NA ESPANHA
Uma cena tem chamado atenção do mundo todo: milhares de pessoas, inclusive menores de idade, estão nadando do Marrocos até a Espanha nesta semana. Isso já gerou mortes e cenas dramáticas, como um bebê resgatado no mar e um adolescente pego após usar garrafas plásticas para fazer a travessia.
A origem ocorreu devido ao conflito diplomático entre Espanha e Marrocos. O governo do país africano fez críticas aos espanhóis por oferecerem atendimento hospitalar a Brahim Ghali, líder da Frente Polisário, movimento apoiado pela Argélia que busca independência da Saara Ocidental, território autônomo que é disputado por Marrocos, considerado economicamente muito atraente devido a seus recursos minerais.
Diante desse problema, o governo do Marrocos afrouxou os controles na fronteira de Melila, cidade do norte da África. Ceuta e Melilla são duas cidades autônomas espanholas situadas em continente africano. Normalmente já existe um movimento imigratório ilegal a partir desta região, porque muitas pessoas querem sair de lá e chegar até Ceuta, para buscar uma vida melhor na Europa. Ceuta é uma cidade autônoma administrada pela Espanha que fica no continente africano, na entrada do Estreito de Gibraltar. Há barreiras na fronteira com Marrocos, construídas pela nação europeia, para evitar a entrada de imigrantes vindos da África. Com o controle de fronteiras mais livre no Marrocos, o movimento migratório disparou. Milhares de pessoas tentaram aproveitar a oportunidade e nadaram pelo Mar Mediterrâneo até Ceuta.
Uma estimativa de 2018 afirma que a população da Espanha seria de aproximadamente 46.700.000 pessoas, sendo que 41 milhões (ou perto de 88%) se consideram "espanhóis", com os outros 12% sendo de imigrantes (ou 5,7 milhões de pessoas). Dentre a população imigrante, cerca de 57% vem das antigas colônias espanholas na América Latina (incluindo Cuba, Argentina, Equador, Porto Rico, Chile e Uruguai), além das Plazas de soberanía e as Filipinas. Recentemente, houve um acentuamento no número de imigrantes da África (especialmente do Magrebe e da região subsaariana, mais notavelmente marroquinos, argelinos, senegaleses, nigerianos e camaroneses) e do Oriente Médio (especialmente libaneses e sírios). O resto vem da Europa, mais notavelmente do leste (como romenos, búlgaros, russos, sérvios, ucranianos e albaneses). Da Ásia, a vinda de imigrantes de países como Paquistão, Índia e China também tem sido comum. Dos países da União Europeia, em 2007, há muitos romenos, búlgaros, britânicos, portugueses e poloneses.
De acordo com o Relatório Internacional de Migração do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Secretaria das Nações Unidas (Desa, 2017), a maioria dos brasileiros que residem fora do país estão nos Estados Unidos (367 mil ou 22%). Depois, o Japão aparece na segunda posição (206 mil ou 12%), Portugal (136 mil ou 8,4%), Itália (106 mil ou 6,5%) e Espanha (100 mil ou 6,2%).
A ampla oferta de trabalho, a facilidade da língua e o clima fizeram da Espanha um dos destinos favoritos não apenas de latino-americanos, mas também de brasileiros na Europa. A partir do ano 2000, com a expansão econômica e vasta oferta de empregos em setores que não interessavam os espanhóis, como a construção, o serviço doméstico e a hotelaria esse volume de imigrantes se intensifica.
A Lei Orgânica de Estrangeiros de 1985 (LOE), aprovada às vésperas da entrada da Espanha na União Europeia, estava orientada quase exclusivamente para o controle da imigração policial, certamente para garantir aos países europeus que a Espanha não seria um "esgoto", ignoraram o problemas sociais (reagrupamento familiar, educação, saúde ...) dos imigrantes e, sobretudo, instituiu um sistema de autorizações de trabalho e residência que quase impediu a chegada legal de novos imigrantes e até obrigou à passagem da situação irregular (devido ao a brevidade das autorizações, a burocracia das suas renovações, etc.) a uma boa parte dos imigrantes que a certa altura tinham todos os documentos em ordem. Os efeitos da LOE tiveram que ser remediados em diversas ocasiões (regularização extraordinária de 1991, quotas anuais desde 1993, reagrupamento familiar em 1994) e, finalmente, a LOE foi corrigida em pontos decisivos pelo Regulamento de 1996, embora um regulamento nunca pudesse alterar uma lei. Finalmente, por caminhos insuspeitados e um processo perigoso, uma Lei Orgânica foi aprovada em janeiro de 2000 que a substitui por completo.
A "Lei Orgânica 4/2000, sobre os direitos e liberdades dos estrangeiros e sua integração social" representa avanços importantes no reconhecimento de direitos, aumento da segurança jurídica, avanços nas prestações sociais e algumas alterações na regulamentação da residência e autorizações de trabalho e, como consequência de tudo isso, abre as possibilidades de integração social dos imigrantes, como proposto em seu título. Sua principal fraqueza reside no anúncio contínuo do governo de tentar sua reforma.
A lei revoga expressamente a anterior lei orgânica dos estrangeiros e as demais disposições regulamentares contrárias ao seu conteúdo, pelo que grande parte dos Regulamentos de 1996, e outras disposições inferiores, permanecem em vigor e devem continuar a ser aplicados. Como é costume cada vez que uma lei ou um novo regulamento geral for aprovado, está prevista uma regularização extraordinária para todos os estrangeiros que estiveram na Espanha antes de 1º de junho de 1999 e que provem que já solicitaram uma autorização de residência ou trabalho.
A nova lei de imigração de 2011 chegou em meio à polêmica; alguns alegam que ela pune a solidariedade e aumenta as vias de deportação. A legislação tem 264 artigos e já começa com muitas reclamações de ONGs, associações humanitárias e consulados. A principal crítica é que a norma visa facilitar as expulsões. Entre as medidas mais polêmicas da Lei Orgânica sobre Direitos e Liberdades de Estrangeiros na Espanha estão as multas por ajudar imigrantes em situação ilegal e os novos sistemas para renovação de licenças de residência e trabalho.
O refúgio não traz em si o terrorismo e nem se pode enxergá-lo dessa forma, pois aquele é tratado com violência extrema e em regime de urgência. Se isso for aplicado a grupos de refugiados sob o pretexto de uma segurança nacional, abre-se as comportas para um massacre, um massacre que adiante será uma punhalada contra certos e determinados grupos já estigmatizados pela Europa e pela América. O cenário será horrível, pois a segurança nacional se tornará mais seletiva do que já é e é totalmente incompatível, na seara dos direitos humanitários, falar em seletividade. Tal perspectiva enterra qualquer resquício da cidadania de outros povos.
A Lei de Migração é um legado humanitário, menciona sete vezes o princípio da não-discriminação. O mundo vive, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a maior crise humanitária desde a 2ª Guerra Mundial. Além da crise humanitária, vivenciamos uma crise de refugiados onde milhares já perderam suas vidas fugindo de conflitos e na busca por melhores condições de vida e de trabalho. A Lei e sua regulamentação trarão aos migrantes que vivem no Brasil um tratamento mais digno e os transformarão em cidadãos plenos de direitos, como o são, pois contribuem na construção de nosso país. O que seria do Brasil se não fossem as diversas comunidades de migrantes que vieram desde 1.500? Não podemos impedir a busca por melhores condições de vida e de trabalho pelos migrantes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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