RESUMO
O presente artigo tem como objeto de estudo o valor probatório do inquérito policial no âmbito do Tribunal do Júri, tendo em vista que o mesmo é inquisitivo, ou seja, não abrange os princípios do contraditório e da ampla defesa. Dessa forma, serão analisadas as provas colhidas na fase inquisitorial, uma vez que podem ser utilizadas para fundamentar a sentença proferida pelo magistrado togado no âmbito do Tribunal do Júri, cujo justifica-se, majoritariamente, através dos princípios da íntima convicção e, em especial, da soberania. Não obstante, a metodologia a ser utilizada é a pesquisa bibliográfica, com fulcro no entendimento de que, observar-se-á informações através de referências doutrinárias e jurisprudenciais, bem como estudos já publicados. Além disso, será realizada uma abordagem hipotético-dedutiva com fundamento na característica inquisitória do procedimento administrativo supracitado. Ademais, será realizada uma explanação acerca do artigo 155 do Código de Processo Penal, no qual estabelece que a sentença condenatória não pode fundamentar-se, tão somente, nas informações colhidas e produzidas no Inquérito Policial, uma vez que o mesmo é um procedimento administrativo investigativo de caráter informativo e, não, uma afirmação verídica dos fatos. Por conseguinte, tal artigo objetiva conscientizar e promover o conhecimento acerca da importância do caráter inquisitorial do inquérito e, em especial, do seu valor probatório na sentença condenatória proferida pelo magistrado no âmbito do Tribunal do Júri.
Palavras-chave: Inquérito Policial. Provas. Inquisitivo. Tribunal do Júri. Condenação.
ABSTRACT
The present article has as object of study or evidential value the police investigation in the scope of the Court of Justice, considering that it is inquisitive, that is, it does not cover the principles of the adversary and the wide defense. In this way, they will be analyzed as evidence collected in the inquisitorial phase, since they can be used to substantiate a sentence handed down by a magistrate to a court of the Court of Justice, whose justification, if majority, the use of the principles of intimate conviction and in particular, sovereignty. For example, the general objective of this article is to verify an inquisitorial resource, as well as to analyze evidence collected and investigations of records that can be used to train the judge's conviction. Nevertheless, a methodology is used for bibliographic research, with the understanding that, observing and obtaining information on doctrine and jurisprudential instructions, as well as studies already published. In addition, a hypothetical-deductive approach will be carried out with the inquisitorial appeal of the aforementioned administrative procedure. Given the above, it is now an explanation of Article 155 of the Code of Criminal Procedure, not qualified for a conviction sentence that cannot be just based on the information collected and produced in the Police Inquiry, since it is an investigative administrative procedure. informative and not a true statement of facts.
Keywords:
1 INTRODUÇÃO
O trabalho proposto pretende examinar, exibir e levantar questões acerca do inquérito policial e, em especial, no que tange à sua característica inquisitória no âmbito das investigações acerca da autoria e da materialidade de determinada infração penal. Logo, será realizada uma análise acerca do caráter inquisitivo do procedimento administrativo supracitado, bem como sobre a relevância deste instrumento no âmbito processual, uma vez que o mesmo pode ser aceito no Tribunal do Júri como forma de fundamento.
Todavia, conforme preceitua a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso LV, diz que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988). Portanto, apesar dos princípios do contraditório e da ampla defesa estarem inseridos na norma axiológica do ordenamento jurídico brasileiro, infere-se que os mesmos não estão respaldados no âmbito do inquérito policial, visto que se tratam de um procedimento administrativo.
Não obstante, faz-se necessário, através deste trabalho, observar e analisar que o inquérito tem como característica a dispensabilidade, isto é, a prescindibilidade para a propositura da ação penal. Logo, pelo fato de ser um instrumento dispensável, se contradiz ao afirmar que tal procedimento é permitido como base probatória no Tribunal do Júri. Além de que, consoante entendimento do artigo 155 do Código de Processo Penal, o magistrado não pode se basear exclusivamente nas provas obtidas no inquérito policial. Neste sentido, o que significa e quais são as influências dos princípios da íntima convicção e, em especial, da soberania acerca dos veredictos proferidos pelo magistrado no Tribunal do Júri? Dessa forma, será que o inquérito policial tem caráter inquisitivo? Qual será a sua verídica importância e influência na persecução penal?
Destarte, para responder ao problema de pesquisa exposto, a metodologia a ser utilizada será a pesquisa bibliográfica, com fulcro no entendimento de que, observar-se-á informações através de referências doutrinárias e jurisprudenciais, bem como estudos já publicados. Além disso, será realizada uma abordagem hipotético-dedutiva com fundamento na característica inquisitória do procedimento administrativo supracitado.
Portanto, na primeira seção deste artigo será apresentado o conceito, característica inquisitória e a finalidade do Inquérito Policial; na segunda seção será abordado o surgimento e a evolução do Tribunal do Júri no Brasil e no mundo; na terceira seção será demonstrado o conceito e a influência dos princípios da íntima convicção e da soberania no Tribunal do Júri; na quarta seção será demonstrado as principais característica dos jurados, bem como sua incomunicabilidade dos jurados.
2 INQUÉRITO POLICIAL: CONCEITO E FINALIDADE
Para que possamos falar sobre a necessidade de controle das provas inquisitivas apresentadas perante o Tribunal do Júri, é imprescindível que antes compreendamos todos os aspectos relacionados ao inquérito policial e a razão pela qual os elementos de informação produzidos nesta fase são dotados de problemáticas relevantes para a convicção e, em especial, a motivação do magistrado acerca do julgamento no âmbito do Júri.
A priori, o nomen júris de inquérito policial surgiu através da Lei nº 2.033 de 1871, cujo fora regulamentada pelo Decreto nº 4.824 do mesmo ano, em que, em seu artigo 42, afirmou que:
Art. 42. O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e dos seus autores e cúmplices; e deve ser reduzido a instrumento escrito [...] (BRASIL, DECRETO Nº 4.824, 1871).
Por meio dessa citação pode-se concluir que, a expressão jurídica acerca do nome “inquérito policial”, originou-se a partir da referida lei imperial, como também especificou a finalidade do mesmo, o qual consiste em buscar a autoria e a materialidade de determinado delito.
Não obstante, o inquérito policial é um procedimento administrativo, que tem por escopo identificar e investigar os elementos das infrações penais. Dessa forma, segundo Nucci (2015, p. 98), o inquérito policial:
É um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria (NUCCI, 2015, p. 98).
Por meio desse conceito pode-se inferir que o inquérito é um instrumento importante para a construção da base probatória necessária à propositura da ação penal, a qual é realizada mediante requerimento do Ministério Público que, por sua vez, atua em parceria com a autoridade policial no curso das investigações. Logo, o instrumento administrativo é típico das Polícias Judiciárias e, em especial, presidido pelo delegado de polícia, que é a autoridade policial.
Destarte, segundo Paulo Rangel (2015):
[...] É um conjunto de atos praticados pela função executiva do Estado com o escopo de apurar a autoria e materialidade (nos crimes que deixam vestígios – delicta facti permanentis) de uma infração penal, dando ao Ministério Público elementos necessários que viabilizem o exercício da ação penal (RANGEL, 2015, p. 71).
Daí podemos concluir que o inquérito é um ato estatal meramente informativo, que irá viabilizar a execução da ação penal depois de ocorrer a análise do mesmo pelo Promotor de Justiça, que poderá requisitar novas diligências, promover a ação ou solicitar o seu arquivamento.
Observa-se que tal procedimento administrativo é competência privativa da Polícia Judiciária. Diante disso, percebe-se que apesar da competência para instaurar o inquérito ser da Polícia Judiciária, por intermédio da autoridade policial, no ordenamento jurídico pátrio existe outros meios investigativos, como, por exemplo, as CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito), as quais são realizadas pelos parlamentares.
No entanto, de acordo com a Lei 12.830 (BRASIL, 2013), que versa acerca das funções investigativas no âmbito do inquérito policial, em seu artigo 2º, parágrafos primeiro e segundo, estabelece que:
Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
§ 2º Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos (BRASIL, Lei 12.830, 2013).
Conforme tal citação, infere-se que apesar do inquérito policial ser um procedimento administrativo persecutório, o mesmo caracteriza-se numa função de natureza jurídica, exercida pelo Estado com atribuição exclusiva. Ademais, consoante o parágrafo primeiro do referido artigo, compete ao delegado de polícia a direção da investigação policial que, por sua vez, é realizada por meio de inquérito policial e, em especial, por outros procedimentos previstos em lei.
Destarte, quando surge um delito, o Estado, com fulcro no jus puniendi, tem o poder-dever de agir diante da circunstância delituosa, o qual deverá investigar o autor do delito, bem como respeitar o princípio do devido processo legal e, em especial, punir o mesmo. Mas para isso, faz-se necessário a instauração de inquérito policial. Logo, segundo Fernando Capez, “A finalidade do Inquérito Policial é a apuração de fato que configure infração penal e a respectiva autoria para servir de base à ação penal ou às providências cautelares” (CAPEZ, 2015, p.114). Diante disso, deduz-se que a finalidade do inquérito é incentivar à propositura da ação penal, para que o Estado, por meio do magistrado, possa fazer valer o direito de punir e, consequentemente, possa observar e respeitar os princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como o princípio do devido processo legal.
2.1 Os sistemas processuais penais e a inquisitoriedade do inquérito policial
Previamente, é de fundamental importância fazer algumas considerações históricas no que concerne ao sistema processual penal adotado no Brasil.
Consoante entendimento de Aury Lopes (2019, p. 43), “a doutrina brasileira, majoritariamente, aponta que o sistema brasileiro contemporâneo é misto (predomina o inquisitório na fase pré-processual e o acusatório, na processual)”. Dessa forma, observa-se que, ao afirmar que o sistema é híbrido, ou seja, acusatório e inquisitório simultaneamente, pode-se inferir que não há um sistema “puro”, isto é, apenas inquisitório ou acusatório.
Todavia, a estrutura do processo penal evoluiu ao longo dos séculos, fazendo-se surgir vários sistemas processuais, dentre os quais, cumpre salientar os dois últimos sistemas supracitados.
O sistema inquisitório surgiu em meados do século XII, em que, posteriormente, no século XIII, conforme Aury Lopes (2019), “foi instituído o Tribunal da Inquisição ou Santo Ofício, com o objetivo de reprimir a heresia e todo que fosse contrário ou que pudesse criar dúvidas acerca dos Mandamentos da Igreja Católica” (LOPES, 2019, p.44). Logo, percebe-se que o caráter inquisitorial se tratava de uma soberania, cujo líder religioso ficava incumbido de exercer funções de acusação, julgamento e defesa, onde poderia atuar de forma bastante parcial, uma vez que não existia o contraditório pleno.
Não obstante, o sistema inquisitório perdurou até o século XVIII. Destarte, ainda de acordo com Aury Lopes (2019):
[...] início do XIX, momento em que a Revolução Francesa, os novos postulados de valorização do homem e os movimentos filosóficos que surgiram com ela repercutiam no processo penal, removendo paulatinamente as notas características do modelo inquisitivo. Coincide com a adoção do Júris Populares, e se inicia a lenta transição para o sistema misto, que se estende até os dias de hoje (LOPES, 2019, p. 45).
Diante do exposto, deduz-se que a partir da Revolução Francesa, a qual originou-se no século XIX, concedeu maior autonomia para a sociedade, tendo em vista que o povo obteve o direito de eleger os seus representantes, bem como extinguiu-se a monarquia absolutista e, consequentemente, acarretou no surgimento da monarquia constitucional que, posteriormente, após muitas divergências sociais, acarretou no surgimento da república em 1792.
No entanto, acerca do sistema processual acusatório, Aury Lopes (2019), afirma que:
[...] o sistema processual deve atentar para a garantia da imparcialidade do julgador, a eficácia do contraditório e das demais regras do devido processo penal, tudo isso à luz da Constituição. Assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que irá sentenciar, garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal (LOPES, 2019, p. 46).
Diante disso, pode-se concluir que tal sistema, distingue-se do inquisitório no que tange à imparcialidade do julgador e, em especial, a garantia do contraditório no processo penal. Além disso, caracteriza-se também pela distinção entre as funções de acusar e julgar; tratamento recíproco das partes, como também estabelece uma relação imparcial do juiz, ou seja, o mesmo se mantém afastado das partes no que tange à esfera de suas atividades.
Ademais, conforme Cunha Martins (2010), “no processo inquisitório há um “desamor” pelo contraditório” (MARTINS, 2010 apud CAPEZ, 2014, p. 46). De modo que demonstra a possibilidade de existir o contraditório apenas no sistema acusatório.
No entanto, no ordenamento jurídico pátrio, em especial, no que tange ao Código de Processo Penal (BRASIL, CPP, 1941), abarca vários dispositivos que configuram num sistema inquisitivo, isto é, configura-se em atos probatórios ou persecutórios por parte do magistrado, como, por exemplo, o artigo 156, que estabelece a faculdade do juiz de realizar, antecipadamente, a produção de provas. Além disso, o artigo 385 do referido código, afirma que “nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada” (BRASIL, CPP, 1941). Assim, percebe-se que a autoridade judicial poderá proferir sentença condenatória, ainda que o parquet tenha opinado pela absolvição. Portanto, através desses dispositivos e outros do Código de Processo Penal Pátrio, podem ser observados que atribuem ao juiz uma característica inquisitória.
Dessarte, pode-se entender que tais práticas são incompatíveis com um sistema acusatório, em que, o juiz exerce um papel de julgador imparcial. Logo, consoante ensinamento de Aury Lopes (2019):
[...] a Constituição demarca o modelo acusatório, pois desenha claramente o núcleo desse sistema ao afirmar que a acusação incumbe ao Ministério Público (art. 129), exigindo a separação das funções de acusar e julgar (e assim deve ser mantido ao longo de todo o processo) e, principalmente, ao definir as regras do devido processo no artigo 5º, especialmente na garantia do juiz natural (e imparcial, por elementar), e também inciso LV, ao fincar pé na exigência do contraditório (LOPES, 2019, p. 47).
Daí estar com plena razão Aury Lopes (2019) quando explica que, de fato, a nossa Constituição Federal de 1988, em seus artigos supracitados, abrange um modelo acusatório. Assim, vale ressaltar a importância do contraditório e da ampla defesa especificado na nossa Carta Magna, a qual diz, em seu artigo 5º, inciso LV, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (BRASIL, CF, 1988). Logo, apesar de ser um dispositivo constitucional, não estar contido, em sua forma plena, no Inquérito Policial, uma vez que o mesmo é de caráter inquisitorial.
Entretanto, no Brasil, ainda há divergência doutrinária no que tange ao sistema processual penal adotado no país. “Mas grande parte da doutrina caracteriza-o como misto, isto é, inquisitório na fase pré-processual e acusatório na fase processual” (LOPES, 2019, p. 49). Nesse diapasão, conforme a Constituição Federal de 1988, é perceptível que abrange um sistema penal acusatório, cujo tem como fundamento o contraditório, a ampla defesa e, principalmente, a imparcialidade do magistrado. Em que, baseia-se através do princípio do devido processo legal, consagrado no artigo 5º, inciso LIV, da referida Carta Magna.
Ademais, no Código de Processo Penal de 1941, observam-se vários dispositivos de caráter inquisitorial, como, por exemplo, o artigo 156, inciso I e II da referida norma, cujo legislador afirmou que:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante (BRASIL, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 1941).
Tal citação, conforme preceitua Aury Lopes (2019), trata-se de uma “adoção do princípio inquisitivo, no qual funda um sistema inquisitório, pois representam uma quebra da igualdade, do contraditório, da própria estrutura dialética do processo” (LOPES, 2019, p. 50). Nesse sentido, percebe-se a insuficiência de uma separação de atividade, uma vez que, depois, o magistrado exerce um exercício inquisitorial. Além disso, o referido doutrinador ainda afirma que “a imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório, de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir, além da separação inicial das funções de acusar e julgar, um distanciamento do juiz na atividade investigatória” (LOPES, 2019, p. 51).
Não obstante, o inquérito policial também é de natureza inquisitória, tendo em vista que de acordo com Fernando Capez (2014):
Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias concentram-se nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, prescinde, para a sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de ofício, empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessárias aos esclarecimentos do crime de sua autoria (GLAUCIO; SOUZA, 2014, p. 5 apud CAPEZ, 2017, p. 118).
Diante disso, infere-se que pelo fato de o procedimento administrativo supracitado concentrar-se na autoridade policial, faz com que, consequentemente, torne-se inquisitório. Além disso, o inquérito policial é indispensável, uma vez que o mesmo serve como base para a propositura da ação penal, podendo o Ministério Público, abster-se de utilizar tal procedimento, se assim entender. Logo, Fernando Capez aduz que “inquérito policial não é fase obrigatória da persecução penal, podendo ser dispensado caso o Ministério Público ou ofendido já disponha de suficientes elementos para a propositura da ação penal” (CAPEZ, 2014, p.122 apud GLAUCIO; SOUZA, 2017, p. 5).
2.2 Princípio do contraditório e ampla defesa no inquérito policial
A princípio, é de indubitável importância que compreendamos acerca da relevância do princípio do contraditório e ampla defesa no inquérito policial, bem como a sua relação e influência no sistema persecutório penal brasileiro.
Consoante estabelece a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LV, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (BRASIL, 1988). Diante disso, percebe-se que o contraditório e a ampla defesa são garantias fundamentais estabelecidas na referida constituição. No entanto, apesar de estar elencado no rol de garantias fundamentais, no qual originou-se do Pacto de São José da Costa Rica, ou seja, dos direitos humanos após o fim da segunda guerra mundial, o mesmo não está inserido no âmbito do inquérito policial.
Contudo, Aury Lopes (2019) ensina que a eficácia acerca de tal garantia ainda é insuficiente e deve ser potencializada, pois é uma potencialização por exigência constitucional. Tendo em vista que, apesar do caráter inquisitivo, há a possibilidade de exercer o contraditório e a ampla defesa, porém de forma bastante restritiva, é o que defende o referido doutrinador, ao afirmar que a afirmação genérica e infundada de que não existe direito de defesa e contraditório no inquérito policial está bastante equivocada, uma vez que não existe uma defesa ampla e plena, mas sim defesa pessoal e técnica com alcance limitado (LOPES, 2019, p. 174).
Assim, deduz-se que quando Aury Lopes (2019) se refere à defesa pessoal e técnica, percebe-se que o mesmo faz menção à assistência de defensor elencado no artigo 6º, inciso V, do Código de Processo Penal, no qual estabelece que:
Compete ao delegado de polícia ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura (BRASIL, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 1941).
Daí é importante observar que na expressão “no que for aplicável”, infere-se na existência da possibilidade de o indiciado prestar as devidas informações na presença de seu defensor, isto é, é garantido um direito de defesa e contraditório de forma parcial, mas não plena.
Além disso, também preconiza o disposto no artigo 14 da referida legislação, cujo legislador afirma que “o ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade” (BRASIL, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 1941). Isto é, o indiciado poderá requerer, de forma restritiva, diligências em prol de sua defesa na fase pré-processual.
Ademais, conforme a Súmula 14 do Supremo Tribunal Federal:
É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa (BRASIL, SÚMULA 14, 2009).
Dessa forma, pode-se deduzir que a Suprema Corte garante e reforça o direito de o defensor do indiciado ter acesso amplo aos autos já documentados no inquérito policial. Além de que, é uma prerrogativa que assegura tal garantia no âmbito pré-processual.
Não obstante, de acordo com a Lei nº 13.245 (BRASIL, 2016), em seu artigo 7º, inciso XXI, estabelece que:
[...] assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração (BRASIL, LEI Nº 13.245, 2016).
Por conseguinte, percebe-se que tal dispositivo alterou o inciso XXI, do artigo 7º, da Lei nº 8.906 (BRASIL, 1994), em que teve por objetivo assegurar o direito de o indiciado se defender à luz das investigações, cuja presença do advogado tornou-se fundamental para prestar à assistência devida aos seus pacientes durante o interrogatório ou depoimento policial, potencializando assim, o direito de defesa.
Destarte, conforme alude Aury Lopes, “existe direito de defesa (técnica e pessoal – positiva e negativa) e contraditório (no sentido de acesso aos autos), ambos limitados (LOPES, 2019, p. 176). Ademais, o mesmo alega que “o desafio é dar-lhes a eficácia assegurada pela Constituição” (LOPES, 2019, p. 176). Logo, conclui-se que há uma eficácia contida acerca do princípio do contraditório e ampla defesa, pois conforme ensina Lopes, é preciso buscar meios que assegurem a plena eficácia de tal princípio.
Além disso, o inquérito policial tem natureza administrativa e, portanto, o princípio do devido processo legal precisa ter plena eficácia, consoante alude o artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal (BRASIL, CF, 1988), “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Diante disso, observa-se que apesar de o inquérito ser um procedimento meramente informativo, o mesmo possui bastante influência na ação penal e, em especial, no Tribunal do Júri, em que pelo princípio da íntima convicção imotivada, o magistrado poderá basear-se, livremente, nos autos das investigações.
Diante dos fatos mencionados, pode-se perceber que de acordo com a doutrina majoritária e, principalmente, entendimentos dos tribunais superiores, o inquérito policial é de caráter inquisitivo e dispensável para a propositura da ação penal. Porém, muito se tem discutido acerca da sua característica inquisitiva, uma vez que no âmbito do Tribunal do Júri, os elementos informativos obtidos nas investigações podem ser utilizados. Logo, é indubitável que com tal medida, faça com que o inquérito se torne divergente no que tange ao seu caráter inquisitivo.
3 TRIBUNAL DO JÚRI: CONCEITO E FINALIDADE
Para que possamos falar sobre a existência e os principais aspectos do Tribunal do Júri, é indubitável que antes compreendamos o conceito e a finalidade relacionado à referida instituição. Diante disso, o Júri é um órgão que integra o Poder Judiciário e tem por finalidade julgar crimes dolosos contra a vida, além disso as decisões proferidas são soberanas e abrangidas pelo princípio da íntima convicção.
Não obstante, o Tribunal do Júri, no Brasil, surgiu com a elaboração da Lei de 13 de junho de 1822, na qual teve por objetivo julgar crimes relacionados à imprensa. Mas no decorrer do tempo, o mesmo foi ampliando a sua área de atuação. Dessa forma, conforme o entendimento de Fernando Capez, destaca-se que:
[...] A Constituição Imperial, de 25 de março de 1824, passou a integrar o Poder Judiciário como um de seus órgãos, tendo sua competência ampliada para julgar causas cíveis e criminais. Alguns anos depois, foi disciplinado pelo Código de Processo Criminal, de 29 de novembro de 1832, o qual conferiu-lhe ampla competência, só restringida em 1842, com a entrada em vigor da Lei n. 261 (CAPEZ, 2012, p. 648).
Conforme o entendimento supracitado, infere-se que o Tribunal do Júri fora adotado e teve a sua amplitude de atuação a partir da Constituição Imperial de 1824, na qual passou a julgar delitos cíveis e criminais. Mas em 1934, ocorrera uma Assembleia Nacional Constituinte com o objetivo de elaborar uma Constituição. Logo, a partir desta, o Tribunal do Júri fora consagrado como órgão do Poder Judiciário.
No entanto, com o advento da Constituição de 1937, o Júri não fora previsto na mesma. Dessa forma, fora necessária a criação, em 5 de janeiro de 1938, de um Decreto-Lei nº 167, cujo presidente Getúlio Vargas, regulamentou a aplicação, competência e a função do Tribunal do Júri. Mas somente a partir de 1942, através do Decreto-Lei nº 3.689, que o Júri foi implementado de forma expressa na Carta Magna. Não obstante, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o mesmo consagrou-se no rol dos direitos e garantias individuais que, por sua vez, fora estabelecido no artigo 5º, inciso XXXVIII, no qual diz:
[...] é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).
Assim, leva-nos a compreensão de que o reconhecimento do Júri Popular é um direito assegurado a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes ou não no Brasil, cuja norma estabelece, especialmente, na alínea d, que a competência específica do Tribunal do Júri é julgar crimes dolosos contra a vida. Dessa forma, pelo fato de estar tipificado no rol de direitos e garantias individuais, o mesmo torna-se uma cláusula pétrea, isto é, um direito que não pode ser objeto de discussão tendente a aboli-lo, consoante o artigo 60º, parágrafo 4º da Constituição Federal (BRASIL, 1988), não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] os direitos e garantias individuais.
3.1 Princípios constitucionais que regem o tribunal do júri
É importante que compreendamos acerca dos princípios que norteiam as relações do Tribunal do Júri, tendo em vista que são basilares para o bom entendimento e, principalmente, para a sua importância na fase processual.
Dessarte, conforme supracitado na subseção anterior e, em especial, segundo o entendimento de Fernando Capez, no que tange ao Tribunal do Júri, afirma que “os princípios básicos do mesmo são: a plenitude de defesa, o sigilo nas votações, a soberania dos veredictos e a competência mínima para julgamento dos crimes contra a vida” (CAPEZ, 2014, p. 652-653, grifo nosso). Dessa forma, cumpre destacar a importância do princípio da plenitude de defesa, tendo em vista que é pode ser considerado um nível mais avançado da ampla defesa.
Porquanto, Walfredo Cunha Campos (2011, p. 02) leciona que:
A defesa do Júri não deve ser apenas ampla, com todos os meios e recursos que a instrumentalize, é preciso que seja também plena, no sentido de ser eficiente, de qualidade acima da média [...] (CUNHA, 2011, p. 02).
Daí é importante destacar que o desrespeito no que se refere ao princípio mencionado, pode configurar na dissolução do Conselho de Sentença, quando, outrora, o acusado se sentir injustiçado acerca do entendimento estabelecido pelo magistrado no que tange à não observância correta do direito de defesa. É o que aduz o artigo 497, inciso V do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), no qual diz: “nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor” (BRASIL, CPP, 1941).
Outrossim, vale-se ressaltar a importância do princípio do sigilo das votações, em que está inserido no artigo 485 do Código de Processo Penal (1941), no qual aduz que:
Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação (BRASIL, CPP, 1941).
A partir da leitura do artigo supracitado, deduz-se que a votação dos jurados deverá ser sigilosa, uma vez que só ficarão presentes na sala especial: o juiz, os jurados, o membro do parquet, o assistente, o querelado, o defensor ou advogado, o escrivão e o oficial de justiça. Portanto, percebe-se que o referido dispositivo não faz menção ao réu e, em especial, a vítima. Pois, entende-se que tal ausência faz menção à exceção do princípio da publicidade, conforme alude o artigo 5º, inciso LX da Constituição Federal (BRASIL, 1988): “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (BRASIL, CF, 1988).
3.1 Princípio da soberania dos veredictos no tribunal do júri
Em primeiro lugar, é imprescindível ressaltar a importância acerca do princípio da soberania dos veredictos no âmbito do Tribunal do Júri, uma vez que tem bastante influência nas decisões proferidas pelo magistrado togado e, em especial, no convencimento dos jurados.
Destarte, o princípio da soberania dos veredictos surgiu, no Brasil, a partir da Constituição de 1946, na qual estabelecera que:
É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja sempre ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (BRASIL, CF, 1946).
Neste sentido, percebe-se que a referida Constituição, em seu artigo 141, parágrafo 28º, estabelecera a instituição da soberania dos veredictos como uma garantia fundamental no Tribunal do Júri.
No entanto, no decorrer da evolução histórica da instituição do júri no Brasil e, em especial, a garantia da soberania dos veredictos, surgiram várias divergências acerca da sua implementação no âmbito do júri, uma vez que a Carta Magna de 1969 deu nova redação à Constituição anterior, na qual afirmou, em seu artigo 153, parágrafo 18, que “é mantida a instituição do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida” (BRASIL, CF, 1969). Diante disso, infere-se que tal dispositivo retirou o princípio da soberania, mas permaneceu com o entendimento de que é competência de o Tribunal do Júri julgar delitos dolosos contra a vida.
Contudo, a Constituição Federal de 1988, por sua vez, instituiu em seu artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea c, que “[...] é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: [...] c) a soberania dos veredictos (BRASIL, CF, 1988). Assim, aduz que, tal dispositivo, firmou-se numa garantia fundamental no âmbito do júri.
Todavia, para a compreensão eficaz acerca do princípio mencionado, é de indubitável importância que compreendamos a etimologia da palavra “soberania”. Dessarte, tal significado tem uma denotação política, isto é, de poder supremo. Conforme alude Sahid Maluf (2017), “é uma autoridade superior que não pode ser limitada por nenhum outro poder” (2017, p. 43). Logo, percebe-se que a soberania é independente e suprema.
Ademais, a etimologia da palavra “soberania” advém de superanus, que significa poder absoluto. Além disso, José Frederico Marques (1963) leciona que:
Se soberania do Júri, no entender da communis opinio docturum, significa a impossibilidade de outro órgão judiciário substituir ao Júri na decisão de uma causa por ele proferida, - soberania – dos veredictos traduz, mutatis mutandis, a impossibilidade de uma decisão calcada em veredicto dos jurados, ser substituída por outra sentença sem esta base (MARQUES, 1963 apud NASCIMENTO, 2017, p. 26).
Tal entendimento leva-nos à compreensão de que as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri são insubstituíveis. Logo, cumpre destacar que, tais decisões são insubstituíveis por causa do princípio da soberania dos veredictos. Porém, pelo fato de serem dotadas de soberania, não significa que as mesmas não podem ser objeto de deliberação, ou seja, discutidas ou revistas pelos Tribunais.
Nesse sentido, vale ressaltar que não vivemos em um Estado arbitrário, mas sim num Estado Democrático de Direito e, portanto, tais decisões podem ser impugnadas através do recurso de apelação, no qual encontra-se fundamentado no artigo 593, inciso III, alínea d do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), in verbis:
Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:
[...] III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:
a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;
b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados;
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança;
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos (BRASIL, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 1941).
Daí pode-se concluir que, há uma relativização no que concerne ao princípio da soberania dos veredictos no âmbito do Júri, tendo em vista que, por exemplo, em razão de uma decisão proferida pelos jurados for manifestamente injusta, isto é, contraditória às provas colhidas na fase do pré-processual, o réu poderá interpor o recurso de apelação, para que assim, tal decisão possa ser analisada corretamente.
Por conseguinte, a decisão proferida pelo Tribunal do Júri trata-se de um ato que deriva de uma democracia, além disso é representado por uma parte da sociedade – denominados de jurados ou, simplesmente, de júri. Dessa forma, não seria viável que o Júri fosse, absolutamente, soberano, uma vez que, conforme supracitado, vivemos em um Estado Democrático de Direito.
Todavia, no que tange à forma metodológica, é de fundamental importância que compreendamos acerca da natureza jurídica do princípio da soberania dos veredictos, visto que há bastante divergência doutrinária acerca do referido tema.
Assim, há juristas que defendem que se trata de uma garantia individual, tendo em vista que tal princípio encontra-se elencado no rol de Direitos e Garantias Individuais e Coletivos da Constituição Federal (BRASIL, 1988), já outros, defendem que trata-se de apenas um direito positivado na mencionada Carta Magna de 1988.
Não obstante, consoante o seu artigo 5º, inciso XXXVIII, percebe-se que o Tribunal do Júri é uma instituição constitucionalmente tutelada e, em especial, pode-se inferir que a soberania dos veredictos está fundamentada como uma garantia institucional do mesmo.
Desse modo, Canotilho (2003) leciona que:
[...] A proteção das garantias institucionais aproxima-se da proteção dos direitos fundamentais quando se exige, em face das intervenções limitativas do legislador, a salvaguarda do “mínimo essencial” das instituições (CANOTILHO, 2003, p. 397 e 398).
Dessarte, pode-se deduzir que o mínimo essencial, isto é, um dos núcleos essenciais da instituição do Tribunal do Júri é a soberania dos veredictos e, consequentemente, encontra-se protegida pelo artigo 60, parágrafo 4º da Constituição Federal (BRASIL, 1988), visto que trata-se de um direito fundamental e que, portanto, possui uma característica de cláusula pétrea, ou seja, um dispositivo no qual não poderá ser objeto de deliberação.
Diante do exposto, percebe-se que nesta seção foram analisadas as principais características, como, por exemplo, a origem etimológica do princípio da soberania, bem como a sua natureza jurídica e, em especial, a sua relativização perante o Tribunal do Júri.
4 PRINCÍPIO DA ÍNTIMA CONVICÇÃO NO TRIBUNAL DO JÚRI
Em princípio, para que possamos compreender acerca do fulcro e da influência motivacional do juiz e, principalmente, dos jurados no que tange às decisões proferidas com base nas provas colhidas na fase do inquérito policial, é imprescindível que antes compreendamos todos os aspectos relacionados ao princípio da íntima convicção.
Dessa forma, a Constituição Federal (BRASIL, 1988), em seu artigo 5º, inciso IX, afirma que:
Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação (BRASIL, CF, 1988).
Tal citação leva-nos à compreensão que, em regra, todas as decisões judiciais deverão ser publicadas e fundamentadas pelo juiz togado que as proferir, porém o mesmo dispositivo aborda uma ressalva, na qual se refere à preservação do direito à intimidade do interessado no que tange ao sigilo que não afete o interesse coletivo.
Não obstante, o artigo 155, caput do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), menciona que:
O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas (BRASIL, CPP, 1941).
Portanto, através do dispositivo supracitado, pode-se concluir que o magistrado deverá fundamentar a sua decisão, porém não ficará adstrito às provas documentadas nos autos do inquérito policial, sendo livre para apreciá-las, mas não sem fundamentar o motivo de cada prova apreciada.
Entretanto, no que se refere ao Tribunal do Júri, consagrado pela Carta Magna Brasileira de 1988, o princípio do livre convencimento motivado tem eficácia no mesmo. Uma vez que, conforme o artigo 93, inciso IX da referida Constituição, o Júri fica obrigado a fundamentar as suas decisões, porém, de forma sigilosa. Dessa forma, os jurados, bem como os magistrados estão assegurados pela soberania dos veredictos e, indubitavelmente, pelo sigilo das suas votações. Portanto, conclui-se que, aplica-se o princípio da íntima convicção nas decisões do Júri.
Nesse sentido, é perceptível que, infelizmente, poderá ocorrer arbitrariedades nos julgamentos do Júri, mas pelo fato de o princípio da íntima convicção ser derivado do sistema inquisitorial, não significa que, havendo arbitrariedades por parte do Estado, as decisões não poderão ser questionadas, mas sim, pelo contrário, visto que o ordenamento jurídico pátrio estabelece o recuso de apelação como instrumento de impugnação.
Outrossim, o princípio da íntima convicção aduz que, o magistrado que presidir o Tribunal do Júri, estará obrigado a fundamentar as suas decisões proferidas. Assim, o magistrado possui ampla liberdade no que se refere ao questionamento da verdade e apreciação das provas colhidas.
Não obstante, a íntima convicção originou-se da Revolução Francesa através da Assembleia Constituinte de outubro de 1789, mas dois anos depois, por meio do Decreto de 16-19, segundo FERRAJOLI (2002, p. 111):
[...] o Decreto de 16-19 de setembro de 1791 suprimiu por completo o velho sistema, ao introduzir, a partir da fase instrutória, o rito acusatório, ao instituir o júri popular, ao abolir todo tipo de segredo, ao vincular o processo à oralidade e à imediatidade e, enfim, ao suprimir as provas legais e consagrar o princípio da livre convicção do juiz [...] (FERRAJOLI, 2002, p. 111).
Logo, pode-se concluir que a partir deste Decreto, fora instituído o princípio da íntima convicção, bem como o júri popular. Ademais, fora suprimido o sistema inquisitório e, posteriormente, fora instituído o acusatório, no qual teve por base tais princípios mencionados.
Outrossim, consoante o entendimento de Ferrajoli (2002, p. 112), a instituição da íntima convicção foi um grande retrocesso. Logo, o mesmo leciona:
O abandono das provas legais em favor da livre convicção do juiz, contudo, do modo como foi concebido e praticado pela cultura jurídica pós-iluminista, correspondeu a uma das páginas politicamente mais amargas e intelectualmente mais deprimentes da história das instituições penais (FERRAJOLI, 2002, p. 112).
Segundo o entendimento do referido autor, o abandono das provas legais refere-se ao fato de que, através do movimento iluminista, ou seja, movimento intelectual que surgiu na Inglaterra, França e na Holanda, que refutava sobre várias questões políticas e religiosas, ocorrera uma espécie de rechaço às provas legalmente previstas.
Além disso Ferrajoli (2002, p. 113) também ensina, in verbis:
Assim, ocorreu que o repúdio às provas legais, como condições suficientes da condenação e da pena, se converteu de fato na negação da prova como condição necessária da "livre" convicção sobre a verdade dos pressupostos de uma e de outra, e o princípio da livre convicção, em vez de atuar como pressuposto indispensável da garantia do ônus ou, pelo menos, da necessidade da prova, entrou em contradição com ela, tornando vã toda sua função normativa (FERRAJOLI, 2002, p. 113).
Diante disso, tal citação leva-nos à conclusão de que o julgador era totalmente livre para proferir suas decisões, tendo em vista que ele não ficava adstrito às provas legalmente previstas, fazendo com que, consequentemente, decidisse com fulcro em suas plenas convicções pessoais. Por conseguinte, é perceptível que, indubitavelmente, existiam arbitrariedades e, em especial, irresponsabilidades nas decisões jurídicas.
Contudo, é importante ressaltar a relação do princípio da íntima convicção com o sigilo das votações no Tribunal do Júri. Dessarte, para que possamos compreender tal relação, cumpre destacar acerca da função e, em especial, do significado do princípio do sigilo das votações.
A priori, cumpre abordar acerca da importância dos Jurados na sessão do júri. Assim, conforme o artigo 436 do Código de Processo Penal de 1941, “O serviço do júri é obrigatório. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneidade” (BRASIL, CPP, 1941). Portanto, percebe-se que jurado é todo cidadão brasileiro, entre 18 e 70 anos de idade, que, através de notória idoneidade e alistamento, ficará responsável de realizar as votações no âmbito do Júri.
Porém, para que tais cidadãos façam parte do Júri Popular, é de fundamental importância que sejam alistados pelo presidente do Tribunal do Júri, conforme aduz o artigo 425, caput, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941):
Anualmente, serão alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800 (oitocentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000 (um milhão) de habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas comarcas de menor população (BRASIL, CPP, 1941).
Dessa forma, infere-se que além dos requisitos das idades supracitadas, os mesmos devem ser alistados pelo presidente do Júri. Ademais, será feito um sorteio de 25 jurados e, consequentemente, após a realização do sorteio, os mesmos serão convocados para uma reunião, na qual será agendada e comunicada através dos meios de comunicação, como, por exemplo, os correios e afins (BRASIL, CPP, 1941).
Daí pode-se concluir que os jurados são, indubitavelmente, importantes para o julgamento no Tribunal do Júri, uma vez que os mesmos são responsáveis por julgar crimes contra a vida, em prol do respeito ao princípio da dignidade da pessoa, princípio este que tem fundamental importância num Estado Democrático de Direito, pois é a base dos direitos fundamentais elencados pela Carta Magna Brasileira de 1988.
No entanto, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea b, elenca o sigilo das votações como um dos fundamentos do Tribunal do Júri. Além disso, o Código de Processo Penal, em seu artigo 485, afirma que:
Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação (BRASIL, CPP, 1941).
Pode-se inferir que os membros elencados no artigo mencionado reunir-se-ão numa sala especial, ou seja, na sala em que ocorre a sessão do júri. Assim, o público presente na respectiva sessão irá, temporariamente, sair do local, ficando apenas os membros supracitados. Destarte, é perceptível que o referido artigo não menciona a presença da vítima, como também do acusado.
Assim, há bastante divergência doutrinária no que concerne acerca de o porquê de a votação ser exercida sem a presença do público que, geralmente, assiste a sessão de julgamento, pois de acordo com o artigo 5º, inciso LX da Constituição Federal de 1988: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (BRASIL, 1988). Por conseguinte, as decisões proferidas pelo Júri devem ser sigilosas, uma vez que, geralmente, os delitos contra a vida são de alta complexidade e, por sua vez, se tais decisões fossem publicadas, poderiam acarretar na insegurança dos jurados e, consequentemente, violariam o interesse público e, em especial, a defesa da intimidade.
Não obstante, indaga-se que pelo fato de os votos serem sigilosos, há uma exorbitante possibilidade de ocorrer arbitrariedades, uma vez que nem os membros elencados no artigo 485 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) podem presenciar o voto de cada um dos 25 jurados.
Diante dos fatos, é evidente que há relação entre a íntima convicção e o sigilo das votações, visto que uma está relacionada a outra, e que ambas potencializam a possibilidade de arbítrios no Tribunal do Júri e, em especial, dificultam o controle de que provas foram por eles conhecidas ou avaliadas.
4.1 A (In)capacidade dos jurados para os julgamentos
A priori, para que possamos compreender acerca do fulcro e da influência motivacional dos jurados no que tange às decisões proferidas com base nas provas realizadas na fase pré-processual, é indispensável que antes compreendamos os aspectos relacionados à decisão por parte dos jurados acerca de determinado delito contra a vida.
Em princípio, é importante ressaltar o significado da palavra decisão. Dessa forma, tal termo tem por definição: ação ou efeito de decidir. Logo, percebe-se que a decisão é um ato mental cognitivo de determinada pessoa ou coletivo. Além disso, é de precípua importância salientar que a etimologia da palavra decisão é diferente do termo escolha, uma vez que, este, tem por definição: opção entre duas ou mais coisas, isto é, determinado indivíduo possui a faculdade de decidir acerca de determinado assunto com fulcro em opções que lhes serão elencadas.
Não obstante, no ordenamento jurídico pátrio, existe um termo que se refere a decisão, no qual chama-se: discricionariedade. Portanto, de acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro (ano):
A discricionariedade costuma ser definida como a faculdade que a lei confere à Administração para apreciar o caso concreto, segundo critérios de oportunidade e conveniência, e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas perante o Direito (PIETRO, 2017, p. 74).
Daí é possível concluir que determinado agente público, como, por exemplo, a autoridade policial, poderá agir de forma discricionária, isto é, poderá optar acerca de qual decisão irá tomar para presidir as investigações no inquérito policial. Diante disso, espera-se que sempre aja em conformidade com a lei.
Entretanto, no âmbito do júri também não é diferente, uma vez que os jurados, através dos elementos probatórios, devem ter a capacidade de decidir acerca da absolvição ou condenação do réu de forma discricionária. Dessa forma, os mesmos atuam como juízes leigos, ou seja, na maioria das vezes, alguns dos jurados não possuem conhecimentos técnico-jurídicos e, consequentemente, torna-se um risco colocá-los em posição de decidir, pois como já fora supracitado, a palavra decisão exige-se uma prévia cognição, isto é, cognição e entendimento acerca do ordenamento jurídico brasileiro. Por conseguinte, infere-se numa irresponsabilidade exorbitante acerca de incumbi-los a tal decisão, visto que pode acarretar numa insegurança e, em especial, credibilidade do Tribunal do Júri.
Dessarte, Aury Lopes (BRASIL, 2014) ainda argumenta que:
A falta de profissionalismo, de estrutura psicológica, aliados ao mais completo desconhecimento do processo e de processo, são graves inconvenientes do Tribunal do Júri. Não se trata de idolatrar o juiz togado, muito longe disso, senão de compreender a questão a partir de um mínimo de seriedade científica, imprescindível para o desempenho do ato de julgar (OLIVEIRA, 2015 apud LOPES, 2014, p. 230).
Tal citação leva-nos a compreensão de que o despreparo dos jurados que, na maioria das vezes, são leigos pode acarretar numa decisão influenciada pelo senso comum, ou seja, sem conhecimentos jurídicos, mas por conhecimentos adquiridos ao longo da sociedade na qual os jurados estão inseridos que, infelizmente, não possuem valores legais.
Nesse sentido, os jurados não estão adstritos ao princípio da íntima convicção acerca de suas decisões, é o que ensina Aury Lopes (2014):
O golpe fatal no júri está na absoluta falta de motivação do ato decisório. A motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial. Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica (e jurisprudencial) ou discutir obviedades. O mais importante é explicar o porquê da decisão, o que levou a tal conclusão sobre autoria e materialidade. A motivação sobre a matéria fática demonstra o saber que legitima o poder, pois a pena somente pode ser imposta a quem –racionalmente –pode ser considerado autor do fato criminoso imputado. (...) o ius dicere em matéria de direito punitivo deve ser uma aplicação/explicação: um exercício de poder fundado em um saber consistente por demonstradamente bem adquirido. Essa qualidade na aquisição do saber é condição essencial para legitimidade do atuar jurisdicional (OLIVEIRA, 2015 apud LOPES, 2014, p. 770).
Percebe-se que a crítica está relacionada à ausência de motivação do ato decisório, visto que determinada decisão, quando não motivada, pode acarretar numa insegurança jurídica, como também no desrespeito aos Direitos Humanos elencados pelo Pacto de São José da Costa Rica e adotado pela nossa Constituição Federal (BRASIL, 1998).
Portanto, é possível inferir que pelo fato de existir a não obrigatoriedade de motivar determinada decisão no Tribunal do Júri, além de estar coadunada com a soberania dos veredictos, acaba gerando arbitrariedades, em que, determinado indivíduo poderá ser julgado a partir de circunstâncias não atinentes ao ordenamento jurídico brasileiro e, tampouco, a legalidade.
5 INCOMUNICABILIDADE DOS JURADOS NO TRIBUNAL DO JÚRI
Em princípio, para que possamos compreender acerca da incomunicabilidade dos jurados nas decisões do Júri, é indispensável que antes compreendamos os seus principais aspectos.
Assim, tal incomunicabilidade deriva do princípio, conforme dito em tópico anterior, do sigilo das votações, tendo em vista que para a fiel observância do mesmo foram instituídas normas, dentre as quais, encontra-se a incomunicabilidade dos jurados, consoante aduz o artigo 466, parágrafo 1º do Código de Processo Penal (1941):
O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa, na forma do § 2o do art. 436 deste Código (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) (BRASIL, CPP, 1941).
Dessa forma, observa-se que o juiz presidente irá responsabilizar os jurados através de uma advertência, os quais não poderão comunicar-se e, tampouco, manifestar as suas opiniões. Por conseguinte, deduz-se ser um dispositivo de influência negativa, visto que impede que os jurados possam discutir com mais rigor acerca da causa e, em especial, da avaliação dos elementos probatórios que lhes foram apresentados. Desse modo, percebe-se que há um controle sobre quais provas nas quais os jurados podem ter conhecimento, acarretando assim, em possíveis arbitrariedades.
Nesse sentido, Paulo Rangel (2009, p. 557) leciona que:
O silêncio dos jurados é uma censura imposta com a mais forte arma que os regimes totalitários utilizam, desde a Antiguidade, para impedir a propagação de ideais que podem pôr em dúvida a organização do Poder e o seu direito sobre a sociedade. A incomunicabilidade, ou seja, o silêncio é uma das formas de se controlar as ideias de um povo. Trata-se do controle do pensamento que vigorou no mundo antigo, grego, romano, na Idade Média, Moderna e teve seu maior rigor no século XX e o júri não ficaria de fora desse controle (TONELLO; RODRIGUES, 2012 apud RANGEL, 2009, p. 557).
Infere-se que há um retrocesso quando o nosso ordenamento jurídico dispõe de forma plena a incomunicabilidade entre os jurados, pois, através da restrição da comunicabilidade, o poder de limitar o pensamento humano torna-se mais expressivo, visto que o Estado, por meio do dispositivo supracitado, visa não fomentar a discussão entre os mesmos e, consequentemente, acaba desenvolvendo numa insegurança e instabilidade no Júri.
Ademais, conforme o artigo 489 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941):
“as decisões do Tribunal do Júri serão tomadas por maioria de votos”. Mas consoante Paulo Rangel (2007, p. 19-20), ensina que:
Não há dúvida, portanto, de que há no júri expresso exercício de poder que, como tal, deve ser democrático, sob pena de invalidar a decisão dos jurados. Logo, não basta a decisão ser apenas por maioria; ela tem que estar comprometida com a liberdade do outro, ou seja, deve haver um compromisso ético, na decisão, que somente será alcançado pela plena comunicação entre o conselho de sentença e sua necessária fundamentação. [...] A conversação é o instrumento através do qual os jurados vão fundamentar e exteriorizar suas opiniões sobre os fatos objeto do processo evitando o arbítrio e qualquer decisão estigmatizada (TONELLO; RODRIGUES, 2012 apud RANGEL, 2007, p. 19-20).
Desta maneira, é possível concluir que através da comunicação entre os jurados, fará com que os mesmos possam decidir de forma mais convicta acerca de determinado delito, porquanto poderão argumentar e debater sobre suas opiniões acerca dos fatos do processo, evitando-se o arbítrio e, não obstante, elevando a segurança social e jurídica nas decisões proferidas pelo Tribunal do Júri.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a realização da presente pesquisa, pode-se concluir que é de indubitável importância a observância no que tange ao caráter inquisitorial do inquérito policial nas investigações, visto que na fase pré-processual não está prevista o princípio do contraditório e da ampla defesa.
Por conseguinte, fora apresentado como problemática o possível valor probatório dos elementos colhidos na fase inquisitorial como fundamentos para a motivação do veredicto no âmbito do Tribunal do Júri. Dessa forma, observou-se que pelo fato de não possuir o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, tal procedimento administrativo não poderá ser utilizado como valor probatório e de fundamentação nas decisões proferidas pelo juiz togado no respectivo tribunal.
Não obstante, Aury Lopes ensina que a afirmação genérica e infundada de que não existe direito de defesa e contraditório no inquérito policial está bastante equivocada, uma vez que não existe uma defesa ampla e plena, mas sim defesa pessoal e técnica com alcance limitado (LOPES, 2019, p. 174). Por isso, entende-se que pelo não exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, tal procedimento, não tem respaldo para que os seus elementos sejam utilizados como valor probatório. No entanto, destacou-se que existem provas que podem ser utilizadas como valor probatório no âmbito do Júri, as quais são: irrepetíveis, antecipadas e cautelares.
Ademais, no decorrer do presente estudo, fora abordado os sistemas processuais penais, dando ênfase, ao sistema inquisitório e acusatório. Nesse sentido, preceitua Aury Lopes (2019, p. 43) que, “a doutrina brasileira, majoritariamente, aponta que o sistema brasileiro contemporâneo é misto (predomina o inquisitório na fase pré-processual e o acusatório, na processual)”. Destacou-se que pelo fato de o inquérito ser um procedimento presidido pela autoridade policial, torna-o, consequentemente, inquisitório. Pois, a incumbência de presidi-lo fica adstrito através de um único agente público – delegado de polícia. Mas ficou evidente que, ao longo da pesquisa, o sistema adotado pelo Brasil é o misto, uma vez que o mesmo é bifásico, isto é, pré-processual (inquisitório) e processual (acusatório).
Com o transcorrer da pesquisa, foi possível inferir acerca dos principais princípios que regem o Tribunal do Júri, dentre os quais, encontra-se o princípio da soberania dos veredictos, no qual tem bastante influência nas decisões proferidas pelo magistrado togado e, em especial, no convencimento dos jurados, além disso, foi possível concluir que não vivemos em um Estado arbitrário, mas sim num Estado Democrático de Direito e, portanto, tais decisões podem ser impugnadas através do recurso de apelação, no qual encontra-se fundamentado no dispositivo mencionado ao longo do estudo.
Todavia, fora observado também que, o artigo 155 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), conquanto estabeleça que o magistrado não pode fundamentar a sua decisão, exclusivamente, com base nas informações investigadas no inquérito policial, entende-se que o seu valor probatório ainda é um problema que incide na ausência de legitimidade e, em especial, de veracidade.
Não obstante, fora estudado acerca da incapacidade dos jurados para julgar delitos dolosos contra a vida no âmbito do Tribunal do Júri, tendo em vista que, conforme supracitado, na maioria das vezes, há ausência de profissionalismo, de estrutura psicológica e, principalmente, técnica dos mesmos. Logo, percebe-se que tais características se tornam inconvenientes para que ocorra um julgamento imparcial e probo no Tribunal do Júri.
Doravante, destacou-se na pesquisa que a incomunicabilidade entre os jurados os impede de discutir com mais rigor acerca da causa e, especialmente, da avaliação dos elementos probatórios colhidos na fase pré-processual. Desse modo, percebe-se que há um controle sobre quais provas nas quais os jurados podem ter conhecimento, fazendo com que acarrete em possíveis arbitrariedades.
Portanto, observa-se que pela natureza inquisitiva do inquérito policial, deve ser analisada de forma bastante subjetiva, uma vez que pelo fato de não abranger o contraditório e a ampla defesa de forma plena e, sobretudo, os atos da investigação não poderem ser elementos probatórios exclusivos na fundamentação do magistrado, logo faz-se necessário observar com mais afinco o princípio da íntima convicção no âmbito do júri, visto que pode acarretar em possíveis arbitrariedades.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Brasília, DF: Legislativo, [2013]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm. Acesso em: 6 nov. 2019.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: 6 nov. 2019.
BRASIL. [Código de Processo Penal (1941)]. Decreto-lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em: 6 nov. 2019.
BRASIL. Lei nº 4.824, de 22 de novembro de 1871. Regula a execução da Lei nº 2.033 de 24 de setembro do corrente ano que alterou diferentes disposições da Legislação Judiciária. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dim/dim4824.htm. Acesso em: 6 nov. 2019.
BRASIL. Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Brasília, DF: Legislativo, [2013]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm. Acesso em: 6 nov. 2019.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n° 14. É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. Diário da Justiça: seção X, Brasília, DF, ano 2015, n.X, p.X , 09 . XXXX.
BRASIL. Lei nº 13.245, de 23 de janeiro de 2016. altera o art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil). Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13245.htm. Acesso em: 6 nov. 2019.
BRASIL. [Constituição (1946)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1946. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em: 20 dez. 2019.
BRASIL. [Constituição (1969)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1969. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm. Acesso em: 20 nov. 2019.
CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7º. ed. São Paulo: Edições Almedina, 2003.
CUNHA, Walfredo. Tribunal do Júri. 1º. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2010.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19º. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2012.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 21º. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2014.
COUTINHO, J. N. M. O papel do novo juiz no Processo Penal. Net, São Paulo, abr. 2015. Seção Ponto de Vista. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/o-papel-do-novo-juiz-no-processo-penal. Acesso em: 25 fev. 2020.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30º. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. 3º. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda., 2002.
GLAUCIO, B. G. F. O Valor probatório das informações contidas no inquérito policial a condenação criminal fundada nas provas colhidas na fase inquisitiva. Net, Goiás n. mai. 2017. Seção Citação Direta. Disponível em: http://unidesc.edu.br/nip/wp-content/uploads/2017/05/Bruno-Glaucio-Santos-de-Freitas_DIREITO.pdf. Acesso em: 10 mai. 2020.
LOPES, Aury. Direito Processual Penal. 16º. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 33º. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2017.
MOURA, Genney Randro Barros de. Breves anotações sobre o princípio da insignificância. Cidadania e Justiça: revista do curso de direito de Ituiutaba, Ituiutaba, v. 4, n. 8, p. 89-93, jul./dez.. 2001. Disponível em: http://200.205.38.50/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=104568. Acesso em: 21 mai. 2020.
NUCCI, Guilherme. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 12º. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
NASCIMENTO, R.P.O Visão crítica acerca do tribunal do júri: a problemática dos jurados e a possibilidade de renúncia ao julgamento pelo conselho de sentença. Net, Pernambuco 17 abri. 2018. Seção Citação Direta. Disponível em: https://www.repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/24465/1/Monografia%20-%20Tha%C3%ADs%20Rafaella%20do%20Nascimento%20Silva.pdf. Acesso em: 21 mai. 2020.
PETRY DE OLIVEIRA, R.P.O Visão crítica acerca do tribunal do júri: a problemática dos jurados e a possibilidade de renúncia ao julgamento pelo conselho de sentença. Net, Rio Grande do Sul – Santa Maria nov. 2015. Seção Citação Direta. Disponível em: https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/11521/Renata%20Petry%20de%20Oliveira.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 06 mai. 2020.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 23º. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
TONELLO; RODRIGUES, Tribunal do Júri: uma análise histórica e principiológica às suas decisões sobre o prisma da segurança jurídica. Net, Londrina jan/abr. 2012. Seção Citação Direta. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/10250. Acesso em: 06 mai. 2020.
AGRADECIMENTOS
Passaram-se 5 anos, mas parece que foram apenas 5 dias. Foram tantos desafios, tantas dificuldades que quase me fizeram parar no meio dessa trajetória, mas a vida fez com que eu me tornasse mais forte e, consequentemente, me fez continuar. Logo, primeiramente quero agradecer a Deus e, em especial, a minha mãe Edja Santos, que sempre trabalhou, lutou e batalhou para que eu tivesse um futuro digno. Além disso, foi a mulher que me educou e sempre me amou.
Não obstante, quero agradecer especialmente aos professores Paulo Gustavo e Rafaela Mendonça, pois sem eles eu não teria conseguido elaborar este artigo científico, tendo em vista que foram grandes auxiliadores para que este projeto pudesse acontecer.
Por fim, quero agradecer e homenagear o meu padrasto, no qual tive o prazer de considera-lo como um verdadeiro pai, Ubaldo de Oliveira Melo Junior foi um grande homem que passou pela minha vida, uma vez que, juntamente com a minha mãe, me educou, me amou e sempre me apoiou nos estudos, sempre sonhou com um futuro digno para mim. Portanto, deixo aqui os meus agradecimentos a todos vocês. Muito obrigado!