9. A LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Cabe ao Ministério Público Federal o ajuizamento de ações civis públicas na matéria. Repito a Lei 8.453/77:
1º - No rateio, os débitos referentes a danos pessoais serão executados separada e preferentemente aos relativos a danos materiais. Após seu pagamento, ratear-se-á o saldo existente entre os credores por danos materiais.
§ 2º - Aplica-se o disposto neste artigo quando a União, organização internacional ou qualquer entidade fornecer recursos financeiros para ajudar a reparação dos danos nucleares e a soma desses recursos com a importância fixada no artigo anterior for insuficiente ao pagamento total da indenização devida.
Art. 11. - As ações em que se pleiteiem indenizações por danos causados por determinado acidente nuclear deverão ser processadas e julgadas pelo mesmo Juízo Federal, fixando-se a prevenção jurisdicional segundo as disposições do Código de Processo Civil. Também competirá ao Juízo prevento a instauração, ex-officio, do procedimento do rateio previsto no artigo anterior.
10. A PARTICIPAÇÃO POPULAR
Passo ao tema da participação popular na construção e monitoramento dessas usinas.
Colho o trabalho de Gláucia Silva (Expertise e participação da população em contexto de risco nuclear: democracia e licenciamento ambiental de Angra 3), em que destaco os seguintes trechos:
“Na França, as centrais elétricas nucleares pertencem à empresa estatal Eletricidade de França (EDF), que, a despeito de manifestações contrárias promovidas por sindicatos e partidos de esquerda, se abriu ao capital privado a partir de 2004. Com função análoga à da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) no Brasil, a Autoridade de Segurança Nuclear (ASN), que também é uma instituição da administração pública francesa, tem por atividade a fiscalização das condições de trabalho dos funcionários das centrais e do funcionamento dos reatores. Lá, esse tipo de "endogamia" vem sendo muito criticado, até mesmo por cientistas adeptos do programa nuclear francês.
Então, se há alguma semelhança entre os programas nucleares brasileiro e francês, é que, em ambos os casos, o Estado acumula os papéis de empresário e fiscalizador. Tal superposição de tarefas sempre foi criticada pelos Estados Unidos, que condenam essa prática desde os anos 1950, quando sua indústria nucleoelétrica passou para a iniciativa privada, logo após o funcionamento dos primeiros reatores. Lá, então, sendo a produção e a fiscalização feitas por companhias particulares e independentes, espera-se que haja, a princípio, uma maior objetividade nos procedimentos fiscalizadores.
A política nuclear na França, na Alemanha e na Suécia é vista, por Nelkin e Pollak, como um setor em que a teoria do capitalismo monopolista de Estado é aplicada. Em 1974, quando o aumento do preço do petróleo foi uma pressão para se criar fontes alternativas de produção de energia, esses três países se tornaram rapidamente promotores de energia nuclear nacional e internacionalmente. Também em 1974, Bélgica, Holanda e Itália fizeram um consórcio (apenas Áustria, Dinamarca e Noruega renunciaram à tecnologia nuclear). Nesses casos, a falta de comprometimento com uma indústria nuclear nacional e laços econômicos relativamente limitados entre governo e usinas nucleares permitiram aos governos manter maior independência na regulação e maior possibilidade de responder aos apelos da população.”
Na Alemanha, a decisão do governo de suspender o programa nuclear atendeu a um movimento cívico que exige investimento em formas de energia renováveis e seguras.
A sorte de milhares de cidadãos não pode ficar ao alvitre de tecnocratas, isolados da realidade social, distantes da população que poderia ser atingida por um dano ambiental de grandes proporções.
Não há dinheiro que possa indenizar câncer hepático ou leucemia nas crianças vítimas dos vazamentos.
11. COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR SOBRE A MATÉRIA
O Supremo Tribunal Federal examinou a matéria sob a égide da Carta de 67 e citou precedentes julgados, como a Representação 1130, que tratou da competência exclusiva da União para legislar sobre energia nuclear.
A competência para autorizar e localizar instalações nucleares no país é exclusivamente da União. Se não se reserva, assim, aos estados - membros competência para legislar, sequer supletivamente, sobre energia nuclear, certo está que não poderão fazê-lo por meio de Emenda Constitucional", citou a ministra, registrando, ainda, na mesma linha, a Representação 1233.
A Constituição de 1988 rege a matéria nos artigos 21 inciso XXIII, alíneas "a", "b" e "c"; artigo 22, inciso XXVI e parágrafo único; artigo 177, inciso V e parágrafo 3º e artigo 225, parágrafo 6º.
Sobre tal disse a ministra Ellen Gracie, no julgamento da ADI 329:
"Como se vê, o constituinte de 88, em continuidade à sistemática de 67, estabeleceu competência exclusiva da União para legislar sobre as atividades associadas à energia nuclear. E essa competência, como bem ressaltou o parecer da procuradoria-geral, vem sendo exercida pela União, que já disciplinou a matéria em vários diplomas legais", confirmou a relatora.
E disse, ao final, naquele julgamento a ministra Ellen Gracie:
"Dessa forma, mantida no atual texto constitucional a competência privativa da União para legislar sobre atividades nucleares de qualquer natureza, aplicáveis à presente ação os precedentes da Corte que foram produzidos sob a égide da constituição de 67,"
Recentemente o jornal Correio, no Estado da Bahia informou, em 13 de setembro do corrente ano:
“O procurador-geral da República, Augusto Aras, ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar derrubar o trecho da Constituição da Bahia que veda a instalação de usinas nucleares no estado. De acordo com fontes do setor elétrico, a ofensiva de Aras tem como pano de fundo os projetos do governo federal para ampliar o número de centrais de geração de energia nuclear, incluindo a eventual construção de uma unidade na cidade baiana de Paulo Afonso, situada no Vale do São Francisco. A ação questiona a legalidade de parte do artigo 226 da Constituição estadual, promulgada em 5 de outubro de 1989. Além de proibir a instalação de usinas nucleares, o dispositivo também veta a manutenção de depósitos de resíduos atômicos ou radioativos gerados fora da Bahia.”
Certamente o Ministério Público obterá sucesso na declaração de inconstitucionalidade formal daquele dispositivo da Constituição daquele Estado diante da peremptória manifestação da Constituição de 1988 nos artigos 21 inciso XXIII, alíneas "a", "b" e "c"; artigo 22, inciso XXVI e parágrafo único; artigo 177, inciso V e parágrafo 3º e artigo 225, parágrafo 6º.