1. Introdução
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o Covid-19, causado pelo novo coronavírus, já é uma pandemia. Segundo a Organização, pandemia é a disseminação mundial de uma nova doença e o termo passa a ser usado quando uma epidemia, surto que afeta uma região, se espalha por diferentes continentes com transmissão sustentada de pessoa para pessoa.
A OMS tem tratado da disseminação em uma escala de tempo muito curta, preocupado com o país com níveis alarmantes de contaminação. Por essa razão, consideramos que o Covid-19 pode ser caracterizado como uma pandemia, Tedros Adhanom.
Antes da Covid-19, a pandemia mais recente havia sido em 2009, com a chamada gripe suína, causada pelo vírus H1N1. Acredita-se que o vírus veio do porco e de aves, e o primeiro caso foi registrado no México. A OMS elevou o status da doença para pandemia em junho daquele ano, após contabilizar 36 mil casos em 75 países. No total, 187 países registraram casos e quase 300 mil pessoas morreram. O fim da pandemia foi decretado pela OMS em agosto de 2010.
A Covid-19 vem se somar a uma lista extensa e que percorre um vasto período de tempo, como podemos conferir abaixo:
Peste do Egito (430 a.C.) - a febre tifoide matou um quarto das tropas atenienses e um quarto da população da cidade durante a Guerra do Peloponeso. Esta doença fatal debilitou o domínio de Atenas, mas a virulência completa da doença preveniu sua expansão para outras regiões, a doença exterminou seus hospedeiros a uma taxa mais rápida que a velocidade de transmissão. A causa exata da peste era por muitos anos desconhecida; em janeiro de 2006, investigadores da Universidade de Atenas analisaram dentes recuperados de uma sepultura coletiva debaixo da cidade e confirmaram a presença de bactérias responsáveis pela febre tifoide.
Peste Antonina (165180) - possivelmente causada pela varíola trazida próximo ao Leste; matou um quarto dos infectados. Cinco milhões no total.
Peste de Cipriano (250271) - possivelmente causada por varíola ou sarampo, iniciou-se nas províncias orientais e espalhou-se pelo Império Romano inteiro. Segundo relatado, em seu auge chegou a matar 5 000 pessoas por dia em Roma.
Peste de Justiniano (541-x). A primeira contaminação registrada de peste bubônica. Começou no Egito e chegou à Constantinopla na primavera seguinte, enquanto matava (de acordo com o cronista bizantino Procópio de Cesareia) 10 000 pessoas por dia, atingindo 40% dos habitantes da cidade. Foi eliminada até um quarto da população do oriente médio.
Peste Negra (1300) - oitocentos anos depois do último aparecimento, a peste bubônica tinha voltado à Europa. Começando a contaminação na Ásia, a doença chegou à Europa mediterrânea e ocidental em 1348 (possivelmente de comerciantes fugindo de italianos lutando na Crimeia), e matou vinte milhões de europeus em seis anos, um quarto da população total e até metade nas áreas urbanas mais afetadas.
Gripe Espanhola (1918-1920) - A "gripe espanhola" foi uma pandemia do vírus influenza (H1N1) que, entre janeiro de 1918 e dezembro de 1920, infectou 500 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população mundial na época. Estima-se majoritariamente que o número de mortos esteja entre 17 milhões a 50 milhões, com algumas projeções indicando até 100 milhões. Independente da diferença entre os números, trata-se de uma das epidemias mais mortais da história da humanidade.
1.1 Mudanças que vieram com a Covid-19
O mundo do trabalho está sendo profundamente afetado pela pandemia global do vírus. Além da ameaça à saúde pública, a pandemia acarreta impactos econômicos e sociais que afetam os meios de subsistência e o bem-estar de milhões de pessoas no longo prazo. A OIT e seus constituintes - governos, organizações de trabalhadores e de empregadores, desempenharão um papel crucial no combate ao surto, garantindo a segurança das pessoas e a sustentabilidade das empresas e dos empregos.
A pandemia causada pelo covid-19 gerou grande impacto no mundo do trabalho. A necessidade da adoção de medidas sanitárias para evitar a propagação do vírus afetou trabalhadores, empresas e empregos. Com isso, a população teve que se adaptar a uma nova rotina diária e práticas como o home office (quando possível) se tornaram uma realidade necessária para a sobrevivência de muitas atividades.
Mas não foram apenas os costumes do dia a dia que sofreram alterações. Em função da pandemia, foram editadas diversas medidas legislativas para fornecer soluções temporárias, como a lei 14.020/20, que criou opções para as empresas, como: antecipar férias, reduzir a extensão do tempo do trabalho e suspender o contrato de trabalho (hipótese em que o trabalhador fica em casa e recebe seu salário, no caso das medidas criadas pela pandemia, o Governo pagou um benefício em substituição ao salário).
Todas essas medidas criaram alterações temporárias nos contratos de trabalho para as empresas e empregados participantes.
1.1.1 Principais mudanças
Com a decretação do estado de calamidade pública pelo Congresso Nacional, algumas medidas imediatas foram adotadas em regime de urgências para possibilitar a continuidade das atividades do Poder Público e das empresas. Outras já existiam, e encontraram a sua importância neste período excepcional.
1.1.2 A adesão ao teletrabalho
Dentre as inúmeras medidas adotadas, a primeira resposta às determinações de isolamento de pessoas veio com a instituição do teletrabalho em muitas empresas. Vários empregadores se viram na obrigação de realizar essa mudança de regime de jornada, para que seus empregados pudessem regressar quando diminuído o risco de contágio do vírus, conforme as determinações das autoridades sanitárias.
Neste sentido, o art. 75-C da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), registra que o empregador pode alterar o regime de trabalho na sede de trabalho da empresa (presencial) para o teletrabalho. Para essa mudança, é necessário que ambas as partes estejam de acordo e seja escrito um novo contrato à parte (aditivo) para registrar essa alteração.
E quando houver a vontade de voltar ao regime presencial, essa alteração do teletrabalho para o regime presencial deve respeitar o prazo de transição de 15 dias, já que o retorno ao trabalho presencial não exige a concordância do trabalhador. Ou seja, o prazo de 15 dias busca auxiliar o trabalhador a se adaptar ao retorno à atividade presencial na sede da empresa.
O teletrabalho já existia na legislação brasileira desde o ano de 2017, desde a edição da reforma trabalhista pela lei 13.467/17. Contudo, não era visto com muita confiança pelas empresas. Em razão das urgências instituídas pelo combate à covid-19, a medida passou a ser uma alternativa. Neste sentido a Confederação Nacional do Comércio estima que durante a pandemia essa alternativa tenha crescido cerca de 30%
1.1.3 Diferença entre teletrabalho e home office
Uma mudança que não foi instituída pelo Governo, mas sim pelas empresas, que teve papel de destaque e se consolidou como uma realidade foi o trabalho remoto, conhecido como home office.
O teletrabalho se caracteriza por um trabalho à distância e que não é realizado na sede da empresa, sem haver também controle da jornada de trabalho. Já o home office é como se o trabalhador estivesse na empresa (só que na verdade ele está em casa) e a empresa permanece controlando sua jornada.
O home office é temporário e não exige a realização de um contrato, o que já não ocorre com o teletrabalho que exige a instituição de um contrato, e na qual o retorno do trabalhador ao trabalho presencial também exige a edição de um novo contrato.
1.1.4 O benefício emergencial de emprego e renda
Conforme mencionamos, uma das medidas criadas pelo Governo para auxiliar as empresas, foi a possibilidade de suspender os contratos de trabalho, com a possibilidade do Governo auxiliar com o pagamento de parte dos salários.
Isso foi inicialmente trazido pela medida provisória nº 936/2020, posteriormente convertida na Lei 14.020/2020. A lei admitiu a suspensão do contrato de trabalho e, a depender do faturamento da empresa e da faixa salarial do empregado, o Governo Federal arcaria entre 70% à 100% do salário que faria jus o empregado, quando fosse receber o seu seguro desemprego. Logo, não seria pago o salário integral do empregado, mas com base num percentual do valor que o empregado receberia quando fosse solicitar o seu seguro-desemprego.
Em linhas gerais, o empregado teria o contrato suspenso e consequentemente o recebimento de salário, podendo ou não uma parte do salário ser subsidiada pelo empregador, ou totalmente pelo Governo Federal, em caso da empresa suspender suas atividades e o trabalho remoto não ser possível.
Outra medida instituída, foi a possibilidade de redução da jornada de trabalho em 25%, 50% ou 70% pelo período de até 90 dias, em que o trabalhador receberia os salários compatível com a quantidade de horas que efetivamente tivesse trabalhado.
Estas duas medidas foram incorporadas pela lei 14.020/20 e conforme foi noticiado de forma constante na mídia, a referida lei perdeu a sua vigência (o seu tempo de existência terminou) e de forma clara a pandemia continuou. Atualmente, o projeto de lei (PL) 6/2021, do senador Rogério Carvalho do PT-SE, visa propor uma nova prorrogação do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.
1.1.5 Relação de emprego
Ter estabilidade provisória nas relações de trabalho, significa dizer que no período registrado na lei, o empregado não pode ter o seu contrato de trabalho rescindido. O Benefício Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda, que autorizava a suspensão ou a redução de jornada de trabalho, garantia a estabilidade provisória do empregado beneficiado pelo período correspondente ao tempo de recebimento do benefício.
Esta estabilidade provisória está registrada no art. 10 inciso I e II da lei 14.020/20, em que se registra que pelo mesmo período em que vigorou a suspensão ou redução de jornada, deverá o empregado ter garantido o período de estabilidade.
Importa ressaltar que diante do descumprimento da estabilidade provisória, algumas demandas trabalhistas já são uma realidade no sentido de fazer valer a estabilidade advinda com a lei. Em um processo judicial o trabalhador tem o direito de ser reintegrado à sua função. Cabe ressaltar ainda que, em alguns casos, é comum os Juízes converter em indenização os salários que o funcionário teria direito no período da estabilidade.
1.1.6 Auxílio Emergencial
O auxílio emergencial, criado pela lei 13.982/2020, foi outra medida adotada com o objetivo de alcançar a outra camada da população que não tem emprego formal (trabalho com carteira assinada), como os autônomos, MEI (Micro empreendedores individuais) que também trabalham, mas não com carteira assinada, bem como, desempregados e beneficiários do bolsa família.
Aos que tiveram o seu benefício aprovado, foram pagas 5 parcelas no valor de R$ 600,00. No caso de mulheres provedora do lar que não possuam ajuda de outra pessoa (família monoparental), as 5 parcelas foram pagas no valor de R$ 1.200,00.
Um ano depois dos primeiros casos, a pandemia permanece com força total e muitos trabalhadores perderam seus empregos ou tiveram suas rendas diminuídas. Por isso, se fez necessário um novo auxílio emergencial pela MP 1039/21, cujo valor variam entre 4 parcelas de R$150,00 a R$375,00 reais, a depender de novos critérios e com pagamento previsto para o mês de abril/2021.
1.1.7 Perda da vigência da LEI 14.010/20
Como já informamos, a principal lei editada no âmbito trabalhista em resposta à pandemia, perdeu a sua vigência. Com essa perda, toda a comunidade jurídica ficou na expectativa da adoção de novas regras ou reedição das regras já adotadas a fim de dar continuidade as relações de trabalho durante a pandemia, sobretudo, para viabilizar as ações empresariais nos períodos de lockdown.
Tendo em vista a piora no número de casos e de mortes causada pela COVID-19 neste início do 1º semestre de 2021, muitos setores do mercado de trabalho já estão sendo afetados de forma mais drástica, já que 2020 foi um ano difícil para a economia em seus diversos setores. Assim, a expectativa é alta de que novas medidas sejam adotadas ou reeditadas para conter um possível aumento de desemprego, já que muitas pessoas já se encontram em grave estado de vulnerabilidade social.
A covid-19 lançou desafios à vida e a própria forma da sociedade se organizar, fruto dessa mudança na organização da sociedade, estão as mudanças impostas nas relações de trabalho, e todas essas respostas buscam preservar tanto a continuidade das empresas, como a manutenção dos contratos de trabalho de milhares de trabalhadores.
Diante do término da vigência da lei 14.020/2020, esperam-se edições de novas medidas legislativas para amparar as empresas e trabalhadores.
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Teletrabalho ganha força como alternativa durante a pandemia. Agência brasil. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-06/teletrabalho-ganha-forca-como-alternativa-durante-pandemia>.
Governo adia pagamento de tributos federais de março e abril. Conjur. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-abr-03/governo-prorroga-pagamento-tributos-federais-meses#:~:text=Governo%20adia%20pagamento%20de%20tributos%20federais%20de%20mar%C3%A7o%20e%20abril,-3%20de%20abril&text=O%20Minist%C3%A9rio%20da%20Economia%20publicou,meio%20%C3%A0%20pandemia%20do%20coronav%C3%ADrus>
Medida Provisória traz novas regras do novo auxílio emergencial. Senado Federal. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/737784-medida-provisoria-traz-regras-para-o-pagamento-do-novo-auxilio-emergencial/>.
Projeto recria programa de manutenção do emprego e da renda. Senado Federal. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/02/12/projeto-recria-programa-de-manutencao-do-emprego-e-renda-por-mais-180-dias>.
Nicole Capovilla Fernandes de Faria/Presidente da Comissão Estadual da Jovem Advocacia OAB SP/Claudinéia Helena da Silva/Bianca Rodrigues Marchesini.
Assunto frequente nos meios de comunicação e que envolveu toda a população mundial, a Covid-19 se tornou um dos temas mais debatidos em esfera global desde seu surgimento em 2019. Diante das consequências geradas pelo vírus nas mais diversas áreas da sociedade, surgiram estudos e debates em diferentes áreas do conhecimento. Na área jurídica, os debates atingiram discussões relacionadas à vacinação compulsória, possibilidade de demissões aos funcionários que não tomarem a vacina, limitação da liberdade de ir e vir em função das determinações de lockdown e toques de recolher e etc.
A temática que a princípio poderia encontrar seu contorno, na área jurídica, apenas em questões relacionadas ao direito de saúde, avançou para outras esferas. Pois, o Poder Público imbuído da responsabilidade de cuidar da saúde da população esbarrou em diversos direitos buscando atingir este objetivo, com o intuito de diminuir o nível de contaminação do vírus.
Assim, faz-se importante questionar, pode o Estado limitar o direito fundamental de ir e vir, em função da proteção do direito fundamental da saúde? Ou, pode o Estado instituir uma campanha de vacinação obrigatória, mesmo se contrária às convicções morais, filosóficas ou religiosas de alguns cidadãos?
A questão central é, existe algum direito absoluto no Brasil?
1.1.8 Sobre o direito absoluto
Embora muitas respostas exijam aprofundamentos para a sua apresentação e tal situação é comum na área jurídica, podemos afirmar que não existe direito absoluto.
As Leis e, em especial, a Constituição Federal, tem o papel de organizar a sociedade para que todos os brasileiros possam viver em harmonia, prevendo direitos e deveres a todas as pessoas.
Assim sendo, todo o comportamento humano que tem potencial de causar danos a outra pessoa, supera convicções políticas, filosóficas, morais e religiosas, deve ser ponderado na esfera jurídica.
Na estrutura das normas brasileiras, a Constituição Federal ocupa o topo da hierarquia e serve como parâmetro de validade para todas as demais normas jurídicas (leis, decretos, resoluções e etc.), logo, para que uma lei, decretos e medidas provisórias possam ser criadas, deve a lei observar as previsões contidas na Constituição Federal.
Contudo, as normas que estão na Constituição Federal, possuem o mesmo grau de hierarquia, isto é, estas simplesmente por estarem na Constituição Federal, possuem presunção de validade e não necessitam da convalidação de uma nova norma superior para serem editadas. Para as normas que estão abaixo da Constituição Federal, a solução do conflito é fácil de se presumir, pois se a lei contraria a Constituição, a lei é inconstitucional e não há qualquer irregularidade sobre a norma constitucional.
Ato contínuo, surge o questionamento: e quando há choque de direitos fundamentais (direitos previstos na Constituição)? Esse fenômeno é correto? Há resolução?
Vejamos:
Por exemplo, o direito fundamental a liberdade de locomoção (art. 5º, XV), pode ser restringido pelo Estado em tempos de guerra, até mesmo porque o art. 5º, inc. XV registra que é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz ().
Um outro exemplo, muito famoso, se dá em relação à liberdade de manifestação (protesto) previsto no art. 5º, inc. XVI que registra:
Art. 5º []
XVI todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
Ou seja, existe a liberdade de manifestação, contudo, o próprio inciso que registra o direito na Constituição Federal, impõe que sejam observadas condições para que o exercício do direito fundamental não se torne ilegal.
Nenhum direito é tão absoluto que se sobreponha em relação ao outro, é preciso haver um equilíbrio, respeitando as individualidades, sem esquecer o interesse comum de todo o povo.
Contudo, nem tudo é tarefa fácil no direito, tanto é verdade que muitas discussões que chegam ao Supremo Tribunal Federal (STF) levam anos para serem finalizadas.
Assim, muitas soluções ou restrições de direitos tidos como fundamentais, não são solucionadas pela própria norma constitucional que o prevê (como os dois exemplos acima). Muitos conflitos, são apresentados nas situações práticas do cotidiano e, para solucionar esses impasses, tais conflitos são apresentados ao Poder Judiciário, para que as sentenças judiciais possam resolver estes problemas.
Isto porque, os direitos das pessoas concorrem entre si, ou seja, são simultâneos, o exercício de um, não anula o outro e a mesma lógica é válida ao tratar de direitos individuais e direitos da coletividade.
1.1.9 Conflitos de direitos fundamentais
Os conflitos entre direitos fundamentais existem, até mesmo porque nenhum direito é absoluto, pois se assim o fosse de pouca valia, possivelmente, a sociedade pouca organização teria.
O conjunto de normas que formam o complexo das leis brasileiras (Constituição Federal, Leis, Decretos etc.), formam um conjunto harmônico entre si, de tal forma que ainda que exista um conflito (choque) de direitos fundamentais, estes conflitos são meramente aparentes, pois existem soluções previstas para a resolução.
Trataremos os direitos fundamentais, em prol da proteção do direito à saúde, e a saúde é um direito fundamental de todos os cidadãos, é possível o Poder Público limitar o exercício de outros direitos fundamentais?
A resolução deste conflito de direitos se dá por meio de um método chamado ponderação.
A ponderação de direitos é um método de decisão baseado principalmente no princípio jurídico da proporcionalidade e visa obter em determinado caso isolado, um ponto de equilíbrio entre os direitos em conflito, ou seja, a resolução é aplicada sobre um conflito existente, como por exemplo, em função do risco de contaminação, pode o Município impedir que estrangeiros ou brasileiros de outras cidades ingressem no território da cidade?
O princípio da proporcionalidade prevê como requisitos a adequação (a medida judicial apresentada é adequada para resolver o conflito), a necessidade (a intervenção do Poder Judiciário se faz necessária) e a proporcionalidade (adequação entre o meio utilizado e o fim alcançado), para decidir qual direito deve prevalecer.
Isso significa dizer que é preciso verificar se as normas sanitárias impostas pela covid-19 são adequadas, necessárias e proporcionais.
1.1.10 Restrições de direitos impostas pela COVID-19
A Saúde é um conceito definido pela Organização Mundial da Saúde OMS que abrange vários aspectos da vida humana, disposto como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade. O direito à saúde é previsto nos arts.6º e 196 da Constituição Federal.
Em outras palavras, quando se trata de saúde, há outros direitos que devem ser verificados para garantir que o direito à saúde seja exercido de forma plena, podendo ser citado o direito à cultura, ao lazer e a locomoção como exemplos.
O direito à saúde tem como objetivo garantir uma vida de qualidade englobando medidas de prevenção ou agravamento de doenças, o que é feito mediante normas sanitárias.
Nesse sentido, a Constituição Federal prevê:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Portanto, cumpre ao Estado, aqui se tratando de todos os entes federativos que compõem o Brasil, em se abster de praticar atos prejudiciais à saúde e implementar políticas para sua proteção e preservação.
A pandemia por covid-19 evidenciou os riscos de um colapso nos sistemas de saúde mundial, gerando, por parte do Poder Público a necessidade de produção de uma série de medidas para o combate ao vírus, algumas delas representando verdadeira restrição de direitos, tais como a limitação a locomoção, a suspensão de serviços considerados não essenciais, a obrigatoriedade ao uso de máscara de proteção, dentre outros.
Mas, esse cenário leva a algumas questões jurídicas como: A Covid-19 justifica restrições de direitos?
Ora, numa pandemia, ao ponderar direitos, dar peso maior à saúde é razoável, haja vista que a saúde neste caso é direito de toda a coletividade e ainda não existe uma forma segura de garantir que o indivíduo contaminado não espalhe o vírus da covid-19. Tanto é verdade que o próprio STF decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei 13.979/2020 () e impor aos cidadãos que recusem a vacinação as medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola), mas não pode fazer a imunização à força.
Com efeito, as medidas de prevenção da covid-19 manifestadas através de restrições de direitos e imposição de comportamentos sanitários, que visam impedir o avanço da doença, estão em conformidade com a garantia da saúde.
O Estado cumprindo seu dever de proteger a saúde, ao impor multa seja por aglomeração ou pela falta do uso de máscara de proteção, ou, ainda quando restringe o acesso a cidades turísticas, impõe quarentena ou lockdown, está promovendo a defesa dos direitos e interesses da coletividade.
Em adendo, é importante ressaltar que a imposição de multas não impede as devidas responsabilizações na esfera penal. Como já dito, nenhum direito é absoluto e o código penal pune os desvios inclusive quando se trata de saúde pública. Assim, condutas que possam colocar a saúde de outros em risco, como o desrespeito às normas sanitárias em uma pandemia, também pode ser enquadrado como crime.
Na sequência, as medidas restritivas devem estar estritamente ligadas a ciência para que se justifiquem (proporcionalidade), pois é através de estudos técnicos e comprovados que se podem adotar as medidas profiláticas de cura e prevenção, dessa forma se evitam os excessos de restrições, garantindo o mínimo essencial de direitos.
Ora, o direito à saúde revela sua importância, ao vislumbrar uma vida sem saúde, em que o indivíduo não tem a plenitude da sua vida e outros direitos podem ser ceifados pela condição da doença.
Por fim, resta dizer que as restrições de direitos em razão da covid-19 são possíveis durante a pandemia, contudo não deverão perdurar ao final dela já que se esgotará a justificativa para a restrição dos demais direitos.
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Texto- Nicole Capovilla Fernandes de Faria Presidente da Comissão Estadual da Jovem Advocacia OAB/ Daniel Barbosa/Thiago Gonçalves Coriolano/ Rebeca Cristina Miranda/politize.
Plenário decide que vacinação compulsória contra Covid-19 é constitucional. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=457462&ori=1>. Acesso em: 24/06/2021.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF). Texto Constitucional promulgado em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 24/06/2021.
BRASIL, Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em: 24/06/2021.
BRASIL, Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. <Https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.979-de-6-de-fevereiro-de-2020-242078735>. Acesso em: 24/06/2021.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado 22ª ed. São Paulo. Saraiva, 2018.
NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Manual de direitos difusos. São Paulo. Editora Verbatim, 2009.
2. Lei 14.010/20 Covid-19 Regime jurídico emergencial e transitório das relações de direito privado
Art. 1º Esta Lei institui normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado em virtude da pandemia do coronavírus (Covid-19).
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se 20 de março de 2020, data da publicação do Decreto Legislativo nº 6, como termo inicial dos eventos derivados da pandemia do coronavírus (Covid-19).
Art. 2º A suspensão da aplicação das normas referidas nesta Lei não implica sua revogação ou alteração.
(...)
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A lei 14.010/20 aporta ao ordenamento soluções emergenciais e transitórias para, de forma geral, regular impactos da pandemia no âmbito das relações jurídicas privadas.
Publicada em 12.06.20 a lei 14.010/20, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (covid-19). A lei trata de questões no âmbito do Direito Privado afetadas neste período de crise sanitária e calamidade pública.
A adoção de medidas legislativas similares, criadas para períodos de crise excepcionais e transitórios não é novidade, sendo o exemplo mais célebre a lei Faillot, de 21/1/1918, aprovada na França no último ano da Primeira Guerra Mundial, que se estendeu até 11/11/1918. Tratava-se de uma lei de guerra, com caráter transitório (seus efeitos se estenderiam por um prazo de três meses a partir da cessação das hostilidades), mas que aportou ao ordenamento jurídico francês suporte normativo para a resolução de conflitos decorrentes de contratos de caráter comercial que consistissem em obrigações de fornecimento de mercadorias ou de gêneros, ou ainda, outras prestações, sucessivas ou apenas diferidas, contraídas antes de 1º/8/1914 (início da Primeira Guerra).
No cenário da atual pandemia, o parlamento alemão aprovou, em 23/3/20, um pacote de medidas legislativas para atenuação dos efeitos da pandemia da covid-19 no Direito Civil, Falimentar e Recuperacional.
No Brasil, contudo, a sanção da lei 14.010/20 se deu com aposição de veto presidencial a vários dispositivos do projeto de lei 1.179/20. A análise do Congresso Nacional, que tem o prazo de 30 dias a partir da protocolização da mensagem de veto para deliberação e poderá rejeitá-lo por maioria absoluta dos votos de deputados e senadores, ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos de senadores, computados separadamente (arts. 57, § 3º, IV, e 66, § 4º da CF).
O art. 1º explicita que as normas instituídas são de caráter transitório e emergencial, bem como estabelece o dia 20/3/20, data da publicação do decreto legislativo, como marco inicial dos eventos derivados da pandemia. A suspensão da aplicação das normas referidas na lei não implica na sua revogação ou alteração, conforme dispõe o art. 2º.
O art. 3º trata do impedimento ou suspensão, conforme o caso, da fluência dos prazos prescricionais e decadenciais a partir da entrada em vigor da lei até 30/10/20, considerado pelos legisladores como marco final provável do período excepcional causado pela pandemia. Consta, ainda, que o dispositivo não se aplica enquanto perdurarem hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico.
O art. 5º autoriza às pessoas jurídicas a realização de assembleia geral por meios eletrônicos até 30/10/20, independentemente de previsão nos atos constitutivos, bem como dispõe que a manifestação dos participantes também poderá ocorrer por meio eletrônico e produzirá os efeitos legais de assinatura presencial.
Foi vetado o art. 4º, que previa que as associações, sociedades e fundações deveriam observar as restrições à realização de reuniões e assembleias presenciais até 30/10/20, observadas as determinações sanitárias das autoridades locais. Nas razões de veto, constou que a matéria estaria em desacordo com a recente edição da medida provisória 931/206, que prorrogou a data limite para realização de assembleia pelas sociedades anônimas, limitadas e cooperativas cujo exercício social se encerre entre 31/12/19 e 31/3/20 para sete meses após o término do exercício social, bem como permitiu a participação e votação à distância em assembleias.
A potencial divergência reside na possibilidade de realização de assembleias digitais em sociedades anônimas de capital aberto e fechado. Nesse aspecto, cabe ressaltar que há dissenso interpretativo inclusive acerca da medida provisória 931/20, na medida em que do seu texto (art. 9º) se depreende que restou autorizada a realização de assembleia digital apenas nas sociedades anônimas de capital aberto, ao passo que o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministérios da Fazenda (DREI), ao regulamentar a questão, editou a instrução normativa 79, de 14 de abril de 2020, que permite a realização de assembleia digital em sociedades cooperativas, limitadas e anônimas fechadas.
O capítulo IV, que tratava da resilição, resolução e revisão dos contratos foi integralmente vetado. Em síntese, previa que as consequências decorrentes da pandemia do covid-19 nas execuções dos contratos não terão efeitos jurídicos retroativos (art. 6º), bem como que não se consideram fatos imprevisíveis, para fins dos arts. 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário (art. 7º).
A razão de veto justifica que o ordenamento já dispõe de mecanismos apropriados para modulação das obrigações contratuais em situações excepcionais. O art. 7º de fato refletia posição já consolidada na jurisprudência para relações contratuais paritárias, no sentido de que eventos macroeconômicos não são considerados eventos imprevisíveis para fins de ensejar revisão contratual em países de economia instável. Quanto ao art. 6º, embora o dispositivo pudesse, como regra geral, conferir segurança jurídica e orientação à jurisprudência no sentido de coibir demandas oportunistas que invoquem a pandemia como justificativa para descumprimento de obrigações vencidas em momento pretérito, há que se ponderar que existem atividades que foram afetadas em razão da pandemia antes de março de 2020 e dos decretos de calamidade pública que se seguiram, como por exemplo o setor de turismo, companhias aéreas, assim como setores produtivos que foram impedidos de trabalhar em razão da falta de insumos importados da China ou de outros países. Assim, existem exceções razoáveis, de forma que a apreciação judicial de toda forma não poderia prescindir da análise do caso concreto.
No que se refere às relações de consumo, o art. 8º da lei estabelece que até 30/10/20 fica suspenso o direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC nas hipóteses de delivery de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos. O dispositivo se justifica porque em relação a tais produtos o consumidor tem condições de verificar ao receber a entrega eventual imperfeição ou desacordo e se recusar a recebê-los, não havendo que se aguardar os 07 dias para exercício de direito de arrependimento em relação a tais produtos.
Foi vetado o art. 9º, que previa, até 30/10/20, a impossibilidade de concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo a que se refere o art. 59, § 1º, incisos I, II, V, VII, VIII e IX, da lei 8.245/91, ajuizadas a partir de 20/3/20. Nas razões de veto, apontou-se que a propositura legislativa contraria o interesse público por suspender um dos instrumentos de coerção ao pagamento por um prazo substancialmente longo, conferindo "proteção excessiva ao devedor em detrimento do credor, além de promover o incentivo ao inadimplemento".
Embora não se desconheça a situação de locadores que contam com os locatícios como forma de sustento, há que se ponderar que, sobretudo em face das circunstâncias atuais, a adoção de medidas de difícil reversão exige cautela adicional. Veja-se que uma família que não teve condições de arcar com o aluguel, ao ser despejada, provavelmente acabará em situação de precariedade em um momento de crise sanitária. Da mesma forma, na locação comercial, o fechamento do estabelecimento certamente agravará a crise da empresa, podendo levar à falência, o que, à toda evidência, não é desejável e afronta o princípio da preservação da empresa. Por outro lado, a medida não onera em demasia o locador, tendo em vista que a vedação ao despejo liminar se limita estritamente ao período de 06 meses abarcado no art. 9º, o que não significa que o pedido não possa ser reavaliado após o transcurso do prazo previsto. Ainda, cabe relembrar que o impedimento da concessão de liminar de despejo não inviabiliza que o credor busque outras formas coercitivas de pagamento, tais como penhora em dinheiro, protesto judicial, dentre outras. Assim, em razão da excepcionalidade da situação, o dispositivo vetado atende ao princípio da proporcionalidade.
O art. 10º versa sobre usucapião e dispõe a suspensão da fluência dos prazos de aquisição de propriedade a partir da entrada em vigor da lei 14.010/20 até 30/10/20
O Capítulo VIII trata dos condomínios edilícios. Foi vetado o art. 11, que conferia poderes ao síndico para restringir a utilização das áreas comuns, bem como a realização de reuniões, festividades e o uso das vagas de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos, para evitar a propagação do coronavírus. Nas razões de veto, apontou-se que tais medidas retiram a autonomia e a necessidade de deliberação em assembleia, limitando a vontade coletiva dos condôminos. No entanto, diante da excepcionalidade do período e da necessidade de isolamento social decorrente de problemas sanitários, é razoável a previsão e a restrição a alguns direitos individuais por lei, na medida em que a realização de reuniões e festividades acarreta aglomeração e maior circulação de pessoas no condomínio, aumentando, por consequência, as chances de contágio. Igualmente, a deliberação por meio presencial para propor restrição a aglomerações seria contraditória à proposta e o uso de meios virtuais para votações pode não ser de fácil acesso à parte dos interessados.
O art. 12 foi mantido e autoriza a realização e votação em assembleia condominial por meios virtuais até 30/10/20; caso não seja possível a realização de assembleia na forma virtual, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20/3/20 ficam prorrogados até 30/10/20. O art. 13 dispõe sobre a obrigatoriedade de prestação de contas regular pelo síndico.
Por fim, o capítulo X trata do Direito de Família e Sucessões. O art. 15 dispõe que a prisão civil por dívida alimentícia deverá ser cumprida em regime domiciliar até 30.10.20, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações. Por sua vez, o art. 16 trata do prazo para instauração de processo de inventário e partilha, dilatando, para sucessões abertas a partir de 1º/2/20, o termo inicial do prazo de 02 meses previsto no art. 611 do CPC para 30/10/20. O parágrafo único do art. 16 prevê, ainda, que o prazo de 12 meses para ultimar-se o inventário, previsto no art. 611 do CPC, caso iniciado antes de 1º/2/20, ficará suspenso a partir da entrada em vigor da lei até 30/10/20, abatendo-se o período já decorrido. Tais medidas se justificam em razão da dificuldade de reunião e obtenção de documentos neste período de isolamento social e de atendimento restrito em diversos órgãos públicos e privados.
A lei 14.010/20 aporta ao ordenamento soluções emergenciais e transitórias para, de forma geral, regular impactos da pandemia no âmbito das relações jurídicas privadas. No entanto, dada a multifacidade dos casos que certamente se apresentarão, caberá à doutrina e à jurisprudência a construção de soluções para a crise que se apresenta e cujos efeitos serão sentidos por longo período.
Texto Celiana Diehl Ruas - link: https://www.migalhas.com.br/depeso/331101/consideracoes-sobre-a-sancao-da-lei-14-010-20---regime-juridico-emergencial-e-transitorio-das-relacoes-de-direito-privado
RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos: Autonomia da vontade e teoria da imprevisão. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 29-30.
A este respeito, recomenda-se a leitura dos artigos recentemente publicados:
RODRIGUES JR., Otávio Luiz. Alemanha aprova legislação para controlar efeitos jurídicos da Covid-19.
FRITZ, Carina Nunes. Alemanha aprova pacote de mudanças legislativas contra a crise do coronavírus. Disponível clicando aqui. Acesso em 19/6/20.
Uma vez que o art. 14 da Lei 14.010/20 trata de questões de Direito Concorrencial, não será objeto deste artigo.
Art. 4º As pessoas jurídicas de direito privado referidas nos incisos I a III do art. 44 do Código Civil deverão observar as restrições à realização de reuniões e assembleias presenciais até 30 de outubro de 2020, durante a vigência desta Lei, observadas as determinações sanitárias das autoridades locais.
Disponível clicando aqui. Acesso em 19/6/20
Acerca do tema, vide: ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Companhias abertas à parte, assembleias virtuais são realidade no Brasil? Acesso em 30/6/20.
Vide, exemplificativamente: REsp 1321614/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/14, DJe 3/3/15
Conforme se verifica no Parecer da Relatora do PL 1.179/20, Senadora Simone Tebet, disponível em: clicando aqui. Acesso em 24.06.20
Sobre o princípio da proporcionalidade, vide: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 467 et seq.
3. Julgado
Justiça do Trabalho reconhece morte por Covid-19 como acidente de trabalho
Para o juiz, houve responsabilidade objetiva do empregador, que assumiu o risco de o motorista trabalhar durante a pandemia do coronavírus e não comprovou a adoção de medidas de segurança.
A Justiça do Trabalho mineira reconheceu como acidente de trabalho a morte por Covid-19 do motorista de uma transportadora. A empregadora foi condenada a pagar indenização por danos morais, no valor total de R$ 200 mil, que será dividido igualmente entre a filha e a viúva, e, ainda, indenização por danos materiais em forma de pensão. A decisão é do juiz Luciano José de Oliveira, que analisou o caso na Vara do Trabalho de Três Corações.
A família, que requereu judicialmente a reparação compensatória, alegou que o trabalhador foi contaminado pelo coronavírus no exercício de suas funções, foi internado e veio a óbito após complicações da doença. O motorista começou a sentir os primeiros sintomas em 15 de maio de 2020, após realizar uma viagem de 10 dias da cidade de Extrema, Minas Gerais, para Maceió, Alagoas, e, na sequência, para Recife, Pernambuco.
Em sua defesa, a empresa alegou que o caso não se enquadra na espécie de acidente de trabalho. Informou que sempre cumpriu as normas atinentes à segurança de seus trabalhadores, após a declaração da situação de pandemia. Disse ainda que sempre forneceu os EPIs necessários, orientando os empregados quanto aos riscos de contaminação e às medidas profiláticas que deveriam ser adotadas.
Mas, ao avaliar o caso, o juiz deu razão à família do motorista. Na sentença, o magistrado chamou a atenção para recente decisão do STF, pela qual o plenário referendou medida cautelar proferida em ADI nº 6342, que suspendeu a eficácia do artigo 29 da MP nº 927/2020, que dizia que os
Casos de contaminação pelo coronavírus não seriam considerados ocupacionais. Exceto no caso de comprovação do nexo causal,
Circunstância que permite o entendimento de que é impossível ao trabalhador e, portanto, inexigível a prova do nexo causal entre a contaminação e o trabalho, havendo margem para aplicação da tese firmada sob o Tema nº 932, com repercussão geral reconhecida.
Segundo o magistrado, a adoção da teoria da responsabilização objetiva, no caso, é inteiramente pertinente, pois advém do dever de assumir o risco por eventuais infortúnios sofridos pelo empregado ao submetê-lo ao trabalho durante a pandemia do coronavírus. Na visão do juiz, o motorista ficou suscetível à contaminação nas instalações sanitárias, muitas vezes precárias, existentes nos pontos de parada, nos pátios de carregamento dos colaboradores e clientes e, ainda, na sede ou filiais da empresa.
Prova testemunhal revelou, ainda, que o caminhão poderia ser conduzido por terceiros, que assumiam, como manobristas, a direção nos pátios de carga e descarga. Situação que, segundo o juiz, aumenta o grau de exposição, sobretudo porque não consta nos autos demonstração de que as medidas profiláticas e de sanitização da cabine eram levadas a efeito todas as vezes que a alternância acontecia.
Além disso, o magistrado reforçou que não foi apontada a quantidade fornecida do álcool em gel e de máscara,
Não sendo possível confirmar se era suficiente para uso diário e regular durante os trajetos percorridos
Frisou o julgador. Ele lembrou, ainda, que não foram apresentados também comprovantes de participação da vítima e seus colegas em cursos lecionados periodicamente sobre as medidas de prevenção.
Para o juiz, é irrefutável que o motorista falecido, em razão da função e da época em que desenvolveu as atividades, estava exposto a perigo maior do que aquele comum aos demais empregados,
Não sendo proporcional, nesta mesma medida, promover tratamento igual ao que conferido a estes quando da imputação da responsabilidade civil.
Segundo o julgador, tais peculiaridades, seguindo o que prescreve o artigo 8º, caput e parágrafo 1º da CLT, atraem a aplicação do disposto no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil brasileiro,
Ficando assim prejudicada a alegação da defesa de que não teria existido culpa, e que isso seria suficiente para obstar sua responsabilização.
Na visão do juiz, não se nega que a culpa exclusiva da vítima seria fator de causa excludente do nexo de causalidade.
Entretanto, no caso examinado, não há elementos que possam incutir na conclusão de que ela teria se verificado da maneira alegada pela empresa, por inobservância contundente de regras e orientações sanitárias, valendo registrar que o ônus na comprovação competia à reclamada e deste encargo não se desvencilhou, frisou.
Assim, diante de todo o quadro, o juiz entendeu que ficaram evidenciados os requisitos para imputação à empresa do dever de indenizar. Para o julgador, a responsabilidade civil da empresa restaria prejudicada em absoluto, pelo afastamento do nexo causal, se, e tão somente se, houvesse comprovação total de que adotou postura de proatividade e zelo em relação aos seus empregados, aderindo ao conjunto de medidas capazes de, senão neutralizar, ao menos, minimizar o risco imposto aos motoristas e demais colaboradores.
Porém, não foi essa a concepção que defluiu do conjunto probatório vertido, ressaltou.
Por isso, visando a assegurar a coerência entre a aplicação e a finalidade do direito, garantindo a sua utilização justa, por analogia, o magistrado aplicou ao caso os comandos dos artigos 501 e 502 da CLT.
Imputada a responsabilidade civil sobre a empregadora, reputo razoável e proporcional a redução da obrigação de reparar os danos à razão da metade.
No caso dos autos, o juiz entendeu que o dano moral é evidente e presumido, importando a estipulação de um critério para fixação da compensação pela dor e pelo sofrimento experimentado pelos familiares. Para o julgador, as figuras paterna e materna possuem papel decisivo no desenvolvimento da criança, do adolescente e dos jovens, seja nos momentos mais simples, para atos da vida cotidiana, seja nos momentos mais complexos, como na atuação para educação e formação do caráter.
Ademais, a perda do ente querido priva os membros da família da convivência e do desfrutar do contato e da companhia.
Diante disso, o juiz entendeu ser proporcional, razoável e equitativo fixar a indenização por danos morais no valor de R$ 100 mil para cada uma das autoras, o que totaliza R$ 200 mil. Em sua decisão, o magistrado levou em consideração o grau de risco a que o empregado se expunha recorrentemente, o bem jurídico afetado e as vicissitudes do caso como, por exemplo, o quão trágico foi o falecimento, a inviabilidade de se poder ao menos fazer um velório, além da natureza jurídica do empregador e de seu porte econômico.
Quanto ao dano material, o juiz determinou o pagamento da indenização em forma de pensionamento para a filha e a viúva. Na visão do julgador, as provas dos autos indicaram que o motorista era o único provedor do lar e, por consequência, a perda sumária e precoce proporcionou efeitos deletérios nefastos à família.
Especificamente em relação à filha, o juiz determinou que a obrigação de indenizar se conservará até que ela complete idade suficiente para garantir a própria subsistência, ou seja, até os 24 anos de idade, conforme sugerido pela jurisprudência predominante. No tocante à viúva, o dever de pensionamento se estenderá até que o motorista completasse 76,7 anos de idade, de acordo com a última expectativa média de vida divulgada pelo IBGE. Houve recurso, que aguarda julgamento no TRT mineiro.
Processo PJe: 0010626-21.2020.5.03.0147
4. Coronavírus e a Relação de Trabalho
Em caso de medidas de quarentena e isolamento, as faltas ao trabalho serão consideradas justificadas.
4.1 Falta ao serviço por quarentena e isolamento
No início de fevereiro, foi sancionada no Brasil a Lei 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. O isolamento e a quarentena (restrição de atividades ou separação de pessoas, bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação das pessoas que não estejam doentes, a fim de evitar a possível contaminação ou a propagação do vírus) são algumas das medidas que podem ser aplicadas pelo Poder Público. Neste caso, o período de ausência decorrente será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada (artigo 3º, parágrafo 3º). As medidas de isolamento e quarentena, no entanto, somente poderão ser tomadas pelos gestores locais de saúde, mediante autorização do Ministério da Saúde. A Portaria 356/2020 do Ministério da Saúde regulamenta diversos procedimentos da Lei da Quarentena.
No caso de afastamentos não decorrentes do coronavírus, aplicam-se as disposições gerais para licença por motivo de saúde. Neste caso, trabalhadores filiados ao Regime Geral de Previdência Social incapacitados para o trabalho ou para sua atividade habitual por mais de 15 dias têm direito ao auxílio-doença. Durante os primeiros 15 dias consecutivos de afastamento, cabe à empresa pagar ao empregado o seu salário integral. Após o 16º dia, o pagamento é feito pelo INSS.
Os demais filiados ao INSS, como prestadores de serviço, profissionais autônomos e outros contribuintes para a Previdência, também podem acionar o órgão para ter direito ao auxílio-doença.
4.2 Teletrabalho
Uma das medidas sugeridas para evitar a aglomeração de pessoas é o teletrabalho, definido como a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
De acordo com o artigo 75-C da CLT, a prestação de serviços nessa modalidade deve constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades realizadas pelo empregado. O teletrabalho pode ser estabelecido por mútuo consentimento entre empregado e empregador a partir de aditivo contratual.
No caso de uma situação de emergência eventual, no entanto, como no caso do Covid, a adoção do trabalho remoto é temporária e pode prescindir de algumas etapas formais, desde que respeitados os limites estabelecidos na legislação trabalhista e no contrato de trabalho. Embora o empregado esteja trabalhando de casa, o local contratual da prestação do serviço continua sendo a empresa.
Uma das medidas adotadas pelo Tribunal Superior do Trabalho em relação ao coronavírus foi justamente ampliar o número de servidores em trabalho remoto. A modalidade existe formalmente no TST desde 2012 e segue parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Tribunal. No momento, visando conter a possível disseminação do vírus, as exigências administrativas foram suspensas por 15 dias em relação aos servidores que tenham regressado de viagens a localidades em que o surto do Covid 19 tenha sido reconhecido. A medida também se aplica a magistrados e servidores, colaboradores ou estagiários que apresentarem sintomas respiratórios ou febre.
4.3 Ambiente saudável
Está entre as obrigações da empresa cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho. Além disso, também deve instruir os empregados, por meio de ordens de serviço, sobre as precauções a tomar para evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais (CLT, artigo 157, incisos I e II).