Capa da publicação Agravo de instrumento: abrandamento da taxatividade pelo STJ

Do abrandamento autorizado pelo Superior Tribunal de Justiça à taxatividade dos incisos presentes no art. 1.015 do Código de Processo Civil de 2015, de modo a possibilitar um maior aproveitamento do recurso de agravo de instrumento

04/11/2021 às 12:08
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O presente artigo científico tem como escopo demonstrar a progressão da compreensão jurídica dada ao art. 1.015 do Código de Processo Civil, pelo Superior Tribunal de Justiça, admitindo-se uma análise mais plástica do regramento, ainda que alheia à lei.

Resumo: O presente artigo científico tem como escopo demonstrar, através da dissecação das primordiais fontes do direito – legislação, doutrina e jurisprudência –, a progressão da compreensão jurídica dada ao dispositivo 1.015 do Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, pormenorizando sua interpretação desde o momento em que inserido no ordenamento jurídico, até o momento em que sedimentada, jurisdicionalmente, a necessidade em empregar-se uma análise mais plástica do regramento, admitindo entendimentos teleológicos, alheios à letra de lei.

Palavras-chave: Direito Processual Civil; Agravo de Instrumento; Cabimento; Taxatividade Mitigada;

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo científico versará a respeito do tema admissibilidade recursal, dando ênfase, mais especificamente, à admissibilidade do recurso de agravo de instrumento, quando confrontado ao limitado número de hipóteses legais para o seu cabimento.

A escolha do tema deu-se em virtude da relevância que o tema deteve desde a vigência do atual Código de Processo Civil, 2016, até o momento em que deliberada a temática pelo Superior Tribunal de Justiça, 2019, ocasionando, assim, as mais diversas teses jurídicas e entendimentos jurisdicionais, bem como posicionamentos doutrinários.

Neste contexto, será demonstrado, de modo evidente, os contornos da normativa processualista civil naquilo tangente ao recurso de agravo de instrumento e o seu cabimento, as interpretações iniciais e entendimentos doutrinários, tal como as repercussões decorrentes de sua transformação legislativa, seja no cenário doutrinário como jurisdicional.

O trabalho científico foi estruturado de modo conciso, de modo a, rapidamente e sem maiores delongas, esclarecer o ponto nodal.

O presente estudo parte da revisão legislativa, doutrinária e jurisdicional, através de consultas à norma processual civil, às mais conhecidas e avaliadas doutrinas e aos mais relevantes julgados no cenário nacional e estadual.

2. DESENVOLVIMENTO

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, diversos institutos processuais antes definidos pelo Código Buzaid de 1973, tiveram suas configurações alteradas – ou foram extintos do ordenamento jurídico –, passando a ser balizados por novos contornos, que, ao seu turno, trouxeram reformas substanciais ao âmago de tais regulamentações, modificando elementos que flutuaram desde os seus pressupostos processuais, contabilização de prazos, entre outros.

Dentre estes institutos que foram reformulados, encontra-se o recurso de agravo de instrumento que, como delineado pelo art. 1.015, converteu suas hipóteses de cabimento, cessando a oportunidade de se insurgir sobre toda e qualquer decisão interlocutória, e passando a possibilitar, tão somente, hipóteses predefinidas por seus incisos, numerus clausus.

Observemos:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

I - tutelas provisórias;

II - mérito do processo;

III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

VI - exibição ou posse de documento ou coisa;

VII - exclusão de litisconsorte;

VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;

IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;

XII - (VETADO);

XIII - outros casos expressamente referidos em lei.

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Nesta linha de intelecção, conquanto num primeiro momento possa-se parecer que o legislador tenha frustrado a diretriz constitucional de respeito à ampla defesa, ao duplo grau de jurisdição e ao devido processo legal, mediante uma análise sistêmica do diploma processual, é notável a sua percepção do tema, ao prever, no art. 1.009, §1º, a preservação dos cenários não abarcados pelo art. 1.015 da preclusão, até que oportunizada a sua rediscussão, e consequente deslocamento à segunda instância, por meio da suscitação do mote em preliminar de apelação ou de contrarrazões. Mantendo, destarte, a hermeticidade do códex e a simetria à ordem constitucional.

De modo pariforme, foi o entendimento esposado por alguns dos mais conhecidos doutrinadores processualistas em âmbito nacional:

No Código Buzaid, o agravo era gênero no qual ingressavam duas espécies: o agravo retido e o agravo de instrumento. Toda e qualquer decisão interlocutória era passível de agravo suscetível de interposição imediata por alguma dessas duas formas. O novo Código alterou esses dois dados ligados à conformação do agravo: o agravo retido desaparece do sistema (as questões resolvidas por decisões interlocutórias não suscetíveis de agravo de instrumento só poderão ser atacadas nas razões de apelação, art. 1.009, § 1º, CPC) e o agravo de instrumento passa a ter cabimento apenas contra as decisões interlocutórias expressamente arroladas pelo legislador (art. 1.015, CPC). Com a postergação da impugnação das questões decididas no curso do processo para as razões de apelação ou para as suas contrarrazões e com a previsão de rol taxativo das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, o legislador procurou a um só tempo prestigiar a estruturação do procedimento comum a partir da oralidade (que exige, na maior medida possível, irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias), preservar os poderes de condução do processo do juiz de primeiro grau e simplificar o desenvolvimento do procedimento comum.

(MARINONI, Luiz Guilherme. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017) (Grifos acrescidos)

No novo sistema recursal criado pelo Novo Código de Processo Civil é excluído o agravo retido e o cabimento do agravo de instrumento está limitado às situações previstas em lei. O art. 1.015, caput, do Novo CPC admite o cabimento do recurso contra determinadas decisões interlocutórias, além das hipóteses previstas em lei, significando que o rol legal de decisões interlocutórias recorríveis por agravo de instrumento é restritivo, mas não o rol legal, considerando a possibilidade de o próprio Código de Processo Civil, bem como leis extravagantes, previrem outras decisões interlocutórias impugnáveis pelo agravo de instrumento que não estejam estabelecidas pelo disposto legal.

(…)

As decisões interlocutórias que não puderem ser impugnadas pelo recurso de agravo de instrumento não se tornam irrecorríveis, o que representaria nítida ofensa ao devido processo legal. Essas decisões não precluem imediatamente, devendo ser impugnadas em preliminar de apelação ou nas contrarrazões desse recurso, nos termos do art. 1.009, § 1º, do Novo CPC.

(NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016) (Grifos acrescidos)

Assim como por diversos dos tribunais pátrios e tribunais superiores:

PROCESSUAL CIVIL. QUESTÃO AFETADA AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS TENDO COMO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA O RESP Nº 1.704.250/MT. AFETAÇÃO, CONTUDO, DESPROVIDA DE EFEITO SUSPENSIVO, MODULANDO O DISPOSTO NO INCISO II DO ART. 1.037/CPC. POSSIBILIDADE, ENTÃO, DE ANÁLISE DO MÉRITO DO RECURSO ESPECIAL PRESENTE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCABIMENTO. ART. 1.015 DO CPC/2015. ROL TAXATIVO. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. NÃO HÁ SIMILARIDADE ENTRE OS INSTITUTOS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO E REJEIÇÃO DE JUÍZO ARBITRAL PARA A EXTENSÃO PRETENDIDA. OPÇÃO POLÍTICO-LEGISLATIVA DO CONGRESSO NACIONAL.

1. Cuida-se de inconformismo contra acórdão do Tribunal de origem que negou seguimento ao Agravo Interno, em segundo grau, que rejeitou Agravo de Instrumento, com base no entendimento de que as matérias concernentes à competência do Juízo e ao indeferimento de produção de prova não estão contidas no rol do art. 1.015 do CPC/2015, sendo, por esse motivo, descabido o manejo do Agravo.

2. A controvérsia acerca de a decisão interlocutória relacionada à definição de competência desafiar o recurso de Agravo de Instrumento em razão da interpretação extensiva ou analógica do inciso III do art. 1.015 do CPC/2015, foi afetada ao rito do art. 1.036 do Novo CPC (correspondente ao art. 543-C do CPC/73), ou seja, o rito dos recursos repetitivos. A discussão é objeto do ProAfR no REsp 1.704.520/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 28/2/2018. Contudo, observa-se no acórdão acima transcrito que a Corte Especial, embora afete o tema ao julgamento pelo rito repetitivo, expressamente decidiu pela NÃO suspensão dos demais processos, modulando os efeitos do inciso II do art. 1.037 do CPC/2015. Assim, apesar de afetado ao rito dos recursos repetitivos, o presente julgamento pode continuar.

3. Acerca do caso, considera-se que a interpretação do art. 1.015 do Novo CPC deve ser restritiva, para entender que não é possível o alargamento das hipóteses para contemplar situações não previstas taxativamente na lista estabelecida para o cabimento do Agravo de Instrumento. Observa-se que as decisões relativas à competência, temática discutida nos presentes autos, bem como discussões em torno da produção probatória, estão fora do rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015.

4. Por outro lado, não é a melhor interpretação possível a tentativa de equiparação da hipótese contida no inciso III (rejeição da alegação de convenção de arbitragem) à discussão em torno da competência do juízo.

5. Recurso Especial não provido.

(STJ, REsp 1700308/PB, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 23/05/2018) (Grifos acrescidos)

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE INADMITIU RECURSO ORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. INAPLICABILIDADE. HIPÓTESE NÃO CONTEMPLADA NO ROL TAXATIVO DO ART. 1.015 DO CPC/2015. RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO NO JULGAMENTO DE APELAÇÃO. DESCABIMENTO (ART. 105, II, DA CF). PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. INAPLICABILIDADE. ERRO GROSSEIRO.

Agravo regimental improvido.

(STJ, AgRg no Ag 1433611/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 02/02/2017) (Grifos acrescidos)

AGRAVO INTERNO. PROCESSUAL CIVIL. EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO CONHECIMENTO. INTERLOCUTÓRIA NÃO PREVISTA NO ROL DESCRITO NO ART. 1.015 DO CPC/2015. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO.

1. De fato, este órgão julgador vem emprestando, por ora, hermenêutica que reflete os termos efetivos da legislação em vigor, em ordem a referendar o cabimento do agravo instrumental nas exatas situações elencadas nos incisos do art. 1.015 do Código de Processo Civil e no seu respectivo parágrafo único.

2. A chancela ao manejo do agravo de instrumento para além daquelas previsões legislativas, bem ainda em situações alheias ao quanto previsto na própria Lei de Recuperação Judicial, vai de encontro ao sistema recursal vigente, o que importaria em indevido benefício à parte recorrente.

3. Recurso improvido.

(TJBA, Classe: Agravo,Número do Processo: 0016367-31.2016.8.05.0000/50000, Relator(a): João Batista Alcantara Filho, Quinta Câmara Cível, Publicado em: 27/04/2018 ) (Grifos acrescidos)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANÁLISE PRELIMINAR. CABIMENTO. ROL DO ART. 1015 DO CPC. TAXATIVIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO ESPECÍFICA PARA O CASO EM COMENTO. NÃO CABIMENTO. AGRAVO NÃO CONHECIDO.

(TJBA, Classe: Agravo de Instrumento,Número do Processo: 0019376-64.2017.8.05.0000, Relator(a): Gardenia Pereira Duarte, Quarta Câmara Cível, Publicado em: 25/04/2018 ) (Grifos acrescidos)

AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. DECISÃO QUE TRATA EXCLUSIVAMENTE DE COMPETÊNCIA.  AGRAVO DESCABIDO. ROL TAXATIVO DO ART. 1.015 DO CPC. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.

Decisão agravada que não se enquadra entre as hipóteses previstas no art. 1.015 do Código de Processo Civil, que desafiam o Agravo de Instrumento, sendo inviável o seu conhecimento.

O não conhecimento do agravo de instrumento tratou da matéria de competência, e não sobre a admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros prevista no inciso IX, do art 1.015, do CPC.

Houve sobrestamento do presente agravo interno, em razão a do tema ter sido objeto de decisão no Incidente de Assunção de Competência (IAC) tombado sob o n.º 0011875-59.2017.805.0000, sob a relatoria do Eminente Desembargador José Edivaldo Rocha Rotondano.

Logo, a discussão acerca da discussão de competência    não guarda qualquer relação com as das hipóteses taxativas previstas no art. 1.015, do CPC/15.

AGRAVO INTERNO  IMPROVIDO.

(TJBA, Classe: Agravo,Número do Processo: 0016035-30.2017.8.05.0000/50000, Relator(a): Joanice Maria Guimarães de Jesus, Terceira Câmara Cível, Publicado em: 18/04/2018 ) (Grifos acrescidos)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. IRRECORRIBILIDADE. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. Interposição de agravo de instrumento em face de decisão que rejeitou as preliminares de ilegitimidade passiva. 2. Hipótese não elencada no rol taxativo, previsto nos incisos e parágrafo único do art. 1.015, do CPC/2015. 3. Matéria que deve ser deduzida em preliminar de apelação, conforme preceitua o art. 1.009, § 1º, do NCPC. 4. Recurso não conhecido.

(TJ-RJ - AI: 00070929720188190000 RIO DE JANEIRO JACAREPAGUA REGIONAL 2 VARA CIVEL, Relator: ANTÔNIO ILOÍZIO BARROS BASTOS, Data de Julgamento: 11/04/2018, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/04/2018) (Grifos acrescidos)

AGRAVO INTERNO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO. RECURSO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE NÃO CONHECEU DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA, SUSCITADA EM CONTESTAÇÃO, AFASTADA. IRRECORRIBILIDADE. ROL TAXATIVO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.015 DO CPC/15. O Código de Processo Civil de 2015 não prevê, em seu art. 1.015, a possibilidade de interposição de agravo de instrumento contra decisão que afasta a preliminar de ilegitimidade passiva. Portanto, considerando o rol taxativo imposto pelo novo regramento jurídico, escorreito o não conhecimento do recurso no ponto. NULIDADE DA DECISÃO AGRAVADA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. DESPACHO SANEADOR. PRELIMINAR AFASTADA. A decisão que, ao sanear o feito, rejeita a prefacial de ilegitimidade passiva, por se tratar de matéria afeta ao mérito, postergando o seu exame, não encerra fundamentação deficiente. Inocorrência de quaisquer das hipóteses previstas no § 1º do artigo 489 do CPC/2015. REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA. INOCORRÊNCIA. Caso em que, efetivamente, a decisão agravada não determinou a redistribuição do ônus da prova para fins de enquadramento do recurso no inciso XI do artigo 1.015 do CPC/2015. O julgador a quo limitou-se a ordenar a intimação das... partes para indicar as outras provas pretendidas produzir, especificando-as, justificando a necessidade ou, ainda, se as partes concordavam com o julgamento antecipado da lide. O comando vergastado, no ponto, traduz despacho de mero expediente, sendo efetivamente irrecorrível. Decisão que não conheceu do recurso mantida. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo Nº 70075539726, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado em 25/04/2018).

(TJ-RS - AGV: 70075539726 RS, Relator: Eduardo Kraemer, Data de Julgamento: 25/04/2018, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/04/2018) (Grifos acrescidos)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. INDEFERIMENTO DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. IRRECORRIBILIDADE MEDIANTE AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 1.015 DO CPC/15. PEDIDO ALTERNATIVO DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE, SOB PENA DE SUPRESSÃO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. INADMISSIBILIDADE CONFIGURADA. RECURSO NÃO CONHECIDO. UNÂNIME.

(TJ-RS - AI: 70075004721 RS, Relator: Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Data de Julgamento: 27/09/2017, Décima Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 05/10/2017) (Grifos acrescidos)

Ocorre que, parcela dos juristas e doutrinadores, insatisfeitos com as parcas circunstancias elencadas pelo art. 1.015 do Código de Ritos Civis, aptas a ensejar a interposição do recurso de agravo de instrumento, difundiram teses defendendo a possibilidade de flexibilizar-se a taxatividade investida sobre o supracitado artigo de lei, de modo a oportunizar, dessarte, um maior emprego do recurso, admitindo-se cenários antes não compreendidos mediante uma interpretação gramatical.

Um dos grandes apoiadores dessa corrente doutrinária foi Fredie Didier Jr., que defendeu a necessidade de utilizar-se de uma interpretação extensiva (corretiva) sobre o dispositivo legal, que, ao seu entendimento, “amplia[ria] o sentido da norma para além do conteúdo de sua letra”, e que, caso não empregada, viria a incentivar “o uso anômalo e excessivo do mandado de segurança contra ato judicial”, hipótese que argumenta ser “muito pior (...) em termos de política judiciária”.

Transportada a matéria à deliberação do Superior Tribunal de Justiça – REsp nº 1.696.396/MT e 1.704.520/MT –, a mesma foi afetada pela Corte Superior, Tema nº 988, sendo julgada sob o rito dos recursos repetitivos, e sucedendo no assentamento da tese de que, em virtude da insuficiência com que arroladas as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, e da desconformidade que exteriorizaria às normas fundamentais do processo civil, seria inviável a interpretação de um rol absolutamente taxativo ou, ainda, uma interpretação extensiva, mas a mitigação daquele rol taxativo, de modo a admitir-se a excepcional interposição do recurso de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão levada a rediscussão no recurso de apelação.

Contemplemos o teor do julgado:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS.

1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal.

2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação".

3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo.

4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos.

5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo.

6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.

7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão.

8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência.

9- Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 1704520/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/12/2018, DJe 19/12/2018) (Grifos acrescidos)

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Deste modo, com o desenlace da discussão pelo Superior Tribunal de Justiça, pôs-se fim à problemática, assentando o entendimento a ser adotado sobre o assunto, qual seja, o abrandamento do rol exaustivo ostentado pelo art. 1.015 da Lei Adjetiva Civil, viabilizando-se a interposição do recurso de agravo de instrumento a acontecimentos processuais distintos daqueles previamente elencados, desde que, todavia, comprovada a urgência decorrente da inutilização da medida se aguardado o julgamento por recurso de apelação.

3. CONCLUSÃO

Após este trabalho de análise e compreensão da legislação vigente, da doutrina e do consolidado entendimento jurisprudencial pátrio, ascendeu-se o entendimento de que, como antes exposto, não mais restam dúvidas acerca da conduta a ser adotada pelos magistrados de segundo grau e pelos causídicos que presenciarem a prolação de decisões nitidamente prejudiciais ao transcurso processual, não abarcadas pelo rol do art. 1.015 do CPC, sendo plenamente admissível a interposição do recurso de agravo de instrumento, desde que evidenciada a urgência decorrente da inutilização da medida quando submetida a expectativa do julgamento do recurso de apelação.


4. REFERÊNCIAS

BAHIA. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Agravo Interno nº 0016367-31.2016.8.05.0000/50000. Quinta Câmara Cível, Relator: Juiz Convocado João Batista Alcântara Filho. Diário da Justiça Eletrônico, Poder Judiciário, Salvador/BA, 27 de abril de 2018.

BAHIA. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Agravo de Instrumento nº 0019376-64.2017.8.05.0000. Quarta Câmara Cível, Relator: Desª. Gardênia Pereira Duarte. Diário da Justiça Eletrônico, Poder Judiciário, Salvador/BA, 25 de abril de 2018.

BAHIA. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Agravo Interno nº 0016035-30.2017.8.05.0000/50000. Terceira Câmara Cível, Relator: Desª. Joanice Maria Guimarães de Jesus. Diário da Justiça Eletrônico, Poder Judiciário, Salvador/BA, 18 de abril de 2018.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2015.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nº 1.433.611/MS. Rel. Ministro: Sebastião Reis Júnior. Sexta Turma. Diário da Justiça Eletrônico, Poder Judiciário, Brasília/DF, 02 de fevereiro de 2017.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.696.396/MT. Rel. Ministra: Nancy Andrighi. Corte Especial. Diário da Justiça, Poder Judiciário, Brasília, DF, 19 de dezembro de 2018.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.700.308/PB. Rel. Ministro: Herman Benjamin. Segunda Turma. Diário da Justiça, Poder Judiciário, Brasília, DF, 23 de maio de 2018.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.704.520/MT. Rel. Ministra: Nancy Andrighi. Corte Especial. Diário da Justiça, Poder Judiciário, Brasília, DF, 19 de dezembro de 2018.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2017.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Volume Único. 8. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016.

RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento nº 0007092-97.2018.8.19.0000. Quarta Câmara Cível, Relator: Des. Antônio Iloízio Barros Bastos. Diário da Justiça Eletrônico, Poder Judiciário, Rio de Janeiro/RJ, 13 de abril de 2018.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo Interno nº 70075539726. Nona Câmara Cível, Relator: Des. Eduardo Kraemer. Diário da Justiça Eletrônico, Poder Judiciário, Porto Alegre/RS, 27 de abril de 2018.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº 70075004721. Décima Quinta Câmara Cível, Relator: Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos. Diário da Justiça Eletrônico, Poder Judiciário, Porto Alegre/RS, 05 de outubro de 2017.

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Sobre o autor
Victor Lacerda de Figueiredo

Advogado | Especialista em Direito Público, Civil e Processual Civil

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