Capa da publicação Acordo de não persecução penal: doutrina e jurisprudência
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Aspectos relevantes sobre o acordo de não persecução penal à luz da doutrina e jurisprudência

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22/01/2022 às 22:28

Resumo:


  • O acordo de não persecução penal (ANPP) é um mecanismo de negociação penal que visa a resolução de conflitos antes da submissão do caso ao Estado-juiz, aplicável a infrações penais de menor lesividade e que não envolvam violência ou grave ameaça.

  • O ANPP pode ser aplicado retroativamente a fatos anteriores à sua vigência, desde que não haja recebimento de denúncia, entendendo-se que suas normas possuem natureza híbrida, com conteúdo material e processual, favorecendo o acusado.

  • A confissão é uma condição para a celebração do ANPP, mas deve ser interpretada de forma a não violar o princípio da não autoincriminação, não podendo ser utilizada contra o acusado em caso de descumprimento do acordo e subsequente instauração de processo penal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5. Confissão e sua Utilização Fora do Acordo de Não Persecução Penal

Ao disciplinar o acordo de não persecução penal, o artigo 28-A, caput, do Código de Processo Penal, exigiu, como condição para a entabulação da avença, que o investigado confesse formal e circunstancialmente a prática da infração penal.

Nesse sentido, o legislador afastou o disciplinamento do ANPP da sistemática da suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei nº 9.099/95) e da transação penal (artigo 76 da lei nº 9.099/95), outras formas de solução consensual na seara penal, que não fazem a exigência da confissão ou admissão de culpa para a perfectibilização da celebração do acordo.

Porém, o requisito de confissão por parte do investigado para a celebração de ANPP, aproxima, neste aspecto, o referido instituto da colaboração premiada, que exige esse procedimento do indigitado como condicionamento para obter os benefícios previstos na legislação e estipulados no acordo (artigo 4º, §10, Lei nº 12.850/2013).

A necessidade do investigado confessar a prática delituosa tem sido criticada por parte da doutrina, que vê nessa conditio uma violação inconstitucional ao princípio que veda a não autoincriminação e direito ao silêncio do investigado/acusado (nemo tenetur se detegere). Para quem assim entende, não haveria razão para a obtenção da confissão, que seria vedada pelo texto constitucional.

A condição de confissão para a celebração de ANPP deve ser interpretada harmonizando o texto legal com o princípio constitucional acima mencionado.

A princípio, não se vislumbra taxativamente a inconstitucionalidade da exigência da confissão para a entabulação do ANPP, pois estamos diante de negócio jurídico penal, previsto pelo ordenamento jurídico, que pode fixar parâmetros para sua celebração, desde que não se viole direitos humanos do investigado.

A respeito, Sandro Carvalho Lobato de Carvalho assevera:

Não há ofensa ao direito ao silêncio já que o investigado tem a liberdade de confessar ou não o ato delituoso, ou seja, tem o investigado o direito de ficar calado ou de confessar detalhadamente o ato delituoso. É uma opção do investigado, dentro de sua autonomia de vontade e assistido pela defesa técnica.

Lecionam SOUZA e DOWER (2018, p. 161):

Ao contrário de uma conclusão apressada, o dispositivo em análise não anula a garantia constitucional do acusado de permanecer em silêncio, descrita no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal. Isso porque o investigado não é compelido a dizer a verdade ou de não permanecer em silêncio. A escolha pela intervenção ativa, isto é, de prestar declarações fidedignas sobre os fatos, desde que livre e consciente, não viola aquela garantia constitucional.

O direito de escolher entre exercer seu direito ao silêncio ou confessar detalhadamente o crime, encontra amparo na doutrina que admite que os direitos fundamentais, embora inalienáveis, sejam restringidos em prol de uma finalidade acolhida ou tolerada pela ordem constitucional, como ocorre em hipóteses de contratos privados envolvendo direitos da personalidade.

Nesses casos, a restrição a direitos fundamentais é constitucional, desde que não seja permanente nem geral, mas decorra de voluntariedade e represente proporcional aumento do direito à liberdade do investigado, condições que ficarão sob a fiscalização do Ministério Público, do defensor e do próprio acusado

(CARVALHO, Sandro Carvalho Lobato de. Algumas questões sobre a confissão no Acordo de Não Persecução Penal. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020. p. 253)

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 28-A DO CÓDIGO PENAL CP. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. EMBARGOS REJEITADOS. 1. [...]. 2. A aplicação do disposto no art. 28-A do CPP, referente à proposição do acordo de não persecução penal, não foi matéria vertida nas razões do recurso especial, caracterizando indevida inovação recursal, o que torna inviabilizada a conversão do julgamento em diligência. 3. Ainda que assim não fosse, observa-se que, para aplicação do instituto do acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP), é necessário que o investigado tenha confessado formal e circunstancialmente a prática da infração penal, o que não aconteceu no presente caso. Ademais, há a exigência que a pena mínima seja inferior a 4 (quatro) anos, no caso, a soma das penas mínimas previstas aos delitos imputados ao embargante (arts. 180, caput, 304 c/c 297 e 311 do CP) ultrapassa o mínimo exigido. 4. Embargos de declaração rejeitados.

(EDcl no AgRg nos EDcl no Agravo em Recurso Especial nº 1.618.414 RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik).

Porém, da mesma maneira que não se pode afastar a conditio peremptoriamente, será necessário observar que consequências terá essa confissão obtida no caso de descumprimento da avença, com sua correspondente rescisão e instauração de processo penal em face do investigado. Daí se indaga: a) a confissão é um reconhecimento de culpa do investigado? b) a confissão pode ser usada no processo penal, caso descumprido o ANPP?

Para harmonizar a condição da confissão com o princípio da não autoincriminação e direito ao silêncio do investigado/acusado, devem essas indagações serem respondidas negativamente.

Assim deve ser, pois o investigado, jungido por uma exigência legal, confessou a prática delitiva com o propósito apenas e unicamente de celebrar o acordo, não fitando as consequências futuras de um eventual descumprimento do negócio jurídico e instauração de uma lide penal em juízo.

Eis o magistério de Guilherme de Souza Nucci:

Portanto, para fins de acordo, admitir a culpa é justificada, mas se o referido acordo for rescindido e a ação penal, ajuizada, parece-nos ilícito utilizar a confissão como meio de prova contra os interesses do réu. Afinal, ele somente admitiu sua culpa para obter o acordo. Sem isto, não o faria

(NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 76).

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Desta maneira, a admissão dos fatos possui validade apenas e tão somente para a celebração do acordo, não podendo seu teor ser utilizado como prova em face do acusado, caso ele venha a ser submetido a processo penal, após descumprimento e rescisão da avença.

Essa interpretação harmoniza a exigência da confissão para a celebração do ANPP com os primados na não-autoincriminação do investigado, afastando eventual vício de inconstitucionalidade.


Considerações Finais

O direito penal brasileiro cada vez mais agasalha instrumentos e mecanismos de consensualidade para resolução das lides criminais. Tenciona-se obter um direito penal resolutivo, célere e justo, respeitando os ditames constitucionais e o estado democrático de direito.

Nesse cenário, o acordo de não persecução penal se apresenta com mais um mecanismo de viabilização de uma justiça consensual e negociada, com viés colaborativo e não reativo.

É o acordo de não persecução penal relevante e inovador instrumento de negociação penal, que exigirá da doutrina e jurisprudência profundo estudo de temas relevantes oriundos de sua aplicabilidade prática, sempre observando que a finalidade é a harmonia entre um direito criminal mais célere e racional com a respeito aos predicamentos dos direitos humanos básicos do cidadão.


Referências Bibliográficas

AVENA, Norberto. Processo penal: esquematizado. 3ª edição. São Paulo: Método, 2011.

BARROS, Francisco Dirceu. Acordos Criminais. 2ª edição. São Paulo: Mizuno, 2021.

CARVALHO, Sandro Carvalho Lobato de. Algumas questões sobre a confissão no Acordo de Não Persecução Penal. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020.

GARCIA, Leonardo. Entendimentos criminais do STF e STJ / Coordenadores Leonardo Garcia e Roberval Rocha 3ª edição rev., atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.

GRINOVER, Ada Pelegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 8. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. Salvador: JusPodivm, 2016.

MASSON, Cléber. Código Penal Comentado. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

PIEDADE, Antônio Sergio Cordeiro; AIDAR, Ana Carolina Dal Ponte. Resumo de Direito Processual Penal. São Paulo: JH MIZUNO, 2020.

PINHEIRO, Igor Pereira; MESSIAS, Mauro. Acordos de Não Persecução Penal e Cível. Leme, SP: Mizuno, 2021.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 32ª ed. São Paulo: Saraiva 2010.

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Sobre o autor
Jorge Romcy Auad Filho

Promotor de Justiça do Estado de Rondônia. Especialista em Ciências Criminais pela Universidade da Amazônia - UNAMA e em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AUAD FILHO, Jorge Romcy. Aspectos relevantes sobre o acordo de não persecução penal à luz da doutrina e jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6779, 22 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96002. Acesso em: 27 dez. 2024.

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