Teoria da Norma Jurídica

Theory of the Legal Rule

23/12/2021 às 19:10
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Resumo: o presente artigo discorre sobre o conceito, a estrutura, as características, a classificação e a validade das normas jurídicas.

Palavras-chave: norma jurídica.

Abstract: the current article deals about the concept, the structure, the characteristics, the classification and the validity of the legal rules.

Keywords: legal rule.

1. Introdução

2. Estrutura da Norma Jurídica

3. Características da Norma Juridica

4. Classificação da Norma Jurídica

5. Validade da Norma Jurídica

6. Referências Bibliográficas

1. Introdução

BOBBIO, lembrado por SGARBI (2007, p. 114), afirma que a “nossa vida se desenvolve em um mundo de normas”; não obstante acreditarmos na liberdade humana, encontramo-nos, na realidade, “envoltos em uma rede muito espessa de regras de conduta que, desde o nascimento até a morte, dirigem nesta ou naquela direção as nossas ações”. Consoante anota LIMA (1983, p. 39), “normas há de várias espécies, religiosas, morais, costumeiras, porém jurídicas são aquelas dotadas de poder coercitivo compulsoriamente organizado”.

O trecho extraído de SGARBI indica que os autores, de um modo geral, a exemplo de NADER (2017, p. 83) e REALE (2002, p. 93), não fazem distinção entre as expressões norma jurídica e regra jurídica, diferenciando tão somente os termos direito, lei e norma jurídica.

Os vocábulos direito, lei e norma jurídica, sem embargo da confusão terminológica existente na doutrina, são, em sua perfeita tradução, inconfundíveis. Em uma análise superficial, seria lícito admitir que os três termos basilares da Ciência Jurídica guardam uma inerente relação de abrangência, permitindo concluir, em síntese, que o direito engloba a lei e esta, por sua vez, a norma jurídica. Tendo em vista que o Direito pátrio, por razões históricas (a origem romano-germânica do nosso sistema), se expressa, sobretudo, através da lei (em seu sentido amplo, enquanto norma jurídica escrita), sendo decorrente de produção estatal (de cunho predominantemente legislativo), pode-se deduzir que, embora o Direito transcenda à exclusiva existência da figura legal, é exatamente a partir da interpretação levada a efeito sobre ela de que se extrai a norma jurídica.

De fato, a vida social encontra-se impregnada por normas. Cada passo do ser humano é disciplinado por regras de várias tonalidades. Pela manhã, ao dividirmos o elevador com outras pessoas, uma norma de trato social impõe o quase que automático “bom dia”. Na missa matinal, o fiel, ao comungar, o faz em tom respeitoso e em obediência à liturgia religiosa, geralmente estabelecida através de normas religiosas. Ao utilizarmos as instalações do clube ou do condomínio, deparamo-nos, igualmente, com convenções a serem observadas, notadamente as pertinentes à boa educação e higiene, por exemplo. Durante a condução de automóveis, inúmeras regras de cunho jurídico disciplinam o trânsito de veículos e pedestres. Enfim, seja no ambiente social, na igreja, no clube, no condomínio, no tráfego de veículos ou em muitos outros momentos do cotidiano, há regramentos a serem seguidos, de modo que o fundamento das normas encontra-se justamente na exigência da natureza humana de viver em sociedade (DINIZ, 2000, p. 328).

Não obstante, muitos estudiosos ainda demonstram alguma dificuldade em entender que o escopo último de atuação do Direito, de um modo geral, e da norma jurídica, em particular, é exatamente o de servir como sinérgico mecanismo de projeção comportamental ou, em outras palavras, como uma espécie de “ponte” entre o mundo do ser (ou seja, a realidade como ela se apresenta no mundo fático) e o mundo do dever-ser (isto é, a realidade projetada, segundo os ideais e valores de uma dada sociedade), razão pela qual se afirma que a norma jurídica constitui-se em uma realidade cultural. Neste sentido, o Direito sempre projeta a realidade para mantê-la como tal, reestruturá-la ou transformá-la, segundo os critérios e concepções impostos pela classe dominante, ainda que, sob a ótica do desejável, tais concepções devessem ser oriundas do conjunto homogêneo de toda a sociedade.

Desta feita, o Direito, operando por meio de normas jurídicas, procura disciplinar o comportamento humano, conduzindo-o a uma direção, sempre com o intuito de alcançar uma determinada finalidade. Não é a toa que DEL VECCHIO afirmava ser a norma jurídica a coluna vertebral da sociedade, do que se extrai a importância de seu estudo, justamente por se tratar de elemento essencial do Direito Positivo.

Segundo uma definição apresentada por LIMA (1983), a norma jurídica pode ser objetivamente definida como uma “norma imperativa, bilateral e coercitiva, emanada pelo órgão competente, destinada a dirigir a conduta dos indivíduos ou estabelecer a ordem de convivência social, cuja inobservância acarretará a aplicação da sanção pelos órgãos do poder público”. PAUPÉRIO (citado por SECCO, 1988, p. 43) considera que a norma jurídica consiste na própria expressão da ordem jurídica, que se traduz através de “normas, que têm sempre a forma imperativa e que se podem decompor em ordens ou proibições”, caracterizando, pois, “regras que impõem o comportamento adequado à consecução da ordem e da segurança na sociedade”.

De fato, considerando que o Direito tem como fim específico disciplinar condutas humanas em sociedade, impondo-se naturalmente como princípio básico da vida do gênero humano em coletividade, é fato inconteste que ele necessita de (e efetivamente possui) diversas expressões, tendo como um de seus ideais a realização da justiça, considerada necessariamente em sua acepção mais ampla.

Por efeito consequente, a norma jurídica deve ser entendida, sob o ponto de vista restritivo, como a expressão formal do Direito, tendo como tarefa fundamental prever, bem como orientar os próprios modos de conduta interessantes ao convívio social, disciplinando, em todos os casos, a atuação humana na sociedade, e associando a denominada ordem jurídica com a própria normatividade.

Até mesmo porque, conforme adverte LIMA (1983, p. 38), “não pode a sociedade humana subsistir sem regras disciplinadoras do sistema social, nas quais se baseie o equilíbrio de sua posição”, sobretudo se considerarmos que a “convivência coletiva acarreta conflitos cuja superação se torna cotidianamente indispensável”. Não é por outra razão que inúmeros autores, como WILHELMUS LUIJPEN (1922-1980), insistem em afirmar, de maneira categórica, que a disciplina jurídica é essencialmente normativa, possuindo o propósito histórico de conciliar o individual com o social, conduzindo-nos à inafastável conclusão de que a existência envolve necessariamente a coexistência e esta, por seu turno, abrange obrigatoriamente a normatividade.

Por via conclusiva, a única verdade possível, determinante e fundamental, passa a ser exatamente aquela que situa o Direito como uma ordem essencialmente normativa, com um sentido próprio de existência obrigatoriamente desvinculado de qualquer outro regente, excetuando-se, é claro, os valores axiológicos considerados fundamentais: a justiça, englobando, obrigatoriamente, apenas o justo formal, mas sempre objetivando o justo material, e a segurança, na qualidade de imperativo da ordem social, garantida, em última análise, pela própria normatividade, entre outros, como o bem comum.

Com efeito, é possível, sinteticamente, definir a norma jurídica como sendo uma proposição normativa inserida em uma ordem jurídica, avalizada pelo poder público (Direito Interno) ou pelas organizações internacionais (Direito Internacional), podendo disciplinar condutas ou atos, como pode não as ter por objeto, providas ou não de sanção, cuja finalidade é garantir a ordem e a paz social.

2. Estrutura da Norma Jurídica

BATALHA (2000, p. 308) destaca a existência de quatro diferentes posições fundamentais a respeito da estrutura da norma jurídica: a) a solução tradicional da unitariedade da norma jurídica, equivalendo a sanção à prestação; b) a proposta de HANS KELSEN, pela qual a norma jurídica constitui-se em um juízo hipotético, desmembrado em norma primária e secundária; c) a formulação de COSSIO, para quem a norma jurídica traduz-se em um juízo disjuntivo, abrangendo a perinorma e a endonorma; e d) a perspectiva de MAYNEZ, segundo a qual a norma jurídica envolve duas normas paralelas (a atributiva e a preceptiva), cada qual com seus conceitos lógico-jurídicos e respectivos correlatos ontológico-jurídicos.

Acrescente-se, nesse rol, a teoria elaborada por HART, na obra O Conceito de Direito (1961), para quem o Direito comporta dois tipos de normas, não sendo correto afirmar a existência apenas de normas com conteúdo sancionador. Para HART, as normas do Direito podem ser classificadas em: a) normas primárias (aquelas que estabelecem comportamentos a serem adotados pelos indivíduos, independentemente do seu querer, como a norma insculpida no art. 14, § 1º, I, da CF, que impõe a obrigatoriedade do voto para os maiores de dezoito anos) e b) normas secundárias, as quais, por sua vez, classificam-se em normas de reconhecimento (destinadas a “identificar as normas primárias, possibilitando a verificação de sua validade e, por conseguinte, se elas podem ou não ser consideradas pertencentes a dado sistema ou ordenamento”), normas de modificação (que regulam o “processo de transformação das normas primárias”, sua ab-rogação ou derrogação) e normas de julgamento (aquelas que “disciplinam a aplicação das normas primárias”) (REALE, 2002, p. 98).

Na sua Teoria Pura do Direito, KELSEN, citado por NADER (2017, p. 84), concebe o esquema lógico da norma jurídica em duas partes: a) norma primária (que define o dever jurídico diante de uma determinada situação fática) e b) norma secundária (que estabelece a sanção aplicável para o caso de eventual violação do respectivo dever jurídico).

REALE (2002, p. 95), discorrendo sobre a aludida concepção kelseniana, entende que as “regras que dispõem sobre a organização dos Poderes do Estado, as que estruturam órgãos e distribuem competências e atribuições, bem como as que disciplinam a identificação, modificação e aplicação de outras normas não se apresentam como juízos hipotéticos”. Para REALE, tais regras são caracterizadas por apresentarem uma “obrigação objetiva de algo que deve ser feito, sem que o dever enunciado fique subordinado à ocorrência de um fato previsto, do qual possam ou não resultar determinadas consequências”, razão pela qual, segundo o festejado jusfilósofo brasileiro, “não havendo a alternativa do cumprimento ou não da regra, não há que falar em hipoteticidade”.

Assim, na ótica realeana, “o que efetivamente caracteriza uma norma jurídica, de qualquer espécie, é o fato de ser uma estrutura proposicional enunciativa de uma forma de organização ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória” (REALE, 2002, p. 95).

Sem embargo da existência de alguma controvérsia a respeito do tema, parte dos estudiosos da teoria normativa do Direito continua a defender a posição clássica segundo a qual a norma jurídica possui sempre uma estrutura externa e uma estrutura interna, além de um conteúdo próprio e particular. A estrutura externa, segundo esta perspectiva, corresponde exatamente ao revestimento da norma jurídica, que pode se apresentar em forma de lei (norma jurídica escrita, que tem origem na autoridade) ou de costume jurídico (norma jurídica não escrita, que surge de forma difusa na sociedade). A estrutura interna, por seu turno, encontra-se intimamente associada, por partes, à denominada endonorma (juízo que impõe uma prestação) e à chamada perinorma (juízo que impõe uma sanção). Em comparação com o modelo de KELSEN, a endonorma corresponde à norma primária, enquanto que a perinorma concerne à norma secundária. Tal juízo disjuntivo pertinente à estrutura da norma jurídica foi proposto por COSSIO, formulação teórica assim retratada e cotejada (esquematicamente) em relação à perspectiva de KELSEN:

“Dado A, deve ser P, ou dado ñP, deve ser S. A endonorma corresponde ao juízo que impõe uma prestação (P) ao sujeito que se encontra em determinada situação (A) e equipara-se à norma primária de KELSEN. Exemplo: o indivíduo que assume uma dívida (A), deve efetuar o pagamento na época própria (P). A perinorma impõe uma sanção (S) ao infrator, isto é, ao sujeito que não efetuou a prestação a que estava obrigado (ñ). Corresponde à norma secundária de KELSEN. Exemplo: o devedor que não efetuou o pagamento na época própria deverá pagar multa e juros.

CARLOS COSSIO não concordou com o reduzido significado atribuído por KELSEN anteriormente à norma secundária, que prescrevia a conduta obrigatória, lícita. Enquanto a norma primária e a secundária se justapõem, a endonorma e a perinorma estão unidas pela conjunção ou.” (NADER, 2017, p. 85)

3. Características da Norma Jurídica

Malgrado a existência de divergência a respeito das características basilares que efetivamente marcam a norma jurídica, a doutrina, de um modo geral, apresenta as seguintes: imperatividade, heterogeneidade, bilateralidade, generalidade, estabilidade, permanência e publicidade, explicadas adiante.

a) Imperatividade

A fim de alcançar determinado objetivo, a norma jurídica emite um comando normativo, ou seja, prescreve como os indivíduos, os governantes e o próprio Estado devem se conduzir na vida comunitária. Enfim, a norma jurídica impõe um dever, que deve ser cumprido por todos. Neste sentido, explica HERMES LIMA (1983, p. 37) que o “Direito expressa-se através de normas que tomam a forma de imperativos”.

b) Heterogeneidade

Significa dizer que a norma jurídica deve ser observada por todos, ainda que os respectivos destinatários discordem de seu comando. Desta feita, a observância da norma jurídica independe da vontade daqueles aos quais ela se destina.

c) Bilateralidade

Por bilateralidade entende-se a correspondência existente entre as duas partes interligadas pela norma jurídica. Significa dizer, pois, que o Direito existe sempre vinculando duas ou mais pessoas, atribuindo um poder a uma parte e, da mesma forma, impondo um dever à outra: “a norma jurídica é bilateral, pois, em seu mecanismo, alguém dispõe, os demais obedecem” (LIMA,1983, p. 37).

d) Generalidade

A norma jurídica é dirigida, indistintamente, a todos que se ajustarem à hipótese por ela disciplina, e não a alguém em particular. É preceito de ordem geral, que obriga a todos os que estiverem em igual situação jurídica, referindo-se, desta feita, não a casos concretamente considerados, mas a um rol de situações indefinidas. A propósito, leciona LIMA (1983, p. 37) que a “forma exterior na qual o Direito se apresenta é a de dispositivos jurídicos, isto é, ‘regras abstratas que, visando um escopo prático, disciplinam determinado conteúdo ou situação de fato, e lhe estabelecem as consequências jurídicas’”.

DINIZ (2001, p. 6-7), analisando o atributo da generalidade inerente às normas jurídicas, afirma que a “norma procede por abstração, fixando tipos, referindo-se a uma série de casos indefinidos e não a casos concretos”, sendo que tal “abstração de normas, em virtude de seu processo generalizante, implica seu afastamento da realidade, surgindo um antagonismo entre normas jurídicas e fatos”. Não obstante, esclarece a ilustre professora que esta “oposição não é um hiato insanável”, uma vez que os “fatos individuais apresentam o geral determinado no conceito abstrato”, vale dizer, ostentam uma “nota de tipicidade que permite sejam enquadrados nos conceitos normativos”, do que se depreende que a “norma jurídica só se movimenta ante um fato concreto, pela ação do magistrado, que é o intermediário entre a norma e a vida ou o instrumento pelo qual a norma abstrata se transforma numa disposição concreta, regendo determinada situação individual”.

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Ainda segundo DINIZ (2001, p. 7), “a norma de Direito é um modelo funcional que contém, em si, o fato, pois, sendo um tipo geral oposto à individualidade concreta, pode ser adaptada a esta última”; destarte, o tipo contido no preceito normativo apresenta dupla função, ou seja, “é meio de designação dos elementos da hipótese de fato e forma de apreensão e exposição de relações jurídicas”.

No mesmo sentido, leciona LIMA (1983, p. 38) que a “estrutura lógica da norma jurídica consta de uma previsão e de um dispositivo relativamente a mesma previsão”, sendo que a “norma prevê, de modo geral e abstrato, hipóteses de fato, devidamente classificadas por tipo, a que imprime valorização jurídica”.

e) Estabilidade

Tal atributo reside no fato de que a norma jurídica é editada, em regra, pelo Estado (em forma de lei). Ademais, quando a norma jurídica é excepcionalmente produzida (de modo difuso) pela sociedade, dando origem ao costume jurídico, é o ente estatal que a chancela.

f) Permanência

Segundo dispõe o art. 2º, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42), “não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”. Nota-se, portanto, que a norma jurídica não se esgota pela sua observância ou pelo seu descumprimento, vigendo até que sobrevenha eventual alteração ou até a mesmo revogação (cessação da vigência da norma).

g) Publicidade

A característica da publicidade é de fundamental importância, mormente se considerarmos que a norma jurídica, para ser fielmente observada, precisa ser oficialmente publicada, conforme preceituam, inclusive, o art. 1º, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (“salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”), complementado pelo parágrafo 1º (“nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada”) e pelo parágrafo 3º (“se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação”), ambos do mesmo artigo.

Cabe ressaltar que, nos termos do art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, estabelecendo, pois, uma autêntica ficção legal, pela qual se presume que a lei, uma vez publicada, é do conhecimento de todos, presunção que objetiva conferir primazia ao interesse social diante do interesse individual.

4. Classificação da Norma Jurídica

As normas jurídicas podem ser classificadas sob vários aspectos, não havendo uniformidade quanto ao tratamento do assunto vertente. Não obstante, a doutrina, de um modo geral, alude às seguintes categorias.

a) Quanto à Natureza das Disposições

Quanto à natureza das disposições, a norma jurídica classifica-se em normas jurídicas substantivas (ou materiais) e normas jurídicas adjetivas (ou processuais).

Normas jurídicas substantivas (ou materiais) são aquelas que criam, declaram e definem direitos, deveres e relações jurídicas.

Como exemplos, as normas que integram o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/40) e o Código Civil (Lei nº 10.406/02).

As normas jurídicas adjetivas (ou processuais), por sua vez, regulam o procedimento e o processo aplicáveis para fazer cumprir as normas jurídicas substantivas. Por exemplo, aquelas previstas no Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/41) e no Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15).

b) Quanto à Obrigatoriedade

No que se refere à obrigatoriedade, a norma classifica-se em normas jurídicas imperativas (ou de ordem pública) e normas jurídicas dispositivas (ou de ordem privada).

As normas jurídicas imperativas (ou de ordem pública) são aquelas que, tendo em vista o fim social que objetivam alcançar, não podem ser modificadas por convenção dos particulares, sendo também denominadas de normas cogentes. É exatamente o que acontece, por exemplo, com as regras jurídicas que estabelecem impedimentos para o casamento, as quais não podem ser modificadas pelos nubentes. Assim, se os irmãos X e Y desejarem contrair matrimônio, não poderão fazê-lo, notadamente diante do impedimento previsto na norma cogente contida no art. 1.521, IV, do Código Civil.

Em contraste com as anteriores, as normas jurídicas dispositivas (ou de ordem privada) admitem que os particulares convencionem por ato de vontade. O art. 1.639, caput, do Código Civil, por exemplo, permite aos nubentes, antes da celebração do casamento, convencionar, quanto aos bens, o que lhes aprouver.

c) Quanto à Origem

Em relação à classificação em epígrafe, as normas jurídicas, ante o sistema de repartição de competências previsto na Constituição Federal, e conforme o ente que as tenha produzido, podem ser federais, estaduais, distritais e municipais.

d) Quanto à Sistematização

No que se refere à sistematização, as normas jurídicas podem ser catalogadas em normas constitucionais, codificadas, esparsas (ou extravagantes) e consolidadas.

Normas constitucionais são aquelas estabelecidas pelo Poder Constituinte (Originário ou Derivado, conforme o caso) e que fundamentam a validade das demais normas jurídicas integrantes do sistema normativo.

Como exemplo, cite-se o art. 19 da CF, segundo o qual “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II – recusar fé aos documentos públicos; III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”.

Normas codificadas são aquelas que se encontram incorporadas a códigos tematicamente organizados e sistematizados (em livros, partes, títulos, capítulos, seções e subseções), cujo conteúdo versa sobre determinado ramo do Direito.

O fenômeno da codificação, que, conforme cediço alhures, remonta ao início do século XIX, notadamente quando da edição do Código Civil da França (Código Napoleônico, 1804), guarda profunda relação com o caráter sistêmico inerente ao Direito, indicando, pois, a necessidade de se prover sistematização a determinadas matérias jurídicas, tais como o Direito Tributário, razão pela qual a Lei nº 5.172/66 instituiu o Código Tributário Nacional.

Interessante notar que o art. 59 da CF, ao dispor sobre o chamado processo legislativo (que compreende a elaboração das denominadas espécies normativas primárias, a saber: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções), reconhece expressamente a importância de se sistematizar a legislação nacional, tanto que o parágrafo único do mesmo dispositivo constitucional determinou que lei complementar disciplinasse a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis, regra que ensejou a edição da Lei Complementar nº 95/98.

Normas esparsas (ou extravagantes) são aquelas editadas de modo isolado e que tratam de específica matéria jurídica, não estando, portanto, codificadas. Como exemplo, a Lei Ambiental (Lei nº 9.605/98), cujo conteúdo abarca um amplo leque de normas jurídicas (de natureza penal, administrativa, civil, etc) relativas à preservação do meio ambiente.

As normas consolidadas, por seu turno, são fruto da reunião de várias leis esparsas disciplinadoras da mesma matéria, sendo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT – Decreto-Lei nº 5.452/43) um típico exemplo a ser apresentado.

e) Quanto à Sanção

Quanto à sanção, a norma jurídica classifica-se em mais que perfeitas, perfeitas, menos que perfeitas e imperfeitas, explicadas a seguir.

Normas mais que perfeitas são aquelas que determinam a nulidade do ato jurídico praticado com violação ao conteúdo normativo, bem como a restauração do status quo anterior, além de cominar uma sanção correspondente. No caso, é possível invocar, como exemplo, a norma contida no art. 1.521, VI, do Código Civil, a qual estabelece que as pessoas casadas não poder constituir novo matrimônio durante a vigência do casamento. Assim, a violação da citada norma acarreta não só a nulidade do segundo casamento (art. 1.548, II, do Código Civil), bem como a responsabilização penal do bígamo (art. 235, caput, do Código Penal).

Normas perfeitas são as que estabelecem a nulidade ou anulabilidade do ato jurídico praticado com violação ao comando da norma, não havendo, porém, sanção a ser aplicada em decorrência de tal ofensa normativa. Por exemplo, o art. 1.647, I, do Código Civil, segundo o qual, ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis.

Normas menos que perfeitas são aquelas que não ensejam a nulidade ou anulabilidade do ato praticado com violação ao conteúdo normativo, mas estabelecem uma sanção para o infrator da norma. A propósito, o art. 1.523, I, do Código Civil estabelece que o (a) viúvo (a) que tiver filhos do cônjuge falecido não pode se casar enquanto não fizer o inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros, sendo que eventual transgressão da mencionada norma não implica em nulidade do novo casamento, impondo-se, todavia, a adoção do regime de separação de bens (art. 1.641, I, do Código Civil).

As normas imperfeitas são aquelas que não acarretam a nulidade ou anulabilidade do ato jurídico, bem como não estabelecem qualquer sanção para o caso de descumprimento do conteúdo normativo. O art. 611, caput, do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual o processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de dois meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos doze meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar estes prazos, de ofício ou a requerimento de parte, cujo descumprimento não acarretará qualquer nulidade ou sanção.

f) Quanto à Vigência

Em relação à vigência, as normas jurídicas podem ser de vigência indeterminada e de vigência determinada, classificação acolhida, inclusive, pelo art. 2º, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual “não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”.

As normas de vigência indeterminada, como a própria denominação sugere, são as que vigoram por tempo indeterminado, isto é, não fazem qualquer referência ao prazo de vigência, sendo, portanto, a regra geral, tal como acontece com a Lei nº 9.455/97, que define e pune o crime de tortura. No caso, não é possível afirmar, de antemão, quando a norma em questão perderá o vigor.

Normas de vigência determinada, ao reverso, são aquelas que vigoram por tempo determinado, ou seja, estabelecem previamente o respectivo prazo de vigência, configurando, assim, uma exceção à regra anterior. Na presente hipótese, é possível afirmar quando a norma perderá a vigência. É o caso, por exemplo, das normas contidas nos arts. 30 a 36 da Lei nº 12.663/12, que dispôs sobre as medidas relativas à Copa das Confederações (FIFA – 2013) e à Copa do Mundo (FIFA – 2014), entre outras providências, cujo Capítulo VIII estabeleceu diversos tipos penais pertinentes à época daqueles eventos, delitos que só existiram até o dia 31 de dezembro de 2014, conforme previsão do art. 36 da mesma lei.

g) Quanto à Aplicabilidade

No que se refere à aplicabilidade, as normas podem ser autoaplicáveis, normas dependentes de complementação e normas dependentes de regulamentação.

Normas autoaplicáveis são aquelas que vigoram de imediato, independentemente da edição de qualquer norma posterior. Por exemplo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Agravo Regimental em Mandado de Segurança nº 29.649/DF, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, julgamento em 15.09.2015) é firme no sentido de que o art. 236, caput (“os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”), e seu parágrafo 3º (“o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”), ambos da Constituição de 1988, são normas autoaplicáveis, que incidiram imediatamente desde a sua vigência, produzindo efeitos, portanto, mesmo antes do advento da Lei nº 8.935/94.

Da mesma forma, entendeu o Superior Tribunal de Justiça ser “autoaplicável o disposto no art. 46 da Lei nº 8.541/92, o qual dispõe que ‘o imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial será retido na fonte pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento, no momento em que, por qualquer forma, o rendimento se torne disponível para o beneficiário’” (STJ, Terceira Turma, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 246.938/RS, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, julgamento em 11.05.2015).

Em contraste, as normas em epígrafe são aquelas que necessitam de complementação a ser estabelecida por outra norma. A título de exemplo, o art. 7º, inciso XI, da Constituição estabelece ser direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei. Em consequência, editou-se a Lei nº 10.101/00, que tratou de complementar o citado dispositivo constitucional.

Do mesmo modo, a jurisprudência da Suprema Corte é pacífica no sentido de que o art. 201, § 4º, com a redação dada pela EC nº 20/98 (“é assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei”), e o art. 202 (“o regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar”), ambos da Constituição, não são autoaplicáveis, pois necessitam de integração legislativa que só foi implementada com a edição da Lei nº 8.212/91 e da Lei nº 8.213/91 (STF, Primeira Turma, Agravo Regimental no Agravo Regimental nº 485.742/MG, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, julgamento em 26.08.2014).

Por fim, as normas dependentes de regulamentação demandam a edição de um decreto regulamentador por parte do Chefe do Poder Executivo, de modo a esmiuçar e detalhar a fiel aplicação da lei, consoante previsão estabelecida no art. 84, IV, da Lei Maior. Por exemplo, a norma contida no art. 17, caput, V, da Lei nº 8.629/93, que dispõe sobre os créditos de instalação no programa de reforma agrária, dispositivo regulamentado pelo Decreto nº 9.066/17.

h) Quanto à Fonte

Como visto em outra ocasião, a doutrina alude à existência de dois grandes sistemas jurídicos: a) o denominado sistema romano-germânico (ou sistema do civil law), do qual o Direito brasileiro é um típico exemplo, figurando a lei escrita como a principal fonte, b)  e o sistema anglo-saxão (ou sistema da common law), no qual os precedentes judiciais adquirem status fundamental, sendo reconhecida e aceita a sua força vinculante. Conforme explica REALE (2002, p. 97-98), a expressão common law designa a “experiência jurídica da Inglaterra, dos Estados Unidos da América, e de outros países de igual tradição”, caracterizada exatamente por “não ser um Direito baseado na lei, mas antes nos usos e costumes consagrados pelos precedentes firmados através das decisões dos tribunais”, configurando, desta feita, um “Direito costumeiro-jurisprudencial, ao contrário do Direito continental europeu e latino-americano, filiado à tradição romanística, do Direito Romano medieval, no qual prevalece o processo legislativo como fonte por excelência das normas jurídicas”.

Assim, de acordo com a presente classificação, as normas jurídicas podem ser escritas (produzidas pelo Estado) ou não escritas (costumeiras ou consuetudinárias, isto é, produzidas difusamente pela sociedade).

i) Quanto ao Sistema Jurídico

Quanto ao sistema jurídico, as normas jurídicas podem ser nacionais ou estrangeiras. Normas nacionais são aquelas que vigoram no Brasil. Como exemplo, o Código Penal brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848/40). Ao contrário, as normas estrangeiras, por seu turno, não vigoram no Brasil: o Código Penal alemão (Das Strafgesetzbuch StGB), por exemplo.

j) Quanto à Incidência Territorial

Quanto à incidência territorial, as normas jurídicas podem ser comuns ou locais.

Normas comuns são aquelas que possuem incidência sobre todo o território nacional. O Código de Trânsito Brasileiro – Lei nº 9.503/97, por exemplo.

Normas locais são aquelas que possuem incidência apenas sobre uma parte (Estados-Membros, Distrito Federal ou Municípios) do território nacional. Por exemplo, a Lei nº 7.530/17, que institui pisos salariais no âmbito do Estado do Rio de Janeiro para as categorias profissionais nela mencionadas.

l) Quanto ao Âmbito Material de Aplicação

Em relação ao âmbito material de aplicação, as normas jurídicas podem ser de Direito Público ou de Direito Privado.

5. Validade da Norma Jurídica

REALE, analisando a questão inerente à vigência (obrigatoriedade sob o prisma formal), eficácia (efetiva correspondência social ao conteúdo normativo) e fundamento da norma jurídica sob a perspectiva de sua Teoria Tridimensional do Direito, explica:

“A necessária complementariedade das pesquisas do filósofo, do sociólogo e do jurista revela-se, de maneira bem marcante, quando se estuda o problema da validade do direito, questão que, no dizer colorido de MAX ERNST MAYER, esvoaça como um pássaro assustado, por todos os quadrantes do pensamento jurídico.

Para empregarmos uma expressão popular, densa de significado, a primeira impressão que nos dá a lei é a de algo feito ‘para valer’, isto é, de uma ordem ou comando emanado de uma autoridade superior. Basta, porém, imaginar uma pessoa na situação concreta de destinatário do chamado ‘comando legal’ para perceber-se quão complexo é o problema da validade do direito. Há, em primeiro lugar, uma pergunta quanto à obrigatoriedade da norma jurídica para todos, em geral, e para determinada pessoa em particular, o que se desdobra em uma série de outras perguntas sobre a competência do órgão que elaborou o modelo jurídico, a sua estrutura e o seu alcance. Além desse plano de caráter formal, surge outro grupo de questões, quanto à conversão efetiva da regra de direito em momento de vida social, isto é, no tocante às condições do real cumprimento dos preceitos por parte dos consorciados; e, finalmente, há uma terceira ordem de dificuldades, que consiste na indagação dos títulos éticos dos imperativos jurídicos, na justiça ou injustiça do comportamento exigido, ou seja, de sua legitimidade.

Eis aí, numa percepção sumária e elementar, os três fios com que é tecido o discurso da validade do direito, em termos de vigência ou de obrigatoriedade formal dos preceitos jurídicos; de eficácia ou da efetiva correspondência social ao seu conteúdo; e de fundamento, ou dos valores capazes de legitimá-los numa sociedade de homens livres.

Enunciada desse modo a questão, parecem transparentes os nexos que ligam entre si os três problemas numa estrutura tridimensional, mas, por um complexo de motivos, uns de natureza histórica, outros dependentes das inclinações intelectuais dos investigadores, nem sempre prevalece a compreensão unitária dos fatores que compõem a realidade jurídica: não raro orientam-se os espíritos no sentido do primado ou da exclusividade de uma das perspectivas acima discriminadas, surgindo, assim, soluções unilaterais ou setorizadas.

(REALE, 2001, p. 14-15)

Da mesma forma, DINIZ (2001, p. 48), reconhecendo que os termos validade, vigência, eficácia e fundamento, por serem conceitos interligados, geram grande confusão terminológica, estabelece que “a validade constitucional, intimamente relacionada com a eficácia constitucional, indica que a disposição normativa é conforme às prescrições constitucionais; assim, nesse sentido, válida é a norma que respeita um comando superior, ou seja, o preceito constitucional”. Ainda segundo a autora, a “validade formal, ou técnico-jurídica (vigência em sentido amplo), de uma norma significa que ela foi elaborada por órgão competente em obediência aos procedimentos legais”. Por conseguinte, “a norma formalmente válida é a promulgada por um ato legítimo da autoridade, de acordo com o trâmite ou processo normativamente estabelecido, que lhe é superior, não tendo sido ela revogada”.

Ademais, esclarece DINIZ que “vigência (sentido lato) não configura um atributo próprio da norma jurídica, pois ela não é válida em si por depender de sua relação com as demais normas jurídicas”.

“Poder-se-ia, estudando a lição de KELSEN, vislumbrar na validade das normas uma relação internormativa. Assim, uma norma só será válida se se fundar em norma superior, reveladora da competência do órgão emissor e do processo para sua elaboração.

Terminada a fase constitutiva do processo de produção normativa, a norma já é válida; no período que vai de sua publicação até sua revogação, ou até o prazo estabelecido para sua validade, diz-se que a norma é vigente. O âmbito temporal de validade constituiu o período durante o qual a norma tem vigência (sentido estrito). [...].

A vigência (sentido estrito) poderá coincidir com a validade formal, mas nem sempre, pois nada obsta que uma norma válida, cujo processo de produção já se aperfeiçoou, tenha sua vigência postergada. Realmente, dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil [atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro], em seu art. 1º, que a norma entra em vigor, a um só tempo, em todo o país, quarenta e cinco dias após sua publicação. Embora válida, a norma não vigorará durante aqueles quarenta e cinco dias, só entrando em vigor posteriormente. [...].

O conceito de vigência, em sentido estrito, está relacionado com o de eficácia, uma vez que da existência (vigência) da norma depende a produção de seus efeitos.” (DINIZ, 2001, p. 49-50)

Outrossim, para DINIZ, a “validade fática de uma norma significa que ela é efetiva, ou seja, quando ocorrem o comportamento, que ela configura (hipótese de incidência), e a consequência jurídica (sanção), que ela prevê”.

“A norma de validade fática expressa, portanto, a atividade do aparelho sancionador do Estado. Tal se dá porque toda norma jurídica caracteriza-se por ser imperativo-autorizante, isto é, acompanhada da autorização do emprego da coação (aplicação da sanção) pelo órgão competente. Por razões didáticas poder-se-á identificar validade fática com eficácia, mas teoricamente não há identidade entre esses dois conceitos. A validade fática indica a efetividade normativa pela atuação coercitiva do Poder Público, em caso de violação de norma.

A eficácia vem a ser a qualidade do texto normativo vigente de poder produzir, ou irradiar, no seio da coletividade, efeitos jurídicos concretos, supondo, portanto, não só a questão de sua condição técnica de aplicação, observância, ou não, pelas pessoas a quem se dirige, mas também de sua adequação em face da realidade social, por ele disciplinada, e aos valores vigentes na sociedade, o que conduziria ao seu sucesso.

A eficácia diz respeito, portanto, ao fato de se saber se os destinatários da norma poderão ajustar, ou não, seu comportamento, em maior ou menor grau, às prescrições normativas, ou seja, se poderão cumprir, ou não, os comandos jurídicos, se poderão aplicá-los ou não. Casos há em que o órgão competente emite normas, que por violentarem a consciência coletiva, não são observadas nem aplicadas, só logrando, por isso, ser cumpridas de modo compulsório, a não ser quando caírem em desuso; consequentemente, têm vigência, mas não possuem eficácia (eficácia social). [...].” (DINIZ, 2001, p. 50-51)

Por fim, para a autora, a validade ética (ou fundamento axiológico) do Direito objetiva implantar uma ordem justa na vida social.

“A justiça, que compendia a todos os valores jurídicos, é a ratio juris, ou seja, a razão de ser ou fundamento da norma, ante a impossibilidade de se conceber uma norma jurídica desvinculada dos fins que legitimam a sua vigência e eficácia. Pode-se dizer que a ideia de justiça contida na norma, além de ser um valor, é ideológica, por assentar-se na concepção do mundo que emerge das relações concretas do social, já que não pode, indubitavelmente, subsistir desconectada da história; Deveras, uma norma jurídica não pode ser, em si mesma, justa ou injusta, por depender do ângulo histórico sob o qual se a considera, pois o que pode parecer legítimo a uma civilização em determinada época pode ser ilegítimo em outra. Ante o exposto, poder-se-á concluir que na norma haveria uma relação necessária entre vigência, eficácia e fundamento.” (DINIZ, 2001, p. 52)

Conforme se depreende a partir das lições de REALE e DINIZ, resta conclusivo que a validade da norma jurídica pode ser analisada sob diversos aspectos.

Em relação à denominada validade formal (ou vigência em sentido amplo), a norma jurídica é vista sob a ótica do preenchimento de seus requisitos de validade: em primeiro lugar, é necessário que a norma seja elaborada pelo órgão pertinente, no âmbito de sua competência (ratione materiae) e em obediência ao rito (constitucional e regimental) estabelecido para sua produção. A título de exemplo quanto a tais aspectos formais, cabe citar que a aprovação de uma lei complementar requer a denominada maioria absoluta (metade mais um dos membros da Casa Legislativa), conforme previsto no art. 69 da Lei Magna. Destarte, consoante explica DINIZ (2000, p. 385), formalmente válida será “a norma se emanada do poder competente com obediência aos trâmites legais”.

Adverte DINIZ (2001, p. 48-52) que a vigência (em sentido estrito) poderá coincidir com a validade formal, embora nada obste “que uma norma válida, cujo processo de produção já se aperfeiçoou, tenha sua vigência postergada”, exatamente conforme dispõe a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, cujo art. 1º, caput, assevera “que a norma entra em vigor, a um só tempo, em todo o país, quarenta e cinco dias após sua publicação”, o que significa dizer que, embora válida, “a norma não vigorará durante aqueles quarenta e cinco dias, só entrando em vigor posteriormente”.

DINIZ (2000, p. 393) explica que “o problema da eficácia da norma jurídica diz respeito à questão de se saber se os seus destinatários ajustam ou não seu comportamento, em maior ou menor grau, às prescrições normativas, isto é, se cumprem ou não os comandos jurídicos, se os aplicam ou não”.

VENOSA (2006, p. 106), no mesmo sentido, afirma que “na eficácia, a norma é observada em instância de validade social”. Assim, “quando a norma é efetivamente observada pelo grupo, diz-se que possui eficácia”.

Soa evidente, portanto, que a norma jurídica deve ser dotada de eficácia, ou seja, deve possuir a possibilidade de ser obedecida, produzindo, então, o efeito esperado sobre a sociedade. Não obstante, forçoso reconhecer que há normas cujo conteúdo normativo não é observado pelos indivíduos. Neste caso, fala-se em ineficácia normativa. De fato, várias razões podem ocasionar a perda de eficácia de uma norma jurídica, fazendo com que ela deixe de ser aplicada em virtude das mudanças operadas na sociedade ao longo do tempo, cujos valores sofrem constante alteração. Da mesma forma, não terá eficácia a norma que impõe determinado comportamento impossível de ser adotado pelo corpo social.

DINIZ (2000, p. 395) alude, ainda, à denominada validade ética (ou fundamento axiológico), isto é, “a norma jurídica deve corresponder aos ideais e aos sentimentos de justiça”, razão pela qual o “sentido da norma é ser ela um instrumento de realização de determinado valor: a justiça”.

6. Referências Bibliográficas

BATALHA, Wilson de Souza Campos. Nova Introdução ao Direito, Rio de Janeiro, Forense, 2000.

BRASIL. STF. Agravo Regimental em Mandado de Segurança nº 29.649/DF, Segunda Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, julgamento em 15 set. 2015.

___________. STF. Agravo Regimental no Agravo Regimental nº 485.742/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 26 ago. 2014.

___________. STJ. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 246.938/RS, Terceira Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgamento em 11 mai. 2015.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, 12ª ed., São Paulo, Saraiva, 2000.

___________. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, 8ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001.

LIMA, Hermes. Introdução à Ciência do Direito, 27ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1983.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito, 39ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2017.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 26ª ed., São Paulo, Saraiva, 2002.

___________. Teoria Tridimensional do Direito, Situação Atual, 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001.

SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao Estudo do Direito, 2ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1988.

SGARBI, Adrian. Teoria do Direito, Primeiras Lições, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007.

VENOSA, Sílvio. Introdução ao Estudo do Direito, 2ª ed., São Paulo, Atlas, 2006.

Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

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