A validade da citação por aplicativo de mensagem no processo penal

06/01/2022 às 20:11
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Sumário: Introdução. 1. Espécies de Citação no Processo Penal. 2. Da Comunicação Processual por Aplicativo de Mensagem. 3. Da Citação por Aplicativo de Mensagem no Processo Penal. 4. Dos Requisitos de Validade da Citação por Aplicativo de Mensagem no Processo Penal. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

Introdução

O processo penal, como instrumento para a resolução do conflito entre o direito de punir do estado e a manutenção da liberdade do acusado, constitui-se em relação jurídica composta fundamentalmente por três atores: autor, réu e juiz.

Essa relação jurídica-processual se perfectibiliza com o chamamento do réu para integrá-la, conhecendo os termos da acusação contra si deduzida, bem como abrindo-lhe a possibilidade de defesa.

O ato de cientificar o réu da imputação que lhe é feita, oportunizando sua defesa, chama-se citação, instrumento fundamental para garantir os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

A respeito, o magistério de Fernando da Costa Tourinho Filho:

A citação é o ato de comunicação processual mais importante. Pode-se até dizer que a in jus vocatio é verdadeira garantia constitucional do direito à ampla defesa, embora não esteja listada num dos incisos do art. 5º da CF, ela se encarta no §2º desse mesmo dispositivo. De acordo com a Lei n.º 11.719/2008, o réu será citado depois que o Juiz receber a denúncia, e como antes de recebê-la o réu deverá dar a sua resposta, evidente que o Juiz, não rejeitando a denúncia ou queixa, ordenará a notificação do réu para se defender e recusando sua defesa, receberá a peça acusatória e determinará a citação do réu para a audiência de instrução e julgamento, quando, então, será interrogado.

(TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 32ª ed. São Paulo: Saraiva 2010, p.73)

Em relação à importância do ato citatório para a garantia do contraditório e ampla defesa no processo penal, tem-se o ensinamento de Renato Brasileiro de Lima:

(...) é um dos mais importantes atos de comunicação processual, porquanto dá ciência ao acusado do recebimento de uma denúncia ou queixa em face de sua pessoa, chamando-o para se defender. Considerando-se que a instrução criminal deve ser conduzida sob o crivo do contraditório, a parte contrária deve ser ouvida (audiatur et altera pars). Para que ela seja ouvida, faz-se necessário o chamamento a juízo, que é feito por meio da citação. Funciona a citação, portanto, como misto de contraditório e de ampla defesa, já que, ao mesmo tempo em que dá ciência ao acusado da instauração de demanda penal contra ele, também o chama para exercer seu direito de defesa.

(LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 963).

1. Espécies de Citação no Processo Penal

A citação do réu no processo penal se dá nas seguintes modalidades:

  1. Citação por mandado, quando o acusado é pessoalmente cientificado pelo oficial de justiça, mediante ordem judicial, importando presunção absoluta de seu chamamento para integrar a lide (artigo 351 e seguintes do Código de Processo Penal);

  2. Citação por carta, subdividindo-se em:

b.1) Precatória: ocorre quando o réu não se encontrar na comarca do juízo, cabendo a este solicitar à autoridade judiciária onde o réu for localizado que proceda à sua citação (artigo 354 do Código de Processo Penal);

b.2) De Ordem: dá-se quando há a determinação de um órgão de grau superior mandando que um órgão jurisdicional inferior àquele cumpra com a citação em seu âmbito de competência;

b.3) Rogatória: trata-se de instrumento pelo qual o juízo competente no Brasil solicita, através de vias diplomáticas, que a autoridade judiciária de outro país efetue a citação de acusado residente no exterior (artigo 368 do Código de Processo Penal) ou em legações estrangeiras (artigo 369 do Código de Processo Penal);

  1. Citação por requisição, feita nos casos de militares por seus superiores hierárquicos (artigo 358 do Código de Processo Penal);

  2. Citação por edital, quando não localizado o acusado, dando-se pela expedição de edital pelo juízo com o chamamento do acusado a se ver processar (artigo 361 do Código de Processo Penal); e

  3. Citação por hora certa, cabível nos casos em que o oficial de justiça suspeita que o acusado se oculta para evitar a efetivação do cumprimento do mandado citatório (artigo 362 do Código de Processo Penal).

Das modalidades de citação, a mais corriqueira é aquela efetivada por intermédio do oficial de justiça, através de mandado, com o chamamento pessoal do acusado, in facien, por existir presunção absoluta (juris et de jure) de que ele tomou conhecimento da demanda penal contra ele deduzida.

2. Da Comunicação Processual por Aplicativo de Mensagem

Assim como vários outros institutos jurídicos, a citação no processo penal não fica imune aos avanços existentes nas áreas do conhecimento, tecnologia e relações sociais, o que acaba por provocar discussões doutrinárias e jurisprudenciais acaloradas.

Hodiernamente, temos a utilização cada vez mais intensa de aplicativos eletrônicos de comunicações (aplicativos de mensagens), que permeiam a vida cotidiana em sociedade.

Diante da massificação da utilização social de aplicativos de mensagens, cujo mais popular é o WhatsApp, os profissionais do direito vislumbraram a aplicação desses mecanismos eletrônicos como forma de cientificar as partes acerca dos atos processuais, aumentando a celeridade e reduzindo custos advindos de um processo penal cada vez mais moroso e dispendioso financeiramente.

O início da utilização de aplicativos de mensagem (WhatsApp, Telegram e outros) para comunicação processual (a princípio em intimações judiciais) se deu em 2015 e rendeu ao magistrado Gabriel Consigliero Lessa, juiz da comarca de Piracanjuba GO, destaque no prêmio INNOVARE do referido ano.

O Conselho Nacional de Justiça, precisamente em 2017, em sede de Procedimento de Controle Administrativo PCA nº 0003251-94.2016.2.00.0000, aprovou, à unanimidade, a utilização do aplicativo de WhatsApp como ferramenta para intimações em todo Poder Judiciário.

Com o beneplácito do Conselho Nacional de Justiça, e adotando as cautelas necessárias para identificação dos intimandos, os vários tribunais e juízos pelo país passaram a realizar intimações em processos cíveis e criminais pelo referido meio eletrônico instantâneo, aumentando a celeridade e reduzindo os custos financeiros, privilegiando a economia processual.

No processo cível, malgrado alguns dissensos, a citação do réu por meio de WhatsApp igualmente se tornou aceita, sempre atentando para mecanismos de segurança quanto a identidade do citando.

A respeito, vários tribunais, baseados nas diretrizes do Conselho Nacional de Justiça, resolveram disciplinar e regrar a utilização de WhatsApp nas comunicações processuais (citações e intimações), como são exemplos o Tribunal de Justiça do Paraná (Circular nº04/2021) e Tribunal de Justiça de Santa Catarina (Circular nº 222/21).

3. Da Citação por Aplicativo de Mensagem no Processo Penal

Em relação ao processo penal, que trata de demanda referente ao estado de liberdade do indivíduo, a possibilidade de utilização de aplicativo eletrônico instantâneo de mensagens como forma de citação do acusado causou profunda discussão na doutrina e jurisprudência, abrindo-se grande divergência.

De um lado, temos os estudiosos que entendem que a citação penal por intermédio de WhatsApp estaria em desconformidade com as disposições do Código de Processo Penal, além de configurar violação aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.

Por outra banda, temos os entusiastas da citação pelo aplicativo que asseveram que, embora não havendo ainda previsão legal a respeito dessa forma citatória, desde que guardadas as devidas cautelas, não haveria prejuízo ao acusado. Ademais, a inovação seria importante avanço na celeridade e economia processuais.

Não resta dúvida que os princípios do contraditório e ampla defesa possuem grandeza constitucional e são garantias fundamentais, merecendo respaldo por parte do ordenamento jurídico.

Contudo, é necessário observar sempre se o ato jurídico praticado violou ou não o contraditório e ampla defesa no âmbito do processo, afastando-se de ideias e conceitos preconcebidos, frutos apenas de uma exigência estéril de formalismo jurídico.

Em nosso sistema processual penal vigora o princípio da instrumentalidade de formas, ou seja, a maneira de se concretizar o processo deve se adequar ao fim a que se destina, que é a solução da demanda posta em juízo.

A respeito, eis a doutrina de Ada Pelegrini, Antônio Scarance e Antônio Magalhães Gomes Filho:

(...) nota-se uma evolução bastante sensível nos ordenamentos modernos; no lugar do denominado sistema de legalidade das formas, em que o legislador enumerava taxativamente os casos de nulidade, praticamente sem deixar espaço à discricionariedade do juiz na apreciação das consequências do vício, predomina hoje em dia o sistema da instrumentalidade das formas, em que se dá maior valor à finalidade pela qual a forma foi instituída e ao prejuízo causado pelo ato atípico (...)

(GRINOVER, Ada Pelegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 8. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 30 e 31)

Se o ato processual atingiu seu fim, sem prejuízo a qualquer das partes, em especial ao acusado, não há motivo, a princípio, para nulificá-lo (pas de nullité sans grieff). Essa realidade, aliás, é abraçada pelo artigo 563 do Código de Processo Penal.

Quanto à aplicação do princípio da instrumentalidade das formas no processo penal brasileiro, tem-se o seguinte julgado:

(...) o sistema das nulidades no processo penal brasileiro é norteado pelos princípios do prejuízo, da causalidade, do interesse e da convalidação, pelos quais, em síntese, os mecanismos processuais e formalidades do processo devem objetivar à solução do caso concreto, urgindo que os modelos legais sofram temperamentos.

(STJ, AgRg no HC 285.221/SP, Rel. Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 10/05/2016, DJe 19/05/2016)

Portanto, seria temerário afastar, de imediato e de forma categórica, a citação penal por meio de WhatsApp ou Telegram pura e simplesmente por uma pretensa violação aos princípios do contraditório e ampla defesa.

No que tange à utilização de novos recursos tecnológicos para a melhoria da prestação jurisdicional, tem-se as conclusões de Nadir Mazloum:

Se a Justiça quiser atingir a tão almejada celeridade, será fundamental para o êxito dessa empreitada que o princípio da instrumentalidade das formas seja compreendido e prestigiado por todos aqueles que participam do processo. A tecnologia já é e sempre será um grande aliado da Justiça, e essa auxílio não se resume ao mero processo eletrônico. Todos os atos processuais, desde que respeitada a finalidade e não gerando prejuízo às partes e às garantias do processo, podem e devem ser praticados por meios eletrônicos. Suscitar a nulidade de um ato que, a despeito de não ter observado a forma prevista em lei, atingiu plena e eficazmente a sua finalidade de maneira segura e inequívoca e não produziu prejuízo algum, é incidir no despropósito de considerar a forma um fim em si mesmo. As formas não precisam estar previstas em lei: a dinâmica da vida e o progresso tecnológico superam a sapiência do legislador. A instrumentalidade das formas é o princípio que permite compatibilizar o texto frio da lei com a realidade, dando instrumentos mais eficazes à justiça para cumprir o seu papel. É uma pena que um princípio tão importante seja tão desprezado e esquecido no meio forense.

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(MAZLOUM, Nadir. Citação no processo penal: a forma é um fim em si mesmo? Revista Consultor Jurídico, 14 de maio de 2021. https://www.conjur.com.br/2021-mai-14/nadir-mazloum-citacao-processo-penal)

Além disso, a inexistência de previsão legal para essa forma citatória no âmbito penal, não se reveste de óbice, pois o chamamento do acusado continua sendo feito pessoalmente, por intermédio de oficial de justiça ou outro serventuário da justiça, apenas utilizando mecanismos virtuais, o que, por si só, a princípio, não viola a legislação de regência, sempre guardadas as cautelas cabíveis.

A pandemia da COVID-19, com o imperioso distanciamento social, trouxe a necessidade de adaptações ao sistema de justiça, que adotou uma série de mecanismos tecnológicos e de comunicações virtuais, sob pena de não se proporcionar ao jurisdicionado a prestação do serviço da justiça.

Sessões e audiências foram realizadas virtualmente, bem como comunicações foram realizadas às partes e interessados por diversos mecanismos eletrônicos. Foram mudanças que vieram para ficar, pois o serviço público igualmente deve primar pela eficiência e celeridade, nos termos do artigo 37 da Constituição Federal.

Diante desse contexto, exsurge o questionamento a respeito da validade da citação penal por mecanismos de comunicação eletrônica instantânea.

Em face do avanço da pandemia de COVID-19, não demorou muito para o Superior Tribunal de Justiça ser chamado a deliberar a respeito, criando precedente a ser seguido pelo demais tribunais e juízes em nosso país, conforme acórdão abaixo:

HABEAS CORPUS Nº 644543 - DF (2021/0039512-1) DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em face de acórdão assim ementado (fl. 213): HABEAS CORPUS. PROCESSUAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AMEAÇA E VIAS DE FATO. CITAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA PELO PACIENTE. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. PREVISÃO LEGAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. Não há nulidade na citação realizada por meio eletrônico (Whatsapp), uma vez que observados os preceitos normativos da Portaria GC 155, de 09/09/2020, e da decisão proferida no processo SEI PA 0016466/2020, em virtude da situação excepcional provocada pela pandemia da Covid-19. Além disso, a citação alcançou sua finalidade, pois o citando foi informado do conteúdo da comunicação via contato telefônico, concordou com a realização do ato por meio eletrônico, e recebeu arquivos da denúncia e do mandado de citação. Ausente prejuízo à ampla defesa, ao contraditório, ou ao devido processo legal atribuível à forma como foi concretizada a citação, inviável reconhecer sua nulidade, pois, no campo da nulidade no processo penal, vigora o princípio, que exige a comprovação de efetivo prejuízo para o pas de nullité sans grief reconhecimento de nulidade (art. 563 do Código de Processo Penal). Ordem denegada. O paciente foi denunciado como incurso artigos 147, caput, do Código Penal, e art. 21 da Lei de Contravencoes Penais, c/c os artigos 5º e 7º da Lei nº 11.340/2006. Busca a defesa, em sede liminar, a suspensão da ação penal, até o exame definitivo, e, no mérito, o reconhecimento da nulidade da citação realizada por aplicativo de celular, ante os latentes prejuízos ao devido processo legal, determinando a realização do ato em conformidade com o disposto na Lei para a sua validade (fl. 11). É o relatório. DECIDO. A concessão de liminar em habeas corpus é medida excepcional, somente cabível quando, em juízo perfunctório, observa-se, de plano, evidente constrangimento ilegal. Esta não é a situação presente, em que a pretensão de declaração de nulidade da citação é de caráter eminentemente satisfativo, de igual modo descabendo a concessão da liminar para suspensão da ação penal, melhor cabendo o exame do pedido no julgamento de mérito, assim inclusive garantindo-se a necessária segurança jurídica. Ante o exposto, indefiro o pedido de liminar. Solicitem-se informações ao Tribunal de Justiça, a serem prestadas, preferencialmente, pela Central do Processo Eletrônico - CPE do STJ. Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 11 de fevereiro de 2021. MINISTRO NEFI CORDEIRO Relator

(STJ - HC: 644543 DF 2021/0039512-1, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Publicação: DJ 12/02/2021).

Dessa forma, a princípio, diante da excepcionalidade do momento pandêmico e atentando ao princípio da instrumentalidade de formas, o Superior Tribunal de Justiça não rechaçou a citação por aplicativo de mensagem que efetivamente tenha cientificado o réu dos termos da acusação contra si deduzida.

4. Dos Requisitos de Validade da Citação por Aplicativo de Mensagem no Processo Penal

Avançando na análise do tema, o mesmo Superior Tribunal de Justiça, observando os novos parâmetros tecnológicos, bem como as recentes dinâmicas de relações sociais (utilização corriqueira de aplicativo de mensagem pelas pessoas), resolveu, ao admitir a citação penal por WhatsApp, estabelecer critérios e parâmetros que garantam sua higidez e respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Para tanto, a 5ª Turma, através do acórdão do HC 641.877, em 09 de março de 2021, admite a possibilidade de citação criminal usando aplicativo de mensagens (WhatsApp), desde que exista comprovação da identidade do denunciado através do número do telefone, confirmação escrita e foto individual:

(...)

6. Abstratamente, é possível imaginar-se a utilização do Whatsapp para fins de citação na esfera penal, com base no princípio pas nullité sans grief. De todo Documento: 122874624 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 15/03/2021 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça. Para tanto, imperiosa a adoção de todos os cuidados possíveis para se comprovar a autenticidade não apenas do número telefônico com que o oficial de justiça realiza a conversa, mas também a identidade do destinatário das mensagens.

7. Como cediço, a tecnologia em questão permite a troca de arquivos de texto e de imagens, o que possibilita ao oficial de justiça, com quase igual precisão da verificação pessoal, aferir a autenticidade da conversa. É possível imaginar-se, por exemplo, a exigência pelo agente público do envio de foto do documento de identificação do acusado, de um termo de ciência do ato citatório assinado de próprio punho, quando o oficial possuir algum documento do citando para poder comparar as assinaturas, ou qualquer outra medida que torne inconteste tratar-se de conversa travada com o verdadeiro denunciado. De outro lado, a mera confirmação escrita da identidade pelo citando não nos parece suficiente.

8. Necessário distinguir, porém, essa situação daquela em que, além da escrita pelo citando, há no aplicativo foto individual dele. Nesse caso, ante a mitigação dos riscos, diante da concorrência de três elementos indutivos da autenticidade do destinatário, número de telefone, confirmação escrita e foto individual, entendo possível presumir-se que a citação se deu de maneira válida, ressalvado o direito do citando de, posteriormente, comprovar eventual nulidade, seja com registro de ocorrência de furto, roubo ou perda do celular na época da citação, com contrato de permuta, com testemunhas ou qualquer outro meio válido que autorize concluir de forma assertiva não ter havido citação válida.

(....) (grifo nosso).

No mesmo sentido, entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

"HABEAS CORPUS CRIME. ROUBO MAJORADO. ARTIGO 157, § 2º, INCISOS IE II, DO CÓDIGO PENAL (REDAÇÃO ANTERIOR À LEI Nº 13.654/2018). INADEQUAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. ALEGADA NULIDADE DO ATO CITATÓRIO. CITAÇÃO VIA WHATSAPP. CRITÉRIOS ESTABELECIDOS PELO STJ NO JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS 641.877/DF DEVIDAMENTE OBSERVADOS. NULIDADE AFASTADA DE OFÍCIO. WRIT NÃO CONHECIDO."

(TJPR - 4ª C.Criminal - 0025702-92.2021.8.16.0000- Castro - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU PEDRO LUIS SANSON CORAT - J. 21.06.2021).

Essa linha decisória, inclusive acerca da validade da citação penal por WhatsApp, desde que guardadas as cautelas a respeito da identidade do citando, foi afirmada igualmente pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento realizado em agosto de 2021, conforme acórdão abaixo transcrito:

HABEAS CORPUS. AMEAÇA NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AÇÃO PENAL. RÉU SOLTO. CITAÇÃO POR MANDADO. COMUNICAÇÃO POR APLICATIVO DE MENSAGEM (WHATSAPP). INEXISTÊNCIA DE ÓBICE OBJETIVO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE LIMITADA AOS CASOS EM QUE VERIFICADO PREJUÍZO CONCRETO NO PROCEDIMENTO ADOTADO PELO SERVENTUÁRIO. ART. 563 DO CPP. PRECEDENTES DESTA CORTE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO QUE INDICAM A NECESSIDADE DE RENOVAÇÃO DA DILIGÊNCIA.

1. Em se tratando de denunciado solto - quanto ao réu preso, há determinação legal de que a citação seja efetivada de forma pessoal (art. 360 do CPP)-, não há óbice objetivo a que Oficial de Justiça, no cumprimento do mandado de citação expedido pelo Juízo (art. 351 do CPP), dê ciência remota ao citando da imputação penal, inclusive por intermédio de diálogo mantido em aplicativo de mensagem, desde que o procedimento adotado pelo serventuário seja apto a atestar, com suficiente grau de certeza, a identidade do citando e que sejam observadas as diretrizes estabelecidas no art. 357 do CPP, de forma a afastar a existência de prejuízo concreto à defesa.

2. No caso, o contexto verificado recomenda a renovação da diligência, pois a citação por aplicativo de mensagem (whatsapp) foi efetivada sem nenhuma cautela por parte do serventuário (Oficial de Justiça), apta a atestar, com o grau de certeza necessário, a identidade do citando, nem mesmo subsequentemente, sendo que, cumprida a diligência, o citando não subscreveu procuração ao defensor de sua confiança, circunstância essa que ensejou a nomeação de Defensor Público, que arguiu a nulidade do ato oportunamente.

3. O andamento processual, obtido em consulta ao portal eletrônico do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, indica que ainda não foi designada audiência de instrução em julgamento, ou seja, o réu ainda não compareceu pessoalmente ao Juízo, circunstância que, caso verificada, poderia ensejar a aplicação do art. 563 do CPP.

4. Ordem concedida para declarar a nulidade do ato de citação e aqueles subsequentes, devendo a diligência (citação por mandado) ser renovada mediante adoção de procedimentos aptos a atestar, com suficiente grau de certeza, a identidade do citando e com observância das diretrizes previstas no art. 357 do CPP.

(STJ - HC: 652068 DF 2021/0075807-0, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/08/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/08/2021)

A respeito, o relator do caso, o Ministro Sebastião Reis Júnior, assim se manifestou:

"A citação por meio eletrônico, quando atinge a sua finalidade e demonstra a ciência inequívoca pelo réu da ação penal, não pode ser simplesmente rechaçada, de plano, por mera inobservância da instrumentalidade das formas (...) Veja-se que, nessa modalidade de citação, não há exigência do encontro do citando com o oficial de justiça, sendo certo que, verificada a identidade e cumpridas as diretrizes previstas na norma processual, ainda que de forma remota, a citação não padece de vício".

Portanto, a jurisprudência pátria está se consolidando para a admissão da citação penal com a utilização de aplicativos de mensagem, porém sempre respeitando cuidados e parâmetros que assegurem a efetividade do ato e a identidade do citando, em consonância com os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Considerações Finais

Conclui-se que:

a) A citação penal por via de WhatsApp, a princípio, não viola os princípios constitucionais da legalidade, do contraditório e ampla defesa, desde que atendidas as cautelas exigidas para a identificação do acusado-citando;

b) A citação penal por via de Whatsapp deve conter a concorrência de três elementos indutivos da autenticidade do destinatário: número de telefone, confirmação escrita e foto individual, entendendo possível presumir-se que a citação se deu de maneira válida; e

c) A invalidade da citação penal por via de WhatsApp decorre do descumprimento das cautelas registradas no item b, que se presume ser causador de prejuízo ao acusado, nulificando o ato e os subsequentes na marcha processual.

Referências Bibliográficas

AVENA, Norberto. Processo penal: esquematizado. 3ª edição. São Paulo: Método, 2011.

CNJ autoriza uso de WhatsApp para intimações judiciais. 25 de dezembro de 2021. Comunicação Social TJSP AM. Disponível em: https://tj-sp.jusbrasil.com.br/noticias/473122836/cnj-autoriza-uso-de-whatsapppara-intimacoes-judiciais. Acesso em 28 dez. 2021.

GARCIA, Leonardo. Entendimentos criminais do STF e STJ / Coordenadores Leonardo Garcia e Roberval Rocha 3ª edição rev., atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodvim, 2021.

GRINOVER, Ada Pelegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 8. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. Salvador: Juspodivm, 2016.

MAZLOUM, Nadir. Citação no processo penal: a forma é um fim em si mesmo? Revista Consultor Jurídico, 14 de maio de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-mai-14/nadir-mazloum-citacao-processo-penal Acesso em 28 dez. 2021.

PIEDADE, Antônio Sergio Cordeiro; AIDAR, Ana Carolina Dal Ponte. Resumo de Direito Processual Penal. São Paulo: JH MIZUNO, 2020.

SALES, Raul Lins Bastos. Citação no processo penal: disposições gerais, espécies e efeitos. A regra do art. 366, do Código de Processo Penal, suas divergências e natureza da Lei nº 9.271/1996. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1329, 20 fev. 2007. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/9507/citacao-no-processo-penal-disposicoes-gerais-especies-e-efeitos>. Acesso em: 29 dez. 2021.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 32ª ed. São Paulo: Saraiva 2010.

Sobre o autor
Jorge Romcy Auad Filho

Promotor de Justiça do Estado de Rondônia. Especialista em Ciências Criminais pela Universidade da Amazônia - UNAMA e em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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