1. ICMS-Comunicação
Dentre as diversas hipóteses jurídicas tributárias previstas em sede constitucional para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, encontramos a prestação de serviço de comunicação.
A prestação de um serviço consiste em uma obrigação de fazer, ou prestação de fato. É a realização de um trabalho (portanto, com conteúdo econômico) destinado a terceiro.
Sendo assim, o serviço de comunicação é aquele em que o prestador, mediante uma contraprestação (pecuniária), mantém o contratante em contato com outrem, com quem trocará mensagens e informações.
Conforme bem ensina Roque Antonio Carrazza:
"A hipótese de incidência possível deste ICMS é prestar serviços de comunicação. Não é simplesmente realizar a comunicação. Portanto, o tributo só pode nascer do fato de uma pessoa prestar a terceiro, mediante contraprestação econômica (em caráter negocial), um serviço de comunicação.
...
Note-se que o ICMS não incide sobre a comunicação propriamente dita, mas sobre a "relação comunicativa", isto é, a atividade de alguém, em caráter negocial, fornecer a terceiro condições materiais para que a comunicação ocorra. Mas não apenas isso: é mister, ainda, que a mensagem seja captada pelo destinatário (fruidor) do serviço." [01]
A relação comunicativa se estabelece, em última análise, com a existência de 5 (cinco) elementos: emissor, canal, mensagem, código e receptor.
Como bem discorre o i. Prof. Paulo de Barros Carvalho sobre tais elementos:
"(1) emissor: é a fonte da mensagem, aquele que comporta as informações a serem transmitidas;
(2) canal: é o suporte físico necessário à transmissão da mensagem, sendo o meio pelo qual os sinais são transmitidos (é o ar para o caso da comunicação verbal, mas pode apresentar-se em formas diversas, como faixas de freqüência de rádio, luzes, sistemas mecânicos ou eletrônicos etc.);
(3) mensagem: é a informação transmitida;
(4) código ou repertório: é o conjunto de signos e regras de combinações próprias a um sistema de sinais, conhecido e utilizado por um grupo de indivíduos ou, em outras palavras, é o quadro das regras de formação (morfologia) e de transformação (sintaxe) de signos;
(5) receptor: a pessoa que recebe a mensagem, o destinatário da informação." [02]
Consoante vimos, o prestador do serviço de comunicação é aquele que coloca o emissor em contato com o receptor, transmitindo a mensagem. Portanto, é forçoso concluir que presta serviço de comunicação o sujeito que disponibiliza o canal: suporte físico necessário à transmissão da mensagem.
Munidos de tais conceitos, passemos agora a enfrentar o VOIP e a sua adequação ou não à materialidade do ICMS-Comunicação.
2. VOIP e a questão análoga dos provedores de acesso
A inovadora sistemática da telefonia sobre internet ou VOIP (Voice over Internet Protocol), envolve o uso da rede mundial de computadores (Internet) para a transmissão em tempo real de sons (arquivos de áudio) de um computador para outro ou de um computador para um aparelho de telefonia fixa ou móvel.
É uma nova tecnologia implementada sobre a Internet para a transmissão de voz com uma significativa redução de custos em casos de chamadas direcionadas à rede convencional de telefonia (fixa ou móvel), uma vez que o usuário do serviço, ao efetuar uma ligação utilizando-se do serviço de VOIP, é conectado por meio da rede mundial a uma "central" da rede convencional (denominada ATM – Asynchronous Transfer Mode) mais próxima possível da localidade de destino da chamada, efetuando alhures uma simples ligação local pela rede convencional. Em síntese, os dados de voz serão compactados e transmitidos da rede convencional para a rede IP, através da qual chegarão ao destinatário (usuário do serviço de VOIP).
Pretendendo caracterizar os serviços de VOIP como serviços de comunicação e, por conseguinte, sujeitá-los à incidência do ICMS, o convênio CONFAZ 55/05 apresenta autorização para que Estados tributem as operações de VOIP:
"Cláusula Primeira - Relativamente às modalidades pré-pagas de prestações de serviços de telefonia fixa, telefonia móvel celular e de telefonia com base em voz sobre Protocolo Internet (VoIP), disponibilizados por fichas, cartões ou assemelhados, mesmo que por meios eletrônicos, será emitida Nota Fiscal de Serviços de Telecomunicação – Modelo 22 (NFST), com destaque do imposto devido, calculado com base no valor tarifário vigente, na hipótese de disponibilização:
..."
Todavia, em observância ao princípio da legalidade tributária, despiciendo tal regulamentação, o que devemos persecutar é a subsunção ou não do serviço de VOIP ao conceito de serviço de comunicação, este sim previsto como hipótese para incidência do ICMS.
A mesma discussão que girará em torno do VOIP já foi travada quando do embate sobre a sujeição dos serviços de provedores de acesso à internet ao ICMS-Comunicação. Seriam ou não tais serviços de comunicação?
Neste passo, mais uma vez, socorremo-nos nas sábias palavras do Prof. Paulo de Barros Carvalho:
"O serviço de conexão à Internet, por si só, não possibilita a emissão, transmissão ou recepção de informações, deixando de enquadrar-se, por isso, no conceito de serviço comunicacional.
Para ter acesso à Internet, o usuário deve conectar-se a um sistema de telefonia ou outro meio eletrônico, e, este sim, estaria em condições de prestar o serviço de comunicação, ficando sujeito à incidência do ICMS. O provedor, portanto, precisa de uma terceira pessoa que efetue esse serviço, servindo como canal físico, para que, desse modo, fique estabelecido o vínculo comunicacional entre o usuário e a Internet. É esse canal físico (empresa de telefonia ou outro meio comunicacional) o verdadeiro prestador de serviço de comunicação, pois é ele quem efetua a transmissão, emissão e recepção de mensagens." [03]
Destarte, partindo da premissa já construída de que o prestador do serviço de comunicação não pode ser outra pessoa se não aquele que disponibiliza o "canal", mediante o qual trafegam as mensagens, o provedor de acesso à internet não presta serviços de comunicação.
Seguindo tal inteligência, tais serviços caracterizariam o que a Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97), em seu art. 61, denomina de "serviço de valor adicionado": "é aquele que acrescenta a uma rede preexistente de serviço de telecomunicações, meios ou recursos que criam novas utilidades específicas, ou novas atividades produtivas, relacionadas com o acesso, movimentação e recuperação de informações".
Neste sentido é, inclusive, a Portaria nº 148/95 do Ministério das Comunicações, que estabelece que o SCI (Serviço de Conexão à Internet) é um serviço de valor adicionado.
A 2ª Turma do Eg. Superior Tribunal de Justiça, encampando este entendimento, pronunciou-se no seguinte sentido:
TRIBUTÁRIO - ICMS - SERVIÇO PRESTADO PELO PROVEDORES DE INTERNET - LEI 9.472/97.
1. Os serviços prestados pelos provedores de acesso à INTERNET, embora considerados pelo CONFAZ como serviços de telecomunicações, pela definição dada no art. 60 da Lei 9.472/97, que dispôs sobre a organização dos serviços de telecomunicações, não podem ser assim classificados.
2. O serviço desenvolvido pelos provedores da INTERNET é serviço de valor adicionado (art. 61, Lei 9472/97), o qual exclui expressamente da classificação de serviços de telecomunicações (§ 1º, art. 61).
3. Se o ICMS só incide sobre serviços de telecomunicações, nos termos do art. 2º da LC 87/96, não sendo os serviços prestados pela INTERNET serviço de telecomunicações, e sim, SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO (art. 61, § 1º da Lei 9.472/97), não há incidência da exação questionada.
4. Recurso especial improvido.
(REsp 456650 / PR) – 2ª Turma, DJ. 08/09/2003
Em outra esteira, num primeiro momento, a 1ª Turma do Eg. STJ proclamou a adequação dos serviços de conexão à internet ao conceito de serviço de comunicação, in verbis:
TRIBUTÁRIO. PROVEDOR DA INTERNET. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO, ESPÉCIE DE SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO. RELAÇÃO DE NATUREZA NEGOCIAL COM O USUÁRIO. FATO GERADOR DE ICMS DETERMINADO. INCIDÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR Nº 87/1996. LEI Nº 9.472/1997.
1. Recurso Especial interposto contra v. Acórdão que entendeu que "o provedor de acesso à internet não presta serviço de comunicação ou de telecomunicação, não incidindo sobre a atividade por ele desempenhada o ICMS".
2. O Provedor da Internet é um agente interveniente prestador de serviços de comunicação, definindo-o como sendo "aquele que presta, ao usuário, um serviço de natureza vária, seja franqueando o endereço na INTERNET, seja armazenando e disponibilizando o site para a rede, seja prestando e coletando informações etc. É designado, tecnicamente, de Provedor de Serviços de Conexão à INTERNET (PSC), sendo a entidade que presta o serviço de conexão à INTERNET (SCI)". (Newton de Lucca, em artigo "Títulos e Contratos Eletrônicos", na obra coletiva Direito e INTERNET", pág. 60)
3. O provedor vinculado à INTERNET tem por finalidade essencial efetuar um serviço que envolve processo de comunicação exigido pelo cliente, por deter meios e técnicas que permitem o alcance dessa situação fática.
4. O serviço prestado pelos provedores está enquadrado como sendo de comunicação, espécie dos serviços de telecomunicações.
5. A Lei Complementar nº 87, de 13/09/1996, estabelece, em seu art. 2º, que incide o ICMS sobre "prestações onerosas de Serviços de Comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição a ampliação de comunicação de qualquer natureza", círculo que abrange os serviços prestados por provedores ligados à INTERNET, quando os comercializam.
6. Qualquer serviço oneroso de comunicação está sujeito ao pagamento do ICMS.
7. A relação entre o prestador de serviço (provedor) e o usuário é de natureza negocial visando a possibilitar a comunicação desejada. É suficiente para constituir fato gerador de ICMS.
8. O serviço prestado pelo provedor pela via da Internet não é serviço de valor adicionado, conforme o define o art. 61, da Lei nº 9.472, de 16/07/1997.
9. Recurso provido.
(REsp 323358 / PR ) – 1ª Turma, DJ. 03/09/2001Algum tempo depois, esta corrente sucumbiu aos fortes argumentos contrários e o Eg. Sodalício acabou por consolidar sua posição no sentido de os serviços de conexão à internet tratarem-se de serviços de valor adicionado, não sofrendo a exação do ICMS (Embargos de Divergência no RESP nº456.650/PR).
Em 13 de dezembro passado, a Primeira Seção do Eg. STJ aprovou a Súmula nº 334, com o seguinte verbete: "O ICMS não incide no serviço dos provedores de acesso à internet".
Da mesma maneira que o SCI, o VOIP é um serviço que utiliza-se de um canal disponibilizado por outro prestador, via de regra a empresa de telefonia.
Assim sendo, tendo o Eg. Superior Tribunal de Justiça posto pá de cal à discussão no que concerne ao SCI, deverá ser a mesma a posição adotada caso venha a se pronunciar sobre o VOIP, que, guardadas as inovações e distinções tecnológicas, assemelha-se àquele, encontrando-se, para fins tributários, na mesma situação fática dos provedores de acesso à internet.
3. Conclusão
Bem como os provedores de acesso à internet, o provedor de VOIP não presta serviço de comunicação, na exata medida em que não disponibiliza o suporte físico necessário ao estabelecimento da relação comunicativa.
Utiliza-se, deveras, de um serviço prestado por outrem, para fornecer um plus em um suporte de comunicação já existente.
Tratam-se, pois, de prestadores de um serviço de valor adicionado (SVA), previsto no art. 61 da Lei Geral de Telecomunicações, não podendo sofrer incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (Comunicação).
Notas
01
Roque Carrazza, ICMS, 6ª ed., Malheiros, São Paulo, 1997, p.132.02
Paulo de Barros Carvalho, Não-Incidência do ICMS na Atividade dos Provedores de Acesso à Internet, Revista Dialética de Direito Tributário nº 73, p. 100.03
Idem, Ibidem, p. 102.