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Apontamentos práticos sobre a atuação do curador especial no processo civil

01/02/2022 às 17:50
Leia nesta página:

Examinamos a figura processual do curador especial a partir de questões práticas do cotidiano forense.

 INTRODUÇÃO

Este breve artigo tem por objetivo trazer alguns apontamentos práticos sobre a figura processual do curador especial no processo civil, no caso específico do art. 72, II[1], segunda parte, CPC, para que o advogado nomeado não vá além do desconhecimento dos fatos e não fique aquém das questões processuais.

DESENVOLVIMENTO DO TEMA

A doutrina processual civil brasileira, a exemplo de Fredie Didier, em seu Curso de Processo Civil, traz a conceituação de tal figura processual, razão pela qual é dispensável adentrar numa temática já tão bem desenvolvida na doutrina nacional. O que este artigo se propõe, contudo, é uma reflexão prática atinente aos limites de atuação do curador especial no processo, para que não haja prejuízo ao representado[2], tanto pelo excesso como pela falta de defesa.

No estado de São Paulo, por exemplo, este múnus recai sobre um advogado do convênio da Defensoria Pública e OABSP ou sobre a Defensoria Pública do estado. Faz-se tal observação, sem prejuízo de outras maneiras de proceder, pelo judiciário, nos demais estados, porque tais profissionais são intimados a se manifestar num processo que, até então, sequer conheciam, bem como sequer conhecem quem seja o representado. Em resumo, o curador é intimado a se manifestar a atuar às cegas.

Diante desse quadro, o sistema processual civil possibilita uma saída, que é a contestação por negativa geral, a teor da norma do art. 341, parágrafo único, CPC[3]. Contudo, para além desta norma, e aqui entra especificamente o objeto deste trabalho, o curador nomeado não deve ver tal instituto jurídico como uma possibilidade de atuação automatizada.

Para além, então, de uma simples e automatizada contestação por negativa geral, deve o curador atentar-se a questões que estão expostas no processo. O que se pretende colocar é que pode haver, num processo, num determinado caso prático, questões processuais ao alcance do exercente deste múnus, como, por exemplo, a nulidade da citação por edital.

É importante observar que a contestação por negativa geral contesta fatos de forma geral, e não questões processuais. Se, por exemplo, não for caso de citação por edital, tal contestação por negativa geral não engloba a nulidade processual em comento, devendo o curador se permitir abrir espaço, em sua manifestação, para combater a nulidade processual antes adentrar na negativa geral factual em si.

Percebe-se, então, que o limite atuação processual do curador pode, em muitos casos, ser maior do que a mera negativa geral, podendo, e devendo, o curador adentrar nas questões processuais, como as da norma do art. 337[4], CPC.

A questão que este artigo coloca, então, é que o curador está limitado ao desconhecimento das questões de fato (para isso existe a negativa geral), mas não está limitado quanto às questões processuais que se mostrarem. Ou seja, a contestação por negativa geral é a defesa mínima que o curador está obrigado a fazer, devendo entrar em questões processuais, se for o caso. Caso não as haja, aí sim o curador fica circunscrito ao desconhecimento dos fatos atinente ao caso concreto, fazendo, assim, sua negativa geral, apenas.

E a questão da justiça gratuita?

Essa questão está intimamente ligada ao conhecimento dos fatos. Obviamente que o curador não está impedido de fazer um pedido randômico de justiça gratuita na primeira oportunidade de manifestação no processo. Contudo, deve-se analisar tal questão de forma mais pormenorizada, pois um pedido de justiça gratuita feito de forma consciente tem maiores chances de prosperar.

Como já traçado inicialmente, para fins didáticos, seguindo o estudo de Fredie Didier, coloca-se, neste artigo, o curador especial como um representante processual. Daí questiona-se: tem o curador prerrogativa para requerer os benefícios da justiça gratuita?

Aqui, deve-se atentar que a jurisprudência unânime não aceita o mero pedido de justiça gratuita pelo curador especial, pela simples razão do desconhecimento fático da real capacidade econômica do representado. Obviamente, o curador vai fazer o pedido de justiça gratuita até mesmo como uma praxe profissional, mas, diante do posicionamento da jurisprudência, o curador pode ter uma postura mais proativa, no sentido de buscar elementos no processo ou fora dele para que o pedido seja substancial.

Então, o Curador, em tese, não tem prerrogativa de pedir justiça gratuita, pois não possui o real conhecimento da hipossuficiência econômica (sempre lembrando que a atuação do curador é movida pela hipossuficiência processual e não pela hipossuficiência econômica, ou seja, a gratuidade é movida pela hipossuficência econômica, e não processual, frisa-se), mas não está impedido de fazê-lo, notadamente quando possui reais elementos de hipossuficiência econômica.

Tendo uma postura mais proativa, pode o curador, então, até mesmo pelas facilidades e publicidades dos processos eletrônicos, buscar maiores informações do representado em outros processos, caso haja. Pode também pleitear, por exemplo, oficiamento ao INSS para acesso ao CNIS do representado, com o que poderá haver maior conhecimento da capacidade laboral, como, por exemplo, se está aposentado por invalidez. Sempre lembrando que o CNIS é meio de prova que o curador pode pleitar, como na Ação de Alimentos, em que o Magistrado terá maior noção da capacidade econômica ao calibramento da pensão alimentícia, denotando-se a prerrogativa também de requerer meio de provas, a depender do caso concreto e sua viabilidade.

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O Curador Especial deve recorrer?

Aqui, a questão do desconhecimento dos fatos volta à tona. Muito provavelmente o curador, apesar dos esforços, pode não conseguir nenhum elemento de fato que denuncie o estado de hipossuficiência do representado, e o Magistrado certamente condenará ao pagamento de custas e honorários de sucumbência, caso razão assista à parte adversa. Questiona-se, diante deste cenário, se um possível recurso vá piorar a situação do representado, haja vista a majoração dos honorários de sucumbência.

Por exemplo, numa ação de alimentos, caso o Magistrado fixe um percentual razoável, fazer um recurso de apelação, nestas condições, pode ser prejudicial, porque o curador especial vai ter de debater questões de capacidade financeira sem conhecimento fático, ou seja, sem saber a profissão do representado, seu rendimento mensal, se tem mais filhos etc. Nessas, condições, frise, a chance de um eventual recurso prosperar é baixa, com o que certamente haverá aumento do percentual da sucumbência.

Agora, a situação muda quando as questões suscitadas forem processuais, a exemplo do art. 337, CPC. Nesse caso, o curador especial não está na dependência de conhecimento fático. Assim, a depender do caso concreto, pode pleitear correções da sentença numa instância superior com maior segurança.

Por fim, como última observação, deve o curador ter cuidado com os Embargos à Execução. Como é sabido, os Embargos à Execução são ação autônoma, geradora de condenação em obrigações decorrentes da sucumbência. Deve-se ter cuidado, então, ao manejar tal ação fundada apenas em negativa geral, pois a mera negativa geral de fatos em tais ações é insuficiente à procedência da ação, o que gerará uma piora na situação do representado - sem prejuízo, contudo, de se suscitar questões processuais típicas da execução, como já exposto neste artigo.

Em resumo, em linhas bem gerais, a preocupação do curador, neste ponto, deve ser não gerar maior sucumbência ao representado.

CONCLUSÃO

Esses, portanto, linhas gerais, foram alguns pontos, sem prejuízo de outros surgirem num caso concreto, que trazem um breve contorno acerca da atuação do curador especial para que o advogado nomeado se desincumba deste múnus de uma forma eficiente e proporcional.


BIBLIOGRAFIA

DIDIER Jr, Fredie. Curso de Processo Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18ª Ed. Salvador: Ed. Juspodium, 2016.


[1] Art. 72. O juiz nomeará curador especial ao:  II - réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado.

[2] Para fins de metodologia, e para facilitar a exposição das idéias, adota-se posicionamento da doutrina que entende ser o curador especial um representante processual.

[3] Art. 341. Incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas, salvo se:

I - não for admissível, a seu respeito, a confissão;

II - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considerar da substância do ato;

III - estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.

Parágrafo único. O ônus da impugnação especificada dos fatos não se aplica ao defensor público, ao advogado dativo e ao curador especial.

[4]  Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:

I - inexistência ou nulidade da citação;

II - incompetência absoluta e relativa;

III - incorreção do valor da causa;

IV - inépcia da petição inicial;

V - perempção;

VI - litispendência;

VII - coisa julgada;

VIII - conexão;

IX - incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização;

X - convenção de arbitragem;

XI - ausência de legitimidade ou de interesse processual;

XII - falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar;

XIII - indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça.

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Sobre o autor
Marcelo Bodoco

Mestrado em Direito Negocial (2011) / UEL. Atuação profissional na advocacia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BODOCO, Marcelo. Apontamentos práticos sobre a atuação do curador especial no processo civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6789, 1 fev. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95983. Acesso em: 19 abr. 2024.

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