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Breve reflexão sobre o conceito de direito adquirido

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06/02/2007 às 00:00
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4 Questões pendentes

Conquanto tenha havido soluções jurídicas para os casos citados, não se deve afastar o fato de que isso não significa necessariamente pacificação social. A título de ilustração, no caso das pessoas que estão prestes a se aposentar, pode-se simplesmente dizer que não há direito adquirido a regime jurídico?

De modo mais claro, a solução jurídica vigente diz, por exemplo, que aqueles que já houvessem cumprido os requisitos necessários à aposentadoria quando da publicação da nova norma que aumentou as exigências poderiam se aposentar segundo as regras até então vigentes. Mas aqueles para os quais faltasse apenas um dia para o cumprimento dos requisitos não poderiam e deveriam se submeter às novas regras.

Será que o discrímen tempo ou que a regra da eficácia imediata da lei aos direitos em formação resolve a questão de forma tranquila? Haverá paz numa sociedade em que duas pessoas recebem o mesmo benefício, embora tenham cumprido requisitos diferentes? E se o benefício daquele que cumpriu menos exigências ainda for melhor?

Daí o cabimento das regras de transição, que, todavia, devem cuidar adequadamente da situação de cada indivíduo para que haja justiça. Justiça, conforme abordado em outro artigo (SARAI, 2007), é algo que poderia em tese ser analisado sob o ponto de vista das ciências exatas, embora, em princípio, o homem ainda não tenha demonstrado de forma clara que é competente para transformar as relações sociais em fórmulas matemáticas, em funções, e, com base nisso, encontrar o correto ponto de equilíbrio.

Outro questionamento que surge quando se pensa sobre a edição de leis é a seguinte: Pode um ente público editar uma lei que o obrigue, por exemplo, a entregar mensalmente e eternamente determinado benefício pecuniário a uma pessoa jurídica? É possível criar uma obrigação perpétua? Como ficam as gerações futuras e os legisladores futuros? Não é demais lembrar que a lei é manifestação de vontade do ente que a edita. Essa questão também terá relação com as cláusulas pétreas previstas na Constituição.

Já no caso do condomínio que proíbe animais em suas dependências, fica o questionamento que virá daqueles que ainda não possuíam animais quando surgiu a proibição e que queiram adquirir um. Haverá um sentimento de ofensa à isonomia.

Da mesma forma, como ficam as leis que simplesmente reduzem multas e juros de inadimplentes? O cidadão pontual poderá ficar desmotivado de continuar pagando em dia.

Tais problemas sociais exigem maior reflexão acerca da adequação das atuais soluções jurídicas e das normas vigentes.

A meditação sobre esses assuntos, contudo, fica para um outro artigo.


5 Conclusão

Para o presente, apenas é necessário acrescer os elementos que foram constatados como integrantes do conceito de direito adquirido, mas que não constam da redação do § 2º do art. 6º do Decreto-Lei n.º 4.657, de 1942 (BRASIL, 1942).

Nessa esteira, conclui-se que o direito adquirido é o direito subjetivo exercitável, de imediato ou cujo início do exercício esteja subordinado a termo ou condição, sendo que tanto o direito em si quanto o termo ou condição de que depende seu exercício não podem ser alterados ao arbítrio de outrem, em razão da legítima expectativa de sua permanência, segundo a boa-fé objetiva.

Por fim, não se nega que o caso concreto demandará um julgamento subjetivo, cujo resultado poderá ser variável, mas cuja meta deverá ser a justiça aplicada de forma equitativa.

Ao formular uma teoria de justiça, ARISTÓTELES (2003, p.125) considera essencial a equidade, inclusive considerando-a superior à justiça aplicada a certos casos particulares:

A razão disto é que toda lei é universal, mas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta em relação a certos casos particulares. Nos casos, portanto, em que é necessário falar de modo universal, mas não é possível fazê-lo corretamente, a lei leva em consideração o caso mais frequente, embora não ignore a possibilidade de erro em consequência dessa circunstância. E nem por isso esse procedimento deixa de ser correto, pois o erro não está na lei nem no legislador, e sim na natureza do caso particular, já que os assuntos práticos são, por natureza, dessa espécie.

Por conseguinte, quando a lei estabelece uma lei geral e surge um caso que não é abarcado por essa regra, então é correto (visto que o legislador falhou e errou por excesso de simplicidade), corrigir a omissão, dizendo o que o próprio legislador teria dito se estivesse presente, e que teria incluído na lei se tivesse previsto o caso em pauta.

Por isso o equitativo é justo e superior a uma espécie de justiça, embora não seja superior à justiça absoluta, e sim ao erro decorrente do caráter absoluto da disposição legal.

Parece, então, que esse é o limite a que se pode chegar no campo da hipótese.


Referências

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Sobre o autor
Leandro Sarai

Doutor e Mestre em Direito Político e Econômico e Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARAI, Leandro. Breve reflexão sobre o conceito de direito adquirido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1315, 6 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9457. Acesso em: 27 dez. 2024.

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