6. Formação jurídica do policial militar
Não se despreza a importância da prática policial-militar, da cultura adquirida pela experiência cotidiana do policiamento ostensivo, uniformizado, que nenhuma outra instituição civil ou militar possui. E esta deve ser cultivada e perpetuada, como vem sendo feito, na forma de padronização de procedimentos operacionais. Mas, um policial militar em atuação, que não possua o mínimo necessário do conhecimento jurídico preconizado nos cursos de formação da Polícia Militar, será comparável a um músico tocando em uma orquestra sem saber ler partitura, ou com um instrumento desafinado: por maior que seja sua intimidade com o instrumento musical, não poderá convencer a todos os ouvintes, menos ainda aos outros músicos. Simbolicamente, essa orquestra corresponde ao Sistema Criminal e os diferentes naipes de instrumentos correspondem aos órgãos com participação no ciclo da persecução penal; por isso, somente haverá harmonia se cada grupo executar corretamente a parte que lhe cabe.
A formação jurídica do policial militar vem sendo prestigiada nos diversos cursos de formação e de aperfeiçoamento da Polícia Militar. Praticamente metade da carga horário dos cursos no âmbito da Instituição é composta por matérias voltadas à Ciência do Direito, com ênfase na sua aplicação durante a atividade policial.
A afinidade com tais matérias e o reconhecimento de sua importância faz com que diversos policiais militares, destacadamente os oficiais, busquem o aperfeiçoamento pessoal concluindo o bacharelado em Direito, vez que as Faculdades aproveitam as matérias ministradas na Academia de Polícia Militar do Barro Branco e vários concluem, ainda, cursos de pós-graduação. Mesmo sem um levantamento completo sobre essa formação acadêmica de iniciativa individual, é possível afirmar que bem mais da metade dos Oficiais da Polícia Militar possui bacharelado em Ciências Jurídicas e vários são, inclusive, pós-graduados.
Sobre a importância do estudo do direito para a atuação profissional, também é importante frisar que cada Unidade conta com um Oficial Chefe de Seção de Justiça e Disciplina, junto a uma equipe de praças, que é responsável pelo andamento dos procedimentos administrativos apuratórios, disciplinares e de polícia judiciária militar na respectiva área de circunscrição, ou de competência própria em razão do comando local, mantendo constante contato com outros operadores do direito na esfera administrativa ou penal militar. Toda essa estrutura, aliada a uma Corregedoria bem organizada, foi fortalecida com a implantação, na década de 90, dos Plantões de Polícia Judiciária Militar (PPJM), com funcionamento nos Comandos regionais, fora do horário de expediente, hoje implementados em todo o Estado de São Paulo, com excelentes resultados.
Além de participar direta, ou indiretamente, desse verdadeiro sistema de Justiça e Disciplina, na condição de encarregado de Investigações Preliminares e Sindicâncias, de Inquéritos Policiais Militares e eventuais Autos de Prisão em Flagrante Delito de crime militar e Processos de Deserção, de Processos Disciplinares - inclusive integrando Conselhos de Disciplina ou de Justificação para possível ato de demissão ou expulsão -, o Oficial da Polícia Militar concorre periodicamente, mediante sorteio, à atuação nos Conselhos das Auditorias da Justiça Militar Estadual, para funcionar como juiz integrante desses órgãos colegiados de julgamento de crimes militares, sob o regimento próprio da Justiça Castrense.
Em tempo, particularmente nas atividades especializadas, a exemplo do policiamento ambiental e do policiamento rodoviário, cresce ainda mais a exigência de conhecimento técnico específico, demandando cursos de especialização a que se submetem os policiais militares que atuam nessas áreas, o que aumenta o contato com as Ciências Jurídicas, mediante estudo dirigido à sua aplicação em determinada modalidade de fiscalização. Expande-se, por conseqüência, a interface com grupos de atuação especializada de outros órgãos públicos, também operadores do direito, envolvidos na mesma temática.
7. Conclusão
O policial militar, em qualquer nível hierárquico, opera constantemente o direito, na forma mais viva que se possa imaginar. Lida diretamente com a realidade dos conflitos sociais, próprios das relações humanas e deve decidir de imediato, como "juiz do fato", com base no ordenamento jurídico. Sua responsabilidade é grande, pois carrega o peso das decisões de quem normalmente chega primeiro ao local dos fatos, na flagrância dos acontecimentos, personificando o poder do Estado perante a sociedade que o identifica de imediato em razão do uso do uniforme.
Como encarregado da aplicação da lei, o policial militar opera naturalmente o direito, atuando em situações de conflito ou em circunstâncias que lhe exigem domínio de normas específicas, tanto na atividade operacional quanto nas atividades de suporte e de apoio administrativo. Essa ação é tão espontânea no cotidiano do policial militar, que por vezes ele próprio pode não perceber a relevância do estudo, principalmente, dos ramos do direito constitucional, administrativo, penal, processual penal e civil, dentre outros. Por isso, os cursos de formação e de aperfeiçoamento da Polícia Militar têm destacado, com ênfase em seus currículos, as matérias relacionadas ao direito.
De fato, o principal instrumento de trabalho do policial é a imediata interpretação da lei, para desenvolver uma capacidade de tomar decisões rápidas e coerentes, sobre uma plataforma de conhecimentos previamente adquiridos, solucionando conflitos ou dando pronta resposta, por meio de suas ações, ao anseio da coletividade. Existiria melhor expressão para a prática de "operar o direito"?
Notas
1 Estudos de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 203.
2 Direito Administrativo da Ordem Pública. 2. ed., Rio de Janeiro : Forense, 1987, p. 130.
3 Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo : Malheiros. 2001. p. 821.
4Direito administrativo. 15. ed. São Paulo : Atlas, 2002. p. 116.
5 Artigo: Poder de Polícia e Direitos Humanos, A Força Policial, nº 30, São Paulo, 2001, p. 16.
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