras aplicações no Brasil. Com isso é pesquisado informações das primeiras cadeias do país e sua evolução até os dias atuais, tentando demonstrar que o crime organizado, denominado de facções criminosas, surgiu na ineficácia do Estado em aplicar a pena com caráter punitivo e ao mesmo tempo ressocializador. A evolução do sistema penitenciário brasileiro, do Código Penal e suas principais características. O surgimento das primeiras facções - Primeiro Comando da Capital e Comando Vermelho - e seus dados estatísticos por estado. O trabalho traz também a origem das facções de maior destaque no país e a violação de direitos humanos ocorridas na prisão. E assim conclui que o surgimento das facções criminosas ocorreu diretamente em decorrência do descaso estatal. Sendo a análise realizada através do método de pesquisa qualitativo e bibliográfico.

Palavras-chave: Facções Criminosas. Ineficiência do Estado. Violação dos Direitos Humanos. PCC. Comando Vermelho.


1. INTRODUÇÃO

O tema referente ao Sistema Penitenciário Brasileiro, sempre está em alta, seja por meio das notícias de rebeliões, seja em decorrência de denúncias de violações de Direitos Humanos. No entanto, o que se pode perceber é a falta de interesse para a resolução dos problemas que assolam esse setor, pois, na maioria das vezes os debates não saem do campo teórico.

A frase “bandido bom é bandido morto” tomou proporções alarmantes do ano de 2017 para cá. E o que é sentido pela população é que a prisão não está cumprindo seu papel de punir e ressocializar - como previsto na Lei de Execução Penal-, muito pelo contrário, está funcionando como escola do crime, tornando bandidos “comuns” em faccionados.

Ademais, com o histórico das prisões brasileiras, não é difícil imaginar que os detentos teriam que agir por conta própria, para se proteger ou para reivindicar melhores condições de cumprimento de pena.

O Estado se mostrou e se mostra inerte há muito tempo em relação a segurança pública e políticas públicas em geral, dando margem para que as populações mais carentes e em vulnerabilidade criassem um apoio paralelo - as facções criminosas, que foram criadas inicialmente nas cadeias brasileiras com intenção de contrariar o sistema, que apesar de saber das violações, mais uma vez ficou estático.

Com o surgimento das facções nos presídios a ideia se propagou também para além das grades, gerando posteriormente um lucrativo mercado de drogas, armas e mensalidades pagas pelos faccionados em troca de proteção pessoal e familiar. Sendo a ineficácia do Estado ponto crucial para a formação dessas organizações.

O crime organizado tomou proporções nacionais em pouco tempo. É incrível perceber o quanto esses grupos criminosos se articulam melhor que o próprio Estado. Conseguindo criar uma organização hierárquica entre eles, com caixa próprio e advogados contratados, tudo isso com proveitos de crimes.

É notório o poder que essas facções possuem no rumo das decisões a serem tomadas pelo poder público no que tange o sistema penitenciário brasileiro, pois quando é tentado endurecer as condições nos presídios, ocorrem retaliações pelos aprisionados como as rebeliões e nas ruas com saques de lojas, queimada de ônibus e pessoas feitas de refém. No fim o Estado sede e até negocia com essas organizações.

Sendo assim, tentar negar a existência do crime organizado é querer se isentar de uma culpa para não resolver o problema. É preciso analisar o que o Estado está fazendo para controlar essa situação e se a Lei n° 13.850/13 - Lei de Organização Criminosa está sendo eficiente para tanto.

Para isso foi realizada uma pesquisa através do método qualitativo e bibliográfico, reunindo informações e dados para a investigação em torno do tema, através da doutrina, dados institucionais e a legislação vigente.


2. O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

2.1 EVOLUÇÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

O sistema penitenciário brasileiro nem sempre foi como podemos ver hoje. A aplicação das penas surgiu há muito tempo e já podia ser observada, mas de uma maneira bem diferente.

Assim sendo, é possível distinguir diversas fases de evolução da vingança penal, tais como:

  1. da vingança privada que cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social, que agiam sem proporção à ofensa, atingindo não só o ofensor, como todo o seu grupo e por ser uma reação natural e instintiva foi apenas uma realidade sociológica, não uma instituição jurídica (SILVA, 2003)

  2. da vingança divina em que a administração da sanção penal ficava a cargo dos sacerdotes que, como mandatários dos deuses, encarregavam-se da justiça. Aplicavam-se penas cruéis, severas e desumanas (CANTO, 2000, p. 12)

  3. e da vingança pública que com uma maior organização social, especialmente com o desenvolvimento do poder político, surge, no seio das comunidades, a figura do chefe ou da assembleia. A pena, portanto, perde sua índole sacra para transformar-se em uma sanção imposta em nome de uma autoridade pública, representativa dos interesses da comunidade. (COSTA, 1999).

No entanto, “essas fases não se sucedem umas às outras. Uma fase convive com a outra por largo período” [...]. Sendo “assim, a divisão cronológica é meramente secundária, já que a separação é feita por ideias”. (SILVA, 2003)

As instituições penais foram surgindo pela demanda do próprio homem, com a necessidade de um ordenamento impositivo que fosse capaz de assegurar a paz e a tranquilidade entre os seres humanos. Sendo, portanto, decorrente do contrato social existente. (CANTO, 2000)

Já no Brasil, data-se do ano de 1551 a existência de uma cadeia na Bahia com “casa de audiência e câmara em cima”. (SILVA apud Russell-wood, 81, p. 39). Na cidade do Rio de Janeiro, quase três séculos depois, foi cedido pela igreja um Aljube[1], após a chegada da Família Real. No ano de 1829, as condições dos presos eram precárias, sendo 390 detentos e 0,6 a 1,2m2 para cada. Uma comissão de inspeção nomeada pela Câmara Municipal afirmaria: “O aspecto dos presos nos faz tremer de horror”. O aljube, por sua vez, viria a ser desativado no ano de 1856. (CARVALHO FILHO, 2002)

Foi a partir do Império, então, possível identificar a preocupação das leis em oferecer um local adequado para o cumprimento das penas, como se pode observar na Constituição Imperial de 1824:

Art. 179, XXI: as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para a separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes. (BRASIL, 1824)

Como as cadeias não eram adequadas o código determinava que “a prisão com trabalho seria convertida em prisão simples com acréscimo de mais um sexto na duração da pena”, até ser construído novos estabelecimentos. (SILVA, 2003)

Em 1850 e 1852 foram inauguradas duas cadeias, “no Rio de Janeiro e em São Paulo, respectivamente, para suprir as” lacunas. Tornaram-se então, em símbolos da modernidade punitiva no país. Pois já “contavam com oficinas de trabalho, pátios e celas individuais. Buscavam a regeneração do condenado por intermédio de regulamentos inspirados no sistema de Auburn”.[2] (CARVALHO FILHO, 2002)

Já no século XXI, em 1920 foi “inaugurada a penitenciária de São Paulo, no bairro do Carandiru”. Foi um projeto idealizado por Ramos de Azevedo, sendo considerada “um marco na evolução das prisões e visitada por juristas e estudiosos do Brasil e do mundo, como “instituto de regeneração modelar”. Foi construída inicialmente para acomodar 1.200 presos e oferecia a maior modernidade em quesito prisão, contendo “oficinas, enfermarias, escola, corpo técnico, acomodações adequadas, segurança. Tudo parecia perfeito”. (CARVALHO FILHO, 2002)

Em contrapartida ao Código Penal criado em 1940, o cárcere se tornou a espinha dorsal. Pois ao mesmo tempo que não haviam tantas vagas para prisões, o referido código “inchou” o número de crimes punidos nessa modalidade, com “cerca de 300 infrações definidas no Código Penal punidas em tese com pena privativa de liberdade (reclusão e detenção)” e a lei de Contravenções Penais, de 1941, ainda “definiu 69 infrações de gravidade menor e previu 50 vezes a pena de prisão simples, a ser cumprida sem rigor penitenciário”. (SILVA, 2003 apud Dotti, 1998).

A Casa de Detenção de São Paulo, também no Carandiru, se tornou outro símbolo da história das prisões brasileiras e chegou a hospedar mais de 8 mil homens, apesar de só ter 3.250 vagas. Foi inaugurada em 1956 para presos provisórios, mas “sua finalidade se corrompeu ao longo dos anos, pois a Casa de Detenção passou a abrigar também condenados”. Pela falta de vagas é fácil imaginar o quão precária era a situação. “O Governo Estadual, ao desativá-la em 2002, batizou a iniciativa de “fim de inferno” e prometeu remover mais de 7 mil presos para 11 novos presídios, menores e longínquos”. (CARVALHO FILHO, 2002)

“A Casa de Detenção, cidade murada e dantesca, ficou mundialmente conhecida pela miséria de seu interior e pela extensa coleção de motins, fugas e episódios de desmandos e violência, sobretudo o massacre dos 111 presos em 1992, pela” Polícia Militar, o chamado massacre do Carandiru. (CARVALHO FILHO, 2002, p. 44)

Com a falta de vagas e a precariedade do cárcere brasileiro, o legislativo achou por bem reformar o código penal em 1977, fazendo com que a punição com prisão fosse apenas para os casos mais graves, a lei ampliou os casos de sursis, instituiu a prisão albergue e estabeleceu os atuais regimes de cumprimento da pena de prisão e criou as penas alternativas, pois a superlotação já preocupava. (CARVALHO FILHO, 2002)

Apesar das reformas, “nas duas últimas décadas, os índices crescentes de criminalidade, os episódios marcantes de violência e o sentimento de impunidade tem incentivado retrocessos legislativos capazes de levar para prisões pessoas que, objetivamente, nelas não precisam estar”. (CARVALHO FILHO, 2002)

Sendo assim, é notável que o Estado não faz a menor ideia ou não faz o mínimo esforço para amenizar o caos do sistema penitenciário, pois ao tempo que aumenta o rol de crimes, incha as cadeias e não cria novas vagas.

O problema se dá também pela falta de um sistema penitenciário em si, o que não é observado no país. O termo “sistema prisional”, “sistema penitenciário” ou apenas “o sistema” é muito utilizado, mas ocorre um erro. Pois, o “sistema pressupõe uma organização funcional e harmônica. E, nele, órgãos e unidades devem operar de maneira integrada. O que não acontece no Brasil, em que cada estado possui” uma estrutura prisional diferente com seu espaço jurisdicional próprio, e muitas vezes sem comunicação entre eles, até mesmo dentro de um mesmo estado, com uma realidade de caos organizacional. Não há organização até mesmo para informar a transferência de um preso. (RODRIGUES, 2017)

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2.2 CARACTERÍSTICAS DAS PENITENCIÁRIAS BRASILEIRAS

Pelo lamentável histórico das cadeias brasileiras desde seu início, é triste informar que pouca coisa mudou. O cárcere ocupou um lugar de punição primitiva, em que o mínimo dos direitos humanos não é preservado. Atualmente, “o sistema Penitenciário Brasileiro adota a progressividade da execução da pena, consagrada pelo Código PenaI de 1940, e suas importantes transformações, sendo essa forma observada de acordo com critérios objetivos e subjetivos, fazendo com que o condenado” progrida de regime ao passar do tempo, partindo de um regime mais rigoroso para um mais brando. (SILVA, 2003).

No entanto, a passagem desse preso pelo regime fechado até o aberto não é tão simples como se imagina. Pois apesar do Código Penal e a Lei de Execução Penal descrever os procedimentos adequados, a falta de sistematização nos presídios fazem com que muitos percam o benefício da progressão de regime e até ultrapassem o período de cumprimento de pena. Pois como afirma (RODRIGUES, 2017) nem sequer temos um banco de dados que funcione nas penitenciárias.

Essa falta de organização estrutural, prejudica também na colheita de dados da própria população carcerária. Falta-se dados concretos de quem está preso, “não sabemos quem são os nossos presos. Não se sabe quantos estão no cárcere, muito menos quem são essas pessoas: naturalidade, estado civil, gênero, orientação sexual, profissão, renda, escolaridade, cor”. (RODRIGUES, 2017, pág. 2)

Além disso, ainda é preciso lidar com a violência que assola o ambiente prisional de forma enraizada. Para o autor Adeildo Nunes (2005), não existe uma maneira de afastar a violência das prisões, visto que é uma consequência daquela.

Sendo assim, “a crise do sistema penitenciário brasileiro não é uma contingência da atualidade e sim uma continuidade fruto de um longo processo histórico permeado pelo escravismo do período colonial, mas que se agrava com a falência gerencial”. (SILVA, 2003)

Apesar da criação da lei de execuções penais, Lei n. 7210/84, que na teoria é um paraíso de direitos deveres dos detentos, a realidade na prática não é bem essa.

Na realidade crua do Sistema Penitenciário, a maioria das vezes os prisioneiros ou prisioneiras estão à inteira disposição dos guardas de presídios, um tribunal interno sem regras fixas, sem defesa que, “condena” os internos ao isolamento ou a castigos diversos. As penas são aplicadas sem nenhum controle do Judiciário, por um conjunto de funcionários geralmente mal remunerados, com baixa formação, em condições precárias de trabalho e submetidos ao medo de ameaças do crime organizado. (SILVA, 2003)

É possível ainda verificar vestígios da lei de talião no sistema penitenciário brasileiro, sendo feita essa observação, no momento que os policiais penais levam o preso para a cela e avisam qual o crime cometido, sendo muito comum a vingança entre os próprios detentos no crime de estupro, por exemplo. (SILVA, 2003)

As diversas rebeliões ocorridas ao longo dos anos nas cadeias do país, denunciam um sistema falido, com poucas condições de oferecer o mínimo de dignidade humana, com exceção das prisões federais, que são um exemplo de segurança e foram criadas como válvula de escape para os sistemas estaduais no que diz respeito aos líderes de facções e aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado.

No mais, as condições dos presídios brasileiros são degradantes, e é notório que o sistema penitenciário brasileiro não consegue efetivar o seu caráter ressocializador. Como afirma Silva (2003) (Apud AMORIM, 1993, p. 15): "A pena de prisão é um remédio opressivo e violento, de consequências devastadoras sobre a personalidade humana”.


3. FACÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL

3.1 O SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS FACÇÕES NO BRASIL

O crime organizado nada mais é que toda organização destinada a praticar ilícitos para obter poder e lucro, sendo entendido como condutas praticadas por indivíduos que associados de forma organizada praticam crimes, interligando-se os conceitos de criminalidade organizada, organização criminosa e crime organizado. (PRADO, 2016)

Para Mingardy, organização criminosa é tida como um grupo de pessoas que se reúnem de forma hierárquica, com planejamento empresarial e divisão do trabalho e lucros com objetivo de praticar atividades ilícitas e clandestinas. Sendo suas atividades baseadas na violência e intimidação, “tendo como fonte de lucros a venda de mercadorias ou serviços ilícitos, no que é protegido por setores do Estado.” (MINGARDY, Guaracy. O estado e o crime organizado, p.82)

A lei 12.850/13 no art. 1º, § 1º, por sua vez, definiu o que vem a ser uma organização criminosa.

§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (BRASIL, 2013)

Ou seja, para a caracterização de uma organização criminosa é preciso que exista um vínculo de no mínimo quatro pessoas, que seja estruturada e divididas as tarefas e que as infrações penais tenham penas máximas superiores a quatro anos ou tenham caráter transnacional. Percebe-se, portanto, que não é muito fácil o enquadramento a esse tipo penal.

Com a definição de organizações criminosas é possível analisar de onde surgiram as denominadas facções criminosas brasileiras e seus motivos, para então identificar a origem do problema e saber o porquê e como se espalharam tão rapidamente pelo país.

Amorim (1993), detalha em sua obra que o crime organizado surgiu nos presídios brasileiros e se espalhou pelas ruas, principalmente nas comunidades periféricas e tenta chegar a uma explicação que é a integração das quadrilhas na vida das comunidades pobres. A partir disso é estabelecido um “caminho natural” para muitos dos jovens favelados. E chega a uma conclusão que ali eles encontram 3 fundamentos que guiam o resto de suas vidas: “dinheiro para ajudar a sustentar a família; uma organização fraternal entre seus membros (a solidariedade extremada e um ódio mortal aos inimigos fazem parte ativa deste relacionamento); e um modo de ascensão social perante a comunidade local”.

Dessa forma é visto parcela de culpa do Estado ao não oferecer o mínimo estabelecido no capítulo dos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 6º: trabalho, segurança e educação.

Assim, o criminoso encontra proteção no seu grupo e encontra nele uma lei própria, tendo em vista que a lei estatal não chega nos morros de forma eficiente. O bandido é visto com respeito e medo pela comunidade, andando orgulhosamente, impondo a lei do mais forte. As comunidades já atormentadas pela miséria e dureza da vida veem os chefes das quadrilhas como a elite. Os criminosos, por sua vez, são aqueles que desafiam o sistema e enfrentam a lei, sobrevivendo ainda com muito dinheiro no bolso. (AMORIM, 1993):

A lei que impera é criada pelo próprio crime organizado, fazendo então uma junção de funções para os faccionados: criar as leis, julgar e executar.

Quem dita o regulamento para o convívio social é o crime organizado. A exemplo disso temos que em novembro de 1992, traficantes do Morro do Borel enfileiram onze meninos que estavam assaltando ônibus e atiraram na mão de cada um com revólver. O motivo: “entre as pessoas assaltadas estava – por azar deles - a mulher do chefão do tráfico na favela, o Bill do Borel, homem de confiança do Comando Vermelho”. (AMORIM, 1993)

É perceptível que o Estado falhou e falha na garantia mínima dos direitos sociais, dando margem para o surgimento de sistemas paralelos e ilegais, que criam suas regras de condutas e normas. Fazendo com que a própria população dessas comunidades se sinta, muitas vezes, mais segura e amparada do que com o próprio Poder Público.

Se do lado de fora a obrigação estatal Constitucional é descumprida, no cárcere a situação é bem pior. Situação essa que é explicada por um longo histórico. Os presídios brasileiros não davam trégua aos apenados, mantendo suas condições degradantes e sem chance de ressocialização. Ou seja, entravam bandidos comuns e saiam faccionados, fortalecendo cada vez mais as facções fora dos presídios e contribuindo para o tráfico de drogas. A prisão da ilha Grande nos anos 60 tornou-se “prisão de segurança máxima”, sendo um “depósito” para os mais perigosos. Mas o erro não parava por aí, ainda juntavam os bandidos ditos como irrecuperáveis com os velhos presidiários que cometiam crimes menos graves e trabalhavam nas lavouras em torno do presídio. Foi então que o referido presídio ganhou o status de pós-doutorado no crime, quem entrava ladrão saia assaltante e quem tentava a vida sozinho saia chefe de quadrilha. (AMORIM, 1993),

Apesar de prevista na lei de execução penal de 1984 uma harmônica integração social do condenado e do internado, “a ressocialização do preso continua sendo um tabu na nossa sociedade”. O preconceito de que um ex-detento não poderia viver em harmonia com a sociedade ainda é pensado por muitas pessoas. (CAMPOS e SANTOS, 2014, p.02)

Um outro fator que contribuiu para o aumento no número de aprisionados e consequentemente os faccionados foi a Lei 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, que gerou um aumento exorbitante no que se refere a população carcerária. Por ela, é possível que a polícia enquadre usuários como traficantes, se tornando assim o principal motivo das prisões brasileiras, com 27% dos casos. (LACERDA, 2019)

Nesse liame, é possível enxergar quanto o tráfico de drogas sobrecarrega o sistema carcerário brasileiro, atingindo pessoas de classe baixa. E assim, as facções criminosas acabam sendo convidativas, pois muitas vezes os “chefões” oferecem serviços que a família do detento não tem condições de pagar. “São benesses oferecidas pelos grupos criminosos que seduzem os presos recém chegados: há ajuda para bancar advogados, doação de cestas básicas e pagamento de viagens a familiares que moram longe”, por exemplo. (LACERDA, 2019 apud PAULO CÉSAR, 2019)

Além de tudo, existe também o poder que os indivíduos ostentam na cadeia, fazendo com que as facções sejam ainda mais atrativas. Pois, na maioria dos presídios, são as facções quem ditam as regras de convivência dos detentos “e não o poder público, como era de se esperar”. (LACERDA, 2019)

Solucionar o problema do Sistema penitenciário brasileiro e dar um basta nas facções criminosas não é uma tarefa fácil, pois por trás disso existem vários outros problemas, tais como psicológico, socioeconômico, e antropológico, no que se refere ao envolvimento desses indivíduos com o mundo do crime, e, consequentemente com as facções criminosas.

Na escola positiva, o método que se destacou foi o experimental, nele o crime e o criminoso seriam estudados individualmente, com o auxílio de outras ciências. “Ganhou relevo o determinismo, negando-se o livre arbítrio, haja vista que a responsabilidade penal fundamenta-se na responsabilidade social, no papel que cada ser humano desempenhava na coletividade”. (MASSON, 2011, p. 72)

Ainda de acordo com Masson (2011), a sociedade tem parcela de culpa, pois o indivíduo não decide ir para o mundo do crime por si só, decorre do coletivo.

Sendo assim, o sistema penitenciário brasileiro, é um ambiente propício à multiplicação e o crescimento das facções criminosas, já que as organizações encontram condições favoráveis para que possam expandir o seu poder.

Como observado pelo histórico do Estado brasileiro, o crime organizado não surgiu do nada, por mera vontade dos aprisionados, mas sim por uma relevante e essencial participação estatal. “O 19 PCC emergia, assim, dos escombros do descaso, das arbitrariedades e da violência institucional que sempre estiveram presentes nas prisões brasileiras, erigindo-se como ameaça a manutenção da ordem no sistema carcerário.” (LACERDA, 2019 apud CALDEIRA, 2019)

O punitivismo exacerbado para pessoas que cometeram crimes menos graves e descaso nos presídios brasileiros contribui diretamente para o surgimento e fortalecimento das facções criminosas, pois, já que não é possível encontrar proteção de quem deveria ter, ocorre a busca pela sobrevivência por outros meios. Além do mais, se identificam com um grupo considerado excluído e esquecido pela sociedade. Eles ganham poder e status que não teriam se fossem tratados individualmente. E de quebra ainda conseguem amparo jurídico e apoio para suas famílias.

Sobre os autores
Larissa Maria Duarte Gurgel

Advogada | Previdenciário | Cível | Consumidor | Família. Pós graduanda em direito previdenciário pela EBRADI.

Yasmim Alves Basílio

Graduanda em Direito pela Universidade Potiguar

Fillipe Azevedo Rodrigues

Professor Orientador. Professor, Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Mestrado em Direito Constitucional, ambos pela UFRN.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado à Universidade Potiguar como parte dos requisitos para obtenção do Título de Bacharel em Direito, em 2021.

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