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A mediação nos conflitos familiaristas

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Serão abordados nesse estudo temas da seara familiarista. O objetivo geral estabelecido para esse estudo foi trazer à tona a relevância da mediação, já o específico foi mostrar como ela é utilizada em conflitos familiares e seus efeitos positivos.

1 Introdução

Em situações que geram sentimentos intensos como divórcio, pensão, partilha de herança ou a guarda de filhos, o conflito familiar acaba sendo muito mais desgastante do que qualquer outro impasse. Além disso, quando tais emoções vêm à tona, o convívio entre os envolvidos no desentendimento fica deveras prejudicado. Nesses conflitos estão envolvidas pessoas com interesses, emoções e objetivos diferentes, desencontros esses que acabam se tornando um problema de convivência. Por causa de tal fator, suas atitudes geram um abalo negativo, como a raiva, o ciúme, o medo ou o ressentimento, ou seja, a comunicação se torna cada vez mais falha e a tensão cada vez maior.

A mediação é um método extrajudicial de resolução de conflitos feita com um profissional especialista em técnicas de negociação e comunicação, as quais podem ser feitas em conjunto ou individualmente. A atuação do mediador está estritamente ligada ao âmbito do direito, mas a formação nessa área não é obrigatória. A finalidade desse método, portanto, é reestabelecer a comunicação entre as partes, garantindo uma autonomia na solução de conflitos de forma consensual, transformando o indivíduo em um sujeito ativo na busca pela resolução das suas controvérsias e trazendo a noção de que seu papel é fundamental na construção de uma sociedade mais justa.      

A atividade de mediação passou a ser estimulada pelo novo Código de Processo Civil a partir de 2015 como uma alternativa viável à resolução de litígios, porque no Brasil há um sério problema de déficit operacional e todo ano pra cada dez novas demandas propostas no Poder Judiciário, apenas três das demandas antigas são resolvidas. Esse é um dos principais motivos para a ampliação do acesso à justiça e a criação dos meios alternativos de resolução de conflitos. Contudo, antes de 2015 muitos mediadores já trabalhavam de forma voluntária ou com uma remuneração muito baixa, mas agora com a categorização da profissão pelo Código de Processo Civil (CPC) a tendência é uma crescente valorização dessa função. A mediação é regulamentada pela Lei 13.140/2015, a qual foi sancionada em 26 de junho de 2015. que prevê os princípios inerentes a essa prática e o procedimento que deve ser adotado para que as garantias constitucionais sejam asseguradas.     

Diante dessa conjuntura, é notório que a mediação de conflitos objetiva principalmente facilitar o diálogo entre as pessoas, mas sem a pretensão de substituir o Poder Judiciário ou de solucionar seus problemas. Pelo contrário, ela é um mecanismo autônomo que serve para auxiliar esse poder, como um caminho alternativo e eficaz, o qual pode trazer inúmeros benefícios aos indivíduos e à sociedade como um todo.


2 O papel da mediação na dissolução do casamento      

Com o direito de unir-se em uma “comunidade de vida”, origina-se também o direito de cessar esse projeto afetivo que é o casamento, fazendo surgir, no Estado Democrático de Direito, o direito de não permanecer casado. De acordo com o Des. Luiz Felipe Brasil Santos: “Há que emprestar-se valor jurídico à impossibilidade de manutenção do casamento pela ausência da affectio que lhe é própria, não se podendo condenar à convivência dois seres que não mais se suportam”. A partir desse precedente jurisprudencial, que coloca a falta de afeto como justificativa plausível para o divórcio, vê-se que a integridade e a dignidade da pessoa humana devem ser priorizadas, não cabe no Estado Democrático de Direito a concepção de que o casamento é uma união indissolúvel.    

Além do fator emocional que rege a relação matrimonial, também deve-se levar em consideração o patrimônio, quando houver, construído pelo casal, que torna ainda mais complexo os casos de divórcio, em decorrência do regime de bens.  Com isso,  tem-se que a dissolução do casamento é desgastante para ambas as partes e para aqueles que estão envolvidos nesse conflito, principalmente para os filhos do casal. Diante disso, o próprio Código de Processo Civil (CPC), que preza por uma solução consensual dos conflitos familiaristas, coloca como opção viável na legislação processual civilista a mediação extrajudicial – como disposto no Capítulo X, do Artigo 693 ao 699 do CPC.     

No sistema jurídico contemporâneo, a fácil obtenção do divórcio é um direito que deve ser garantido. Dada essa compreensão, a Emenda Constitucional 66/10, estabelece no Art. 226, § 6º, da CF/88 que: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. Nessa perspectiva, a EC 66/10 coloca como requisito único para a dissolução do casamento: “A vontade de uma pessoa casada, independentemente de qualquer prazo, de casamento ou de separação fática”. O constituinte derivado entende que a base familiar é o afeto, assim, havendo a inexistência desse sentimento e a ausência de vontade de manter-se com o cônjuge, deve-se garantir a célere e efetiva resolução desse conflito.     

Concomitantemente ao entendimento constitucional, o Art. 694 do CPC, prevê que: “Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação”. Com o objetivo de evitar o desgaste e priorizando a solução amigável, o legislador civilista estabelece a mediação e a conciliação como opções procedimentais para resolver o litígio.    

De acordo com Lílian Maia de Morais Sales:

A mediação, por suas peculiaridades, torna-se um meio de solução adequado a conflitos que envolvam relações continuadas, ou seja, relações que são mantidas apesar do problema vivenciado. Ressalta-se, também, que os conflitos que tratam de sentimentos e situações, fruto de um relacionamento – mágoas, frustrações, traições, amor, ódio, raiva – revelam-se adequadas à mediação. Isso porque, é nesses tipos de conflitos que se encontram as maiores dificuldades para o diálogo, em virtude da intensidade dos sentimentos. Na mediação, há um cuidado, por parte do mediador, de facilitar esse diálogo entre as partes, de maneira a permitir a comunicação pacífica e a discussão efetiva dos conflitos (SALES, 2007, p. 24-25).

O divórcio demanda do mediador determinada cautela, afinal, dentre os inúmeros fatores propulsores de conflitos conjugais, encontra-se justamente a falta de diálogo-comunicação. Nesses casos, tem-se a intenção de instaurar a pacificação duradoura entre os litigantes, apesar das adversidades, dos fatores materiais e emocionais. Com isso, a mediação mostra-se uma alternativa de “menor custo emocional” para os envolvidos. Além disso, o mediador intervém no conflito, tornando o ambiente propício e instigando o entendimento entre as partes, tentando tornar visível o olhar de cada pessoa sob o conflito, bem como, compreensível às necessidades de ambas as partes.         

A importância da mediação na dissolução do casamento consiste, portanto, no fato de que as partes têm a liberdade de resolver os próprios conflitos de interesse. Nota-se que o papel da mediação no conflito conjugal é fazer com que as partes encontrem, em comum acordo, uma solução amigável e pacífica para as questões ocasionadas pelo desamor. A partir da análise do caso, constatação da estirpe da problemática e restauração da comunicação entre as partes, na melhor das hipóteses, por consequência do diálogo desenvolvido pela mediação, a até então relação conjugal pode transformar-se em uma relação parental. Por fim, é importante trazer à baila que o mediador deve manter uma conduta ética e paciente frente à lide, uma vez que faz parte da sua alçada interpretar não apenas aquilo que foi verbalizado pelos envolvidos, mas também a linguagem simbólica e as entrelinhas existentes no decorrer do deslinde.


3 Guarda, pensão e mediação 

A seara familiar é por definição composta por um grande número de conflitos, ademais, as adversidades que surgem entre os membros desse grupo social não podem romper o vínculo por um litígio. A título de exemplo se pode citar os relacionamentos afetivos que apresentam filhos.  

A priori, a guarda é um instrumento instaurado no Direito de Família para que os progenitores acompanhem de forma conjunta o crescimento da criança, ainda que a relação afetiva do casal tenha findado. Além disso, o bem-estar dos descendentes deve ser sobrepostos aos interesses do casal, dessa forma, a guarda estabelece que os direitos e deveres em relação aos filhos não são rompidos com a separação de seus genitores.         

É notória a importância da participação familiar nos períodos que sucedem a vida da criança, não obstante, a participação possui encargos que podem ser expressados pelo caput do Art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente que afirma: “A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais”. Essa garantia no dispositivo legal corrobora a legalização de uma vida digna material e imaterial à prole. Sob esse viés, uma vida de qualidade deve ser fornecida a ela, ainda que a união conjugal chegue ao fim é necessário que o bem-estar guarnecido à criança, quando os pais ainda constituíam um casal, continue a ser assegurado, dessa maneira, uma das partes deve fornecer ajuda financeira para o custeio material que necessita seu descendente.         

De fato, um rompimento matrimonial com filhos pode apresentar questões dotadas de impasse, e precisam recorrer aos meios legais para solucionar os conflitos. As relações familiares são dotadas de intimidade e quando sucedem em litígios podem se tornar expostas a terceiros sem qualquer pudor, assim, a mediação e conciliação é apresentada como uma via alternativa para resguardar a integridade das partes e dos seus filhos. A família não é um grupo social que se mantém de forma estática na linha temporal, em contrapartida, é um grupo que acompanha a evolução humana. Em função disso, as divergências apresentadas no seio familiar dotaram-se de complexidade e as relações foram tomadas de liquidez[1]. Esses conflitos passaram a ser encaminhados para as vias judiciais como única alternativa para a solução entre as partes nos rompimentos afetivos.                  

Logicamente, a separação com filhos demanda cautela e discernimento para ambos. Por isso, carece de um sistema que esteja preparado para observar de forma ontológica todo o processo de guarda e pensão em questão, levando em consideração a intimidade exposta dos litigantes e da prole, o sistema que abandona tais pontuações acaba por aplicar a letra fria da lei sem qualquer análise particular de cada caso. Assim, a mediação como meio alternativo para a resolução de controvérsias já e um ponto tangível no ordenamento jurídico brasileiro, com a Lei n° 13.140/2015, popularmente conhecida como Lei de Mediação, é possível que um terceiro atue como mediador, sem qualquer poder de decisão sobre o caso, sendo sua função voltada para a apresentação de soluções para os conflitos.

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Nesse contexto, os conflitos acerca de questões sobre a guarda e pensão envolvendo menores demanda uma solução pacífica, sem haver uma decisão que denomine ganhadores ou perdedores, mas sim partes de direitos e deveres mútuos. Dessa forma, a mediação é posta como instrumento para solucionar esses conflitos específicos por meio de diálogos, por essa razão, é oferecido as partes, por intermédio do mediador, a possibilidade de ambas apresentares suas demandas, propostas, até mesmo suas angustias e ressentimentos advindas de um término conturbado.   

O instituto familiar é de domínio particular, contudo, pode vir a se tornar público, principalmente nos casos em que não obtenha saída para o problema existente entre as partes, as divergências vindouras do rompimento matrimonial podem prejudicar diretamente a prole, sendo o menor utilizado, na maioria das vezes, como “instrumento” intermediário de provocação entre as partes.

Vale mencionar ainda que o direito à pensão alimentícia também é estendido às gestantes, essa garantia é formalmente regulamentada pela Lei n° 11.804/2008. Por sua vez, o custeio deve partir do futuro genitor conforme estabelece o parágrafo único do Art. 2° da referida lei. O objetivo dessa prerrogativa é para que a mãe da criança possua ajuda paterna referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis para manutenção da qualidade de vida dela e do nascituro. Entretanto, após o nascimento, a pensão é transferida a criança até que uma das partes solicite revisão.       

Diante disso, o mediador deve estar consciente de que os conflitos não se resumem apenas ao interesse das partes, mas também envolvem sentimentos. Por isso, ele é intitulado como o intermediário que deve transmitir confiança e imparcialidade, sem pretensão sobre qualquer um dos envolvidos, além dos conhecimentos voltados à seara familiar, a fim de alcançar o bem-estar entre os componentes do litígio.


4 Abandono,  reconhecimento, alienação parental e a figura do mediador

O abandono parental ocorre quando os pais deixam de cumprir com suas obrigações em relação aos seus filhos, sejam elas afetivas ou as que estão elencadas nos Artigos 277 da Constituição Federal, 4º do Estatuto da criança e do Adolescente e 1.634 do Código Civil, tais como o de promover saúde, alimentação, educação e respeito. Tendo isso em vista, é válido mencionar a frase da Excelentíssima Ministra do STJ Nancy Andrighi: “Amar é faculdade, cuidar é dever”.

Ainda dentro dessa perspectiva, de acordo com Platão, em seu livro Criton: “Não deverão gerar filhos quem não quer dar-se ao trabalho de cria-los e educa-los”. Essa menção atemporal evidencia a responsabilidade dos genitores em relação aos seus filhos, a qual é essencial para o desenvolvimento destes. Os conflitos relacionados ao abandono podem surgir, por exemplo, quando um pai trabalha no turno da noite para evitar cuidar da criança ou adolescente, enquanto este dorme, e descansa nos momentos em que de horário escolar. Dessa forma, é possível destacar que o responsável por tal negligência pode responder judicialmente por danos morais. Tendo essa situação como exemplo, a mediação é uma peça fundamental para a resolução do impasse, pois pode resultar em efeitos superiores ao dinheiro referente à indenização, visto que esta, geralmente, não é o objetivo do filho, e sim um alerta para as verdadeiras finalidades do processo: a atenção e o afeto do pai.

O reconhecimento do vínculo parental, por sua vez, está previsto no Código Civil, entre os Artigos 1.607 e 1.617, ele consiste no estabelecimento da relação de parentesco dos pais para com os filhos. Esse reconhecimento pode ser tanto voluntário, quando surge de um ato espontâneo dos genitores, quanto forçado, quando ocorre por meio do exercício da autoridade conferida pelo Estado a um magistrado. Tal ato resulta, principalmente, em determinados efeitos jurídicos, tais como os alimentares, a exemplo do direito de pensão, e patrimoniais, como o direito de sucessão.         

Corriqueiramente, processos de investigação de paternidade são movidos contra pais que se negam veementemente em reconhecer seus filhos. Contudo, há casos em que a figura paterna se dedica em assumir as suas responsabilidades e o filho não aceita quaisquer ajudas financeiras. Tendo como base esse último caso, é possível mencionar que o mediador pode resolver esse conflito aconselhando as partes a entrarem em acordo e irem em direção ao mais digno, justo e correto. Esse método, assim, se mostra de suma relevância, pois tanto faz com que a lei seja cumprida em prol de um bem maior, a promoção de assistência com a finalidade de proporcionar o bem-estar necessário e correto aos filhos.  

A alienação parental, por outro lado, ocorre quando um parente interfere na formação psicológica da criança ou adolescente que esteja sob sua autoridade, guarda ou vigilância. Esse é um tema extremamente delicado, pois acarreta em inúmeros efeitos psicológicos e emocionais negativos. Em virtude disso, tal conduta foi tipificada como criminosa com a promulgação da Lei nº 13.431 de abril de 2017 que alterou o a Lei do Estatuto da Criança e do Adolescente e incluiu a alienação como violência psicológica passível de sanção, como previsto no parágrafo quarto da referida norma. 

Assim, pode-se mencionar que uso da mediação em casos de alienação parental é o mais adequado, uma vez que visa principalmente à pacificação familiar e social. Ela se dá com auxilio de alguns profissionais específicos, tais como psicólogos e psicanalistas, visto que eles possuem conhecimentos que, na maioria das vezes, o mediador não possui, mesmo que ele tenha formação jurídica. Logo, é possível destacar que o interesse do mediador deve estar acima de qualquer outra coisa, uma vez que, na maioria das vezes, a alienação ocorre por rivalidade familiar e ele, como um terceiro neutro, pode facilitar o reestabelecimento da comunicação entre os parentes por meio do auxílio a cada parte.           

Por fim, resta fazer uma relevante diferenciação, para fins didáticos, entre a alienação parental e a síndrome da alienação parental, conforme Madaleno e Madaleno (2003, p.51):

De acordo com a designação de Richard Gardner, existem diferenças entre a síndrome da alienação parental e apenas a alienação parental; a última pode ser fruto de uma real situação de abuso, de negligência, de maus-tratos ou de conflitos familiares, ou seja, a alienação, o alijamento do genitor é justificado por suas condutas (como alcoolismo, conduta antissocial, entre outras), não devendo se confundir com os comportamentos normais, como repreender a criança por algo que ela fez, fato que na SAP é exacerbado pelo outro genitor e utilizado como munição para injúrias. Podem, ainda, as condutas do filho ser fator de alienação, como a típica fase da adolescência ou meros transtornos de conduta. Alienação é, portanto, um termo geral que define apenas o afastamento justificado de um genitor pela criança, não se tratando de uma síndrome por não haver o conjunto de sintomas que aparecem simultaneamente para uma doença específica.

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Sobre os autores
Rayane Salustiano de Araújo

Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba

Bárbara Borba Barros Bernardo

Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba

Maria Lorrana da Silva Cordeiro

Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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