Resumo
O presente trabalho tem por objetivo abordar sobre o conceito de abuso de autoridade em relação a atividade policial militar. Abordando o conceito de abuso de autoridade e como esse interfere na atuação da Polícia Militar, pois com o advento da lei 13.869/19 algumas mudanças ocorreram, principalmente no que se refere a atividade policial militar, pois os policiais militares, em defesa a repressão e a punição dos crimes, acabam se excedendo na sua atuação e agindo ilicitamente, muitas vezes, inconscientemente. Dessa forma, discute-se aqui, o conceito de abuso de autoridade e como o agente de segurança pública poderá incorrer nesse crime, discute-se também as mudanças que a Lei 13.869/19 trouxe para que a conduta do crime de abuso de autoridade desses agentes públicos seja caracterizada, lembrando que, anterior a vigência desta lei, tínhamos a Lei 4898/95, a qual foi revogada, pois de acordo com alguns estudiosos, essa trazia lacunas e era apresentada de forma genérica. Além do conceito de abuso de autoridade, dar-se-á ênfase ao conceito do poder de polícia e aos limites da atividade policial, levando em consideração as normas legais existentes e a Constituição Federal de 1988. Será trabalhado nesse artigo os pontos positivos que esta lei trouxe ao ordenamento jurídico como também como ela pode ou se pode paralisar de alguma forma o trabalho policial militar, como também a função constitucional que esse agente possui. O trabalho é, portanto, produto de pesquisa bibliográfica e leitura do ordenamento jurídico existente.
Palavra Chave: Abuso de autoridade. Crimes. Polícia Militar. Lei 13.869/19.
Introdução
Este artigo tem o objetivo de analisar e refletir sobre a nova norma, Lei 13869/19, e o que traz em seu texto sobre as mais diversas formas de abuso de autoridade, levando em consideração a atividade policial militar. Sabe-se que antes da referida lei, a lei 4898/65 era a vigente, o que para muitos autores, aplicadores da lei e sociedade já não alcançava com mérito a sua finalidade devido a sua forma genérica.
O tema tratado aqui, é muito importante no âmbito jurídico, pois além da busca por punição aqueles que excedem sua autoridade, levando em consideração a defesa dos direitos fundamentais do indivíduo, há também que se analisar a forma como o aplicador da lei atuará frente os conflitos encontrados no contexto policial, o que traz grande reflexão sobre o abuso de autoridade cometido pelo policial militar, que é o órgão que está na linha de frente reprimindo e evitando os mais diversos crimes, e quando esse abuso é realmente crime, percebendo assim como tal lei poderá interferir nessa atuação.
Portanto, o real objetivo deste estudo será o de promover uma melhor compreensão sobre o tema em tela, em virtude de sua relevância para a sociedade e para aqueles que aplicam a lei, mas que também estão à mercê dela ao atuar profissionalmente, valendo-se dessa forma de pesquisa bibliográfica e leitura das leis para então, melhor entender as questões que inquietam o policial militar que está na rua exercendo sua função e em alguns casos necessitará do uso da força e/ou impor-se frente as circunstâncias, sentindo-se por vezes intimidado a agir e também a sociedade, que em alguns casos é violadora da lei, mas deve ter garantido seus direitos sem burlar a atividade policial.
Um estudo assim, justifica-se na pertinência que tem junto aos operadores do Direito, aos aplicadores da lei, em epígrafe, a Polícia Militar e a sociedade como um todo que se encontra, algumas vezes, como violadora da lei, possui direitos fundamentais que devem ser garantidos, o que traz a esse estudo uma reflexão ampla a respeito do conceito de abuso de autoridade, da missão da atividade policial militar e seus limites.
1 A atividade policial
A Constituição Federal de 1988 descreve em seu artigo 144, parágrafo 5º os seguintes termos:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
[...]
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
[...]
Aqui, observa-se nitidamente que a atividade policial está regulamentada constitucionalmente, e que o principal elemento a ser destacado é a ordem pública, trazendo como principal objeto, a segurança pública enquanto dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo a polícia militar, um dos órgãos executores para cumprir sua finalidade que é a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e patrimônio.
Ainda assim, é sabido que o crime está presente constantemente na vida cotidiana da sociedade e que cabe às organizações policiais a sua prevenção e detecção, levando-se em consideração que há mais crimes praticados que crimes solucionados. E, para que as soluções cheguem também é necessário a cooperação de outros órgãos que também são responsáveis pela aplicação da lei e nesse conjunto contribuem com a prevenção e detecção de crimes.
A constituição Federal em seu art. 144 deixa claro a função das polícias militares e alguns autores a ratificam em suas obras. Como é visto em Marlon Jorge Teza (2011), ao abordar o tema referente à ordem pública, ele conceitua a segurança pública como sendo o estado anti-delitual, que resulta na observância dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pela lei das contravenções penais com ações de polícia preventiva ou repressiva típica, afastando assim de todo o perigo ou de todo mal o que possa afetar a ordem pública.
No entanto, apesar da polícia militar ter essa função tão peculiar é necessário entender que o indivíduo apresenta direitos fundamentais, sendo ele imputado ou não, que devem ser garantidos trazendo a atividade policial limites em sua atuação.
Como agente público o policial militar é investido de poder para agir, a qual damos o nome de Poder de Polícia, esse se destina a assegurar o bem-estar geral, a tranquilidade, a ordem, inibindo os comportamentos antissociais que colocam em risco os direitos individuais. Muitas vezes, em suas ações, o policial militar é induzido a fazer uso desse poder e por querer cumprir bem sua função incorre no crime de abuso de autoridade.
Assim, Vianna (2001, p.16), citado por SENASP (2019) diz, os poderes de prisão, de detenção, de uso de força e armas de fogo são meios poderosos na missão de aplicação da lei. Paradoxalmente, esses poderes também podem acarretar grandes riscos, uma vez que seu uso indevido pelos agentes de segurança pública pode violar os direitos que devem manter e defender.
É nítido que a Polícia Militar como um órgão aplicador da lei, diversas vezes se vê frente aos conflitos e por excesso do uso da força e da sua autoridade acaba cometendo delitos consciente ou inconscientemente. E esse uso indevido dos poderes, infelizmente, ocorre muito mais que se possa saber.
Hoje, as redes sociais e mídia estão a toda hora explorando esse viés repressor da polícia, pois também cabe a Polícia Militar, garantir os direitos fundamentais do indivíduo e ela deve agir de forma a prevenir todo e qualquer crime como também garantindo e preservando a dignidade da pessoa humana, princípio explícito na CF/88. O que pouco se divulga é que a Polícia Militar saiu do viés, unicamente repressor e hoje também atua com o viés da prevenção comunitária, buscando estar bem mais próxima da sociedade para assim cumprir sua função.
Assim, percebe-se que a atuação policial poderá vir a violar os direitos que devem defender, os direitos fundamentais que estão explícitos na Constituição Federal de 1988, e o estar-se a abordar nesse artigo é quando essa violação passa a ser crime de abuso de autoridade.
2 - Abuso de autoridade, o que é?
A Lei 13869/2019, Lei de Abuso de Autoridade descreve em seu artigo 1º, o conceito do crime de abuso de autoridade, conforme os seguintes termos:
Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.
§ 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. (BRASIL, 2019)
Assim, para que a denúncia de abuso de autoridade seja aceita é necessário que assim seja formulada com base no prejuízo de outrem, benefício do agente ou seu capricho ou satisfação, ou seja que o agente público abuse dos seus poderes e além do dolo penal, haverá de se ter esse dolo específico, a atitude do agente público precisa ser manifestamente excessiva para que se configure o crime.
O legislador da lei 13.869/2019 teve o cuidado em colocar, de maneira destacada, que todos os tipos penais, configuradores de crime de abuso de autoridade, exigem além do dolo, a especial finalidade de prejudicar outrem, bem como ainda beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. E não é o caso da maioria dos agentes de segurança pública. (NUCCI, 2020).
O policial militar precisa de todo modo estar atento a sua atuação para que não abuse da sua autoridade e assim incida em crime. O que se pode ver também é que a Polícia Militar não vai às ruas para cometer abusos, mas para a partir da função que lhe é investida trabalhar em prol da sociedade, prevenir crimes e manter a ordem pública.
Segundo Marlon Jorge Teza (2011), verifica-se que a Polícia Militar durante décadas vem se adaptando às transformações sociais, passando por todos os modelos de policiamento, quais sejam: modelo político, modelo profissional e atualmente chegando à atuação de polícia comunitária, que trabalha com um policiamento de parceria e proximidade com a sociedade.
Então, algo a ser destacado é que a Polícia Militar, ainda de acordo com Marlon Jorge Teza (2011), diante das mudanças trazidas pela Constituição de 1988 e frente as mudanças sociais, sai daquele viés voltado apenas para o policiamento repressivo, passando para um modelo de policiamento orientado para o problema, como uma estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a polícia e a sociedade com o objetivo de diminuir a criminalidade e melhorar as condições de vida da população.
Diante disso, o que se pode dizer é que se para o cometimento do crime de abuso de autoridade há de se ter nitidamente o dolo e Greco e Sanches (2021) afirmam que o especial fim de agir, a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda a mera satisfação pessoal deverá ser especificadamente apontada na peça inaugural da peça inicial da ação penal e caso assim não seja a denúncia ou queixa será rejeitada com fundamento no inciso I do art. 395 do CPP.
O que se pretende deixar bem claro aqui é que, para que o policial militar exerça sua atividade ostensiva e preventiva, ele se depara com situações, nas quais o cidadão infringindo alguma lei se faz necessário a utilização dos meios necessários para conter o crime. E se for extremamente necessário o agente público deve utilizar o Poder de Polícia, isto é a força necessária para o cumprimento do seu dever de proteção. Assim, enquanto agente público, o policial militar no uso de suas atribuições, utilizará a força necessária dentro dos moldes necessários ao contexto para assim atender o interesse público.
Outro ponto importante a se destacar é que em regra, o crime de abuso de autoridade caracteriza pelo excesso no rigor da função pública, isto é fazer mais do que se deve. A responsabilização por meio de uma maior clareza e taxatividade a interpretação dos artigos objetivam é uma inovação da nova legislação.
Diante do poder de autoridade que lhe é exercido, o Policial Militar deve ter a noção exata da legislação, com ênfase a discricionariedade do crime de abuso de autoridade. Toda a competência, procedimentos devem ser tomados como os atos possíveis ao poder de polícia, devendo durante a sua atividade profissional a realização de alguma conduta típica, causando mal a outra pessoa, realizando atos que considerados ilícitos de abuso de poder, não respeitando alguns fundamentos no exercício de sua função em desfavor de outras pessoas.
A Lei 13.869/2019 tem como finalidade limitar o poder, restringindo que algumas atividades de segurança pública, observem durante o exercício da função que é desenvolvida por esses agentes. Tornando ainda mais difícil o exercício da profissão policial, ficando as vezes de mãos atadas, pois no medo do exercício de suas funções, acabarem tornando-se réus nas ações que são obrigados por lei a cumprir (JESUS, 2020)
Considerações Finais
A Lei de Abuso de Autoridade tem como objetivo a responsabilização daqueles agentes públicos que extrapolam os limites das funções a eles atribuídas, violando os direitos fundamentais do indivíduo que estão elencados na Constituição Federal de 1988.
E, a missão constitucional da Polícia Militar é de garantir a segurança e a ordem pública, cabendo a ela, ações de policiamento ostensivo e preventivo buscando assim manter a segurança e a ordem pública, o que se insere aí, a garantia dos direitos fundamentais do indivíduo.
Em contrapartida, observa-se que esses agentes, que atuam na linha de frente, estando expostos aos mais diversos perigos para manter a ordem, pois são levados a lidar com conflitos da sociedade, sendo assim necessário utilizar a força para cumprir a sua função, o que gera grande risco de cometimento de atos que podem, ou não, serem caracterizados como abuso de poder. É conhecido que a Polícia Militar possui o que chamamos Poder de Polícia, e que esse poder está pautado no que concerne o bem estar geral, é um poder que se encontra amparado legalmente, mas que muitas vezes para que seu exercício se efetue, há a violação de direitos.
Portanto, é importante analisar a aplicabilidade da Lei de Abuso de Autoridade, principalmente dentro da atuação policial militar, é necessário que o policial militar conheça essa lei e como essa aplicabilidade é feita para que no momento de sua atuação, ele não se sinta intimado a agir. O exercício da sua função é bem peculiar, porque ao tempo que precisa manter a ordem pública, prevenindo e detectando crimes, ele poderá ser acusado de abusar de seu poder.
Ainda assim, o que chama atenção na configuração do crime de abuso de poder é o dolo específico e o fim de agir que traz a nova lei, pois para que o agente seja punido são necessárias as informações que constatem, minimamente, esses dois requisitos. Então, além da questão desses requisitos, é importante reforçar que o policial militar deverá se adequar as mudanças da sociedade e consequentemente das normas legais, estando assim apto a agir de acordo com o que concerne o quadro apresentado no enfrentamento dos conflitos.
Referências Bibliográficas
AGRA. Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
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BRASIL. Filosofia dos Direitos Humanos aplicada à Atuação Policial. Brasília: SENASP, 2019.
BRASIL. Lei nº 4.898/1965 (Lei de Abuso à Autoridade). Brasília: Congresso Nacional, 1965.
FREITAS, Vladimir Passos de. Nova lei de abuso de autoridade. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 29 de setembro de 2019.
GRECO, Rogério; CUNHA, Rogério Sanches, Abuso de Autoridade. Lei 13869/2019 Comentada artigo por artigo. Salvador: Editora Juspodivm, 2021.
JESUS, Damásio Evangelista de. Do abuso de Autoridade, Revista Justitia. Disponível em: <http://www.revistajustitia.com.br/revistas/d92a3w.pdf>. Acesso 05 outubro. 2021.
NUCCI, Guilherme de Souza. A nova lei de abuso de autoridade. GenJurídico.com.br, São Paulo, 2019. Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2019/10/04/nova-lei-de-abuso-de-autoridade/> Acesso em: 21 dez. 2021.
TEZA, Marlon Jorge. Temas de polícia militar: novas atitudes da polícia ostensiva na ordem pública. Ed. Darwin. Florianópolis, 2011.