Principais mudanças penais e processuais realizadas pela Lei federal nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime)

12/01/2022 às 16:09
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O presente artigo trata de um documento despretensioso, o qual busca pincelar pontos, relativos ao Pacote Anticrime, buscando trazer justificativa hermenêutica e/ou críticas para os novos dispositivos insertos no Código Penal e Código de Processo Penal.

Muito se falou sobre o famigerado Pacote Anticrime, ou seja, as alterações legislativas promovidas pela lei federal nº 13.964/2021, gerando, inclusive, atrito político na esfera executiva federal. Longe de esgotar o tema, este artigo vem pincelar pontos que merecem destaque e reflexão, buscando trazer justificativa hermenêutica e/ou críticas para os novos dispositivos insertos no Código Penal e Código de Processo Penal.

1. Do Juiz das Garantias

Sem dúvida, uma das maiores novidades contidas no novo diploma legal, para o Direito Processual Penal brasileiro, foi a figura do juiz das garantias. O CPP, por meio do seu novo artigo 3º-B, dispõe de suas competências. Gostaria de reforçar que este artigo não tem por objetivo esgotar e delinear todas as alterações trazidas pela novel legislação. Contudo, considerando que o artigo 3º-B traz ao ordenamento jurídico um novo modelo de divisão de competências com a nova denominação do juiz das garantias, faz-se necessário compilar todas as competências elencadas. Vejamos:

Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:

I - receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal;

II - receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste Código;

III - zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo;

IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal;

V - decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo;

VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente;

VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral;

VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo;

IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;

X - requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;

XI - decidir sobre os requerimentos de:

a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;

b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;

c) busca e apreensão domiciliar;

d) acesso a informações sigilosas;

e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado;

XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;

XIII - determinar a instauração de incidente de insanidade mental;

XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código;

XV - assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento;

XVI - deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia;

XVII - decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação;

XVIII - outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.

Claramente, é possível perceber que compete ao juiz das garantias garantir (com o perdão da redundância) a aplicação dos ditames constitucionais e penais durante o transcurso da investigação penal, valendo destacar a competência para decidir sobre a prisão provisória ou medida cautelar, sobre os pedidos relativos à interceptação telefônica, acesso a informações sigilosas, bem como sobre a homologação do novo acordo de não persecução penal e, também, julgar o habeas corpus antes do oferecimento da denúncia.

Com relação ao limite da competência fixada pelo texto legal, o artigo 3º-C é taxativo ao dispor que a competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 do CPP. Ademais, no mesmo dispositivo normativo, restou definido que não haverá juiz de garantia em processos penais relativos a crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, aqueles disciplinados pela Lei federal nº 9.099/95, cuja pena máxima não seja superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

2. Incremento da atuação na vítima no Processo Penal

Outra importante alteração promovida pela nova lei para o processo penal foi um incremento da atuação da vítima. Houve inovações no ordenamento jurídico quanto ao arquivamento do inquérito policial ou de elementos informativos de mesma natureza, com a alteração do artigo 28 do CPP.

Com base no novo texto legal, é possível que a vítima, ou o seu representante legal, caso não concorde com a promoção pelo arquivamento do inquérito policial, no prazo de 30 dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão do Ministério Público, nos termos do respectivo regimento interno (lei orgânica) (art. 28, §1º).

Urge mencionar que a legislação penal brasileira demorou muitos anos para conferir maiores direitos a vítimas de infrações penais (e familiares) no processo penal. A Resolução nº 40/34 da ONU (Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder) apresenta um marco nesse sentido. Por meio desse diploma normativo histórico, vale destacar o seu item nº 5, relativo ao Acesso à justiça e tratamento justo. Nesse dispositivo, há a recomendação aos Estados-membros para que sejam estabelecidos e reforçados mecanismos judiciais e administrativos destinados a permitir que as vítimas obtenham reparação através de procedimentos formais ou informais que sejam rápidos, justos, pouco dispendiosos e acessíveis. As vítimas devem ser informadas dos direitos que lhes assistem para tentar obter reparação através de tais mecanismos.

Considera-se muito oportuna, ainda que tardia, as inovações trazidas pelo Pacote Anticrime no que toca à atuação da vítima na investigação criminal.

3. Acordo de não persecução penal

Outro ponto interessante, mais uma vez demonstrando uma renovação no processo penal brasileiro, é a instituição do acordo de não persecução penal, estabelecido agora no artigo 28-A do CPP. Este instituto poderá ser concedido apenas (requisitos): a) a infrações penais cometidas sem violência ou grave ameaça; b) pena mínima seja inferior a quatro anos; c) o investigado tenha confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal; d) a proposta do acordo seja necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Com relação aos requisitos acima colacionados, penso ser relevante destacar que o órgão ministerial deve se atentar que a proposta do acordo de não persecução penal possui como conditio sine qua non o fato de que ela deve ser necessária e suficiente para a reprovação e prevenção penal. Nessa linha, deixo a reflexão para os casos de infrações penais contra a Administração Pública, as quais apresentam os requisitos objetivos previstos no dispositivo legal acima colacionado, quando cometidas por agentes públicos de forma organizada, denotando situação de corrupção lato sensu sistêmica. Por tais condutas afrontarem, de maneira grave, os princípios da Administração Pública, e o próprio princípio democrático, o Ministério Público deve analisar, cautelosamente, a aplicação, ou sua negativa fundamentada, de propor o acordo de não persecução penal.

Aliado a isso, os incisos desse dispositivo legal apresentam outras condições, as quais podem ser ajustadas cumulativa e alternativamente, vejamos:

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);

IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

Não se pode deixar de mencionar que a suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da Lei federal nº 9.099/95 continua vigente, para os crimes cuja pena mínima seja igual ou inferior a um ano. Na mesma linha, se mantém hígida a previsão da suspensão condicional da pena, prevista no artigo 77 do Código Penal, a qual prevê a suspensão por 2 a 4 anos da execução da pena privativa de liberdade inferior a 2 anos. Assim, trata-se de mais um instituto que visa a não inserção, no sistema carcerário, de pessoas as quais, possivelmente, possuem aptidão para entender o caráter ilícito de suas condutas, evitando os efeitos negativos da carcerização.

Outrossim, vale destacar que o acordo de não persecução penal não será aplicado nas seguintes hipóteses (§2º do artigo 28-A do CPP):

I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;

II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;

III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e

IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

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Semelhante às previsões de delação premiada, compete ao juiz da instrução homologar judicialmente o acordo, verificando a voluntariedade e legalidade da proposta ministerial (§4º). Ademais, novamente aqui, a vítima é inserida no processo penal, sendo intimada da homologação do acordo de não persecução ou de seu descumprimento (§9º). Contudo, o legislador não previu a possibilidade de a vítima se manifestar acerca da homologação do instituto do acordo de não persecução.

4. Da Cadeia de custódia

O instituto da Cadeia de Custódia, apesar de não ser comumente mencionado pela doutrina penal e processualista brasileira, não é uma novidade na legislação lato sensu criminal. A Portaria da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (SENASP) nº 82/2014, por meio do seu anexo I, já previa diretrizes sobre a cadeia de custódia. O seu item 1.1 referencia que cadeia de custódia é o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

O artigo publicado na Revista Criminalística e Medicina Legal, de Michelle Moreira Machado[1], informa acerca da finalidade da cadeia de custódia de vestígios, vejamos:

(...)

A finalidade desses procedimentos é fornecer segurança técnica e legal, quanto à certificação da origem dos vestígios, como dos níveis de confiança e excelência dos exames periciais.

A ausência ou até mesmo erros nos procedimentos relacionados à cadeia de custódia geram imensos prejuízos ao processo por causar dúvidas sobre a autenticidade da coisa submetida a exame, abrindo espaços para obtenção de provas por métodos ilícitos.

(...)

No Brasil, a cadeia de custódia ainda é incipiente quando comparada com outros países até mesmo da América do Sul. De acordo com Marinho4, alguns países como Chile, Colômbia, Equador e Peru possuem seus manuais de cadeia de custódia, onde podem ser observados todos os procedimentos, desde a coleta, registro, posse, acondicionamento, individualização, transporte e guarda pericia

O novo artigo 158-A do CPP, contido no Pacote Anticrime, utilizou o mesmo conceito ao referido pela Portaria SENASP nº 82/2014 acerca da cadeia de custódia. O §2º disciplina a responsabilidade do agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial, estando ele responsável por sua preservação.

Ademais, importando as diretrizes contidas na Portaria nº 82/2014, o novo artigo 158-B informa as etapas da cadeia de custódia, sendo inclusas novas etapas como o isolamento e o transporte, vejamos:

Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas:

I - reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial;

II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime;

III - fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento;

IV - coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza;

V - acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;

VI - transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse;

VII - recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu;

VIII - processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito;

IX - armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente;

X - descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial.

Julgo importante apresentar argumentos delineativos acerca do termo utilizado pela lei do potencial interesse para a produção da prova pericial. O conceito legal utilizado para definir o reconhecimento, como o ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial, apresenta uma cláusula aberta, tendo em vista que não há definição do que seria o potencial interesse para a produção da prova pericial.

Diante da ausência de maiores esclarecimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema - que se tenha conhecimento - é possível extrair a ilação de que para se distinguir um elemento como de potencial interesse na produção probatória, cabe ao agente público, primeiramente, analisar todo e qualquer elemento que tenha alguma relação causal com o fato delituoso. A meu ver, o termo elemento se relaciona a coisa móvel, imóvel ou pessoa. Nesses termos, basta que haja um liame, um nexo causal, do elemento com o fato delituoso, para que ele seja considerado como de potencial interesse para a produção probatória, ainda que futuramente descartado.

Os demais dispositivos referem-se, em suma, a procedimentos realizados pela perícia criminal e a estruturação dos institutos de criminalística.

5. (Im)possibilidade do juiz, de ofício, impor medidas cautelares e prisões provisórias.

O artigo 282, §§2º e 4º, trouxe limitação ao poder do juiz no que tange à decretação de medidas cautelares. As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz somente por requerimento das partes, ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público (§2º). Assim, a priori, não há a possibilidade de decretação medida cautelar de ofício. No caso de descumprimento de qualquer obrigação, o juiz somente poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou decretar a prisão preventiva, mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante.

É importante referir que tais disposições visam a dar primazia ao sistema acusatório, o qual indica que o juiz, como ator neutro e inerte no processo penal, deve esperar a atuação do órgão ministerial (ou da autoridade policial, no curso da investigação criminal) para adotar medidas restritivas à liberdade dos indivíduos, já que é o Ministério Público o órgão constitucionalmente responsável pela promoção privativa da ação penal pública. Com essas alterações, visou-se a afastar, cada vez mais, o modelo antigo e inquisitorial que permeava o processo penal brasileiro.

Contudo, mantendo resquícios do sistema inquisitorial, ainda é possível ao juiz revogar, de ofício, as medidas cautelares, ou substituí-las quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. Assim, em tese, havendo pedido de uma das partes da investigação criminal ou da ação penal pela prisão provisória, se o juiz revogá-la de ofício, poderá decretá-la novamente, sem a necessidade, diante de uma interpretação literal e estrita do texto legal, de novo requerimento pelo Ministério Público ou autoridade policial.

 

6. O famigerado artigo 283 Impossibilidade de prisão por condenação sem trânsito em julgado.

A nova redação do artigo 283 reafirmou o modelo anterior, determinando que ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado.

Vale referir que a CRFB/88, por meio do seu artigo 5º, inciso LVII, determina que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, dando azo ao princípio da inocência ou não culpabilidade.

Como é de conhecimento notório, o STF, no julgamento das ADCs nºs 43,44 e 54, opinou pela impossibilidade da execução da pena após decisão condenatória confirmada em 2ª instância, sem o respectivo trânsito em julgado. O julgamento dos Ministros do STF está sob a égide e os estritos ditames das normas penais e constitucionais. Assim, considerando a taxatividade da lei penal, não seria possível a decretação da prisão de qualquer pessoa, salvo se: a) flagrante delito; b) por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar; C) ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado.

Contudo, é importante referir que tal disposição no nosso ordenamento jurídico pode contribuir para a proliferação do senso comum de impunidade, especialmente sobre figuras públicas acusadas de crimes sensíveis, como os relacionados à corrupção passiva/ativa, peculato e outros, os quais, muitas vezes, não comportam requisitos para a prisão preventiva. Aliado a isso, diversos instrumentos internacionais de direitos humanos, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu artigo oitavo, item 2, garante a presunção de inocência de uma pessoa até que se comprove legalmente a sua culpa, não sendo exigida, portanto, o trânsito em julgado do devido processo penal legal.

Neste espaço, não será discutida a questão da possibilidade, ou não, de alterar a previsão contida no artigo 5º da CRFB88, sendo uma cláusula pétrea e um direito fundamental. Ainda, também não se discutirá se a previsão do inciso LVII do artigo 5º proíbe, categoricamente, a possibilidade de execução provisória da pena, após a confirmação de sentença condenatória por tribunal recursal (vale referir que o próprio STF já se posicionou acerca da possibilidade da execução provisória da pena proferida em grau de apelação, HC 126.292/SP; Min. Relator Teori Zavascki; Plenário; Julgado em 17/02/2016).

Diante dos argumentos acima perfilados, com a devida vênia, tem-se que a manutenção da impossibilidade de decretação execução provisória da pena, após confirmação de condenação por tribunal de 2ª instância, gera um senso de impunidade na sociedade, especialmente em crimes relacionados à Administração Pública. Tal situação impede que o Direito de Processo Penal cumpra sua missão institucional relacionada a buscar o sentimento de segurança e pacificação social.

7. Prazo para Audiência de Custódia

A novel legislação trouxe um prazo derradeiro para a realização da audiência de custódia após a prisão em flagrante. Tem-se que o artigo 310 informa que, após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público.

O §4º do aludido dispositivo dispõe que, no caso de transcorrer o prazo de 24 horas da prisão, não sendo realizada a audiência de custódia, a prisão será considerada ilegal, devendo ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo, obviamente, de decretação de prisão preventiva, se atendidos aos seus requisitos.

8. Da Prisão Preventiva

O artigo 311, também dando azo ao sistema acusatório, proibiu a possibilidade de decretação, no curso da ação penal, da prisão preventiva de ofício pelo juiz. Nesse viés, a prisão preventiva somente poderá ser decretada pelo juiz  mediante requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Reforçando a ideia subjacente já prevista no artigo 283 do CPP, o §2º do artigo 313 veio informar que não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia.

Mais uma vez, paradoxalmente, de maneira similar às medidas cautelares, o artigo 316 prevê a possibilidade de o juiz, de ofício, ou a requerimento das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, e também poderá novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Contudo, o parágrafo único do artigo 316, de maneira inédita, prevê que, após a decretação da prisão preventiva, o órgão emissor deverá revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.

Tal disposição, apesar de muito atrativa na teoria, pois a prisão preventiva deveria, sim, ser uma medida excepcional e constantemente controlada, parece desconhecer a situação de muitas Varas Criminais da Justiça Estadual brasileira. Não é incomum que em determinadas Comarcas, o juiz titular da Vara Criminal também exerça a Vara de Execução Penal e os Juizados Especiais Criminais, possuindo, em carga, uma quantidade sobre-humana de processos ativos distribuídos.

Com essas considerações, deixo a questão para um futuro debate, indagando se houve a realização de estudos acerca da possibilidade, e viabilidade prática, do tempestivo atendimento desse prazo pelas Varas Criminais brasileiras, bem como se as futuras decisões as quais revisarão as prisões preventivas decretadas pelo juízo, irão, efetivamente, rever as circunstâncias fáticas e jurídicas que ensejaram, inicialmente, a prisão cautelar, ou se serão decisões meramente automáticas, fato que esvaziaria a aplicação desse dispositivo.

9. Desfecho

Esses são os principais apontamentos que julgo essenciais acerca do Pacote Anticrime no Código Penal e no Código de Processo Penal. Acho prudente noticiar que houve alterações em outros diplomas legislativos, como na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84, valendo destacar, por exemplo, a alteração no tempo máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade, passando de 30 para 40 anos artigo 75), e na Lei nº 9.296/96.

O objetivo deste artigo foi trazer destaques e considerações sobre as alterações promovidas pelo Pacote Anticrime, no afã de fomentar o constante diálogo entre os operadores do Direito, buscando um processo penal cada vez mais próximo de alcançar os patamares mais elevados de justiça.

  1. REVISTA CRIMINALÍSTICA E MEDICINA LEGAL V.1 | N.2 | 2017 | P. 8 - 12 | ISSN 2526-0596. Importância da Cadeia de Custódia para Prova Pericial, por Michelle Moreira Machado. Acesso em 04/01/2022, em http://revistacml.com.br/wp-content/uploads/2018/04/RCML-2-01.pdf

Sobre o autor
Régis Schneider da Silva

Atualmente, Assessor Jurídico - Especialista em Saúde - da Secretaria Estadual de Saúde do RS. Antigo analista processual da DPE/RS e analista de previdência e saúde do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul - IPERGS. Especialista em Direito Penal e Processo Penal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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