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Da legítima defesa

10/05/2022 às 16:35

Resumo:


  • A legítima defesa é um direito natural, reconhecido desde tempos antigos, permitindo repelir uma agressão injusta com a força necessária para proteger a si mesmo ou a outrem.

  • O Código Penal Brasileiro, no artigo 25, define legítima defesa como o ato de usar moderadamente dos meios necessários para repelir uma agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de terceiros.

  • Os tribunais brasileiros têm consistentemente reconhecido a legítima defesa como uma excludente de ilicitude, absolvendo os acusados quando comprovados os requisitos legais, conforme jurisprudência e doutrina citadas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

É porventura a legítima defesa o mais caro e importante dos institutos penais, pois que serve a tutelar o direito à vida, o máximo dos bens. Para os advogados criminalistas, em especial os que atuam à barra do Júri, é sempre tema de primeira ordem.

I. A legítima defesa, afirmou Cícero num rapto de eloquência, não tem história, porque é uma lei sagrada, que nasceu com o homem, anterior à tradição e aos livros, gravada que está no código imortal da natureza.[1]

Definiu-a nestes termos o Código Penal (art 25):

“Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

“Todas as leis e todos os direitos permitem repelir a força pela força”, escreveu no bronze eterno o jurisconsulto Paulo[2]: “Vim vi defendere omnes leges omniaque jura permittunt” (Dig. 9, 2).

Isto mesmo significou o elegante Manuel Bernardes: “A justiça concede a todos repelir a força com a força” [3].

De igual sentir, o imenso Vieira[4].

Aquele, portanto, que for injustamente agredido (ou estiver na iminência de sê-lo), poderá afastar o ofensor, até com violência, que o autoriza a lei. É a clara dicção do art. 23, nº II, do Código Penal. Matar,para não morrer, não é crime! [5]

Todavia, quem invoca a descriminante da defesa própria, a esse cabe demonstrá-la acima de dúvida, pois aqui a falta de prova faz as vezes de confissão da prática do crime.

Não é fora de propósito notar, porém, que, em pontos de legítima defesa, tem voga desembaraçada nos círculos pretorianos o entedimento adotado no ven. acórdão de que foi relator o eminente Desembargador Manuel Carlos:

“Ainda que a legítima defesa não se apresente com impecável nitidez, não sendo razoável negá-la, deve o juiz reconhecer sua existência” (Rev. Tribs., vol. 171, p. 97).

II. Os Tribunais de Justiça do País, desde que comprovados os requisitos da lei, têm sistematicamente reconhecido a licitude do teor de proceder de quem age segundo a referida causa excludente de antijuridicidade. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que figura entre os grandes luzeiros da Jurisprudência pátria, nunca se desabraçou desta inteligência, como se vê do acórdão seguinte, proferido por sua 5a. Câmara de Direito Criminal:

PODER JUDICIÁRIO - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; Quinta Câmara – Seção Criminal

Recurso de Ofício nº 990.09.081418-7; Comarca: Pedregulho

Recorrente:  MM. Juiz de Direito “Ex Officio”; Recorrido:  LS

Voto nº 12188

Relator

– É maior de toda a censura a decisão que, reconhecendo a existência de causa excludente de antijuridicidade — legítima defesa (art. 23, nº II, do Cód. Penal) —, absolve o acusado nos termos da lei (art. 415, nº IV, do Cód. Proc. Penal). Em verdade, é lícito repelir a força com a força: “Vim vi repellere licet” (Ulpiano).

“A justiça concede a todos repelir a força com a força” (Manuel Bernardes, Nova Floresta, 1726, t. IV, p. 207)

– Todo aquele que for injustamente agredido (ou estiver na iminência de sê-lo), poderá afastar o ofensor, mesmo com violência, que o autoriza a lei. É a clara dicção do art. 23, nº II, do Cód. Penal. Matar, para não morrer, não é crime!

“A defesa individual contra um ataque violento e sério é um direito, é mesmo um dever, porque cada um tem não somente o direito, mas também o dever de velar pela sua própria conservação” (Antônio Lemos Sobrinho, Legítima Defesa, 1925, p. 28).

“Na minha casa, sem a minha autorização, só entra o Sol e ninguém mais!” (Adágio).

1.    Da r. sentença que, reconhecendo em seu favor causa excludente de antijuridicidade (legítima defesa), absolveu LS da acusação de infrator do art. 121, § 2º, nº III, combinado com o art. 29, do Código Penal, recorreu de ofício o MM. Juiz de Direito da Comarca de Pedregulho.

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em firme e criterioso parecer do Dr. Gianpaolo Poggio Smanio, opina pelo improvimento do recurso (fls. 347/349).

É o relatório.

2.    Reza a denúncia que o recorrido, no dia 1º de julho de 2006, pelas 20h30, na Rua Jerônimo Ferreira, em Pedregulho, obrando “necandi animo”, efetuou disparos com arma de fogo contra Luciano Domingos, nele produzindo ferimentos que lhe foram a causa da morte.

A prova coligida (técnica e testemunhal) demonstrou, além de dúvida, que o recorrido procedera em situação em legítima defesa (fls. 190/191 e 230).

É dos autos, com efeito, que a vítima Luciano Domingos — conhecido ferrabrás da cidade de Pedregulho —, dando expansão às suas bravatas, foi à casa dos réus e aí se travou de razões com eles.

Acompanhava-se do irmão Vagner e trazia consigo uma arma branca (faca). Eis senão quando entra a agredir o réu Lincoln; este, conseguindo livrar-se dos agressores, pegou uma arma de fogo que estava no quarto e disparou-a contra a vítima, atingindo-a mortalmente.

Fatos foram esses que mereceram ao douto Magistrado não somente feliz escorço, mas observações juntamente vivazes e verdadeiras: “Não é aceitável que alguém apanhe de um valentão dentro da própria casa. Se existe um lugar onde a legítima defesa deve ser analisada com toda boa vontade é dentro da própria casa” (fl. 312).

Tem, deveras, carta de antiguidade a parêmia: “Na minha casa, sem a minha autorização, só entra o Sol e ninguém mais”!

3.    As provas obtidas, assim na Polícia como em Juízo, retrataram uma situação de legítima defesa própria. Todos os requisitos legais concorreram dessa causa de exclusão de ilicitude jurídica.

À agressão injusta e atual da vítima o acusado revidou. O teor de seu proceder, portanto, subsumiu-se no tipo legal do art. 25 do Código Penal.

Serve ao intento a lição de Antônio Lemos Sobrinho:

“A defesa individual contra um ataque violento e sério é direito, é mesmo um dever, porque cada um tem não somente o direito, mas o também o dever de velar pela sua própria conservação” (Legítima Defesa, 1925, p. 28).

Todo aquele que for injustamente agredido (ou estiver na iminência de sê-lo), poderá, destarte, afastar o ofensor, não importando se com violência, que o autoriza a mesma lei. É a clara dicção do art. 23, nº II, do diploma repressivo.

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De igual teor, o clássico Manuel Bernardes:

“A justiça concede a todos repelir força com força” (Nova Floresta, 1726, t. IV, p. 207).

Essa, ao demais, foi sempre a tradição de nossa jurisprudência. Os arestos a seguir transcritos bem o persuadem:

a)   “Age em legítima defesa quem pratica o crime ao ser agredido, injustamente, em seu próprio lar, à noite” (Rev. Forense, vol. 164, p. 393);

b)   “Age em legítima defesa quem, injustamente agredido em sua casa, dispara contra o agressor, matando-o” (Rev. Forense, vol. 178, p. 409).

A decisão de Primeiro Grau resolveu a questão dos autos com acerto e rigor jurídico.

Em suma, dada com estrita observância da lei e após escorreita análise da prova dos autos, quer-se confirmada a r. sentença de fls. 300/314, que faz honra a seu prolator, o distinto e culto juiz Dr. Luiz Gustavo Giuntini de Rezende.

5.    Pelo exposto, nego provimento ao recurso necessário.

São Paulo, 2 de setembro de 2009

Des. Carlos Biasotti

Relator


[1]   “Pro Milone”, cap. IV.

[2]   Cf. V. César da Silveira, Dicionário de Direito Romano, 1957, vol. II, p. 475.

[3]   Nova Floresta, 1726, t. IV, p. 207.

[4]   “Haveis de ferir necessariamente a quem vos afrontou, porque a mancha de uma bofetada no rosto só com o sangue de quem a deu, se lava” (Sermões, 1959, t. XIII, p. 135; Lello & Irmão, Editores).

[5]   Oráculo do Direito Penal pátrio, escreveu Nélson Hungria: “Tanto na legítima defesa, quanto no estado de necessidade, não há crime, o que vale dizer: o fato é objetivamente lícito” (Comentários ao Codigo Penal, 1981, vol. V, p. 92).

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Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIASOTTI, Carlos. Da legítima defesa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6887, 10 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94096. Acesso em: 27 dez. 2024.

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