Requisitos do contrato de trabalho e a jurisprudência

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19/10/2021 às 15:55
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O presente artigo, à luz da doutrina e da jurisprudência atuais, pretende compreender melhor os requisitos tidos como essenciais ao contrato de trabalho segundo a CLT.

Introdução

O presente trabalho visa explanar sucintamente acerca dos requisitos do contrato de trabalho firmados pela doutrina a partir do texto legal da Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”). Em seguida, pretende-se correlacionar os princípios doutrinários com a jurisprudência consolidada do Tribunal Regional do Trabalho.

  1. Sobre os requisitos essenciais do contrato de trabalho - análise doutrinária

O Decreto Lei n 5.452, de 1º de maio de 1943, sancionado pelo então Presidente da República Getúlio Vargas, foi responsável pela introdução no ordenamento brasileiro da Consolidação das Leis do Trabalho, a chamada “CLT”. Antes, a legislação trabalhista estava dispersa no conjunto de normas do país.

Com a criação da CLT, buscava-se regulamentar as relações de trabalho, individuais ou coletivas, visando proteger as partes de abusos e violações, bem como assegurar-lhes direitos trabalhistas.

Em seu art. 3º, a CLT dispõe: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. O caput do art. 2º ainda completa: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação de serviços”. Do art. 442, temos também que o “contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”.

Serão, assim, os requisitos do contrato de trabalho e da relação de emprego: o trabalho não eventual, prestado com pessoalidade por pessoa física, mediante subordinação e onerosidade.

Cumpre observar, aqui, que tais elementos são fáticos e existem independentemente do Direito, tendo sido captados pela lei por sua relevância sociojurídica (DELGADO, 2019, p. 338).

Dessa sorte, o presente trabalho pretende fazer uma análise doutrinária e jurisprudencial dos requisitos do contrato de trabalho, considerando a subdivisão de requisitos consolidada a partir do art. 3º: a continuidade e a não eventualidade, a subordinação, onerosidade, a pessoalidade e a alteridade.

Primeiramente, o estudo será feito a partir da doutrina sobre o tema. Depois, num esforço de trasladar as disposições legais para a realidade, será feita uma breve análise jurisprudencial.

a.    Continuidade e não eventualidade

Em seu livro “Direito do Trabalho”, Sergio Pinto Martins entende continuidade no contrato de trabalho como sendo “de trato sucessivo, de duração (...). A continuidade é da relação jurídica, da prestação de serviços”. Assim, a continuidade faz parte da relação jurídica estabelecida entre as partes. Pontua, porém, que aquele que presta serviços eventualmente não é empregado.

A doutrina e a jurisprudência fazem, aqui, uma diferença entre a “continuidade” e a “não eventualidade”.

Segundo postula Delgado (p. 341), a ideia de permanência no Direito do Trabalho tem duas facetas: em primeiro lugar, deve-se citar aquela que diz respeito à duração do contrato empregatício, regida pelo princípio da continuidade da relação de emprego e da qual se incentiva a permanência definitiva do vínculo de emprego.

Por sua vez, a outra faceta da permanência está, segundo o autor, no próprio instante da configuração do tipo legal da relação empregatícia. Para isso, é essencial que o trabalho prestado tenha um caráter de permanência - mesmo que o período de tempo seja curto.

O debate acerca da não eventualidade, ao que tange à legislação vigente, diz respeito à “serviços de natureza não eventual” (art. 3º, caput da CLT), enquanto na legislação específica do trabalho doméstico o termo escolhido é “serviços de natureza contínua” (art. 1º, caput, da Lei nº 5.859/72).

Como a noção da eventualidade pode produzir resultados diferentes a depender da situação em concreto identificada, Delgado (p. 342) defende que a conduta mais sensata é:

“(...) valer-se o operador jurídico de uma aferição convergente e combinada das distintas teorias em cotejo com o caso concreto estudado, definindo-se a ocorrência ou não da eventualidade pela conjugação predominante de enfoques propiciados pelas distintas teorias.”

A respeito das supracitadas teorias, pode-se citar algumas diferentes: a teoria da descontinuidade, a teoria do evento, a teoria dos fins do empreendimento e a teoria da fixação jurídica ao tomador de serviços, as quais não serão esmiuçadas aqui por uma questão de recorte teórico.

A partir das inúmeras formulações a respeito do tema, o autor elenca (p. 344) as principais características do trabalho de natureza eventual: a descontinuidade da prestação do trabalho, entendida como a não permanência em uma organização do ânimo definitivo; não fixação jurídica a uma única fonte de trabalho; curta duração do trabalho prestado; natureza do trabalho ligada a evento certo; natureza do trabalho não correspondente ao fim do empreendimento.

É de suma importância pontuar que a partir do momento em que a prestação se torna permanente, apesar da aparente descontinuidade, não há mais como se falar em eventualidade.

b.    Subordinação

Com subordinação, tem-se que há o pressuposto de uma relação de dependência do empregador para o empregado. É um princípio consolidado na jurisprudência como sendo de natureza jurídica e que deriva do contrato firmado entre as partes, no qual um o empregado “acolhe um direcionamento objetivo” do empregador sobre a forma da efetivação da prestação de serviços (DELGADO, p. 326).

Alguns autores defendem que é esse requisito é o de maior importância nas relações de trabalho, por acentuar as diferenças entre, por exemplo, as diversas relações de emprego e a prestação de trabalhos autônomos.

Pode ser dividida em três dimensões: a clássica, a subjetiva e a estrutural (DELGADO, p. 327).

A dimensão clássica diz respeito à situação jurídica derivada do contrato de trabalho, na qual o trabalhador firma um acordo com o empregador para acolher sua direção empresarial na escolha do modo de realização da prestação laboral. A dimensão objetiva, por sua vez, é correlata à subordinação manifesta pela integração do trabalhador naqueles fins e objetivos estabelecidos pelo tomador.  A estrutural é, assim, a subordinação que tange à inserção do trabalhador na harmonia da dinâmica operativa da atividade prestada.

É essencial postular aqui que as três dimensões são complementares, não excludentes. Compreendê-las permite:

não só adequar o conceito jurídico, pela via interpretativa, às modificações da realidade, renovando o necessário expansionismo do ramo juslaborativo, como também relativiza a utilidade de formas jurídicas restritivas de direitos sociais e fundamentais. Demonstra, ademais, a elevada capacidade de adaptação do Direito do Trabalho aos Desafios da cambiante sociedade e economia capitalista” (DELGADO, p. 330).

c.    Onerosidade

Onerosidade, por sua vez, diz respeito ao pagamento pelos serviços exercidos pelo empregado, uma vez que este é contratado pelo empregador a título oneroso, tendo “o dever de prestar serviços e o empregador, em contrapartida, deve pagar salários pelos serviços prestados” (MARTINS, 2018, p. 176). Isso pois a relação empregatícia tem fundo econômico, o que também é correlato com o valor da força de trabalho do trabalhador que é colocado à disposição do empregador.

Delgado (p. 345) ainda explica que existem dois planos de análise da onerosidade: o plano objetivo e o plano subjetivo.

O primeiro diz respeito ao pagamento de parcelas remuneratórias ao empregado pelo empregador, que serão chamadas de “complexo salarial”. Este pode ser pago em diferentes frequências, como semanalmente, mensalmente, quinzenalmente… sendo seu cálculo feito também de diferentes formas, como por modalidade fixa ou fórmula variável.

Quanto ao plano subjetivo, ele será o único que permitirá verificar a existência da onerosidade na relação de trabalho entre as partes, como exemplo o trabalho análogo à escravidão. Nesse plano, a onerosidade é manifestada pela intenção da contraprestação econômica entre as partes. Outro exemplo de trabalho que não tem intenção de contraprestação econômica entre as partes é o trabalho voluntário.

d.    Pessoalidade

Pessoalidade diz respeito à infungibilidade do prestador de serviços. Deve haver intuitu personae na relação jurídica pactuada, de modo que o trabalhador não pode ser/ou se fazer substituído por outro na prestação do serviço. Alguns autores, tal como Maurício Godinho Delgado (p. 315), somam esse requisito a um outro, o do trabalho exercido por pessoa física, que outros autores consideram como sendo um componente da pessoalidade.

Deve-se considerar, aqui, porém que eventuais substituições fundamentadas não significam a supressão da pessoalidade na relação de trabalho: aquelas que contam com a concordância do tomador de serviços e também as que são autorizadas por lei (férias, licença gestante…, por exemplo).

Importante salientar também que o caráter da pessoalidade no contrato de trabalho tem efeitos que ultrapassam o instante da configuração do vínculo empregatício e se estendem também para o momento de sua extinção, como na morte do prestador - o vínculo não será transferido para seus herdeiros/sucessores, daí findando o contrato.

e.    Alteridade

Quanto à alteridade, pode-se dizer que o empregado presta serviços por conta alheia e não por conta própria, de tal forma que não pode ter qualquer tipo de risco, como por exemplo eventuais prejuízos da empresa.

Isso significa que a assunção dos riscos será inteiramente de responsabilidade do empregador - sejam estes riscos da empresa, do estabelecimento ou mesmo do contrato de trabalho firmado e de sua prestação.

Há aqui, entretanto, um debate acerca do texto legal trazido pela CLT: a alteridade é colocada como sendo apenas os riscos empresariais - “riscos da atividade econômica” (art. 2º, caput) - de tal modo que, à primeira vista, parece haver uma delimitação empresarial para o tema. A doutrina e a jurisprudência, entretanto, têm firmado como entendimento que o risco se estende a qualquer tipo de trabalho prestado, não só aqueles destinados a fins econômicos.

f.     Requisitos não essenciais do contrato de trabalho

Sergio Pinto Martins ainda disserta sobre a existência de requisitos não essenciais do contrato de trabalho, tal como a não obrigatoriedade de exclusividade da prestação do serviço entre empregado e empregador (art. 138 da CLT). Outro requisito não essencial diz respeito à escolaridade ou especialização do empregado - devido ao perfil de trabalhadores brasileiros, é predominante o entendimento de que o empregado não precisa ter formação técnica para exercer muitas das funções. Com exceção, é claro, de profissões que exijam habilidades profissionais específicas, tal como a advocacia, o exercício da medicina e da odontologia e a engenharia (MARTINS, 2018, p. 177).

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2. Análise jurisprudencial dos requisitos do contrato de trabalho

Paralelamente à análise doutrinária, é essencial analisar os requisitos do contrato de trabalho à luz da jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho. Isso pois a jurisprudência representa uma junção entre o mundo fático e o mundo das leis, na medida em que, analisando casos concretos, aplicam-se as disposições legais vigentes no país.

Dessa sorte, a jurisprudência também é responsável por exercer o papel fundamental de atualizar as disposições legais, de modo a torná-las compatíveis com a evolução social (REALE, 1998, p. 170).

No presente trabalho, reconhecendo-se limitações de tempo, espaço, proposta e capacidade de pesquisa, serão pinceladas algumas decisões colegiadas dos desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, nos períodos de janeiro de 2018 a maio de 2020, de modo a compreender como a jurisprudência tem tratado acerca do tema dos requisitos do contrato de trabalho.

Passa-se, agora, à análise.

a.    Continuidade e não eventualidade

O primeiro julgado apresentado diz respeito ao requisito da continuidade. No caso em tela, a autora pretendia o reconhecimento do vínculo de emprego de cuidadora. O empregador (doravante reclamado) admitiu a prestação de serviços e atraiu para si o ônus da prova quanto ao trabalho eventual. A pretensão não foi reconhecida na origem.

Em seu voto, a relatora pontua que as provas dos autos, tiradas de conversas feitas no aplicativo WhatsApp, comprovam que a autora não tinha nenhuma “expectativa quanto à continuidade na prestação daquele serviço”, de modo que podia se recusar a comparecer sem qualquer consequência trabalhista (tal como eventual penalidade) e também que tinha autonomia para prestar o serviço nos dias e horários que mais lhe conviesse. Salienta em seu voto também a ausência de pessoalidade, habitualidade e subordinação. Assim, afastou os requisitos da Lei Complementar nº 150/2015 (que trata do contrato de trabalho doméstico) e negou-se provimento por unanimidade dos votos. Segue ementa:

Vínculo de emprego. Ônus da prova. Negando a parte reclamada a existência de vínculo de emprego, mas admitindo a prestação de serviços pela parte autora, atrai para si o ônus da prova, nos termos do artigo 818, II, da CLT, do qual, no presente caso, se desvencilhou a contento.

(Tribunal Regional da Segunda Região; 2ª Turma; Processo nº 1000175-55.2019.5.02.0090 (ROPS); Relatora: Sonia Maria Forster do Amaral; Data da publicação: 01/08/2020)[1]

Ainda no mesmo ensejo, tal como já problematizado no item 1 do presente trabalho, é essencial tratar sobre a não eventualidade da prestação de serviços ao analisar os requisitos do contrato individual do trabalho.

No recurso ordinário em rito sumaríssimo apresentado abaixo, o recorrente afirma ter prestado serviços não eventuais de auxílio a profissional de jardinagem. Em seu voto, porém, o magistrado relator entende não haver nenhuma prova acostada aos autos nesse sentido.

O relator pontua ainda que através das mensagens trocadas pelo WhatsApp, pode aduzir justamente a eventualidade dos serviços prestados, de modo que não há de que se falar em configuração de vínculo empregatício. Foi negado provimento ao recurso ordinário em unanimidade de votos.

VÍNCULO EMPREGATÍCIO. REQUISITOS. EVENTUALIDADE DA PRESTAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. O vínculo empregatício revela-se apenas na presença concomitante dos requisitos do artigo 2º e 3º da CLT. Comprovada, de forma satisfatória, pela reclamada, a eventualidade dos préstimos laborais, inviável o reconhecimento do pacto laboral. Sentença mantida.

(Tribunal Regional da Segunda Região; 2ª Turma; Processo nº 1000923-51.2018.5.02.0372 (RO em Rito Sumaríssimo; Relator: Rodrigo Garcia Schwarz; Data de publicação: 22/05/2019)[2]

b.    Subordinação

A brevidade do relatório do próximo acórdão não permite contextualizar propriamente o recurso ordinário em questão. Contudo, sabe-se que se trata de um reconhecimento de vínculo empregatício e verbas decorrentes julgados improcedentes no tribunal de origem.

Dessa sorte, a prestação de serviços foi admitida pela reclamada, mas negou-se a subordinação. Conforme consta no voto do relator por meio das conversas de WhatsApp juntadas nos autos, o reclamante mandava mensagens solicitando serviços, ou então a reclamada entrava em contato com propostas esporádicas. Salienta-se que o reclamante inclusive chegou a recusar algumas propostas de serviços feitas pela reclamada, o que, segundo o julgador, demonstra sua total autonomia, não se podendo falar em subordinação no caso em tela.

A votação foi unânime para negar provimento ao recurso ordinário.

RELAÇÃO DE EMPREGO. REQUISITOS. Para a configuração da relação de emprego, a doutrina com respaldo no artigo 3º da CLT, estabelece os seguintes requisitos: pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade. A ausência de qualquer desses requisitos importa na descaracterização da relação de emprego.

(Tribunal Regional da Segunda Região; 12ª turma; Processo nº 1000384-36.2018.5.02.0065 (RO); Relator: Marcelo Freire Gonçalves; Data de publicação: 21/02/2019)[3]

c.    Onerosidade

O acórdão que tratará do requisito da onerosidade diz respeito a um recurso ordinário movido pelo reclamante, que alegou na origem a existência de vínculo empregatício entre ele e a reclamada, o que não foi provido pelo juiz de primeiro grau.

O reclamante, em sede de depoimentos, apesar de alegar a existência do vínculo, admitiu que recebia por dia trabalhado, o que o magistrado relator entende como sendo uma prova em favor da reclamada, já que demonstra que este era contratado por tarefa, numa clara relação de eventualidade. Os elementos, aqui, se conversam - a forma do pagamento se correlaciona com a frequência dos trabalhos prestados, de tal modo que o alegado pelo reclamante se torna incongruente e insuficiente para demonstrar a caracterização do vínculo.

Por unanimidade de votos, o recurso ordinário foi parcialmente provido, de modo determinar a suspensão da exigibilidade da cobrança de honorários advocatícios - debate este que não tange ao presente trabalho.

VÍNCULO EMPREGATÍCIO. No ato da formulação da contestação, o réu tem como ônus da manifestação precisa sobre os fatos narrados na fundamentação da exordial, ou seja, presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados, nos termos do art. 341 do CPC. A impugnação do réu pode ser pela: a) negativa do fato constitutivo do direito do autor; b) oposição de outros fatos, os quais impedem, extinguem ou modificam as consequências jurídicas da base fática arguida pelo autor. Diante da negativa do réu, o onus probandi é do Autor (art. 818, I, CLT; art. 373, I, CPC) quanto ao fato constitutivo do seu direito. A experiência forense trabalhista indica que é comum a discussão judicial quanto à existência ou não da relação jurídica trabalhista. Em defesa, o empregador poderá adotar duas linhas distintas: a) negativa da existência do vínculo empregatício, aduzindo que nunca houve a prestação de serviços pelo trabalhador, sendo que nesse caso o encargo probatório é do autor; b) reconhecer a prestação de serviços com a negativa total ou parcial da presença dos requisitos do trabalho subordinado (art. 3º da CLT). Isto significa que o réu admite a base constitutiva do direito do autor, contudo, lhe opõe um fato impeditivo. Nesse caso o encargo probatório é do réu. No caso em análise, a Reclamada admitiu a prestação de serviços. Portanto, era seu o ônus probatório. Para que esteja configurado o vínculo empregatício regido pela CLT, deverão estar presentes todos os seguintes requisitos: a) trabalho por pessoa física; b) pessoalidade; c) não eventualidade; d) subordinação; e) onerosidade. A ausência de um dos requisitos impede o reconhecimento do vínculo. A análise do conjunto probatório demonstra que os elementos trazidos aos autos não são suficientes para a caracterização da figura de empregado, nos moldes do artigo 3º da CLT.

(Tribunal Regional da Segunda Região; 14ª Turma; Processo nº 1000729-32.2019.5.02.0076; Relator: Francisco Ferreira Jorge Neto; Data da publicação: 16/03/2020)[4]

Ainda no debate tangente à onerosidade, tem-se outro acórdão de decisão de recurso ordinário, que diz respeito ao reconhecimento do vínculo de emprego de consultor de vendas.

No mérito, o próprio reclamante declarou que "recebia os valores conforme vendia; que não recebia valor fixo; que recebia por comissões dependendo das vendas feitas; que iam pegar o cheque na própria empresa".

Em consonância, a testemunha arrolada por ele afirmou que "recebiam valores mediante cheque dos próprios clientes pelas vendas realizadas; que pega o cheque na reclamada".

O magistrado, então, entendeu que não se fazia presente o requisito da onerosidade, de modo que não se poderia configurar a existência de vínculo empregatícios, eis que a ausência de qualquer um dos requisitos do art. 3º da CLT é suficiente para afastar a ocorrência da relação de emprego.

Negou-se provimento ao recurso por unanimidade. Segue acórdão:

RELAÇÃO DE EMPREGO. AUSÊNCIA DE ONEROSIDADE. Não se caracteriza como de emprego a relação jurídica em que restou demonstrada a ausência do requisito da onerosidade.

(Tribunal Regional da Segunda Região; 11ª turma; Processo nº 1000547-16.2016.5.02.0023 (RO); Relatora: Odette Silveira Moraes; Data da publicação: 17/04/2020)[5]

d.    Pessoalidade

            O próximo acórdão a ser analisado diz respeito a um recurso ordinário de reclamação trabalhista para reconhecimento do vínculo empregatício.

            No caso em tela, trata-se também do caso de uma cuidadora de idosos. Em seu depoimento pessoal, a reclamante confessou que quando não podia comparecer ao local de trabalho, determinava que outra pessoa a substituísse, o que foi confirmado por testemunha. Para o julgador, esse elemento foi essencial para eliminar o requisito pessoalidade da relação empregatícia. 

            De forma unânime, negou-se provimento ao recurso.

VÍNCULO DE EMPREGO. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE REQUISITO LEGAL. PESSOALIDADE. Ausente a pessoalidade na prestação dos serviços, descaracteriza-se a vinculação empregatícia, em face da autonomia da trabalhadora, a qual confessou que quando não podia comparecer ao local de trabalho determinava que outra pessoa a substituísse. Recurso Ordinário a que se nega provimento.

(Tribunal Regional da Segunda Região; 3ª Turma; Processo nº 1000027-04.2017.5.02.0611 (RO); Relator: Nelson Nazar; Data de Publicação: 06/09/2018)[6]

e.    Alteridade

 Sobre alteridade, o acórdão abaixo trata de recurso ordinário interposto em razão da denegação do pedido de reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes.

Consta no voto do magistrado que havia assunção de atividade comercial praticada pela autora, eis que todo o material utilizado por esta era de sua propriedade, bem como a sala que esta fazia uso era de sua exclusividade. Era responsável, também, pela disponibilização dos horários a serem agendados pelo salão.

Disso, aduz então que não se mostravam presentes os requisitos da alteridade e da subordinação. Da alteridade, pois o material utilizado era de sua propriedade. Da subordinação, pois podia recusar atender determinados clientes se assim quisesse.

Tampouco a atividade fim da reclamada, que era a sublocação de espaço para os profissionais do ramo de estética, condizia com os pedidos da reclamante.

O provimento ao recurso ordinário foi negado por unanimidade de votos.

EMENTA: VÍNCULO DE EMPREGO. MAQUIADORA E DESIGNER DE SOBRANCELHAS. AUTONOMIA DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. CARACTERIZAÇÃO. Admitida a prestação de serviços por parte da reclamada, competia à reclamada comprovar a autonomia do labor efetuado pela obreira, na forma do art. 818, da CLT c.c. art. 373, II, do CPC/15. Elementos probatórios contidos nos autos que afastaram os pressupostos da alteridade e subordinação, inerentes ao contrato de trabalho. Relação de parceria configurada, na hipótese, porquanto evidenciado, além da assunção da atividade comercial, aferição pela reclamante de elevada porcentagem (42%) sobre os atendimentos realizados junto à ré. Inexistência dos requisitos estabelecidos nos artigos 2º e 3º da CLT. Recurso ordinário da autora que se nega provimento.

(Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região; 17ª Turma; Processo nº 1002055-50.2016.5.02.0264 (RO); Relator Celso Ricardo Peel Furtado de Oliveira; Data da Publicação: 16/03/2018)[7]

No mesmo ensejo, analisa-se o seguinte acórdão, que diz respeito a um pedido de reconhecimento de vínculo empregatício feito por um pastor, que exercia as funções de locutor, apresentador, vendedor e auxiliar de um Missionário. Aqui, insere-se uma problemática referente à função de trabalhador religioso, que a jurisprudência consolidou como sendo sua motivação o maior dos requisitos envolvidos nos pressupostos clássicos.

Segundo o magistrado relator, o requerente foi Pastor da Igreja ré. Por questões de recorte, não se abordará aqui o debate traçado acerca do animus contrahendi no caso.

No que diz respeito à alteridade, por sua vez, o voto é categórico ao afirmar que em caso de religiosos, o trabalho se dá em favor de um corpo, que é a Igreja. Dessa sorte, “o ministro de confissão religiosa não trabalha para outra pessoa, mas para si, porque o faz para um corpo do qual faz parte na qualidade de membro”, não preenchendo, então, o requisito da alteridade.

Foi dado parcial provimento ao pedido unicamente quanto à redução do percentual dos honorários advocatícios sucumbenciais.

PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PASTOR. ATIVIDADES REALIZADAS NA IGREJA,  NA RÁDIO E NA VENDA DE LIVROS. TÍPICO CASO DE EXERCÍCIO DE SERVIÇOS RELIGIOSOS. INEXISTÊNCIA DE ANIMUS CONTRAHENDI E ALTERIDADE. Em situações como a do Pastor que persegue o reconhecimento de vínculo empregatício com a Igreja, revelam-se de especial importância para o deslinde da controvérsia a investigação de dois elementos: animus contrahendi e alteridade. Isso porque o trabalhador religioso pode satisfazer a quase totalidade dos pressupostos clássicos configuradores de uma relação de emprego, mas é especialmente a motivação que deve ser posta à frente de todos eles. E ainda que houvesse por parte do reclamante intenção diversa, isso não acarretaria o reconhecimento de um vínculo empregatício, pois a boa-fé que preside as relações jurídicas em geral não pode ser olvidada e impede que se invoque a própria torpeza em benefício pessoal. Se o recorrente nunca acreditou na sua pregação e esteve vinculado a uma entidade religiosa somente para obter sustento material, é óbvio que não pode ser reconhecida a existência de vínculo empregatício entre as partes, sob pena de se prestigiar a má-fé. Sequer as demais atividades do autor, envolvendo a sua participação no programa que a Igreja mantinha na rádio e a venda de livros, afastam a natureza de um serviço religioso, pois também correspondiam a objetivos transcendentes que eram comuns aos litigantes, voltados à propagação e à defesa de uma fé. Já acerca da alteridade, deve-se esclarecer que, diferentemente do trabalhador secular, que pode se ativar por conta própria ou alheia, no caso do religioso seu trabalho se dá em favor de um corpo, que é a igreja. Ou seja, o ministro de confissão religiosa não trabalha para outra pessoa, mas para si, porque o faz para um corpo do qual faz parte na qualidade de membro. Nesse sentido, aliás, nem mesmo seria correto entender pela existência de um contrato, porque no vínculo que os une não há partes contrapostas, mas interesses comuns e integrados que formam um todo, uma só unidade. Enfim, o trabalhador religioso também não preenche o requisito alteridade e, portanto, não se enquadra nas disposições dos arts. 2º e 3º da CLT para que possa ser classificado como empregado. Recurso ordinário do reclamante ao qual se nega provimento, no particular.

(Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região; 1º Turma; Processo nº 1001311-42.2018.5.02.0084 (RO); Relator: Márcio Granconato; Data de Publicação: 20/05/2019)[8]

3. Considerações finais

O presente trabalho buscou compreender melhor os requisitos essenciais do contrato de trabalho, expressos na Consolidação das Leis Trabalhistas, à luz da doutrina e da jurisprudência atuais.

Enquanto a doutrina tenta fazer uma leitura mais pragmática daquilo que foi pensado pelo legislador, na jurisprudência pode-se observar a tentativa de cruzar esses elementos com a realidade social, mutável tão rapidamente nos dias atuais.

Como exemplo nos julgados analisados, tem-se a constante presença do WhatsApp como meio probatório da presença ou não dos requisitos discutidos.

O aplicativo WhatsApp permeia a maioria das relações sociais manifestas nos dias de hoje, e com as relações de trabalho isso não poderia ser diferente. Dele, pode-se extrair uma vasta quantidade de detalhes referentes à relação entre as duas partes da lide, principalmente quanto aos requisitos para a configuração do vínculo empregatício.

Vale ressaltar que em 1943, ano no qual a CLT foi sancionada, o legislador jamais poderia imaginar o quanto essa ferramenta tecnológica poderia ressignificar o mundo do trabalho como um todo.

Cumpre observar também as limitações do presente trabalho no que tange às conclusões sobre as convergências e divergências entre a doutrina e a jurisprudência. Isto, é claro, pois se trata de um artigo acadêmico com limitações significativas de material e disponibilidade de tempo. Essa dificuldade também é agravada pela extensão da pesquisa, que só conseguiu trazer os elementos citados pelo voto vencedor do colegiado, que não raras vezes é sucinto e peca pela brevidade.

Não se pode deixar de notar, porém, que nenhuma das decisões levantadas foi favorável à parte reclamante. Também mantiveram, no mérito, a totalidade das decisões proferida pelo juiz singular.

Dessa sorte, tem-se, por fim, que os cinco requisitos para a formação do contrato de trabalho são cumulativos. Assim, para que haja a configuração da relação de emprego, é necessário que sejam verificados, ao mesmo tempo, a não eventualidade (ou continuidade), a onerosidade, a pessoalidade, a alteridade e a subordinação.

Assim, a ausência de qualquer um desses elementos será suficiente para que não se reconheça a presença da relação estudada, na medida em que os requisitos são complementares e necessários.

Bibliografia

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2017.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revisada e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudências superiores. São Paulo: LTr, 2019.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2018.

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1998.

Sobre o autor
Graziela Jurça Fanti

Advogada Criminalista formada pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduanda em Direito Penal e Criminologia pelo Introcrim/CEI. Telefone para contato: (11) 91444-7785 E-mail: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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