Anotações ao crime de fraude a credores

21/09/2021 às 11:55
Leia nesta página:

TRATA-SE DE ARTIGO QUE CUIDA DO TIPO PENAL DE FRAUDE A CREDORES.

ANOTAÇÕES AO CRIME DE FRAUDE A CREDORES

Rogério Tadeu Romano

O Estadão, em 21 de setembro do corrente ano, noticiou que o MP paulista quer saber se a Odebrecht estava quebrada pouco antes de pedir recuperação judicial. A suspeita é de fraude a credores.

Observo ainda aquela coluna:

“O Ministério Público paulista quer que o TJ de São Paulo determine uma investigação contábil para saber se a Odebrecht (agora Novonor) estava quebrada ou não em 2016 e em 2018, pouco antes de pedir recuperação judicial. A suspeita é de que pode ter havido fraude aos credores. Nessa data, a Odebrecht, já muito alvejada pela Lava Jato, rolou dívidas com os grandes bancos. Eles deram mais dinheiro e trocaram garantias pouco líquidas por ações da Braskem, a maior petroquímica das Américas. Procurada, a empresa não quis se manifestar.”

A fraude a credor é a patologia do crédito.

Dispõe o artigo 168 da Lei de Falências:

“Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem.

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.”

Era a falência fraudulenta na antiga lei de falências.

No artigo 187 cogitava-se da pena de reclusão para os atos fraudulentos praticados pelo devedor, antes ou depois da falência:

a) Com o fito de criar ou assegurar injusta vantagem para si ou para outrem;

b) De que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores.

O ato fraudulento é lesivo, ofensivo, danoso ou de que possa resultar prejuízo ou dano, como bem revelou José da Silva Pacheco(Processo de falência e concordata, 5ª edição, pág. 925).

Ainda na lição de José da Silva Pacheco(obra citada) para que esse ato seja fraudulento, faz-se mister que o agente o tenha praticado, visando a uma injusta vantagem para si ou para outrem e que do mesmo resulte ou possa resultar prejuízo aos credores.

A verificação, por certo, tem que ser objetiva, sem se indagar da intenção do agente de prejudicar ou não. Desde que o ato praticado resulte prejuízo ou possa resultá-lo, o ato é fraudulento.

Há, por outro lado, várias afirmações respeitáveis no sentido de que não possa haver aplicação de coautoria ao tipo legal. Mas o não empresário somente poderá ser coautor, ter o domínio do fato, se praticar esse crime em concurso de agentes. Sozinho, por óbvio, não.

É de todo importante a realização de um laudo pericial, prova pericial, máxime a sua importância para o caso.

No crime falimentar o objeto jurídico está na proteção ao crédito público.

A Lei n. 14.112/20 acrescentou o art. 6º-A à Lei de Falências, vedando expressamente ao devedor, até a aprovação do plano de recuperação judicial, a distribuição de lucros ou dividendos a sócios e acionistas, sob pena de responder pelo art. 168. 

No crime versado há a fraude condenável. 

Ensinou Manoel Pedro Pimentel (Legislação penal especial, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972, p. 116-117) que “a fraude é a simulação posta a serviço do engano. De um recurso natural, que originariamente era, provendo as necessidades de seres vivos, converteu-se em arma perigosa da malícia quando empregada pelo homem para enganar o semelhante. O dano resultante dá a medida da fraude e clama, em certos casos, pela defesa dos bens ou interesses tutelados através de enérgicas medidas penais”.

Como disse Ricardo Antônio Andreucci(O crime falimentar de fraude a credores – empório do direito) a “vantagem indevida” a que se refere o dispositivo, é somente de natureza econômica ou traduzível em valor econômico, contrária ao direito.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo. Esse dolo é específico, pois da leitura do artigo citado tem-se que ““com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem”. Nesse caso, a figura típica exige um particular elemento subjetivo para a sua integração, consistente em determinada finalidade. O fato típico, portanto, somente estará completo se estiver presente o particular elemento subjetivo, como bem disse Ricardo Antônio Andreucci. .

Trata-se de crime formal que ocorre com a consumação do ato fraudulento, independente do dano que venha a trazer a terceiros. A consumação ocorre também com a distribuição de lucros ou dividendos a sócios ou acionistas antes da aprovação do plano de recuperação judicial. A tentativa é admissível, se fracionável o “iter criminis”.

A sentença que decreta a falência, de índole declaratória, é condição objetiva de punibilidade. De sorte que não há falar em tal crime se não há ato judicial que a sentença que decreta a falência, conceda a recuperação judicial ou extrajudicial.

O § 1º prevê causa de aumento de pena 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o agente elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos; omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros; destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em computador ou sistema informatizado; simula a composição do capital social; ou ainda destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

O § 2º prevê aumento de pena de 1/3 (um terço) até metade se o devedor manteve ou movimentou recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação, inclusive na hipótese de violação do disposto no art. 6º-A.

Esse parágrafo segundo sofreu alteração em sua redação pela Lei n. 14.112/20, passando a prever a causa de aumento de pena de 1/3 (um terço) até a metade também para a hipótese de infração ao disposto no art. 6º-A da Lei de Falências, que veda ao devedor, até a aprovação do plano de recuperação judicial, a distribuição de lucros ou dividendos a sócios acionistas.

Por seu turno, o §3º tratou do concurso de pessoas, estabelecendo que, nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis, auditores e outros profissionais que, de qualquer modo, concorrerem para as condutas criminosas descritas no artigo, na medida de sua culpabilidade. Aplica-se, aqui, o artigo 29 do Código Penal, na forma de coautoria e ainda de participação.

Por fim, o §4º estabeleceu causa de redução ou substituição da pena. Tratando-se de falência de microempresa ou de empresa de pequeno porte, e não se constatando prática habitual de condutas fraudulentas por parte do falido, poderá o juiz reduzir a pena de reclusão de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) ou substituí-la pelas penas restritivas de direitos, pelas de perda de bens e valores ou pelas de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, como bem disse Ricardo Antonio Andreucci, na obra citada.

Estamos diante de causas de aumento de pena e não de um tipo penal autônomo. Isso se via desde a redação original da Lei n. 11.101/05. Não se trata de tipo penal autônomo.

Repito que, para o caso, inexiste um crime autônomo de contabilidade paralela, ou seja, não constitui para o caso, crime a manutenção, por si só, de contabilidade paralela pelo devedor, ou seja, a manutenção ou movimentação de recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação, que, na linguagem popular, convencionou-se chamar de “caixa dois”. É causa de aumento de pena de um tipo penal de fraude a credores.

Não se aplicaria, pois, em concurso material(artigo 69 do Código Penal) o tipo penal previsto no artigo 11 da Lei nº 7.492/86, lei de “crimes de colarinho branco”, que é um delito pluriofensivo, já que outros bens poderão ser ofendidos, secundariamente, como a fé pública, o patrimônio e a ordem tributária, como diziam Paulo José da Costa Jr., M. Elisabeth Queijo e Charles M. Machado(Crimes do colarinho branco, 2000, pág. 103).

Mas, caso a manutenção de contabilidade paralela tenha por finalidade a supressão ou redução de tributo ou contribuição social e qualquer acessório, poderá, em tese, estar tipificado crime contra a ordem tributária, previsto pela Lei n. 8.137/90, tratando-se, ainda, de crime contra a ordem tributária, em concurso material(artigo 69 do CP).

Observo que manter revela habitualidade, permanência. Trata-se de uma forma delituosa habitual.

Discuto sobre a questão processual da competência para instruir e julgar tal delito.

A Constituição Federal nos traz de forma clara:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

Assim as questões que envolvam falência não são objeto da competência(limite de jurisdição) não são objeto de julgamento por juízes federais.

Anteriormente, quando da vigência do Decreto – Lei 7.661/45, havia o artigo 109, § 2º, o qual descrevia o posicionamento específico do Juízo Criminal para julgamento de eventual Processo Crime; aqui transcrito:

“Art. 109. Com a denúncia, ou, se esta não tiver sido oferecida, decorrido o prazo do parágrafo único do artigo anterior, haja ou não queixa, o escrivão fará, imediatamente, conclusão dos autos. O juiz, no prazo de cinco dias, se não tiver havido oferecimento de denúncia ou de queixa ou se não receber a que tiver sido oferecida, determinará que os autos sejam apensados ao processo da falência.

§ 2° Se receber a denúncia ou a queixa, o juiz, em despacho fundamentado, determinará a remessa imediata dos autos ao juízo criminal competente para prosseguimento da ação nos termos da lei processual penal.”.

No atual diploma falimentar, têm-se o artigo 183, que diz:

“Art. 183. Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, conhecer da ação penal pelos crimes previstos nesta Lei.”

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Logo JusPlus
JusPlus

R$ 24 ,50 /mês

Pagamento único de R$ 294 por ano
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos