ANTINOMIAS
Antinomia, de acordo com Maria Helena Diniz, é o conflito entre duas normas, dois princípios ou de uma norma e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular. É a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular.
Sobre o estudo das antinomias, convém, desde já, estabelecer as seguintes premissas:
a) na antinomia, ambas as normas em conflito são válidas, pois se uma delas for inválida não há falar-se em antinomia.
b) antinomia nada tem a ver com a revogação das leis, porque só há antinomias entre normas com vigência simultânea.
ESPÉCIES
Quanto ao critério de solução, a antinomia pode ser:
a) real ou lacuna de colisão: quando não for possível determinar a prevalência de uma norma sobre a outra, diante da ausência, na ordem jurídica, de qualquer critério normativo para solucionar o conflito.
b) aparente: quando o conflito for passível de solução pelas normas existentes no ordenamento jurídico.
Quanto ao conteúdo, a antinomia pode ser:
a) própria: ocorre quando uma conduta é ao mesmo tempo autorizada por uma norma e proibida por outra ou então prescrita por uma norma e não prescrita por outra. Exemplo: o art.23 do CP prevê normas que autorizam a prática do fato típico enquanto a Parte Especial do Código
Penal contém as normas que o proíbe. Assim, na antinomia própria, a pessoa, para agir conforme uma norma, necessariamente viola outra.
b) imprópria: é a que se verifica pela contradição do conteúdo material das normas. Todavia, nada obsta que o sujeito aja conforme as normas. Essas antinomias subdividem-se em:
b.1) antinomia de princípios: quando uma norma protege um postulado fundamental enquanto outra garante outro postulado oposto àquele.
b.2) antinomia valorativa: é a contradição do valor que o legislador atribui aos direitos tutelados. Imaginemos hipoteticamente que a pena abstrata do roubo fosse menor que a do furto.
b.3) antinomia teleológica: ocorre quando uma norma prevê certos fins que colidem com os meios previstos por outra norma para atingir aqueles fins.
b.4) antinomia técnica: é a falta de uniformidade da terminologia legal. O conceito de funcionário público do Direito Penal, por exemplo, é diferente do conceito previsto no Direito Administrativo.
Quanto ao âmbito de incidência, as antinomias podem ser:
a) de direito interno: é a que surge entre normas de direito interno, sejam elas do mesmo ramo jurídico ou de ramos jurídicos distintos.
b) de direito internacional: é a que surge entre normas de direito internacional. Exemplos: Convenções internacionais, costumes internacionais, normas criadas pelas organizações internacionais etc.
c) de direito interno-internacional: é o conflito entre uma norma de direito interno e outra norma de direito internacional.
Quanto à extensão da contradição, a antinomia pode ser:
a) total total: quando, em qualquer situação, a aplicação de uma norma conflitará com outra norma.
b) total parcial: quando uma das normas, em qualquer situação, se for aplicada conflitará outra, enquanto esta, em algumas situações, se for aplicada não entrará em conflito com aquela.
c) parcial parcial: quando apenas uma parte das duas normas se conflitam.
CRITÉRIOS DE SOLUÇÃO DAS ANTINOMIAS APARENTES NO DIREITO INTERNO
As antinomias aparentes de direito interno são solucionadas por critérios ou metacritérios jurídicos-positivos implicitamente previstos pelo legislador. Estes critérios são os seguintes:
a) hierárquico: a norma superior prevalece sobre a inferior. Assim, a Constituição Federal prevalece sobre a lei ordinária e esta, por sua vez, predomina em relação aos atos administrativos.
b) cronológico: a norma posterior revoga a anterior quando forem do mesmo nível hierárquico.
c) especialidade: a norma especial prevalece sobre a geral. Por exemplo: o homicídio culposo na direção de veículo automotor é regido pelo Código de Trânsito Nacional, que incrimina o fato, afastando-se a incidência do Código Penal, que é lei geral.
Quando o conflito não for solucionado por nenhum desses três critérios a antinomia revela-se real, sendo então solucionada pelos mecanismos de integração do ordenamento jurídico ou pela edição de uma nova lei emanada do Poder Legislativo para a solução dos casos futuros. Nesse caso, tendo em vista o princípio da indeclinabilidade da jurisdição, o magistrado não pode esquivar-se de decidir, de modo que, no plano processual, o juiz, valendo-se de uma interpretação equitativa fará valer o princípio da Suprema Justiça, escolhendo a norma mais justa e se isso não for possível excluirá ambas as normas, concretizando uma interpretação ab-rogante, solucionando o litígio pelos mecanismos de integração do ordenamento jurídico, que são os critérios de preenchimento das lacunas, previsto no art. 4º da LINDB (analogia, costumes e princípios gerais do direito) e se essa solução também mostrar-se absolutamente inviável o único caminho será a equidade, devendo o magistrado, com base nos princípios existentes no ordenamento jurídico, elaborar uma norma para o caso concreto.
Saliente-se, porém, que a decisão judicial não soluciona, no plano normativo, a antinomia real entre as normas, resolvendo apenas o caso concreto. Somente com o advento de uma nova lei que escolha uma das normas, ou revogue ambas, o problema da antinomia real será efetivamente eliminado, salvo se esta nova lei gerar, por sua vez, um novo conflito insolúvel entre as normas.
Força convir, portanto que a rigor, a antinomia real é solúvel quer no plano processual em razão de decisão judicial, quer no plano do ordenamento jurídico pela edição de nova lei.
Dentre os critérios acima, o mais forte é o hierárquico e o mais fraco o cronológico. O critério da especialidade é o intermediário.
ANTINOMIA DE 1º E 2º GRAUS
Antinomia de 1º grau é o conflito de normas que envolve apenas um dos critérios acima. É, pois, o conflito solucionado exclusivamente pelo critério hierárquico ou pelo critério cronológico ou ainda pelo critério da especialidade.
Antinomia de 2º grau é o conflito de normas que envolve dois ou mais critérios acima. É, pois, o conflito entre os referidos critérios, cuja ocorrência pode verificar-se nos seguintes termos:
a) conflito entre os critérios hierárquico e cronológico: tal ocorre quando, para a solução do litígio, há uma norma constitucional anterior conflitante com uma norma ordinária posterior. Prevalecerá evidentemente o critério hierárquico, porquanto a lei posterior inferior não derroga a anterior superior.
b) conflito entre os critérios da especialidade e cronológico: tal ocorre quando, para a solução do litígio, há uma norma anterior-especial conflitante com uma posterior-geral. Em regra, prevalece a norma especial sobre a geral, salvo quando a norma geral for simultaneamente geral e especial.
c) conflito entre os critérios hierárquico e o da especialidade: tal ocorre quando, para a solução do litígio, há uma norma superior-geral conflitante com uma norma inferior-especial. De acordo com Maria Helena Diniz não será possível estabelecer uma meta-regra geral dando prevalência ao critério hierárquico, ou vice-versa, sem contrariar a adaptabilidade do direito, de modo que poder-se-á preferir qualquer um dos critérios, não existindo, portanto, qualquer predomínio de um sobre o outro. Em contrapartida, Bobbio assevera a prevalência do critério hierárquico, isto é, a prevalência da norma constitucional geral sobre uma lei ordinária especial, pois esta não pode derrogar aquela.
A jurista Maria Helena Diniz ressalva, no entanto, que, excepcionalmente, o critério da especialidade pode prevalecer sobre o hierárquico, referindo-se a situações novas que melhor se adaptam à lei ordinária especial, invocando o princípio suum cuique tribuere, baseado na interpretação de que o que é igual deve ser tratado como igual e o que é diferente, de maneira diferente.
Se todos esses critérios forem insuficientes para solucionar a antinomia de 2º grau, aplica-se, segundo Maria Helena Diniz, amparada em Bobbio, o princípio da suprema justiça: entre duas normas incompatíveis dever-se-á escolher a mais justa. Em não sendo isso possível, entram em cena os mecanismos de integração do ordenamento jurídico (art.4º da LINDB) e, por fim, a equidade.
CRITÉRIOS DE SOLUÇÃO DAS ANTINOMIAS APARENTES DE DIREITO INTERNACIONAL
O conflito entre normas de direito internacional, sobretudo entre os tratados, é solucionado pelas seguintes regras:
a) o primeiro tratado prevalece sobre o segundo quando as partes forem distintas. É o princípio da primazia da obrigação anteriormente assumida ou prior in tempore potior in jus. Se as partes forem as mesmas o segundo tratado revoga o primeiro.
b) o tratado posterior revoga o anterior quando as partes signatárias forem as mesmas.
c) o tratado especial prevalece sobre o geral quando as partes signatárias forem as mesmas.
d) o tratado que contém conteúdo jurídico superior, isto é, de ordem pública de direito internacional, prevalece sobre o que cuida de interesse que só interessa aos Estados Contratantes.
CRITÉRIOS DE SOLUÇÃO DAS ANTINOMIAS DE DIREITO INTERNO INTERNACIONAL
As antinomias de direito interno - internacional que, grosso modo, é a contradição entre um tratado e uma lei interna, é solucionado pelo predomínio da norma internacional na hipótese em que o litígio é submetido a um juízo internacional.
Se, no entanto, a questão for suscitada perante o juízo interno, este segundo Maria Helena Diniz poderá reconhecer:
a) A autoridade relativa do tratado e de outras fontes jurídicas na ordem interna, entendendo-se que o legislador interno não pretendeu violar o tratado, exceto nos casos em que o fizer claramente, hipótese em que a lei interna prevalecerá;
b) Superioridade do tratado sobre a lei mais recente em data;
c) A superioridade do tratado sobre a lei, ligando-a, porém, ao controle jurisdicional da constitucionalidade da lei.
Não se pode, no entanto, olvidar que o tratado que versa sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos membros serão equivalentes a emendas constitucionais, conforme o §3º do art.5º da CF.
Referências bibliográficas
BRASIL, Decreto Lei nº. 4.657, de 4 de setembro de 1942 Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm, último acesso em 01 de agosto de 2021.
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, Parte Geral. V. 1, 14ª Ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2012.