A ilegitimidade do populismo penal

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O presente trabalho tem por objetivo demonstrar como o Poder Legislativo é influenciado pelo populismo penal, o que contribui para a ineficácia das Leis Penais e a perpetuação da função simbólica do Direito Penal.

A ILEGITIMIDADE DO POPULISMO PENAL

 

 

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

 

ADPF: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental;

Art.: Artigo;

CP: Código Penal;

HC: Habeas Corpus;

LCP: Lei de Contravenções Penais;

MP: Ministério Público;

PL: Projeto de Lei;

PLS: Projeto de Lei do Senado;

STF: Supremo Tribunal Federal.

 

 

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a ilegitimidade do populismo penal no Brasil. Para tanto, será feito um estudo inicial sobre o Maximalismo e o Minimalismo penais e os princípios e teorias que os fundamentam, com o objetivo de se definir qual o modelo de Sistema Penal adotado pelo Brasil. Em um segundo momento, serão apresentados os discursos que fundamentam o Populismo Penal Legislativo, sobretudo aqueles perpetrados pelos meios de comunicação em massa. Ao final, pretende-se demonstrar como o Poder Legislativo é influenciado pelo populismo penal, o que contribui para a ineficácia das Leis Penais e a perpetuação da função simbólica do Direito Penal.

Palavras-chave: Direito Penal; Função Simbólica do Direito Penal; Sistema Penal; Populismo Penal.

 

ABSTRACT

The objective of this paper is to demonstrate the illegitimacy of criminal populism in Brazil. In order to do so, will be done an initial study on criminal Maximalism and Minimalism and the principles and theories that underpin them, to define the model of the Penal System adopted in Brazil. In a second moment, the speeches that support Legislative Penal Populism, especially those perpetrated by the mass media, will be presented. At the end, it intends to demonstrate how the Legislative Power is influenced by criminal populism, which contributes to the inefficacy of Criminal Laws and the perpetuation of the symbolic function of Criminal Law.

Keywords: Criminal Law; Symbolic Function of Criminal Law; Penal System; Criminal Populism.

 

 

 

 

 

1 – INTRODUÇÃO.

           

O Populismo Penal Legislativo, uma das expressões da Expansão do Direito Penal, é um tema estudado por autores das mais variadas nações. O fenômeno de expansão do direito punitivo não conhece fronteiras, o que suscita o questionamento quanto a quem são os influenciadores da atuação legislativa, sendo necessário estudar o Populismo Penal Midiático.

Um fenômeno que tem íntima ligação com o Populismo Penal Legislativo é o Populismo Penal Midiático, uma vez que a mídia pauta a ineficácia das leis vigentes e a insegurança por ela causada, vendendo um discurso de insuficiência de tais leis, e da necessidade de recrudescimento de penas ou criação de novos crimes, tipificando condutas que antes eram irrelevantes.

O modelo de sistema penal que justifica a expansão do direito penal, com a edição de leis penais cada vez mais rígidas, é o Maximalismo Penal, ou Direito Penal Máximo. Em oposição a tal sistema, há o Direito Penal Mínimo, ou Minimalismo, em que a tutela penal, pela gravidade de sua atuação, apenas se justifica diante de condutas que violam, de forma mais gravosa, os bens jurídicos mais relevantes.

O Direito Penal do Inimigo, teorizado e defendido pelo penalista alemão Günther Jakobs, é o mais gravoso patamar da expansão do direito penal. Apresenta-se como um direito de guerra, de combate ao terrorismo, em que as pessoas são punidas pelo que são (direito penal do autor), e não em razão do fato praticado. A lei existe apenas para que a pena seja aplicada, sem preocupações com garantias processuais ao acusado.

Jesús-María Silva Sánchez, penalista espanhol, é o mais notável estudioso da Expansão do Direito Penal, constituindo-se em referência para todos que estudam a temática. Ao analisar a “evolução” do direito penal com sua teoria das velocidades, demonstrou que o legislador ao modificar as leis, busca a eficiência das penas previstas com redução de garantias.

O expansionismo do Direito Penal é a demonstração da falência do Estado, que prefere criar um sistema penal máximo (criação de leis penais e aumento das punições) a fomentar mecanismos que garantam à população direitos sociais, cumprindo as diretrizes constitucionais de um Estado Social de Direito.

O tema foi definido em razão da sempre renovada discussão sobre a inflação legislativa no Brasil, no campo do Direito Penal, e a influência da mídia sobre a produção do direito.

Os crimes noticiados pelos meios de comunicação em massa são apresentados com manchetes sensacionalistas, criticando a benevolência da lei. Diante de mais um ato infracional praticado por um adolescente, o apresentador do telejornal clama por redução da maioridade penal ou por uma punição mais rígida para os atos infracionais mais graves.

A população de uma forma geral, absorvendo o discurso pautado pela mídia, apoia o agravamento de penas, ou mesmo a criação de novos crimes, como uma forma de reação à criminalidade mostrada pela imprensa.

O Populismo Penal Legislativo é um tema sempre em voga no cenário jurídico. Diante da ocorrência de novos crimes, normalmente de natureza violenta, a mídia pauta o debate sobre a benignidade da legislação, clamando por maior punição aos criminosos e criação de mais leis punitivas, sendo tal discurso apoiado pelos consumidores dos veículos de comunicação.

A globalização tem facilitado a difusão de notícias vindas do mundo inteiro. As pessoas, tendo acesso às informações, proferem as mais variadas opiniões sobre os mais diversos assuntos. A criminalidade faz parte do cotidiano brasileiro, encontrando-se estampada nas manchetes dos jornais, capas de revistas e em sites jornalísticos, dando a impressão de que o crime espreita a cada esquina.

A população, lendo ou assistindo as notícias jornalísticas, absorve o discurso da mídia, refletindo tal discurso nas opiniões sobre o sistema de justiça criminal. O acervo legal brasileiro é enorme, mas a população (influenciada pelo discurso da mídia) exige a criação de novos diplomas que tipifiquem novos crimes, ou que tornem o sistema processual penal ou de investigação criminal mais rígido.

As leis em matéria penal, produzidas em razão de clamor social e do discurso midiático, estão longe de superarem o seu caráter simbólico e alcançarem efetividade, acabando por terem sua constitucionalidade contestada.

O Populismo Penal Legislativo é o fenômeno através do qual as mudanças na legislação penal, geralmente no sentido de conferir maior rigor às normas, ocorrem com o fim de atender ao apelo das massas, motivado pela insegurança e uma provável falta de efetividade das leis vigentes, tidas como benevolentes.

O problema que se vislumbra é que o Populismo Penal Legislativo viabiliza a concretização de um Direito Penal Simbólico, extremamente punitivista, de modo que as mudanças legislativas só se efetivam na letra da lei, sendo desprovidas de eficácia real.

O presente trabalho discutirá o populismo penal legislativo, circundando os temas a ele correlatos (Maximalismo Penal, Direito Penal do Inimigo e populismo penal midiático), defendendo o Minimalismo como um sistema penal equilibrado, que possibilite a aplicação eficaz da lei penal, trazendo segurança jurídica.

Pretende-se demonstrar, neste trabalho, como o Populismo Legislativo é ilegítimo. Seu discurso é falacioso e não traz a efetividade da legislação penal, que acaba tendo caráter simbólico, evidenciando a ineficácia do sistema penal brasileiro, frente às novas e às antigas condutas criminosas.

Também serão analisados o Direito Penal Máximo e o Direito Penal Mínimo, o que será necessário para situar em que o Populismo Penal Legislativo se inspira e identificar qual é o sistema penal mais compatível com a Constituição Federal de 1988.

Este trabalho demonstrará como o legislador se inspira no discurso da mídia, respaldado pela população, que clama por maiores punições e criação de novos crimes. Também apresentará reflexos legislativos do populismo penal, tanto em leis vigentes quanto em algumas proposições legislativas.

Em razão da natureza do presente trabalho, essencialmente dogmático e de busca pela confirmação de uma hipótese (ineficácia da legislação penal em razão da motivação populista e simbólica das alterações legislativas), o método empregado será o dedutivo, com emprego de pesquisa bibliográfica.

 

 

2 - SISTEMA PENAL BRASILEIRO.

 

2.1 - DISCURSOS PENAIS EM CONFLITO.

O Direito Penal constitui o ramo do ordenamento jurídico que prevê a mais grave das sanções aos infratores de suas normas, motivo pelo qual a violência da pena privativa de liberdade necessita de legitimidade normativa, o que se dá por meio de limitações ao poder do Estado (da investigação criminal à aplicação da pena).

Aquilo que é entendido como Sistema Penal é o conjunto de instâncias do controle social formal que atuam sobre condutas violadoras de normas penais, sendo composto tanto pelas leis penais, processuais penais e de execução penal, quanto pelas agências estatais responsáveis pelo funcionamento do sistema (Poder Judiciário, Ministério Público, Polícias, etc.)[1].

No Brasil, vigora um modelo de Direito Penal denominado Democrático, que encontra limitações na própria Constituição Federal e em princípios reconhecidos pelo nosso ordenamento jurídico. Em razão da adoção desse modelo, as normas penais devem servir como garantia do indivíduo frente ao Estado, que tem seu direito de punir (ius puniendi) legitimado pelas mesmas normas.

Os fundamentos para o Direito Penal Democrático surgiram no Brasil após o período da Ditadura Militar (1964-1985), resultando em uma Constituição garantista, repleta de princípios aplicáveis a praticamente todos os ramos do direito. Foi substituído um Estado de Polícia (baseado no princípio da segurança nacional) por um Estado Democrático de Direito, em que o Direito Penal é a ultima ratio (último recurso à solução dos conflitos).

Em razão dos princípios impressos na Constituição Federal, podemos concluir que o Direito Penal Brasileiro é (ou deveria ser) um Direito Penal Mínimo, que tem na dignidade da pessoa humana o vetor central do qual se irradiam todos os demais princípios (intervenção mínima, lesividade, adequação social, insignificância, individualização da pena, proporcionalidade, responsabilidade pessoal, limitação das penas, culpabilidade e legalidade)[2].

Com o passar das décadas, a imprensa, notadamente em seus setores sensacionalistas, tem explorado a ineficiência do modelo de Direito Penal em vigor, propagando que é necessário um Direito Penal Máximo. A sociedade, assustada com a violência, tende a ver no Direito Penal a solução para os seus problemas[3].

O Maximalismo tem encontrado expressão no Movimento da Lei e Ordem e no Direito Penal do Inimigo. Tais tendências, que se encontram na contramão do Direito Penal Democrático, têm sido propagadas por legisladores populistas, que buscam conquistar o eleitorado com a promulgação de leis penais cada vez mais rígidas, mas dotadas tão somente de efeito simbólico.

Muito embora o Brasil esteja alinhado ao Direito Penal Mínimo, é fácil encontrar, na produção legislativa nacional, lampejos de Direito Penal Máximo (tanto em leis penais em vigor quanto em projetos ainda em tramitação). O processo de expansão do Direito Penal está em pleno vapor, estimulado pelo populismo penal e pela ineficácia do sistema penal.

Importante se faz analisar, detidamente, tanto o Direito Penal Mínimo quanto o Direito Penal Máximo, a fim de entender essas duas tendências para depois focar no populismo penal e como ele tem sido legitimado no Brasil.

 

2.1.1 – DIREITO PENAL MÁXIMO.

O Maximalismo Penal prega que o Direito Penal é a resposta efetiva para todos os conflitos que surgem no âmbito social, devendo ser criminalizada toda conduta desviada, por mais insignificante que possa ser considerada em sua individualidade.

Ocorre a substituição do Estado Social pelo Estado Policial. Por tal sistema, o Estado deve dar resposta a todas as condutas criminalizadas pelo legislador, em uma verdadeira política de “tolerância zero” para com o crime.

Em razão de condicionantes presentes no sistema penal, que acaba sendo extremamente seletivo, inúmeros crimes acabam por perderem-se nas cifras negras da criminalidade, onde estão as infrações penais que escapam à persecução penal, não sendo investigadas e muito menos punidas.

O movimento de Lei e Ordem, surgido nos Estados Unidos, defende extremo rigor no cumprimento das penas, que devem ter sentido de castigo e não de instrumento de ressocialização, apoiando também a redução de poderes dos juízes quanto à flexibilização do cumprimento das penas[4].

O movimento de Tolerância Zero, surgido nos Estados Unidos dos anos 90, é a melhor expressão do que seria a implementação de um Estado Penal. Os Estados Unidos passaram por período de crise econômica e social no início dos anos 80, o que culminou em aumento da criminalidade, criando-se as condições para a instalação da política de “tolerância zero”, notadamente na cidade de Nova York[5].

Eleito Prefeito de Nova York em 1993, o candidato Republicano Rudolph Giuliani instaurou uma guerra contra o crime na cidade, reprimindo diversas infrações cotidianas insignificantes, de limpadores de para-brisa a mendigos e prostitutas[6]. A política de Tolerância Zero acabou por mostrar-se perseguidora da pobreza, diminuído os temores da classe média[7].

O que foi observado nos Estados Unidos da política de Tolerância Zero foi a substituição de um Estado de Bem-Estar Social pelo Estado Penal, mas de forma bastante seletiva, atingindo-se os despossuídos. Buscou-se limpar as ruas repletas de miseráveis, garantindo-se que os consumidores das grandes lojas não tenham de enxergar a população marginalizada[8].

O passo seguinte no Maximalismo Penal é o Direito Penal do Inimigo, que constitui sua faceta mais conhecida. Concebido pelo alemão Günther JAKOBS, diferencia dois “Direitos Penais”: um do “cidadão”, outro do “inimigo”.

O Direito Penal do cidadão destina-se aos criminosos que não representam perigo ao Estado. Já àqueles que se afastaram permanentemente do cumprimento das Leis, resta o tratamento como não-pessoa, o mesmo dispensado aos inimigos em estado de guerra, pois “um indivíduo que não admite ser obrigado a entrar em estado de cidadania não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa.”[9]

O Direito Penal do Inimigo ganhou vulto após os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova York. No Brasil, o discurso dessa teoria é comumente perpetrado pela imprensa, que se transformou em “um show de horrores que, por mais que possamos repugná-lo, gostamos de assisti-lo diariamente”.[10]

Segundo a teoria de JAKOBS, o inimigo deve ser combatido por sua periculosidade, ainda no estágio preparatório do crime[11], levando-se em conta a habitualidade de suas condutas, garantindo-se ao cidadão o direito à segurança.[12]

O Direito Penal do Inimigo é um ressurgimento do Direito Penal do Autor, onde o sujeito é punido por ser quem é, e não em razão do fato por ele praticado. Também há uma perigosa antecipação da tutela penal, permitindo a punição dos atos preparatórios.

A emergência do terrorismo, o novo inimigo do mundo ocidental após a queda do regime soviético, abriu espaço para a criação de leis penais e processuais penais mais rígidas para o combate ao terror[13]. As agências estatais passam a exercer controle sobre toda a população, notadamente estrangeiros, sob a justificativa de combate ao terrorismo[14], o que intensifica preconceitos contra imigrantes e refugiados.

SILVA SÁNCHEZ questiona se o Direito Penal do Inimigo constituiria uma terceira velocidade do Direito Penal, dentro de sua ideia de Expansão do Direito Penal e do Direito Penal das Velocidades[15].

Na primeira velocidade, que corresponde ao Direito Penal Clássico, são previstos direitos e garantias processuais e materiais ao indivíduo, para que, uma vez condenado, lhe seja imposta uma das mais graves sanções (pena privativa de liberdade).

Na segunda velocidade, o Direito Penal passa a prever penas diversas das privativas de liberdade (restritivas de direitos e pecuniárias). Em razão disso, flexibilizam-se as garantias processuais, objetivando maior rapidez na aplicação das penas.

O Direito Penal do Inimigo seria uma terceira velocidade do Direito Penal, onde são cominadas aos agentes delitivos as penas privativas de liberdade, ao mesmo tempo em que são flexibilizadas garantias individuais para possibilitar a aplicação da sanção penal[16].

A Expansão do Direito Penal é resultado da evolução da sociedade e do surgimento de condutas antes não criminalizadas, mas que agora passam a ter relevância para o Direito Penal, pois não são mais suficientes sanções de outra natureza, geralmente aplicadas por outros ramos do Direito.

SILVA SÁNCHEZ afirma que a sociedade não admite um direito penal mínimo, nem tampouco o direito penal máximo, motivo pelo qual a expansão do Direito Penal deve se dar de maneira razoável e equilibrada, admitindo até a flexibilização de princípios de imputação, notadamente para a responsabilização penal das pessoas jurídicas[17].

O processo de neocriminalização, apesar de mais comumente identificável como um pleito de setores conservadores da sociedade, tem sido também estimulado pelos movimentos sociais e de defesa de vulneráveis, como os crimes contra a mulher por questões do gênero feminino.

Vera Regina de ANDRADE identifica que a criminalização de condutas praticadas contra as mulheres faz parte de um processo por meio do qual problemas delimitados ao âmbito privado convertem-se em problemas públicos, tutelados pelo Direito Penal[18].

Tal neocriminalização, em sua origem, visava atender apenas à função simbólica do Direito Penal. Os movimentos feministas que a reivindicam não estavam interessados exatamente na aplicação do castigo, mas em que, com a criminalização das condutas, a sociedade adquirisse consciência do seu caráter nocivo, modificando a maneira de o público as perceber[19].

 

2.1.2 – DIREITO PENAL MÍNIMO.

A base para o Direito Penal Mínimo é o princípio da dignidade da pessoa humana, acompanhada de outros princípios limitadores do direito de punir do Estado. De início, e para os fins do presente trabalho, serão tratados os princípios da exclusiva proteção de bens jurídicos e da intervenção mínima, sendo trazidos à baila outros princípios relacionados.

É bem jurídico aquele que é “reconhecido ou valorado positivamente pelo Direito” [20]. Já o bem jurídico-penal consiste no bem da vida que, em razão de uma valoração realizada pelo legislador, é tutelado pela norma penal, que tipifica a violação ao referido bem como infração penal (crime ou contravenção penal, conforme o sistema bipartido adotado pelo Brasil).

O bem jurídico-penal deve ser eleito com bastante critério, a fim de que apenas aqueles bens de maior relevância possam ser tutelados penalmente, evitando-se que o Direito Penal se torne a prima ratio do sistema, tutelando todo e qualquer bem jurídico, conforme as exigências da sociedade vão surgindo.

Por ser a Constituição Federal a norma fundamental do sistema jurídico de um país, os bens garantidos constitucionalmente (sobretudo aqueles bens que devem ser tutelados penalmente, conforme expresso em certos artigos da Carta Magna[21]) acabam por ser fortes candidatos a bens jurídico-penais.

Porém, em razão de sua extensão, a Constituição não pode ser parâmetro absoluto quanto aos bens jurídicos que devem ser tutelados penalmente. O legislador é livre para criminalizar violações a bens jurídicos não previstos na Carta Magna, mas deve atentar para que tal criminalização não conflite com os valores nela previstos, nem atinja direitos por ela garantidos.

A dinâmica social faz surgirem bens jurídicos novos, merecedores de proteção legal. Percebe-se que qualquer bem jurídico pode ser convertido em bem jurídico-penal, bastando para isso que um legislador eleja determinado bem como existencial a tal ponto que seja merecedor da tutela do Direito Penal.

Por tal razão, os princípios limitadores do ius puniendi devem ser levados em conta pelo legislador no momento de criminalizar condutas. Um desses princípios é o da ofensividade, segundo o qual só há crime com a ofensa (lesão ou perigo concreto de lesão) a um bem jurídico. Assim, o Direito Penal não deve se ocupar de condutas que apenas expressam o modo de viver do agente.

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Outro princípio de relevo é o da necessidade, segundo o qual o Direito Penal só pode atuar quando extremamente necessário para responder à lesão a um bem jurídico relevante para todo o sistema, e quando os outros ramos do Direito não puderem dar resposta satisfatória diante de tal lesão, pois

“Para justificar a perda ou privação de um direito fundamental, sobretudo o da liberdade individual, não há dúvida de que a proporcionalidade e a justiça exigem uma ofensa a outra liberdade de igual ou maior relevância.”[22]

O princípio da proporcionalidade tem origem dos ideais iluministas do século XVIII, quando a burguesia toma projeção social e passa a exigir do Estado limites ao seu poder e respeito aos direitos dos indivíduos, que antes eram súditos e passam a cidadãos. Tem relação direta com a necessidade, ramificação da própria proporcionalidade, bem como com os demais princípios limitadores do ius puniendi.

É um princípio que tem duas dimensões: proibição do excesso e vedação à proteção insuficiente. Assim, a norma penal incriminadora, quando criada, não pode prever pena excessivamente alta, nem tão baixa a ponto de restar desprotegido o bem jurídico tutelado penalmente.

A pena, para ser proporcional, deve ser necessária[23] – pois o Direito Penal só deve intervir quando imprescindível para a proteção do bem jurídico – e suficiente[24] – não podendo estar nem além nem aquém daquilo que quantitativamente sirva à reprovação e à prevenção do delito -.

O princípio da intervenção mínima consiste no pensamento de que, sendo o Direito Penal o ramo do ordenamento jurídico que impõe a mais drástica das sanções estatais ao indivíduo (restrição da liberdade), a sua aplicação deve se dar sob um espectro limitado de condutas. Deste princípio decorrem outros dois princípios: fragmentariedade e subsidiariedade

O princípio da fragmentariedade informa que o Direito Penal deve se preocupar com as lesões aos bens jurídicos mais relevantes, e somente quando a lesão ao bem jurídico seja intolerável[25]. Daí decorre que o Direito Penal não pode atuar sobre condutas insignificantes, consideradas verdadeiramente atípicas.

A partir do momento em que se reconhece que o Direito Penal é fragmentário, o sistema penal passa a atuar no combate às violações mais graves aos bens jurídicos mais relevantes e caros à vida em sociedade, tornando-se, em tese, mais eficaz.

O princípio da subsidiariedade enxerga o Direito Penal como a ultima ratio do sistema jurídico, devendo ele atuar apenas quando os outros ramos do Direito forem incapazes de dar uma resposta satisfatória à violação de um bem jurídico. O bem jurídico pode possuir relevância Penal, mas se outro ramo do ordenamento jurídico puder tutelar esse bem, afasta-se a incidência do Direito Penal.

O modelo de Direito Penal Mínimo, ou Minimalismo Penal, coaduna-se com o Direito Penal do Estado Democrático de Direito. Em razão do apelo crescente por um Estado cada vez mais interveniente, impulsionado pela mídia e apoiado pela população, corre-se o risco da expansão descontrolada do Direito Penal, que acaba por tornar o Sistema Penal mais ineficaz e incapaz de oferecer resposta às formas de criminalidade mais gravosas à coletividade.

 

2.2 – POR UMA SOLUÇÃO EQUILIBRADA.

O Minimalismo Penal é tido por GRECO[26] como o Direito Penal do Equilíbrio. Por mais que seja um sistema penal marcado por princípios limitadores do ius puniendi, não chega ao extremo do abolicionismo (que propõe a extinção do Direito Penal), nem ao extremo do Maximalismo Penal (que tem no Direito Penal a solução para os problemas sociais).

O Minimalismo enxerga o Direito Penal como um mal necessário, destinado à tutela dos bens mais caros à sociedade em que esteja inserido. É um Direito Penal que deve ser mínimo para ser mais eficaz, capaz de compatibilizar a proteção ao indivíduo com o exercício do ius puniendi.

Para garantir a proteção do indivíduo contra o arbítrio estatal, e propiciar ao Estado meios de apurar infrações penais e punir seus autores, o ordenamento jurídico deve prever uma série de direitos e garantias individuais, ao mesmo tempo em que regulamenta meios através dos quais o Estado possa promover a persecução penal (investigação policial, denúncia e julgamento), impondo ao final uma pena ao agente infrator.

Os movimentos de Lei e Ordem e da “Tolerância Zero”, promoveram o encarceramento dos miseráveis, gerando uma sociedade cada vez mais excludente. As agências policiais reprimem crimes ligados à pobreza, em detrimento de outros de maior complexidade, como os crimes de colarinho branco.

É a seletividade do sistema penal sendo promovida pelo próprio Estado, que acaba não concretizando o Direito Penal Mínimo. No dizer de Vera Regina

“O sistema penal se dirige quase sempre contra certas pessoas, mais que contra certas condutas legalmente definidas como crime e acende suas luzes sobre o seu passado para julgar no futuro o fato-crime presente, priorizando a especulação de “quem” em detrimento do “que”.”[27]

O Direito Penal do Inimigo, por mais atraente que possa parecer no contexto atual do terrorismo global, não oferece segurança jurídica suficiente. O conceito de inimigo é por demais fluido, bastando que um ator político eleja um determinado grupo como o “inimigo da vez”, para que se assista a um sério retrocesso em direitos fundamentais.

Num Estado que pretende ser Democrático de Direito, a legislação penal deve prever como crimes apenas as condutas que lesionem os bens jurídicos mais caros à sociedade. Por esta razão, a inflação legislativa que é assistida por todos leva à “necessidade de um discurso mais sério e aprofundado sobre os verdadeiros limites e legitimidade do exercício da potestade punitiva estatal”[28].

 

 

3 – UM LEGISLADOR SOB INFLUÊNCIA.

 

3.1 – ASPECTOS GERAIS.

O Poder Legislativo é responsável preponderante pela produção legislativa nacional e os legisladores federais são os únicos legitimados para produção das normas de Direito Penal incriminador[29]. O princípio da reserva legal (apenas lei complementar ou ordinária deve conter direito penal incriminador) é basilar do Estado Democrático de Direito.

Como os representantes democraticamente escolhidos pela população não necessariamente tem conhecimento das regras do processo legislativo e, tampouco, dos princípios gerais do Direito, é de se esperar que nem sempre as normas por eles editadas reflitam aquilo que o ordenamento jurídico deve refletir, conforme os princípios adotados pela Carta Magna.

Se as normas jurídicas de uma maneira geral já não atentam para uma conformação com o texto constitucional, situação mais gravosa ocorre com as Leis Penais e Processuais Penais no Brasil, cuja formulação e discussão normalmente são motivadas por apelos punitivistas, que em nada se coadunam com o Estado Democrático de Direito.

Não é raro assistirmos na mídia a exposição excessiva de atos delituosos, mostrando o crime como uma sombra que espreita a cada esquina. Além da divulgação sensacionalista dos crimes, realizada de modo indistinto por vários canais de televisão, a mídia propaga o quanto a legislação brasileira é branda e fomentadora da impunidade.

A partir daí surge o discurso punitivista, que defende um Direito Penal Máximo. Tal discurso é perpetrado pela mídia e reproduzido pela população consumidora das fontes de notícias. Toda essa estrutura que favorece a produção legislativa irracional e meramente simbólica é o chamado populismo penal.

O populismo é historicamente identificado[30] com os movimentos políticos da América Latina do período entreguerras (1930 – 1945), notadamente os governos de Juan Domingo Perón, na Argentina, e Getúlio Vargas, no Brasil. Tais governantes, apesar de alinhados ao totalitarismo europeu daquela época, eram queridos pela população, que era beneficiada por medidas assistencialistas tomadas por eles enquanto ocuparam o poder.

Podem-se identificar como populistas, também, os governos democráticos de Vargas (1951 – 1954) e de João Goulart (1961 – 1964), ambos no Brasil. Mas não é dessa faceta política do populismo, de forma de governar, que este estudo cuida.

O populismo é uma prática que se apoia no consenso popular, obtido para a defesa da adoção de medidas que agradam a sociedade, tomada em sua generalidade. O populismo penal caracteriza-se por um discurso enfocado na opinião pública e no apelo emocional aos sentimentos da população, visando agradar o eleitor, por mais falaciosas que sejam as medidas governamentais[31].

Tal discurso se adéqua tanto à mídia, formadora de opinião, quanto àqueles políticos que adotam posições meramente punitivistas (e simbólicas) que não contribuem para o efetivo combate à criminalidade.

A partir do discurso populista penal da mídia e dos políticos, sobretudo dos integrantes do Poder Legislativo, serão analisados tanto o populismo penal midiático quanto o populismo penal legislativo.

 

3.1.1 – POPULISMO PENAL MIDIÁTICO.

A mídia, na era da Globalização, desempenha importante papel na transmissão de informações. Décadas atrás, a informação jornalística deixou de ser restrita aos meios ordinários de comunicação (jornal, revista, rádio e televisão). Hodiernamente, as notícias são transmitidas em tempo real, inclusive com a colaboração da população, que deixou de ser meramente expectador passivo.

O populismo penal midiático é caracterizado pelo emprego do discurso jurídico pelos meios de comunicação de massa visando à expansão do Direito Penal[32]. A mídia não tem, nas ciências jurídicas, o seu objeto de produção. Mas a criminalidade, por fazer parte do cotidiano social, insere-se na ordem do dia dos jornalistas.

A situação da segurança pública faz os agentes da mídia produzirem notícias que criticam tanto a “benevolência” das nossas leis (e sua “insuficiência” para conter a criminalidade) quanto os órgãos que atuam na persecução penal (polícia, Ministério Público e Poder Judiciário). A atividade do advogado, não raras vezes, acaba sendo associada ao acusado/suspeito, dando à advocacia criminal ares de advocacia “criminosa”.

Por obvio, não é toda mídia que gera e perpetua o discurso populista penal. Mas o discurso penal midiático é o predominante, por mais que certos veículos de comunicação não sejam identificados como sensacionalistas. Quando cede ao discurso punitivista, a mídia acaba tornando-se agente legitimador do sistema penal e de toda a conjuntura a ele subjacente.

No dizer de BATISTA

“O novo credo criminológico da mídia tem seu núcleo irradiador na própria ideia de pena: antes de mais nada, crêem na pena como rito sagrado de solução de conflitos. Pouco importa o fundamento legitimante: se na universidade um retribucionista e um preventista sistêmico podem desentender-se, na mídia complementam-se harmoniosamente.” [33]

A finalidade da pena, de acordo com o pensamento corrente na mídia e que é divulgado para os ávidos consumidores do noticiário policial, é de castigo ao criminoso, tendo “caráter de vingança, de sofrimento, de mera retribuição, suprimindo-lhe qualquer conteúdo finalístico.[34]

A mídia, diante da ocorrência de mais um crime violento, prega o aumento de penas, a supressão da progressão de regime prisional, além de outras medidas caracterizadoras de um Direito Penal Máximo.

A população, acuada pela violência apresentada pela mídia (também sentida no cotidiano), apoia qualquer medida que incremente o sistema punitivo, como se o Direito Penal fosse a única solução para os problemas da modernidade ocidental.

A crença de que o Direito Penal tem aptidão para resolver problemas sociais é típica do Maximalismo Penal. É um discurso falido, mas sempre requentado pelos punitivistas de plantão. Muito dificilmente a mídia critica a edição de novas leis criminalizadoras[35].

Os consumidores dos produtos disseminados pela mídia se utilizam de espaços próprios de debate nos meios de comunicação, apresentando suas opiniões sobre os assuntos tratados. Tais seções destinadas à opinião do leitor, em matérias relacionadas à criminalidade, apresentam alto teor punitivista.

A absorção do discurso punitivista da mídia pela população acaba legitimando a hipertrofia do sistema penal. Deixa-se de acreditar no Estado Social e na efetivação de políticas públicas, preferindo-se o Estado Penal.

“Nessa senda, em vez de primar por políticas estatais mais efetivas que atendam aos direitos sociais e diminuam a marginalização, tais clamores restam por seguir uma linha mais imediatista, alicerçada na crença de que uma maior severidade na esfera da criminalização primária possibilitará substancial modificação do plano fático, o qual concebe reprovável.[36]

É difícil saber se as opiniões dos leitores se tratam de verdadeira opinião pública (consenso popular a respeito daquilo que é apresentado) ou opinião publicada (o leitor incorpora e reproduz o discurso presente na matéria publicada).

A transmissão de notícias de crimes pela mídia segue a lógica do jargão norte-americano: Onde há sangue, há notícia[37]. Quanto mais brutal um crime, mais ele é explorado pelos meios de comunicação de massa. A população é fascinada e ao mesmo tempo temerosa quanto ao crime. Não por acaso, os crimes violentos são aqueles que têm eco nas Casas Legislativas.

O homicídio e o roubo estão entre os crimes mais abordados pela mídia, o que acaba refletindo-se no temor da população em se ver vítima de tais delitos. A linguagem popular também reflete nos noticiários o emprego de expressões criminalizantes que rotulam indivíduos como “bandidos” e “ladrões”

O caráter ressocializador da pena é desprezado e criticado, quer pela mídia, quer pela população. Defende-se a prisão preventiva e a execução provisória das penas, para combater a impunidade. As unidades prisionais são vistas como verdadeiras colônias de férias, ao passo que o STF declarou o sistema prisional brasileiro como um “estado de coisas inconstitucional[38]”.

Que a mídia pauta o debate sobre a criminalidade é fora de dúvidas. Se o populismo midiático tem reflexo na opinião pública, é inegável sua influência sobre o atual populismo penal legislativo.

   

3.1.2 – POPULISMO PENAL LEGISLATIVO.

O Poder Legislativo é bastante influenciado por opiniões externas. Por mais que no Congresso existam assessores concursados e bem preparados para bem fundamentar uma proposição legislativa, não se verifica muito esforço do legislador em conformar a legislação ordinária com as normas constitucionais.

A legislação penal e processual penal, por tratar do ius puniendi estatal, deve ser a mais equilibrada do sistema legal de um país. Para tanto, devem ser observados todos os princípios abordados nas páginas anteriores do presente estudo, a fim de efetivar-se o Direito Penal Mínimo, característico do Estado Democrático de Direito.

Mas diante do quadro atual de hipertrofia punitiva, não tem sido visto muito equilíbrio na criação de leis penais. Por mais que em 1995 tenha surgido a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei 9.099), apresentando alternativas à pena de prisão (penas pecuniárias, transação penal e composição civil dos danos), a população e a mídia clamam por mais punição, defendendo o Maximalismo Penal.

O Populismo Penal Legislativo caracteriza-se pelo emprego do Direito Penal para fins eleitoreiros. O legislador atua no campo penal incrementando penais já existentes ou tipificando novas condutas como crimes, objetivando dar uma resposta política à sociedade, que pede por mais segurança e menos tolerância com a criminalidade

O sentimento popular reflete muito a ideologia presente nos debates políticos. É inegável que a população tende a se sentir mais afetada quando ocorre a violação a bens jurídicos individuais. Não por acaso os crimes patrimoniais são aqueles que sofrem maior reprimenda penal. Mesmo o furto[39] é tratado com mais rigor que a lesão corporal[40], tomando-se em consideração a sanção prevista no CP para a forma simples de ambos os delitos.

Mesmo o bem jurídico “vida” sendo tido como o mais importante do sistema jurídico, o roubo qualificado pela morte[41] tem pena muito superior ao homicídio qualificado[42], ainda que se argumente que, no popularmente chamado latrocínio, ocorre violação de dois bens jurídicos (patrimônio e vida humana).

O legislador, de uma forma geral, não é um homem acadêmico. Nos debates quanto à pertinência ou não da criminalização de determinadas condutas, costumam ser trazidos profissionais que tem no Direito Penal sua ferramenta de trabalho (advogados, membros do MP e magistrados), mas que não necessariamente estudam o Direito Penal sob o viés acadêmico.

No dizer de GAZOTO[43] “os debates, na ciência penal, desestimulados talvez pela desvalorização do saber científico, não têm o foro e a profundidade necessários”.

Ao invés de se buscar racionalizar o sistema, os legisladores promovem a neocriminalização descontrolada, atendendo a apelos populares estimulados pelo discurso midiático, com objetivos eleitoreiros. A população não quer ressocialização, mas apenas a punição pura e simples. O “bandido” deve permanecer segregado do “homem de bem”, para o bem da sociedade.

Os parlamentares aderem ao discurso mais conveniente ao momento. Eles não querem saber se a pena terá efeito preventivo (quer no criminoso efetivo, quer no cidadão comum, criminoso potencial), apenas alteram a lei acreditando terem feito sua parte. Conforme escreve Luiz Flávio GOMES, “O legislador não é um perito na sua arte e tampouco se vale dos conhecimentos dos peritos. Só atendem suas emoções (que coincidem com as emoções populares).[44]

A população aprova a dita expansão do direito penal, acreditando que o aumento do rigor penal trará ganhos sociais. Essa função promocional é uma das funções controvertidas do direito penal das sociedades modernas. SILVA SÁNCHEZ[45], apesar de ver o meio ambiente como um bem-jurídico merecedor de tutela do Estado, considera temerário o uso do direito penal como instrumento primordial para tanto.

A mídia alardeia a ineficácia do sistema penal brasileiro, principalmente no campo legal, explorando o assunto a cada novo crime bárbaro. O legislador, para conter a ira popular, propõe e efetiva aumento das penas. Curioso observar que tal atitude proativa não se verifica diante da corrupção no setor público[46].

A neocriminalização e o enrijecimento da legislação penal se tornaram moedas de troca do jogo político. Uma vez incrementando o sistema penal, o legislador “faz sua parte”, funcionando as novas leis como uma injeção sedativa. A população, iludida pela atuação legislativa, fica satisfeita, até ser cometido um novo crime bárbaro, fazendo repetir-se o ciclo vicioso.

A mídia de massa tem no crime um produto farto para suas pautas. Por mais que da tela venha o discurso emocionado, o sangue dá notícia, e a notícia traz ganhos aos veículos de comunicação. A mídia desempenha importante papel na divulgação do medo e na reprodução de discursos punitivistas, contribuindo para o incremento do sistema penal.

Recusa-se cada vez mais o direito penal como ultima ratio do sistema sancionador. O criminoso é visto como inimigo, que deve ser segregado e punido de forma exemplar, pois a prisão deve ser instrumento de castigo e não de ressocialização.

Não é forçoso concluir que o legislador brasileiro optou pela solução populista da questão criminal. A legislação penal é alterada constantemente para atender aos anseios populares por mais presos, sob a falsa crença segundo a qual “quanto pior o cumprimento da pena, melhor”.

As medidas criadas para promoção da descarcerização e reinserção do condenado na sociedade são vistos como benefícios e regalias. O Brasil parece ser palco de um conflito entre o que se idealizou para a nação e aquilo que a população pretende ver implementado.

 

3.2 – O DIREITO PENAL ENTRE O SIMBOLISMO E A EFETIVIDADE.

Toda norma é dotada de caráter simbólico. O direito penal possui uma simbologia própria e, como tendência de nossa sociedade, deve ter certa função simbólica[47]. O que não pode ser admitido, sobretudo em uma Estado que se diz Democrático de Direito, é um direito penal meramente simbólico.

A função simbólica do Direito Penal é indevida dentro da ideia do Minimalismo Penal. Ao invés de objetivar a proteção efetiva de bens jurídicos, o Direito penal, sob o enfoque simbólico, criminaliza apenas para gerar na população certo alivio. De tal modo, acaba sendo produzida uma legislação penal extremamente rígida, violadora de normas constitucionais e de princípios básicos do ordenamento jurídico.

Os meios de comunicação em massa, a cada novo crime bárbaro que ocorre, ressaltam o quanto a legislação penal brasileira é benevolente. As penas previstas são curtas e os benefícios aos condenados são muitos. Por fim, afirmam que a legislação vigente é fomentadora de impunidade.

O legislador brasileiro, sensível ao “clamor das ruas”, criminaliza a torto e a direito, buscando aplacar os ânimos da população. Como é de se esperar, tal criminalização não é realizada com vistas a um equilíbrio do sistema penal. A academia não é chamada ao diálogo, e a legislação produzida acaba descambando em inconstitucionalidade.

A existência de um Direito Penal Máximo, essencialmente simbólico e promocional, pode ser tudo menos eficiente. Não se pode esperar que o aparato estatal seja competente para reprimir todas as condutas violadoras da norma penal em um Estado que considere como criminosa a mínima violação ao Direito.

O Estado deve ocupar-se apenas das violações aos bens jurídicos imprescindíveis ao convívio social, devendo o Direito Penal atuar apenas quando os demais ramos do Direito não forem capazes de tutelar eficazmente tais bens.

Não se pode olvidar de que o Direito Penal é a ultima ratio do sistema jurídico. Nosso Sistema Penal já assistiu à criação de infrações penais que puniam indivíduos em razão de seus estilos de vida[48], demonstrando o seu caráter seletivo, que pode ser acentuado levando-se em conta um Direito Penal Máximo.

Questiona-se, com razão, o porquê de um Estado Democrático de Direito ainda manter em vigor uma legislação como a Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3688 de 1941). Ainda que consideremos as sanções nela previstas bastante leves, e ainda que às contravenções se aplique o procedimento dos Juizados Especiais, parece inconciliável sua existência diante de um Direito Penal Mínimo.

Se há uma legislação penal extravagante que vem sendo alterada para se tornar cada vez mais rígida é a Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072, de 1990), um exemplo patente do populismo penal e da busca pelo atendimento da função simbólica do Direito Penal. É uma lei

“Influenciada por uma postura político-criminal ingênua, que insiste em apresentar o Direito Penal como fórmula mágica capaz de resolver todos os conflitos sociais, solucionando os males causados por uma péssima distribuição de rendas, pela miséria, pela fome, pelo desemprego, pela corrupção e pela impunidade (...)[49]

Conforme notícia publicada no sítio eletrônico do Senado Federal

“(...) Os sequestros do empresário Abílio Diniz, em 11 de dezembro de 1989, e do publicitário Roberto Medina, em 6 de junho de 1990, estão na gênese da Lei de Crimes Hediondos (Lei 8072/90). Eles foram as vítimas mais notórias de uma onda de extorsões que, no início da década de 1990, motivou a norma que regulamentou o artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição (...)[50]”.

Não se previu como hedionda, originalmente, a prática de homicídio qualificado. Isso mudou, no entanto, com o assassinato de Daniela Perez, filha da autora de telenovelas Glória Perez. Por influência das chacinas da Candelária e de Vigário Geral, praticadas por grupos de extermínio (integrados por policiais), também foi incluído no rol dos crimes hediondos o homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio[51].

Mais recentemente, foi incluído como qualificado (e hediondo) o homicídio praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (feminicídio). Considera a lei que há tais razões quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo ou descriminação contra a mulher.

Também é hediondo o homicídio praticado contra integrantes das Forças Armadas, dos órgãos da segurança pública, do sistema penitenciário e da Força Nacional de Segurança, desde que no exercício da função ou em decorrência dela, bem como contra o cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até o terceiro grau de qualquer das autoridades ou agentes aos quais a norma se dirige.

Muito embora o constituinte originário tenha imposto ao legislador a previsão de um rol de crimes hediondos, para os quais um maior rigor penal se impõe, não foi dada ao legislador uma carta branca para exclusão de garantias individuais.

Originariamente, a Lei de Crimes Hediondos vedava a progressão de regime relativa aos crimes nela previstos. Conforme leciona BITENCOURT, tal regramento

“(...) além de violar o sistema progressivo de cumprimento de pena e desprezar o objetivo ressocializador atribuído à sanção penal, e, por extensão, a individualização da pena, ignorava a política criminal admitida e recomendada pelo Estado Democrático de Direito.[52]

O STF, no julgamento do HC 82.959, declarou inconstitucional a proibição à progressão de regime nos crimes hediondos, estendendo os efeitos da decisão a outros processos.

Após o julgamento acima referido, surgiu a Lei 11.464, que previa regime inicialmente fechado para os crimes hediondos, permitindo a progressão de regime após cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena para o condenado primário e após o cumprimento de 3/5 (três quintos) da pena para os reincidentes.

Com o advento da Lei 11.464, aqueles que cometeram crimes hediondos antes da entrada em vigor da referida lei progrediriam de regime segundo as regras definidas pelo artigo 112 da Lei de Execuções Penais (cumprimento de, ao menos, um sexto da pena). Isso se deve ao fato de que a norma penal em questão piora a situação do condenado, não podendo retroagir.

Uma das consequências da edição de leis penais extremamente rígidas e que não observam os princípios limitadores do ius puniendi é a declaração de sua inconstitucionalidade, atestando a falta de comprometimento dos parlamentares para com a efetividade das normas, importando apenas o seu caráter simbólico.

A recente Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260, de 2016) definiu o que é terrorismo, conceituou organização terrorista e dispôs sobre regras especiais para investigação e processo dos crimes nela tratados. Essa lei entrou em vigor em época na qual o Brasil estava sob os holofotes do mundo (Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro).

O fenômeno do terrorismo desafia os Estados Democráticos de Direito a criarem Leis que repreendam e punam atos terroristas, venham as ameaças de fora ou de dentro do país. O que não pode ocorrer é a previsão, como crimes, de condutas que sequer ameacem de lesão algum bem jurídico ou que uma legislação dessa natureza seja de algum modo imprecisa.

No artigo 2º da Lei Antiterrorismo foram utilizadas expressões genéricas como “finalidade de provocar terror social ou generalizado”. Diante do contexto em que a lei surgiu, mesmo havendo expressa menção e que ela não se aplica às condutas individuais ou coletivas de pessoas em movimentos reivindicatórios, a existência de expressões genéricas abre a porta para o uso indevido da lei para abarcar a conduta que o aplicador achar conveniente.

A Lei 13.260 prevê, em seu artigo 5º, certas figuras delituosas que criminalizam meros atos preparatórios, o que remete logo à ideia do Direito Penal do Inimigo. Em uma legislação que traz crimes praticáveis por meio da realização de diversos verbos, torna-se temerário criminalizar “atos preparatórios de terrorismo” sem especificar em que consistiriam tais condutas.

É fora de dúvidas que o Brasil, diante de sua projeção no cenário global, deve ter uma legislação penal direcionada ao combate ao terrorismo. Mas tal legislação deve ser formulada com racionalidade e levando em consideração o que se produz academicamente na área político-criminal, a fim de alcançar-se a efetividade na aplicação da lei.

Para estudar a manifestação do populismo penal na produção legislativa é importante analisar alguns projetos de lei do Senado e da Câmara dos Deputados, sobretudo as justificativas dadas para as proposições.

A Lei de Crimes Hediondos é um dos principais alvos das proposições legislativas. O Brasil adotou o sistema legal da classificação das infrações penais como hediondas. Assim, aquilo que o legislador classifica como hediondo, acrescentando-o ao rol da respectiva legislação, será hediondo, independentemente da consideração social ou jurisdicional a respeito.

O clamor social que emerge após um crime bárbaro impulsiona os parlamentares ao púlpito de suas casas legislativas para proferirem discursos inflamados, na defesa da criação de novos crimes ou aumento de penas já existentes.

Recentemente, no Senado, foi apresentado o PLS 373, de 2015. Por meio da referida proposição, pretende-se considerar hediondo o homicídio praticado contra idoso (que seria circunstância qualificadora do crime). Os meios de comunicação referem-se ao projeto como “idosicídio”[53]. Tal nomenclatura dá um ar de midiatização, de mero simbolismo ao projeto.

No ano de 2008, foi apresentado Projeto de Lei de número 3207, visando tornar hediondos crimes de participação em suicídio (art. 122, Código Penal) e os crimes de aborto, previstos 124 a 127 do Código Penal.

O PL 3207 parte da equivocada ideia de que classificar uma conduta como hedionda freará a prática dos crimes aos quais ele se refere. Em sua justificativa, não foram trazidos dados empíricos que apontassem para qualquer aumento desse tipo de criminalidade, apontando tão somente que

“Matérias jornalísticas veiculadas freqüentemente nos meios de comunicação dão conta de que se encontra disseminada neste País a prática do aborto ilegal, além de registrarem diversos casos de eutanásia.”

Eventos que ocorrem após tragédias acabam inspirando o legislador a apresentar projetos meramente populistas, que apresentam um caráter simbólico pela própria nomenclatura que é dada à pretensa lei.

Em 2015 foi apresentado o PL 2237, acrescentando ao artigo 212 do CP (vilipêndio a cadáver) um parágrafo único. O projeto foi inspirado pela divulgação indevida de um vídeo que mostrava os procedimentos de embalsamamento do corpo do cantor sertanejo Cristiano Araújo, morto no ano de 2015 por ocasião de um acidente de veículo. A inspiração se apresenta na própria justificativa, bem como no título do projeto: “Lei Cristiano Araújo.”

O projeto visa punir, com a mesma pena já prevista para o caput do art. 212 (detenção de um a três ano e multa), a conduta de “reproduzir acintosamente, em qualquer meio de comunicação, foto, vídeo ou outro material que contenha imagens ou cenas aviltantes de cadáver ou parte dele.”

Os exemplos de propostas legislativas de cariz populista são vastos e não se pretende analisar outros projetos de leis além daqueles já apresentados acima. O que se pretendeu demonstrar foi o quão suscetível o legislador penal brasileiro é diante de acontecimentos ou de reivindicações de grupos sociais.

O apelo midiático por criminalização ignora o fato de o sistema legal brasileiro contar com uma infinidade de leis, algumas delas sendo suplantadas antes mesmo de se extrair quaisquer interpretações sobre elas.

É urgente que o modelo de Direito Penal Mínimo, ao redor do qual orbitam todos os princípios penais, seja efetivado pelo legislador penal. O Direito Penal impresso na Constituição Federal precisa ser apresentado a todos como uma garantia ao cidadão e um instrumento para que o Estado exerça o ius puniendi de forma racional, como se exige daqueles Estados que se afirmam como Democráticos de Direito.

 

 

4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS.

 

É inegável que o Brasil, em seu modelo de Estado Democrático de Direito, adotou o chamado Minimalismo Penal. O Direito Penal deve estar regido por princípios que garantem a proteção ao cidadão contra arbitrariedades, mas também deve o Direito Penal estar composto por regras dirigidas ao Estado para o correto exercício do direito de punir.

O Direito Penal, para ser eficaz, deve se ocupar das violações mais graves aos bens jurídicos de maior relevo para o convívio social. É um mal necessário, de modo que o Estado não pode abdicar da pena privativa de liberdade de forma absoluta, como pretendem os adeptos do Abolicionismo penal.

O Maximalismo Penal, antítese do Minimalismo, tem no Direito Penal a primeira linha de defesa contra as violações aos bens jurídicos. O Direito Penal é o instrumento ideal para resolução de todos os problemas presentes na sociedade, não se importando com a gravidade da infração cometida.

Para os maximalistas, os mínimos desvios devem ser reprimidos pelo Direito Penal para manutenção da coesão social. É um modelo que se coaduna com a doutrina da “tolerância zero” e com os movimentos de “lei e ordem”.

O sistema Maximalista mostra-se, nos locais em que foi aplicado, extremamente seletivo, no sentido de promover o aprisionamento dos miseráveis. Por fim, o próprio sistema penal acaba por perpetuar os papéis desviantes nos indivíduos que nele são inseridos, gerando um ciclo sem fim de estigmatização.

O Direito Penal do Inimigo é a mais perversa face do Maximalismo Penal, configurando-se como um direito de guerra. O inimigo é alguém que opta por afastar-se da ordem jurídica, não sendo a ele garantidas as prerrogativas processuais dadas aos cidadãos que infringem a lei de forma ocasional.

O inimigo é identificável, na atualidade, com os terroristas. Porém, tal conceito pode ser estendido a qualquer pessoa, bastando ao legislador a vontade política de eleger o inimigo da vez. Em razão dessa flexibilidade, o Direito Penal do Inimigo é incompatível com o Estado Democrático de Direito, devendo ser rechaçado.

O Direito Penal do Inimigo é entendido como a Terceira Velocidade do Direito Penal, pois nele são impostas penas privativas de liberdade, com flexibilização ou supressão de garantias processuais. A evolução do Direito Penal pode ser percebida pela Teoria das Velocidades do Direito Penal.

Na Primeira Velocidade do Direito Penal, a pena aplicada é a privativa de liberdade, motivo pelo qual sua imposição deve ser precedida de um processo no qual se observem todas as garantias ao acusado.

Já na Segunda Velocidade do Direito Penal, as penas impostas não são privativas de liberdade (penas pecuniárias ou restritivas de direitos), motivo pelo qual as garantias processuais são flexibilizadas para assegurar a efetiva aplicação da pena.

Os processos de neocriminalização, típicos da sociedade contemporânea, refletem o pensamento segundo o qual o Direito Penal poderá resolver problemas sociais. A função promocional do Direito Penal, aliada à sua função simbólica, são reflexos dessa hipertrofia do sistema punitivo.

O Direito Penal, por ser o ramo do direito que impõe a sanção mais severa do ordenamento jurídico, deve ser a ultima ratio. Não se pode defender o Abolicionismo, mas também não se pode defender o Direito Penal Máximo. Por isso o Direito Penal Mínimo é a solução equilibrada de um Sistema Penal conforme o Estado Democrático.

Na sociedade contemporânea, onde as pessoas são apresentadas constantemente a uma enxurrada de notícias de crimes, o medo de se ver vítima da criminalidade (notadamente aquela violenta) povoa o imaginário das pessoas. Os meios de comunicação põem em xeque todo o sistema penal, apontando-o como ineficaz, e defendem o aumento de penas.

O legislador penal, como reflexo da sociedade que o elege, é dotado dos mesmos preconceitos e das mesmas percepções dos seus eleitores. Aproveitando-se do descredito que o sistema penal tem perante a população, o legislador aprova leis penais rígidas, dotadas unicamente de simbolismo.

Para o legislador, basta a aprovação da lei que mais atenda ao gosto popular pelo punitivismo. Com isso, o parlamentar obtém ganhos eleitorais, adotando uma imagem de combatente da criminalidade.

A verdade é que, como vem sendo percebido na realidade brasileira, o enrijecimento da legislação penal não atende aos corretos fins de prevenção do crime. Também se percebe que as normas penais extremamente rígidas, que proíbem liberdade provisória ou mesmo progressão de regime prisional, acabam sendo extirpadas do ordenamento jurídico.

Existe uma ilusão de que o etiquetamento de um crime como hediondo provocará nos pretensos criminosos qualquer temor com relação às penas que poderão ser aplicadas. Mais uma vez, muda-se a legislação pelo simbolismo que é trazido pela mudança.

O legislador penal não pode se inspirar apenas nos anseios populares, mas deve estar apoiado nas modernas doutrinas penais. O legislador deve buscar fundamento nos princípios limitadores e reitores do ius puninedi, devendo manter diálogo com a academia, com a finalidade de produzir a legislação mais racional possível.

O parlamentar não deve ser um grande conhecedor do direito, mas deve ser alguém que tenha ciência das suas limitações. Um legislador que produz leis penais ao sabor dos ventos não tem clara em sua mente a responsabilidade de seu mister. O populismo legislativo é nocivo e beneficia apenas aqueles políticos que a ele aderem.

A Expansão do Direito Penal, por certo, não pode ser contida. A evolução da sociedade demanda a implementação de novas formas de combate a determinadas práticas. Aquilo que antes não era criminoso, em certo momento, passa a ser relevante para o Direito Penal.

Tal expansão deve, pois, ser racional. Não pode o Direito Penal ser utilizado quando outro ramo do direito se mostre idôneo a reprimir uma determinada prática ilícita. Mesmo os bens jurídicos merecedores da tutela penal poderão ser tutelados por outros ramos do direito, se tal tutela se mostrar suficiente. 

O Direito Penal deve abandonar seu caráter simbólico, de atendimento a meros anseios punitivos. O Direito Penal Mínimo, como solução equilibrada ao processo de expansão da legislação penal, deve ser enxergado como instrumento de combate aos crimes que atingem de forma mais grave os bens jurídicos mais importantes, cuja proteção é necessária e não é possível através dos demais ramos do ordenamento jurídico.

Para além do simbolismo das leis penais rígidas, é preciso que sejam tomadas medidas concretas que tragam eficiência às leis penais já existentes e que se encontram cobertas pelo manto do Direito Penal Mínimo. Por outro lado, aos poderes públicos cabem a efetivação da cidadania, com a inclusão social e a realização de políticas públicas que diminuam a criminalidade.

Assim, o foco deve sair das leis penais incriminadoras e passar à adoção de medidas que tragam efetiva segurança, e não que tornem mais tumultuado o sistema penal brasileiro. Se a investigação e processamento dos crimes não se mostra eficaz, tampouco a execução de uma pena privativa de liberdade alcançará seus objetivos, já que raramente o propósito ressocializador da pena é colocado em prática.

Antes de se discutir o enrijecimento das leis penais, é preciso dar aos aparelhos estatais, responsáveis pela persecução penal (da investigação ao julgamento), instrumentos para cumprir de modo eficaz as normas penais incriminadoras, impondo penas de acordo com os limites impostos pela ordem constitucional. E, para além da eficácia das penas, o Estado deve possibilitar inclusão social, evitando que a criminalidade seja uma opção.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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ARTIGO DA INTERNET:

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NOTÍCIAS DA INTERNET:

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Projeto que inclui 'idosicídio' no Código Penal é aprovado pela CCJ. In: https://oglobo.globo.com/brasil/projeto-que-inclui-idosicidio-no-codigo-penal-aprovado-pela-ccj-22045578. Acesso em: 08 dez. 2017.

 

 

 

Sobre o autor
Vinícius Corrêa de Siqueira Gomes

Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Conciliador do Tribunal de Justiça de Pernambuco.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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