FEMINISMO: MOVIMENTO DE OPOSIÇÃO À TRADIÇÃO, PELA EDUCAÇÃO

Exibindo página 1 de 2
22/10/2021 às 10:34
Leia nesta página:

RESUMO

Este estudo, de maneira bastante tímida, pretende apresentar três autoras, que em épocas diferentes e com os recursos disponíveis, deixaram sua marca na história das mulheres, sejam elas feministas ou não. Iniciamos com o trágico relato da menina Malala, que junto com sua família, lutavam pelo direito das meninas a terem educação. A partir dela, apresentamos Mary Wollstonecraft (1759-1797), uma pensadora inglesa à época da Revolução Francesa, que com sua escrita introduz a educação como meio de libertação da mulher, não apenas seu corpo da prisão doméstica, mas sua alma da insignificância da sua existência. Damos um salto na história e reconhecemos Simone de Beauvoir, intelectual e filósofa francesa (1908-1986) que nos apresenta como o mundo vê as mulheres e como elas próprias se vêem. Por fim, Bell Hooks (1952- ), grande expoente das últimas décadas sobre o feminismo negro e suas vicissitudes.

Palavras-chaves: Direitos da Mulher. Direito à Educação. Gênero.

RESUME

This study, in a rather timid way, intends to present three authors, who at different times and with the available resources, left their mark on women story, whether feminists or not. We started with the tragic account of the girl Malala, who together with her family, fought for the right of girls to have an education. From it, we present Mary Wollstonecraft (1759-1797), an English thinker at the time of the French Revolution, as her writing introduces education as a means of liberating women, not only her body from domestic prison, but her soul from the insignificance of her existence. We take a leap in history and recognize Simone de Beauvoir, a French intellectual and philosopher (1908-1986) who presents us with how the world sees women and how they see themselves. Finally, Bell Hooks (1952- ), a great exponent of the last decades on black feminism and its vicissitudes.

Keywords: Women's Rights. Right to education. Genre.

  1. INTRODUÇÃO

A socialização como prática, na qual os indivíduos, por meio da transmissão e fixação de padrões, introduzem outros indivíduos à conscientização, é realizada desde a mais tenra idade destes, para que desta forma, o processo de modelagem seja depreendido de maneira mais natural possível, através de hábitos, costumes, tradições. Seu agir, sua ética, passam a refletir a dinâmica da sociedade a qual este indivíduo pertence. A prática social se constrói sobre padrões de influências, onde ora se é influenciador, ora influenciado, e nesta dinâmica, o poder que certo indivíduo terá, será relativo ao período em que ele se mantém na condição de influenciador.[1].

Desde a Antiguidade é possível observar a condição da mulher como subalterna e, na melhor das condições, como complemento ao homem. Na época, em algumas civilizações ocidentais, elas eram comercializadas, dado seu status de coisa. Não raro, na Assíria, a mulher fazia parte dos bens do marido, que também tinha exclusividade sobre o divórcio e poligamia. Para gregos e romanos, o casamento era uma instituição importante para fins de procriação e assumia um caráter político econômico, despido de elementos românticos.[2]

As mulheres não eram consideradas como iguais, não apareciam em público, não tinham atividades sociais ou intelectuais[3].

Naquela época, a religião não fazia apenas parte da família, ela era a autoridade familiar a quem todos prestavam adoração. O marido realizava o culto doméstico e quando ele morria, cabia ao filho a continuidade da obrigação, às mulheres cabia recitar os versos. A religião não era dela, pertencia ao marido que a recebia (a religião) por nascimento, como uma espécie de herança. As crenças religiosas colocavam o homem sempre acima da mulher, mantendo-a em condição de subordinação e inferioridade, alegando até que elas não possuíam alma[4], o que justificaria o tratamento desigual[5].

Na verdade, as religiões são um campo de investimento masculino por excelência. Historicamente, os homens dominam a produção do que é sagrado nas diversas sociedades. Discursos e práticas religiosas têm a marca dessa dominação. Normas, regras, doutrinas são definidas por homens em praticamente todas as religiões conhecidas. (...) O fundamento dessa visão encontra-se em uma ordem não humana, não histórica, e, portanto, imutável e indiscutível, por tomar a forma de dogmas. Expressões das sociedades nas quais nasceram, as religiões espelham sua ordem de valores, que reproduzem em seu discurso, sob o manto da revelação divina. O lugar das mulheres no discurso e na prática religiosa não foi, e frequentemente ainda não é, dos mais felizes[6].

Magalhães apresenta três pontos fundamentais que estruturaram e mantém a desigualdade entre homens e mulheres, como um tratamento tradicionalmente criado, como a mulher sendo um ser fraco, dependente e submisso, cuja principal função é criar filhos. O primeiro seria a percepção da superioridade muscular masculina. Um segundo ponto, trata criação das leis por homens e normalmente, para os homens e, por fim, a passividade da mulher perante a sua própria condição[7].

A esta passividade merece destaque a questão de que a mulher não consegue se ver como membro igualitário da sociedade, havendo um autodesprestigio de si mesma, frente a competência física, intelectual e profissional, que mantém sua condição econômica inferior, situação esta que vem se mantendo ao longo dos séculos[8].

Neste contexto a estrutura familiar onde a opressão passada de pai para filho é ensinada às mulheres como algo natural e, que o domínio do marido sobre a mulher, dos pais para com os filhos, aos poucos se converte em opressão grupal e passa a atingir grupos definidos pela raça, pela nacionalidade, pela fé ou por qualquer outro motivo[9].

A mulher fica, então, reduzida ao âmbito doméstico. Perde qualquer capacidade de decisão no domínio público, que se torna inteiramente reservado ao homem. A dicotomia entre o privado e o público estabelece, então, a origem da dependência econômica da mulher, e esta dependência, por sua vez, gera, no decorrer das gerações, uma submissão psicológica que dura até hoje[10].

A sociedade patriarcal se estabelece[11]. Os valores, assim como a linhagem, eram passados de pai para filho, a comida é servida primeiro ao dono da propriedade (da família, esposa, filhos, bois, escravos, terras e soldados). As mulheres têm sua sexualidade controlada pelos maridos, que deveriam sair virgens da casa de seus pais, para as mãos do marido. Nascia o escravagismo e o patriarcado[12].

A sociedade patriarcal construída no período colonial, independente da camada social, obedecia ao mesmo processo que impunha à mulher a obediência, a distinguir certo do errado e ao prazer de ser agradável. Ao homem, cabia o direito de controlar a vida da mulher, determinando o seu papel no lar, que na maioria das vezes era o de: reprodutora, dona de casa, educadora dos filhos, administradora dos escravos e prestadora de serviços sexuais aos maridos. A família patriarcal estava no centro da sociedade, onde não raro, desempenhava funções como a regulamentação da procriação, administração econômica do lar, da cidade e da política local[13].

2. A SOCIEDADE EM EVOLUÇÃO

Este é o ônibus da Escola Khushal?, perguntou a Bhai Jan. O motorista achou aquela uma pergunta idiota, já que o nome estava pintado na lateral do ônibus. Sim, respondeu. Quero informações sobre algumas das crianças, o homem disse. Então você deve ir à secretaria da escola, orientou-o Bhai Jan. Enquanto ele falava, outro rapaz, de branco, aproximou-se pela traseira do veículo. Olhe, é um daqueles jornalistas que vêm pedir entrevistas a você, disse Moniba. Desde que eu começara a falar em público com meu pai, para fazer campanha pela educação de meninas e contra aqueles que, como o Talibã, querem nos esconder, muitas vezes apareciam jornalistas, até mesmo estrangeiros, mas nunca daquele jeito, no meio da rua. O homem usava um gorro de lã tradicional e tinha um lenço sobre o nariz e a boca, como se estivesse gripado. Parecia um estudante universitário. Então avançou para a porta traseira do ônibus e se debruçou em nossa direção.

Quem é Malala?, perguntou.

Ninguém disse nada, mas várias das meninas olharam para mim. Eu era a única que não estava com o rosto coberto. Foi então que ele ergueu uma pistola preta. Depois fiquei sabendo que era uma Colt .45. Algumas meninas gritaram. Moniba me contou que apertei sua mão[14] (grifo nosso).

O ano era 2012. Malala vivia com os pais na cidade de Mingora, principal cidade do Swat[15], local onde homens "como os do Talibã[16] pensam que meninas não devem receber educação formal [17]. Suas tias não frequentaram escola alguma, e sua mãe apenas por alguns meses aos seis anos de idade. Ziauddim (pai de Malala) repetia sempre para a filha, que "a falta de educação é a raiz de todos os problemas do Paquistão. A ignorância permite que os políticos enganem as pessoas e que mais administradores sejam reeleitos. A educação deveria ser para todos: ricos, pobres, meninos e meninas[18].

Malala teve a sorte de nascer em uma família em que seus pais a aconselharam a nunca abandonar a escola, e o sentimento de amor pela educação e o aprendizado, se tornou mais evidente quando o Talibã[19]tentou impedir seu acesso a escola. Frequentar a escola, ler, fazer nossos deveres de casa não era apenas um modo de passar o tempo. O Talibã podia tomar nossas canetas e nossos livros, mas não podia impedir nossas mentes de pensar [20].

A história de Malala não é a exceção. Em muitos países, a educação para mulheres, além de proibido, é uma afronta a sociedade. Esta afirmação lhe parece fora de contexto uma vez que a grande maioria das mulheres que conhece é alfabetizada? Perceba que esta educação mínima que existe hoje é consequência de centenas de anos das lutas feministas se debruçando sobre pautas de igualdade social, como direitos iguais no casamento, direito ao voto e direito à educação.

Miguel e Biroli (2014) lembram que o Movimento Feminista, na primeira fase, foi chamado de Feminismo Teórico, que produzia debates políticos que abordavam desde o direito à integridade física das mulheres ao controle da sua capacidade reprodutiva. Por óbvio que isto era muito mais que pressionar os limites da ordem natural estabelecida há séculos: as mulheres estavam se organizando, observando, pensando, mudando. E a mudança estava pautada nos escritos de Mary Wollstonecraft e sua obra inacabada, reivindicando os direitos da mulher[21].

2.1 A reivindicação dos direitos da mulher: educação

No final da Idade Média, observou-se os primeiros movimentos do que foi considerado modernamente como Feminismo Iluminista, encabeçado pelas pensadoras Mary Wollstonecraft e Olympe de Gouges, que levantavam a bandeira de oposição a escravidão não apenas dos indígenas e africanos, mas principalmente da escravidão doméstica a qual eram relegadas as mulheres que, excluídas da educação formal, mantinham-se em casamentos onde eram dependentes dos maridos, sexistas e conservadores[22].

Estes movimentos em busca de igualdade eram impulsionados principalmente em consequência das declarações liberais[23], isto no século XVIII, que permitia um tratamento homogêneo entre os indivíduos perante a lei, sobretudo no que dizia respeito a economia e as injustificadas concessões de privilégios. Acerca disto, Wollstonecraft (2016) destaca:

As riquezas e as honras hereditárias têm feito das mulheres nulidades, servindo apenas para dar valor à cifra numérica; e a indolência tem produzido um misto de galanteria e despotismo na sociedade, o que leva os próprios homens, escravos de suas amantes, a tiranizar suas irmãs, esposas e filhas. Isto, é verdade, significa apenas mantê-las em seu lugar. Fortaleça a mente feminina, expandindo-a, e haverá um fim à obediência cega; mas, como o poder busca a obediência cega, os tiranos e os homens sensuais estão certos quando se esforçam por conservar a mulher no escuro, pois os primeiros querem somente escravas, e os últimos, um brinquedo. O homem sensual, de fato, é o mais perigoso dos tiranos, e as mulheres têm sido enganadas por seus amantes, tal como os príncipes por seus ministros, enquanto sonham que reinam sobre eles[24].

Analisando o período em que vieram as pensadoras Olympe de Gouges e Mary Wollstonecraft, importa observar que apesar do esforço e mérito de de Gouges na criação da Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã[25], a importância do tema somente conseguiu chegar às raízes da opressão em que as mulheres viviam, através da obra Reivindicação dos Direitos das Mulheres, escrito em 1792 por Wollstonecraft, que convencida pela promessa de emancipação feita durante a Revolução Francesa, sistematizou os obstáculos da mulher e a necessidade do seu enfrentamento[26].

Tecendo grandes críticas a ilustres pensadores da época, destaca em sua obra a ideia de Rousseau que "no que diz respeito ao caráter feminino, a obediência é a grande lição a ser inculcada com extremo rigor". Além disto, indica que o sentimento de independência nas mulheres deva ser reprimido, para que elas possam, assim, serem governadas a fim de que se tornem companhias mais doces e sedutoras aos homens, quando estes quiserem relaxar[27]. Sobre a mulher e o casamento, destaca:

[...] contento-me em observar que não posso descobrir por que as mulheres, salvo por serem mortais, devem ser sempre degradadas, tornadas subservientes ao amor e à luxúria (p. 47). [...] Deixem-me argumentar com os apoiadores dessa opinião que têm algum conhecimento da natureza humana se eles imaginam que o casamento possa erradicar um hábito de vida. A mulher que tem sido ensinada apenas a agradar logo descobrirá que seus encantos são raios de sol oblíquos e que estes não podem ter muito efeito sobre o coração de seu marido quando são vistos todos os dias, quando o verão passou e está findo. Terá ela, então, energia suficiente para procurar conforto em si mesma e cultivar suas faculdades adormecidas? Não seria mais racional esperar que ela tente agradar outros homens e, nas emoções suscitadas pela expectativa de novas conquistas, faça um esforço para esquecer a mortificação que seu amor ou orgulho receberam? Quando o marido deixa de ser um amante e esse tempo virá inexoravelmente , o desejo dela de agradar ou se fará lânguido, ou se tornará fonte de amargura; e o amor, talvez a mais evanescente de todas as paixões, dará lugar ao ciúme ou à vaidade. (p. 48) [...] Não nos é dito em que consiste a existência das mulheres quando não há casamento nem promessa de casamento. Pois, ainda que os moralistas concordem que o curso da vida pareça provar que diversas circunstâncias preparam o homem para uma vida futura, eles com frequência coincidem em suas opiniões ao aconselhar a mulher a se ocupar somente com o presente. Nesse terreno, recomenda-se sem cessar a gentileza, a docilidade e o afeto servil como as virtudes fundamentais do sexo; e, ignorando o arbítrio da natureza, um escritor declarou que a melancolia em uma mulher é característica masculina. Elafoi criada para ser o brinquedo do homem, seu chocalho, e deve tinir em seus ouvidos quando, dispensando a razão, ele escolhe divertir-se. (p. 55)[28].

Ponto central na sua linha argumentativa, Wollstonecraft acusa a sociedade de promover uma educação para as mulheres, que contribuía apenas para a manutenção da artificialidade destas[29],

A educação das mulheres, ultimamente, tem sido objeto de mais atenção do

que no passado; contudo, elas ainda são consideradas um sexo frívolo,ridicularizadas ou vistas como dignas de pena pelos escritores que se esforçam,por meio da sátira ou da instrução, para melhorá-las. Reconhece-se que elas passam grande parte dos primeiros anos de vida adquirindo habilidades superficiais; enquanto isso, a força do corpo e da mente é sacrificada em nome de noções libertinas de beleza e do desejo de se estabelecer mediante o matrimônio o único modo de as mulheres ascenderem no mundo. Como esse desejo faz delas meros animais, quando se casam comportam-se do mesmo modo que se espera das crianças vestem-se, pintam-se e são apelidadas criaturas de Deus. Certamente, esses seres frágeis servem apenas para um harém! Como se pode esperar que governem uma família com juízo ou cuidem das pobres crianças que trazem ao mundo?

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Acerca disto, ainda discorre sobre um processo desordenado e negligente, por meio do senso comum e esforços aleatórios, visto que para as mulheres o aprendizado era algo secundário[30], o que geralmente conduziam-nas por sua situação de subjugação. Em carta destina ao Bispo de Autum, político ativo durante a Revolução Francesa, a autora discorre:

Na luta pelos direitos da mulher, meu principal argumento baseia-se neste simples princípio: se a mulher não for preparada pela educação para se tornar a companheira do homem, ela interromperá o progresso do conhecimento e da virtude; pois a verdade deve ser comum a todos ou será ineficaz no que diz respeito a sua influência na conduta geral. Como se pode esperar de uma mulher que ela colabore, se nem ao menos sabe por que deve ser virtuosa? A não ser que a liberdade fortaleça sua razão, até que ela compreenda seu dever e veja de que maneira este está associado ao seu bem real. Se as crianças têm de ser educadas para entender o verdadeiro princípio do patriotismo, suas mães devem ser patriotas; e o amor à humanidade, do qual surge naturalmente uma série de virtudes, só pode nascer caso seja considerado o interesse moral e civil da humanidade; mas, hoje, a educação e a situação da mulher deixam-na fora de tais indagações[31].

A autora reconhece, que uma educação apropriada, ou, para ser precisa, uma mente bem formada, permitiria a uma mulher suportar viver sozinha com dignidade [32]. A desigualdade denunciada nas suas palavras levantava questões políticas que a autora interpretava pela vivência, pela necessidade de autonomia financeira ou emocional, que uma educação formal transformadora poderia propiciar[33].

No Brasil, a obra foi traduzida em 1832, por Nísia Floresta Brasileira Augusta[34], que com 22 anos foi considerada a precursora do feminismo, não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina.

3. FEMINISMO, SEXISMO, EXPLORAÇÃO E OPRESSÃO

O movimento feminista como se apresenta hoje foi estruturado nas obras de Simone de Beauvoir, e precisa ser reconhecido dentro do próprio sistema como um movimento que vem de cima para baixo, isto é, das elites acadêmicas intelectuais, através de uma abstração de reivindicações, supondo que se tratam do anseio de toda uma população[35]·. A busca por uma resposta para a raiz da desigualdade entre homens e mulheres é a proposta do volume I da obra Segundo Sexo[36].

Existem outros casos em que, durante um tempo mais ou menos longo, uma categoria conseguiu dominar totalmente a outra. É muitas vezes a desigualdade numérica que confere esse privilégio: a maioria impõe sua lei à minoria ou a persegue. [...] Nem sempre houve proletários, sempre houve mulheres. Elas são mulheres em virtude de sua estrutura fisiológica; por mais longe que se remonte na história, sempre estiveram subordinadas ao homem: sua dependência não é consequência de um evento ou de uma evolução, ela não aconteceu. E, em parte, porque escapa ao caráter acidental do fato histórico que a alteridade aparece aqui como um absoluto. [...]Se a mulher se enxerga como o inessencial que nunca retorna ao essencial é porque não opera, ela própria, esse retorno. Os proletários dizem "nós". Os negros também. Apresentando-se como sujeitos, eles transformam em "outros" os burgueses, os brancos. As mulheres salvo em certos congressos que permanecem manifestações abstratas não dizem "nós". [...] a ação das mulheres nunca passou de uma agitação simbólica; só ganharam o que elas receberam. Isso porque não têm os meios concretos de se reunir em uma unidade que se afirmaria em se opondo. Não têm passado, não têm história, nem religião própria; [...] Vivem dispersas entre os homens, ligadas pelo habitat,pelo trabalho, pelos interesses econômicos, pela condição social a certos homens pai ou marido mais estreitamente do que as outras mulheres. Burguesas, são solidárias dos burgueses e não das mulheres proletárias; brancas, dos homens brancos e não das mulheres pretas. O laço que a une a seus opressores não é comparável a nenhum outro.[37]. (GRIFOS NOSSO).

A partir deste fragmento da fala de Simone de Beauvoir, é preciso perceber nas entrelinhas o que a autora instiga no pensamento do leitor. A primeira provocação que nos salta aos olhos, é de que nem sempre houve proletários, sempre houve mulheres. Seria uma frase relativamente simples de entender, se tivéssemos como expressar o que é ser mulher. Para isto, a própria autora citando Kierkegaard[38], destaca que ser mulher é algo tão estranho, complexo, complicado que nenhum predicado conseguiria exprimi-lo [39].

Ainda quanto à definição do que é ser mulher, Beauvoir apresenta os conceitos de Aristóteles (a fêmea é fêmea em virtude das suas carências de qualidades e, devemos considerar o caráter das mulheres como sofrendo de certa deficiência natural), enquanto Sto. Tomás decretava que a mulher, um ser ocasional, seria um homem incompleto, o que reflete o pensamento cristão de que a primeira mulher (Eva) teria sido extraída do homem (Adão) e, por ter sido criado antes da mulher, o homem é capaz de pensar sem a mulher, mas não cabe a mulher pensar sem o homem, de modo que a mulher é aquilo que o homem deseja que ela seja[40].

Na sequência, destacamos a palavra alteridade, e chamamos a atenção para a afirmação da autora de que a alteridade é uma categoria fundamental do pensamento humano, e que nenhuma atividade define Uma[41] sem colocar diante de si a Outra[42]. Felden[43] levanta a possibilidade de que Beauvoir esteja falando de reciprocidade em um reconhecimento, e ao mesmo tempo um estranhamento pelo processo de comparar e identificar diferenças no outro, observando a si próprio. Talvez aí, resida a questão das desigualdades, uma vez que esta reciprocidade é negada ao sexo feminino[44].

Utilizando-se, ainda das palavras de Augusto Comte, destaca:

A feminilidade é uma espécie de "infância contínua" que afasta a mulher do "tipo ideal da raça". Essa infantilidade biológica traduz-se por uma fraqueza intelectual; o papel desse ser puramente afetivo é o de esposa e dona de casa; ela não poderia entrar em concorrência com o homem: "nem a direção nem a educação lhe convém. [...] a mulher é confinada à família e nessa sociedade em miniatura o pai governa porque a mulher é "incapaz de qualquer mando, mesmo doméstico"; ela administra tão-somente e aconselha. Sua instrução deve ser limitada[45].

Bernard Shaw revela:

Como sua educação e sua situação parasitária as colocam sob a dependência do homem, não ousam sequer apresentar reivindicações; as que possuem essa audácia não encontram eco. "í mais fácil sobrecarregar as pessoas de ferros do que as libertar, se os ferros dão consideração", diz Bernard Shaw. A mulher burguesa faz questão de seus grilhões porque faz questão de seus privilégios de classe[46].

A mulher, não basta ser vista como inessencial, é necessário reconhecer-se como tal. A esta questão, o homem pretende afirmar-se como sendo essencial e, a mulher, na condição do Outro, resta-lhe o inessencial, o ser objeto[47]. Então a autora explica que não basta que o homem defina a mulher nesta condição, é preciso que ela se sujeite ao conceito[48], com isto decreta que, se a mulher se enxerga como o inessencial que nunca retorna ao essencial, é porque não opera, ela própria, esse retorno[49]. Além de uma falta de iniciativa que provém de sua educação, os costumes tornam-lhe a independência difícil [50].

Por fim, chama-nos atenção para a questão da unidade entre as mulheres e da oposição[51] a que se propõe. O movimento feminista não é coeso, suas pautas dependem da classe social a que cada mulher pertence, uma vez que suas demandas se diferenciam quando lidamos com uma mulher de alta classe, uma profissional liberal, ou uma doméstica.

Dentro deste contexto, é preciso situar as discussões sobre etnia dentro do Movimento Feminista. Muito embora possam ser observadas lutas comuns, mulheres brancas e negras se posicionam de forma distinta dentro das lutas feministas[52]. Questões de etnia, classe, e orientação sexual, embora muito problematizados dentro do Movimento, serão tomadas aqui de forma bastante sucinta. Nossa abordagem se limita ao recorte do modelo tradicional do feminismo: branco e heteronormativo.

Hooks, em sua obra, define que o movimento feminista existe para acabar com o sexismo, a exploração sexista e a opressão, e deixa claro que homens e mulheres são criados para aceitar pensamentos e ações sexistas e que, por causa disso, não cabe dizer que o Feminismo é formado por um grupo de mulheres que odeiam homens. Mulheres podem ser tão sexistas quanto os homens[53]. Acerca do sexismo, Hooks cita trecho de uma fala do filósofo John Hodge:

É na família que a maioria das crianças aprende pela primeira vez o significado e a prática do domínio hierárquico e autoritário. É aqui que aprendem a aceitar a opressão grupal que elas próprias sofrem por não serem adultos e a aceitar a supremacia masculina e a opressão grupal contra as mulheres. É aqui que aprendem que o papel do homem é trabalhar na comunidade e ter o controlo económico da vida familiar e infligir os castigos e as recompensas físicos e financeiros, e que o papel da mulher é dar o calor emocional que está associado à maternidade, vivendo sob o domínio económico do homem. É aqui que aprendem pela primeira vez e aceitam como sendo "natural" a relação de autoridade-subordinação, de superior-inferior ou de mestre-escravo[54].

A reunião dos primeiros grupos feministas deliberava principalmente sobre questões relacionadas ao sexismo e a dominação masculina e, a partir daí, observou-se a necessidade da mudança através de uma conscientização feminista sobre o patriarcado como sistema de dominação institucionalizado e mantido para manter a mulher submissa, mas que principalmente, a mudança precisava começar nelas próprias[55].

A autora destaca que é necessário que se promova uma educação que permita a conscientização crítica sobre problemas de raça e de gênero como sendo algo importante para todos. Ao falharmos na criação destes espaços, permitimos que o sistema patriarcal aprenda sobre o feminismo de forma negativa[56].

Entender que a mulher é vítima diária do sexismo, da exploração, e da opressão, através do processo de conscientização era, em principio um exame de consciência, e grupos feministas atuavam em grande parte como grupos de terapias, onde mulheres conseguiam se manifestar. Mas só compartilhar lamentos não bastava, era preciso uma mudança de pensamento e o comprometimento com políticas feministas[57].

Os movimentos femininos, em qualquer uma das suas vertentes, almejam substituir a cultura de dominação sem discriminação de raça ou gênero[58]. O que Hooks vem chamar de Feminismo Visionário, é a uma ode à coragem de compreender qual o papel de cada um de nós dentro da sociedade, avaliando criticamente as questões de igualdade de gênero, buscando um caminho de liberdade para sermos quem quisermos, onde quisermos e como quisermos.

CONCLUSÃO

O sistema está programado para funcionar exatamente do mesmo modo, indefinidamente. É preciso que, de tempos em tempos, surjam pessoas que doem suas vidas em prol do próximo, começando por observar o ser humano na sua essência e a buscar por igualdades de condições para si e seus semelhantes. Não é tarefa fácil, não é para todo mundo, mas temos visto ao longo da história que não é impossível. Hoje estamos mais próximos do sistema ideal, do que já estivemos há duzentos anos. A educação é a ponte. Romper com hábitos antigos pode, em um primeiro momento, causar estranheza e desejo de retornar a condição normal, mas o normal é apenas aquilo com que você está acostumada.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAUJO, Raquel Martins Borges Carvalho. Mary Wollstonecraft E Nísia Floresta: Diálogos Feministas. Revista Água Viva 1. Acesso em dezembro, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.26512/aguaviva.v1i1.10765.

CANTARINO, Mariana. 20 anos desde a proibição das mulheres nas escolas no Talibã. 2017. Notícias. Portal R7. Disponível em https://blog.enem.com.br/20-anos-taliba/Acesso em Julho, 2020.

BEAUVOIR, Simone. (s/d) O segundo sexo. Volume 1. São Paulo: Difusão Europeia do Livro. A primeira edição, em francês, é de 1949.

_________ O segundo sexo. Volume 2. São Paulo: Difusão Europeia do Livro. 1967.

BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 2000.

ESTACHESKI, Dulceli; MEDEIROS, Talita Gonçalves de; A atualidade da obra de Mary Wolltonecraft. Resenha. Estudos Feministas, Florianópolis, 25(1): 422, janeiro-abril/2017. Acesso em dezembro, 2019. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n1p375

DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta Brasileira Augusta: Uma ilustre escritora potiguar. Revista UNI-RN, v. 5, n. 1/2, p. 157, 22 jan. 2008. Acesso em Junho, 2020. Disponível em: http://177.154.115.15/index.php/revistaunirn/article/view/10

FARHERR, Jaime. Mary Wollstonecraft e os direitos das mulheres. Diaphonía, e-ISSN 2446-7413, v. 3, n. II, 2017.

FELDEN, Patrícia. A categoria da alteridade em O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir (destacando a relação entre homens e mulheres). Sapere aude Belo Horizonte, v. 10 n. 20, p. 809-814, Jul./Dez. 2019 ISSN: 2177-6342

JANJA BLOC BORIS, Georges Daniel; DE HOLANDA CESÍDIO, Mirella.Mulher, corpo e subjetividade: uma análise desde o patriarcado à contemporaneidade. Revista Mal-estar E Subjetividade, vol. VII, núm. 2, setembro, 2007, pp. 451-478. Universidade de Fortaleza, Brasil. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27170212. Pág. 456-457. Acesso em Junho, 2020

HOOKS, Bell. Não sou eu uma mulher. Mulheres negras e feminismo. 1ª edição 1981. Tradução livre. Rio de Janeiro, Plataforma Gueto, 2014

_________ O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Tradução Bhuvi Libanio. 9ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019.

_________ Teoria feminista: da margem ao centro. Perspectiva. 1a. ed. 2019.

MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopes de. O papel da mulher na sociedade. Revista da Faculdade de Direito, USP - Universidade De São Paulo, 75. Acesso em 25 Maio, 2020. Disponível em http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/66895.

MANSUR, Alberto Jorge Simões. Sociologia e Ensino Médio. 4ª. Ed. 2012.

MIGUEL, Luís Felipe, BIROLI, Flávia. Feminismo e política: uma introdução. 1.ed. São Paulo: Boitempo, 2014.

MURARO, Rose Marie. Um mundo em gestação. Campinas : Verus, 2003

NYE, Andrea. Teoria feminista e as filosofias do homem. Rio de Janeiro : Record: Rosa dos Tempos, 1995.

ROSADO-NUNES, Maria José. Gênero e Religião. Estudos Feministas, Florianópolis, 13(2): 256, maio--agosto/2005.

VEJA. Talibã bombardeia e incendeia 12 escolas no norte do Paquistão. Terroristas condenam educação feminina, pois acreditam que contraria leis do Islã. Revista. Notícias. Mundo. 3 de agosto, 2018. Acesso em julho, 2020. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/taliba-bombardeia-e-incendeia-12-escolas-no-norte-do-paquistao/

WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos da mulher. 2016. Ed. Boitempo.

YOUSAFZAI, Malala. Eu sou Malala: a história da garota que defendeu o direito à educação e foi baleada pelo Talibã. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

  1. MANSUR, Alberto Jorge Simões. Sociologia e Ensino Médio. 4ª. Ed. 2012. Pág. 6.

  2. MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopes de, (1980). O papel da mulher na sociedade. Revista da Faculdade de Direito, USP - Universidade De São Paulo, 75. Acesso em 25 Maio, 2020. Disponível em http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/66895.

  3. Para que possamos ter uma visão mais detalhada do funcionamento das unidades familiares na Antiguidade, pertinente a transcrição de uma fração da obra Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges. Segue: Uma família compõe-se de um pai, de uma mãe, de filhos e de escravos. Esse grupo, por pequeno que seja, deve ter uma disciplina. A quem, portanto, pertencerá essa autoridade primitiva? Ao pai? Não. Em casa há algo que está acima do próprio pai: é a religião doméstica, é esse deus que os gregos chamam de lar-chefe, estia despoina, e que os latinos denominam lar família e pater (1 - Plauto, Mercator, V, 1, 5. O sentido primitivo da palavra lar é o de senhor, príncipe, mestre. Cf. Lar Porsenna, Lar Tolumnius). Nessa divindade interior, ou, o que dá no mesmo, na crença que está na alma humana, reside a autoridade menos discutível. É ela que vai fixar os graus na família. O pai é o primeiro junto ao lar: ele o alumia e conserva; é seu pontífice. Em todos os atos religiosos, ele exerce a mais alta função; degola a vítima; sua boca pronuncia a fórmula de oração, que deve atrair para si e para os seus a proteção dos deuses. A família e o culto se perpetuam por seu intermédio; representa, sozinho, toda a série dos descendentes. Sobre ele repousa o culto doméstico; quase pode dizer como o hindu: Eu sou o deus. Quando a morte chegar, será um ser divino, que os descendentes invocarão. A religião não coloca a mulher em posição tão elevada. É verdade que ela toma parte em todos os atos religiosos, mas ela não é a senhora do lar. Sua religião não lhe vem do nascimento; nela foi iniciada somente por ocasião do casamento; ela aprendeu do marido a prece que pronuncia. Não representa os antepassados, porque não descende deles. Não se tornará um deles, porque, sepultada, não receberá nenhum culto especial. Na morte, como na vida, ela não é considerada mais que um membro do esposo. O direito grego, o direito romano, o direito hindu, que se originam dessas crenças religiosas, todos concordam em considerar a mulher como menor. Jamais pode ter seu próprio lar, jamais será chefe de um culto. Em Roma recebe o título de mater familias, mas perde-o por morte do marido (2 - Festo, ed. Müller, p. 125.). Não tendo nunca um lar que lhe pertença, nada possui que lhe dê autoridade na casa. Jamais dá ordens, jamais é livre, ou senhora de si mesma, sui juris. Sempre está ao lado do lar de outro, repetindo a oração de outro; para todos os atos da vida religiosa é-lhe necessário um chefe, e para todos os atos da vida civil um tutor. A lei de Manu diz: A mulher, durante a infância, depende do pai; durante a juventude, do marido; por morte do marido, depende dos filhos; se não tem filhos, depende dos parentes próximos do marido, porque uma mulher jamais se deve governar à sua vontade (3 - Leis de Manu, V, 147, 148). As leis gregas e romanas dizem o mesmo. Filha, é submetida ao pai; morto o pai, fica submissa aos irmãos e aos agnados (4 - Demóstenes, In Onetorem, I, 7; In Boeotum, de dote, 7; In Eubulidem, 40. Iseu, De Meneclis hered., 2, 3. Demóstenes, In Stephanum, II, 18.); casada, fica sob a tutela do marido; morto o marido, não volta para a própria família, porque renunciou para sempre a ela com o casamento sagrado (5 - Em caso de divórcio, a mulher voltava para a casa paterna. Demóstenes, In Eubul., 41.); a viúva continua submissa à tutela dos agnados do marido, isto é, a seus próprios filhos, se os tem (6 - Demóstenes, In Stephanum, II, 20; In Phaenippum, 27; In Macartatum, 75. Iseu, De Pyrrhi hered., 50. Cf. Odisséia, XXI, 350, 353.), ou, caso contrário, dos parentes mais próximos (7 - Gaio, I, 145-147, 190; IV, 118; Ulpiano, XI, 1 e 27.). O marido tem tal autoridade sobre ela, que pode, antes de morrer, designar-lhe um tutor, ou mesmo escolher-lhe novo marido (8 - Demóstenes, In Aphobum, I,5; Pro Phormione, 8.). Para assinalar o poder do marido sobre a mulher, os romanos tinham uma expressão mui antiga, que seus jurisconsultos nos conservaram; é a palavra manus. Não é fácil descobrir-lhe o sentido primitivo. Os comentadores têm-na como expressão da força material, como se a mulher estivesse colocada sob a mão brutal do marido. É bem provável que estejam enganados. O poder do marido sobre a mulher não resultava absolutamente da maior força do primeiro. Derivava, como todo direito privado, das crenças religiosas, que colocam o homem acima da mulher. O que o prova é que a mulher, que não se havia casado de acordo com os ritos sagrados, e que, por conseqüência, não estava associada ao culto, não estava submetida ao poder marital (9 - Cícero, Topic., 14. Tácito, Ann., IV, 16. Aulo Gélio, XVIII, 6. Veremos mais adiante que em certa época, e por razões que mais tarde explicaremos, imaginaram-se novas formas de casamento, que produziam os mesmos efeitos jurídicos do casamento religioso). O casamento é que constituía a subordinação e, ao mesmo tempo, a dignidade da mulher. Tanto é verdade, que não foi o direito do mais forte que constituiu a família! (pág. 127 a 130)

  4. Na Idade Média a subordinação e a inferioridade da mulher até pioraram com relação a algumas civilizações antigas. Houve um Concilio no qual os teólogos deveriam refletir muito antes de admitir que a mulher tinha alma, isto é, se se situava acima do nível dos animais (ROBERT GUBBELS, Le Travail au Féminin, Ed. Gerard, Bélgica, 1967, p. 13).

  5. MAGALHÃES, T. A. L. de, (1980). Pág. 126

  6. ROSADO-NUNES, Maria José. Gênero e Religião. Estudos Feministas, Florianópolis, 13(2): 256, maio--agosto/2005. Pág. 363-364.

  7. MAGALHÃES, T. A. L. de, (1980). Pág. 130

  8. Idem. Pág. 131

  9. HOOKS, Bell. Teoria Feminista: da margem ao centro. 1ª ed. Perspectiva. 2019. Pág. 31.

  10. MURARO, Rose Marie. Um mundo em gestação. Campinas : Verus, 2003. Pág. 25

  11. A ideologia cristã não contribuiu pouco para a opressão da mulher. Há, sem dúvida, no Evangelho um sopro de caridade que se estende tanto às mulheres como aos leprosos; [...] Logo no início do cristianismo, eram as mulheres, quando se submetiam ao jugo da Igreja, relativamente honradas; testemunhavam como mártires ao lado dos homens; não podiam, entretanto, tomar parte no culto senão a título secundário; as "diaconisas" só eram autorizadas a realizar tarefas laicas: cuidados aos doentes, socorros aos indigentes. E se o casamento é encarado como uma instituição que exige fidelidade recíproca, parece evidente que a esposa deve ser totalmente subordinada ao esposo: com São Paulo afirma-se a tradição judaica ferozmente antifeminista. São Paulo exige das mulheres discrição e modéstia; baseia, no Antigo e no Novo Testamento, o princípio da subordinação da mulher ao homem. "O homem não foi tirado da mulher e sim a mulher do homem; e o homem não foi criado para a mulher e sim esta para o homem." E alhures: "Assim como a Igreja é submetida a Cristo, em todas as coisas submetam-se as mulheres a seus maridos". Numa religião em que a carne é maldita, a mulher se apresenta como a mais temível tentação do demônio. Tertuliano escreve: "Mulher, és a porta do diabo. Persuadiste aquele que o diabo não ousava atacar de frente. É por tua causa que o filho de Deus teve de morrer; deverias andar sempre vestida de luto e de andrajos". E Santo Ambrósio: "Adão foi induzido ao pecado por Eva e não Eva por Adão, Ê justo que a mulher aceite como soberano aquele que ela conduziu ao pecado". E São João Crisóstomo: "Em meio a todos os animais selvagens não se encontra nenhum mais nocivo do que a mulher". Quando se constitui o direito canônico no século IV, o casamento surge como uma concessão às fraquezas humanas, é incompatível com a perfeição cristã. "Empunhemos o machado e cortemos pelas raízes a árvore estéril do casamento", escreve São Jerônimo. A partir de Gregório VI, quando o celibato é imposto aos padres, o caráter perigoso da mulher é severamente sublinhado: todos os Padres da Igreja lhe proclamam a abjeção. Santo Tomás será fiel a essa tradição ao declarar que a mulher é um ser "ocasional" e incompleto, uma espécie de homem falhado. "O homem é a cabeça da mulher, assim como Cristo é a cabeça do homem", escreve. "É indubitável que a mulher se destina a viver sob o domínio do homem e não tem por si mesma nenhuma autoridade". Destarte, o direito canônico só admite como regime matrimonial o regime dotal que torna a mulher incapaz e impotente. Não somente os ofícios viris lhe são proibidos, como ainda se lhe veda depor nos tribunais e não se dá nenhum valor a seu testemunho. Os imperadores sofrem a influência dos Padres da Igreja de modo mitigado; a legislação de Justiniano honra a mulher como esposa e mãe, mas escraviza-a a essas funções; não é de seu sexo e sim de sua situação no seio da família que decorre sua incapacidade. O divórcio é proibido e exige-se que o casamento seja um acontecimento público; a mãe tem sobre os filhos uma autoridade igual à do pai, e o mesmo direito à herança. Morrendo o marido, torna-se ela a tutora legal. O senatus-consulto veleiano é modificado: doravante ela poderá obrigar-se em benefício de terceiros; mas não pode contratar por seu marido; o dote torna-se inalienável; é o patrimônio dos filhos e ela não pode dispor dele. BEAUVOIR, S. 1949. Pág. 118-119.

  12. MURARO, Rose Marie. Um mundo em gestação. Campinas : Verus, 2003. Pág. 23-24.

  13. JANJA BLOC BORIS, Georges Daniel; DE HOLANDA CESÍDIO, Mirella Mulher, corpo e subjetividade: uma análise desde o patriarcado à contemporaneidade Revista Mal-estar E Subjetividade, vol. VII, núm. 2, setembro, 2007, pp. 451-478. Universidade de Fortaleza, Brasil. Disponível em: Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27170212. Pág. 456-457

  14. YOUSAFZAI, Malala. Eu sou Malala: a história da garota que defendeu o direito à educação e foi baleada pelo Talibã. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.p. 13

  15. SWAT. Conhecido como a "Suíça do Oriente" por conta de suas paisagens semelhantes aos Alpes, o lugar foi, durante muito tempo, um destino popular, até se tornar uma fortaleza para o Talibã em 2007. Almanaque Abril. São Paulo: Editora Abril. 2010. pág. 527

  16. Talibã é um movimento islâmico nacionalista que foi adquirido pelo Paquistão e Afeganistão, no ano de 1996, completando neste ano, 20 anos do regime em domínio nestes locais. Considerado por outros países como uma organização terrorista, o movimento é extremamente rígido com a população que é regida por ele. Homens e mulheres que não cumprirem suas regras estão sujeitos a apedrejamentos, enforcamentos ou fuzilamento em público e podem ter seus membros amputados como formas de punição. Entre os considerados crimes pelo Talibã estão: ouvir música, assistir filmes, vídeos ou canais de TV, usar internet, ler livros não-islâmicos, brincar com pássaros, entre outros. Todos puníveis com morte. Fonte: CANTARINO, Mariana. 20 anos desde a proibição das mulheres nas escolas no Talibã. 2017. Notícias. Portal R7. Acesso em Julho, 2020. Disponível em https://blog.enem.com.br/20-anos-taliba/

  17. YOUSAFZAI, 2013. p. 10

  18. Idem. p. 32

  19. Talibã bombardeia e incendeia 12 escolas no norte do Paquistão. Terroristas condenam educação feminina, pois acreditam que contraria leis do Islã. Revista Veja. Notícias. Mundo. 3 de agosto, 2018. Acesso em julho, 2020. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/taliba-bombardeia-e-incendeia-12-escolas-no-norte-do-paquistao/

  20. YOUSAFZAI, 2013. p. 99

  21. MIGUEL, Luis Felipe, BIROLI, Flávia. Feminismo e política: uma introdução. 1.ed. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 14

  22. WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos da mulher. 2016. Ed. Boitempo.

  23. Acerca das Declarações Liberais, o autor Norberto Bobbio, na sua obra Liberalismo e Democracia, aponta: A única forma de igualdade que não só é compatível com a liberdade tal como entendida pela doutrina liberal, mas que é inclusive por essa solicitada, é a igualdade nu liberdade: o que significa que cada um deve gozar de Inútil liberdade quanto compatível com a liberdade dos outros, podendo fazer tudo o que não ofenda a igual liberdade dos outros. Praticamente desde as origens do listado liberal essa forma de igualdade inspira dois princípios fundamentais, que são enunciados em normas constitucionais: a) a igualdade perante a lei; b) a igualdade dos direitos. O primeiro pode ser encontrado nas constituições francesas de 1791, 1793 e 1795; e depois gradativamente no art. 1º da Carta de 1814, no art. 6o da constituição belga de 1830, no art. 24 do estatuto albertino (1848). De igual dimensão é considerada a XIV Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que deseja assegurada a cada cidadão a igual proteção das leis. O segundo encontra-se afirmado solenemente no art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: Os homens nascem e devem permanecer livres e iguais em seus direitos. Ambos os princípios atravessam toda a história do constitucionalismo moderno e estão conjuntamente expressos no art. 3º, primeiro parágrafo, da constituição italiana vigente: Todos os cidadãos têm idêntica dignidade social e são iguais perante a lei. Bobbio, Norberto, 1909 - Liberalismo e democracia / Norberto Bobbio ; tradução Marco Aurélio Nogueira. São Paulo : Brasiliense, 2000. Pág. 39-40

  24. WOLLSTONECRAFT, 2016. Pág. 45

  25. Apresentada na Assembleia Nacional a reformadora e corajosa Déclaration des Droits de la Femme et de la Citoyenne. Nas 17 resoluções dela estavam admirável e sucintamente expressas as condições para a igualdade das mulheres: 1) Qualquer distribuição dos bens sociais deve depender da "utilidade comum" (Resolução 1) onde "comum" significa incluir as mulheres. Aqui Gouges referia-se às teorias utilitaristas que seriam tão importantes no movimento de reforma inglês. 2) A associação política deve conservar os direitos naturais (Res. 2), a autoridade é conferida ao povo (Res. 3), e uma lei, para ser válida, deve ser expressão da vontade geral (Res. 6). Certamente as mulheres são também povo, têm desejos, e, portanto, direitos naturais. Nesse ponto Gouges inspirou-se na teoria do contrato social de Rousseau na qual afirmava que um governo só é legítimo se preservar a liberdade natural dos homens permitindo a cada um participar nos procedimentos decisórios públicos. 3) A autoridade governamental só é válida quando se tratar de ações nocivas (Res. 5) e a liberdade de fala e pensamento deve ser assegurada (Res. 11). Gouges exprimia os princípios libertários elaborados mais plenamente depois por John Stuart Mill. As mulheres deviam ter todos os direitos que os homens têm, inclusive direito de propriedade e liberdade de fala, e em acréscimo, ter todas as responsabilidades recíprocas. Se cometerem um crime, devem ser punidas com a plena severidade da lei. Evidentemente, argumentava Gouges, se a mulher pode subir ao cadafalso, pode subir à tribuna. As mulheres devem pagar impostos, e desempenhar todos os deveres públicos.NYE, Andrea. Teoria feminista e as filosofias do homem. Rio de Janeiro : Record: Rosa dos Tempos, 1995. Pág. 21.

  26. FARHERR, Jaime. Mary Wollstonecraft e os direitos das mulheres. Diaphonía, e-ISSN 2446-7413, v. 3, n. II, 2017. Pág. 171

  27. WOLLSTONECRAFT, 2016. Pág. 46

  28. Idem. Págs 47, 48 e 55

  29. WOLLSTONECRAFT. 2016. Pág. 42

  30. Idem. Pág. 43

  31. Idem. Pág. 18-19

  32. Idem. Pág. 54

  33. ESTACHESKI, Dulceli; MEDEIROS, Talita Gonçalves de; A atualidade da obra de Mary Wolltonecraft. Resenha. Estudos Feministas, Florianópolis, 25(1): 422, janeiro-abril/2017. Acesso em dezembro, 2019. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n1p375

  34. Nascida Dionísia Gonçalves Pinto, em 1810, casou-se com 13 anos com Manuel Augusto de Faria. Na sua época, a autonomia da mulher era ainda bem mais restrita do que a Europeia. A versão traduzida por Nísia não corresponde ao original, mas, não foi tratado como plágio, pois cada autora possui seu estilo e direciona o texto a um público específico, sendo que a versão brasileira foi adaptada buscando conscientizar as mulheres brasileiras sobre os seus direitos. A frente de seu tempo, sempre analisou de forma critica os fatores por trás da opressão feminina e a condição da mulher, em comparação aos lugares que teve oportunidade de conhecer. Fonte: ARAUJO, Raquel Martins Borges Carvalho. Mary Wollstonecraft E Nísia Floresta: Diálogos Feministas. Revista Água Viva 1. https://doi.org/10.26512/aguaviva.v1i1.10765. Acesso em dezembro, 2019.

  35. MAGALHÃES, T. A. L. de, (1980). Pág. 133

  36. BEAUVOIR, Simone. (s/d) O segundo sexo. São Paulo: Difusão Europeia do Livro. A primeira edição, em francês, é de 1949.

  37. BEUAVOIR, 1949. Págs. 12, 13 e 14.

  38. Soren Kierkegaard (1813-1855) foi um filósofo dinamarquês, considerado o precursor da Filosofia Existencial, que combatia a Filosofia Especulativa e discutia propósitos, causas e consequências das ações humanas no âmbito da realidade do indivíduo.

  39. BEAUVOIR, 1949. Pág. 183.

  40. BEAUVOIR, 1949. Pág. 10

  41. Acerca do conceito de UMA e OUTRA transcrevemos: O casal é uma unidade fundamental cujas metades se acham presas indissoluvelmente uma à outra: nenhum corte é possível na sociedade por sexos. Isso é que caracteriza fundamentalmente a mulher: ela é o Outro dentro de uma totalidade cujos dois termos são necessários um ao outro. BEAUVOIR, pág. 14.

  42. BEAUVOIR, 1949. Pág. 10

  43. FELDEN, Patrícia. A categoria da alteridade em O SegundoSexo de Simone de Beauvoir (destacando a relação entre homens e mulheres). Sapere aude Belo Horizonte, v. 10 n. 20, p. 809-814, Jul./Dez. 2019 ISSN: 2177-6342

  44. FELDEN, 2019. Pág. 810

  45. BEAUVOIR, 1949. Pág. 143

  46. BEAUVOIR, 1949. Pág. 144

  47. BEAUVOIR, 1949. Pág. 12

  48. Idem, pág. 13

  49. Idem, pág. 14

  50. BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Volume 2. São Paulo: Difusão Europeia do Livro. 1967. Pág. 72

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos