5. Validade da Norma Jurídica
REALE, analisando a questão inerente à vigência (obrigatoriedade sob o prisma formal), eficácia (efetiva correspondência social ao conteúdo normativo) e fundamento da norma jurídica sob a perspectiva de sua Teoria Tridimensional do Direito, explica:
“A necessária complementariedade das pesquisas do filósofo, do sociólogo e do jurista revela-se, de maneira bem marcante, quando se estuda o problema da validade do direito, questão que, no dizer colorido de MAX ERNST MAYER, esvoaça como um pássaro assustado, por todos os quadrantes do pensamento jurídico.
Para empregarmos uma expressão popular, densa de significado, a primeira impressão que nos dá a lei é a de algo feito ‘para valer’, isto é, de uma ordem ou comando emanado de uma autoridade superior. Basta, porém, imaginar uma pessoa na situação concreta de destinatário do chamado ‘comando legal’ para perceber-se quão complexo é o problema da validade do direito. Há, em primeiro lugar, uma pergunta quanto à obrigatoriedade da norma jurídica para todos, em geral, e para determinada pessoa em particular, o que se desdobra em uma série de outras perguntas sobre a competência do órgão que elaborou o modelo jurídico, a sua estrutura e o seu alcance. Além desse plano de caráter formal, surge outro grupo de questões, quanto à conversão efetiva da regra de direito em momento de vida social, isto é, no tocante às condições do real cumprimento dos preceitos por parte dos consorciados; e, finalmente, há uma terceira ordem de dificuldades, que consiste na indagação dos títulos éticos dos imperativos jurídicos, na justiça ou injustiça do comportamento exigido, ou seja, de sua legitimidade.
Eis aí, numa percepção sumária e elementar, os três fios com que é tecido o discurso da validade do direito, em termos de vigência ou de obrigatoriedade formal dos preceitos jurídicos; de eficácia ou da efetiva correspondência social ao seu conteúdo; e de fundamento, ou dos valores capazes de legitimá-los numa sociedade de homens livres.
Enunciada desse modo a questão, parecem transparentes os nexos que ligam entre si os três problemas numa estrutura tridimensional, mas, por um complexo de motivos, uns de natureza histórica, outros dependentes das inclinações intelectuais dos investigadores, nem sempre prevalece a compreensão unitária dos fatores que compõem a realidade jurídica: não raro orientam-se os espíritos no sentido do primado ou da exclusividade de uma das perspectivas acima discriminadas, surgindo, assim, soluções unilaterais ou setorizadas.”
(REALE, 2001, p. 14-15)
Da mesma forma, DINIZ (2001, p. 48), reconhecendo que os termos validade, vigência, eficácia e fundamento, por serem conceitos interligados, geram grande confusão terminológica, estabelece que “a validade constitucional, intimamente relacionada com a eficácia constitucional, indica que a disposição normativa é conforme às prescrições constitucionais; assim, nesse sentido, válida é a norma que respeita um comando superior, ou seja, o preceito constitucional”. Ainda segundo a autora, a “validade formal, ou técnico-jurídica (vigência em sentido amplo), de uma norma significa que ela foi elaborada por órgão competente em obediência aos procedimentos legais”. Por conseguinte, “a norma formalmente válida é a promulgada por um ato legítimo da autoridade, de acordo com o trâmite ou processo normativamente estabelecido, que lhe é superior, não tendo sido ela revogada”.
Ademais, esclarece DINIZ que “vigência (sentido lato) não configura um atributo próprio da norma jurídica, pois ela não é válida em si por depender de sua relação com as demais normas jurídicas”.
“Poder-se-ia, estudando a lição de KELSEN, vislumbrar na validade das normas uma relação internormativa. Assim, uma norma só será válida se se fundar em norma superior, reveladora da competência do órgão emissor e do processo para sua elaboração.
Terminada a fase constitutiva do processo de produção normativa, a norma já é válida; no período que vai de sua publicação até sua revogação, ou até o prazo estabelecido para sua validade, diz-se que a norma é vigente. O âmbito temporal de validade constituiu o período durante o qual a norma tem vigência (sentido estrito). [...].
A vigência (sentido estrito) poderá coincidir com a validade formal, mas nem sempre, pois nada obsta que uma norma válida, cujo processo de produção já se aperfeiçoou, tenha sua vigência postergada. Realmente, dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil [atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro], em seu art. 1º, que a norma entra em vigor, a um só tempo, em todo o país, quarenta e cinco dias após sua publicação. Embora válida, a norma não vigorará durante aqueles quarenta e cinco dias, só entrando em vigor posteriormente. [...].
O conceito de vigência, em sentido estrito, está relacionado com o de eficácia, uma vez que da existência (vigência) da norma depende a produção de seus efeitos.”
(DINIZ, 2001, p. 49-50)
Outrossim, para DINIZ, a “validade fática de uma norma significa que ela é efetiva, ou seja, quando ocorrem o comportamento, que ela configura (hipótese de incidência), e a consequência jurídica (sanção), que ela prevê”.
“A norma de validade fática expressa, portanto, a atividade do aparelho sancionador do Estado. Tal se dá porque toda norma jurídica caracteriza-se por ser imperativo-autorizante, isto é, acompanhada da autorização do emprego da coação (aplicação da sanção) pelo órgão competente. Por razões didáticas poder-se-á identificar validade fática com eficácia, mas teoricamente não há identidade entre esses dois conceitos. A validade fática indica a efetividade normativa pela atuação coercitiva do Poder Público, em caso de violação de norma.
A eficácia vem a ser a qualidade do texto normativo vigente de poder produzir, ou irradiar, no seio da coletividade, efeitos jurídicos concretos, supondo, portanto, não só a questão de sua condição técnica de aplicação, observância, ou não, pelas pessoas a quem se dirige, mas também de sua adequação em face da realidade social, por ele disciplinada, e aos valores vigentes na sociedade, o que conduziria ao seu sucesso.
A eficácia diz respeito, portanto, ao fato de se saber se os destinatários da norma poderão ajustar, ou não, seu comportamento, em maior ou menor grau, às prescrições normativas, ou seja, se poderão cumprir, ou não, os comandos jurídicos, se poderão aplicá-los ou não. Casos há em que o órgão competente emite normas, que por violentarem a consciência coletiva, não são observadas nem aplicadas, só logrando, por isso, ser cumpridas de modo compulsório, a não ser quando caírem em desuso; consequentemente, têm vigência, mas não possuem eficácia (eficácia social). [...].”
(DINIZ, 2001, p. 50-51)
Por fim, para a autora, a validade ética (ou fundamento axiológico) do Direito objetiva implantar uma ordem justa na vida social.
“A justiça, que compendia a todos os valores jurídicos, é a ratio juris, ou seja, a razão de ser ou fundamento da norma, ante a impossibilidade de se conceber uma norma jurídica desvinculada dos fins que legitimam a sua vigência e eficácia. Pode-se dizer que a ideia de justiça contida na norma, além de ser um valor, é ideológica, por assentar-se na concepção do mundo que emerge das relações concretas do social, já que não pode, indubitavelmente, subsistir desconectada da história; Deveras, uma norma jurídica não pode ser, em si mesma, justa ou injusta, por depender do ângulo histórico sob o qual se a considera, pois o que pode parecer legítimo a uma civilização em determinada época pode ser ilegítimo em outra. Ante o exposto, poder-se-á concluir que na norma haveria uma relação necessária entre vigência, eficácia e fundamento.”
(DINIZ, 2001, p. 52)
Conforme se depreende a partir das lições de REALE e DINIZ, resta conclusivo que a validade da norma jurídica pode ser analisada sob diversos aspectos.
Em relação à denominada validade formal (ou vigência em sentido amplo), a norma jurídica é vista sob a ótica do preenchimento de seus requisitos de validade: em primeiro lugar, é necessário que a norma seja elaborada pelo órgão pertinente, no âmbito de sua competência (ratione materiae) e em obediência ao rito (constitucional e regimental) estabelecido para sua produção. A título de exemplo quanto a tais aspectos formais, cabe citar que a aprovação de uma lei complementar requer a denominada maioria absoluta (metade mais um dos membros da Casa Legislativa), conforme previsto no art. 69. da Lei Magna. Destarte, consoante explica DINIZ (2000, p. 385), formalmente válida será “a norma se emanada do poder competente com obediência aos trâmites legais”.
Adverte DINIZ (2001, p. 48-52) que a vigência (em sentido estrito) poderá coincidir com a validade formal, embora nada obste “que uma norma válida, cujo processo de produção já se aperfeiçoou, tenha sua vigência postergada”, exatamente conforme dispõe a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, cujo art. 1º, caput, assevera “que a norma entra em vigor, a um só tempo, em todo o país, quarenta e cinco dias após sua publicação”, o que significa dizer que, embora válida, “a norma não vigorará durante aqueles quarenta e cinco dias, só entrando em vigor posteriormente”.
DINIZ (2000, p. 393) explica que “o problema da eficácia da norma jurídica diz respeito à questão de se saber se os seus destinatários ajustam ou não seu comportamento, em maior ou menor grau, às prescrições normativas, isto é, se cumprem ou não os comandos jurídicos, se os aplicam ou não”.
VENOSA (2006, p. 106), no mesmo sentido, afirma que “na eficácia, a norma é observada em instância de validade social”. Assim, “quando a norma é efetivamente observada pelo grupo, diz-se que possui eficácia”.
Soa evidente, portanto, que a norma jurídica deve ser dotada de eficácia, ou seja, deve possuir a possibilidade de ser obedecida, produzindo, então, o efeito esperado sobre a sociedade. Não obstante, forçoso reconhecer que há normas cujo conteúdo normativo não é observado pelos indivíduos. Neste caso, fala-se em ineficácia normativa. De fato, várias razões podem ocasionar a perda de eficácia de uma norma jurídica, fazendo com que ela deixe de ser aplicada em virtude das mudanças operadas na sociedade ao longo do tempo, cujos valores sofrem constante alteração. Da mesma forma, não terá eficácia a norma que impõe determinado comportamento impossível de ser adotado pelo corpo social.
DINIZ (2000, p. 395) alude, ainda, à denominada validade ética (ou fundamento axiológico), isto é, “a norma jurídica deve corresponder aos ideais e aos sentimentos de justiça”, razão pela qual o “sentido da norma é ser ela um instrumento de realização de determinado valor: a justiça”.
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LIMA, Hermes. Introdução à Ciência do Direito, 27ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1983.
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SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao Estudo do Direito, 2ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1988.
SGARBI, Adrian. Teoria do Direito, Primeiras Lições, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007.
VENOSA, Sílvio. Introdução ao Estudo do Direito, 2ª ed., São Paulo, Atlas, 2006.
Theory of the Legal Rule
Abstract: the current article deals about the concept, the structure, the characteristics, the classification and the validity of the legal rules.
Key words: legal rule.