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Greve e interdito proibitório

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05/03/2007 às 00:00
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6. Conclusão

Em linha de conclusão, nada mais se haveria de acrescentar, senão que rememorar o que já se expendeu nos itens anteriores: houve substanciosa ampliação da competência trabalhista, advinda com a EC 45/04, que no novel inciso II, do artigo 114 constitucional, é absolutamente explícita quanto à competência trabalhista para todos os dissídios decorrentes do exercício do direito de greve, aí incluídos, obviamente, aqueles de fundo possessório, como o interdito proibitório, desde que tenham no movimento paredista a sua gênese.

Entretanto, há ainda uma última questão que, a despeito de colocada no item que cuida do encerramento deste trabalho, em verdade fomenta o debate.

É que questionamentos como o aqui analisado têm chegado ao E. Superior Tribunal de Justiça, órgão incumbido de dirimir conflitos de competência suscitados por instâncias inferiores (CF, art. 105, I, "d"), e não têm merecido o tratamento que deveriam ter, "data venia".

Interditos proibitórios manejados por empresas bancárias, cujo fundamento jurídico tem em conta, pura a simplesmente, a greve de seus trabalhadores, têm sido lançados à vala comum das ações possessórias, com atribuição de competência material à Justiça Estadual Comum, sem que se reconheça a devida importância do fato social que lhe dá suporte e que, por sua magnitude, mereceu tratamento competencial específico na própria Constituição Federal. [16]

Miguel Reale, ao discorrer sobre a sua "Teoria Tridimensional do Direito", e ao extremar os seus três elementos estruturais (fato, valor e norma), explica que

"onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.), um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor". [17]

Na hipótese específica aqui tratada, tanto o constituinte originário, quanto o constituinte derivado, elegeram a greve como fato social da mais alta importância – classificando-o como direito do trabalhador (artigo 9º), fruto da sociedade plural em que vivemos e do Estado Democrático de Direito que construímos; sendo certo que, para viabilizá-lo, distinguiu a Justiça do Trabalho como o órgão jurisdicional especializado para solucionar os litígios decorrentes do seu exercício (artigo 114, II).

Por isso mesmo não se afigura razoável inferir que, mesmo explícito como foi o legislador, a norma por ele erigida possa comportar interpretação tão dissonante que retire da greve, como direito ou como fato, todo o valor que o legislador constitucional lhe empreendeu, para relegá-lo à condição de mero conflito possessório.

Como dito em linhas passadas, a "Reforma" terá o tamanho ou a "grandeza" que lhe empreenderem os operadores do direito. Para que seu objetivo seja realmente alcançado, para que se obtenha a tão pugnada efetividade da prestação jurisdicional, para que se consagre o direito à "razoável duração do processo" e para que este se converta em mecanismo de fortalecimento do Estado Democrático de Direito, é preciso certo desapego a velhos institutos ou velhos dogmas, não para desprezá-los ou desconsiderá-los, mas sim para reestruturá-los, interpretá-los com certa maleabilidade, certa transigência.

O contrário levará a tão sonhada "Reforma do Poder Judiciário" ao mesmo destino de tantas leis que neste país "não pegaram", à sua própria ineficácia social, muito pior do que a ineficácia jurídica, à sua condição de mero "parto da montanha", como referido no início deste artigo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

http://www.stj.gov.br.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2003.

CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. São Paulo: Global, 2001.

SILVA, Antônio Álvares da. Pequeno Tratado da Nova Competência Trabalhista. São Paulo: LTr, 2005.

COUTINHO, Grejalbo Fernandes e outro (coordenadores). Nova Competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005.

COUTINHO, Grejalbo Fernandes e outro (coordenadores). Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004.

SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade Sindical e Representação dos Trabalhadores nos Locais de Trabalho. São Paulo: LTr, 2000.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, Vol. II. São Paulo: Malheiros, 2001.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Vol. 1. São Paulo: RT, 2006.

CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2002.

MARCATO, Antonio Carlos (coordenador). Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2004.

SOUZA, Gelson Amaro. Curso de Direito Processual Civil. Presidente Prudente: Data Juris, 1998.

CASTELO, Jorge Pinheiro. O Direito Processual do Trabalho na Moderna Teoria Geral do Processo. São Paulo: LTr, 1996.

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NOTAS

01 "Pequeno Tratado da Nova Competência Trabalhista", LTr, 2005, pg. 19

02 "Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais", Global, 2001, pg. 98

03 Nelson Jobim, citado por Álvares da Silva, ob. cit. pg. 19

04 "Nova Competência da Justiça do Trabalho", LTr, janeiro/05, pg. 310

05 "Justiça do Trabalho – Competência Ampliada", LTr, maio/05, pg. 169

06 Carlos Henrique Bezerra Leite, in, "Curso", LTr, 2004, pgs. 124/125

07 José Francisco Siqueira Neto, in, "Liberdade Sindical e Representação dos Trabalhadores nos Locais de Trabalho", LTr, 2000, pg. 125.

08 Antônio Álvares da Silva, in, ob. cit., pg. 109.

09 In, "Instituições", Malheiros, 2001, vol. I, pg. 408.

10 In, "Curso", vol. 1, "Teoria Geral do Processo", RT, 2006, pgs. 90/93.

11 Cintra, Grinover e Dinamarco, in, "Teoria Geral do Processo", Malheiros, 2002, pg. 234.

12 "Embora exista polêmica discussão em doutrina e em jurisprudência, não há como afastar a incidência do art. 282, III, do CPC de nenhum tipo de ação. Mesmo das ações denominadas de reais (porque se referem a direitos reais), é mister, à luz da lei processual civil, que o autor diga qual é a origem de seu direito, sendo insuficiente, para os fins do dispositivo em comento, a descrição da situação que o levou a propor a ação." Cassio Scarpinella Bueno, in, "CPC Marcato", Atlas, 2004, pg. 857.

13 In, "Curso de Direito Processual Civil", Data Juris, 1998, pg. 51.

14 In, ob. cit., pg. 126.

15 In, "O Direito Processual do Trabalho na Moderna Teoria Geral do Processo", LTr, 1996, pg. 196.

16 "O autor busca impedir manifestações do movimento grevista e assegurar o livre acesso de funcionários e clientes a sua agência bancária. O pedido e a causa de pedir, flagrantemente, não têm natureza trabalhista, inexistindo necessidade de interpretação de acordo trabalhista ou de discussão a respeito da legalidade da greve. Dessa forma, a procedência do pedido dependerá, apenas, da verificação de abusos e de ilícitos civis cometidos pelo sindicato na condução da greve." – Min. Carlos Alberto Menezes Direito, in, CC 59051-SC, em 11/05/06 - http://www.stj.gov.br.

17 In, "Lições Preliminares de Direito", Saraiva, 2003, pg. 65.

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Sobre o autor
Levi Rosa Tomé

especialista em Direito Processual Civil, professor de Direito Processual do Trabalho nas Faculdades Integradas de Ourinhos, juiz do Trabalho em Ourinhos (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOMÉ, Levi Rosa. Greve e interdito proibitório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1342, 5 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9561. Acesso em: 28 mar. 2024.

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