Crime de apropriação indébita agora exige dolo específico para sua configuração

19/01/2022 às 11:14

Resumo:


  • O Superior Tribunal de Justiça firmou orientação sobre o crime de apropriação indébita tributária.

  • A configuração desse crime se dá quando uma empresa desconta tributos dos salários dos empregados, mas não repassa para o Estado.

  • O STJ passou a exigir a comprovação do dolo específico para configurar o crime, ou seja, a intenção real de se apropriar indevidamente dos valores retidos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

No finalzinho do ano passado o STJ firmou orientação em julgado importante acerca da configuração do crime de apropriação indébita tributária.

Antes de trazer a novidade jurisprudencial, cabe aqui esclarecer um pouco, afinal, o que é o crime de apropriação indébita tributária.

Segundo o artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/1990, constitui crime contra a ordem tributária deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.

Em outras palavras, ocorre principalmente quando a empresa desconta um tributo do salário do empregado, mas não repassa para o Estado.

É o que acontece, por exemplo, quando o empregador desconta tanto o imposto de renda, quanto o INSS do pagamento do salário dos seus empregados, mas não faz o repasse aos cofres públicos.

Delimitada a conduta, passamos ao julgado.

Até então, a orientação do Superior Tribunal de Justiça era de que para o delito de apropriação tributária, não era necessário haver exigência de dolo específico, apenas genérico para a configuração da conduta delitiva.

E o que isso quer dizer? O dolo genérico é a vontade de praticar uma conduta, porém, sem uma finalidade específica. O dolo específico, por sua vez, é a vontade consciente de praticar a conduta com uma finalidade especial e específica.

Vamos exemplificar: quando um empresário desconta o INSS de seu empregado para com isso desviar dinheiro e se apropriar daquele valor que não é seu, com a finalidade de burlar o Fisco, aí está o dolo (intenção) específica de praticar a conduta. Veja que nesse caso, não basta haver o desvio (retenção sem repasse), é necessário comprovar que a intenção do empresário era essa mesmo, ou seja, de desviar e se apropriar daquele valor para objetivos outros.

Porém, quando há a retenção de tributos de salários de empregados, mas não há a comprovação de que existia a real finalidade de não repassar os valores aos cofres públicos, para o STJ, atualmente, sem essa comprovação específica da vontade real de se apropriar de tais valores para si, não está mais configurado o crime de apropriação indébita tributária.

Veja que, agora, a intenção real, a finalidade específica, é um requisito para configuração do crime de apropriação indébita. Essa é justamente a alteração do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, já que antes, não era exigido tal dolo específico.

Explicado o que é dolo específico, vamos agora comentar o julgado.

Para o STJ, a comprovação do dolo específico pode ser feita no processo trazendo aos autos elementos no sentido de demonstrar que a empresa é uma devedora contumaz, ou seja, que possui vários tributos em aberto, inadimplentes, inscrições em dívida ativa, execuções em curso, etc. Essa situação de desorganização financeira e atraso de tributos, pode ser capaz, segundo o Superior Tribunal de Justiça, de demonstrar que alí está um devedor que se apropria de tributos com a vontade real de não repassar aos cofres públicos, e não se trata portanto, de um mero atraso no repasse, e sim de uma finalidade de se apropriar indevidamente daquele valor que deveria ser repassado ao Estado.

Repercussão Prática.

Ao meu ver, na prática, isso não provocará muita diferença. Explico. Em geral, sabemos que em 99% das vezes que atuamos em delitos penais tributários como esses, o cliente possui de fato muitos débitos em atraso, portanto, continuará difícil ao advogado criminal/tributário tentar desconfigurar a existência do dolo específico nesses casos, já que na maioria das vezes, tais empresas possuem mesmo, vários tributos em atraso.

Todavia, apenas nos casos em que por apenas por erro realmente o repasse não houver ocorrido, será possível desconfigurar a prática do crime, e isso desde que a empresa esteja em saúde financeira. Comprovado que não se trata de uma empresa em crise, que está com seus tributos em dia, aí sim, o advogado terá os fundamentos necessários para demonstrar nos autos que ali não estará um devedor contumaz (que atrasa corriqueiramente suas obrigações), e que terá havido apenas um mero atraso no repasse sem a finalidade específica de se apropriar dos valores retidos.

Julgado.

Segue o Julgado disponível no Informativo 718 do STJ:

HABEAS CORPUS Para a configuração do delito previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, deve ser comprovado o dolo específico, não bastando deixar de recolher, ao Estado, no prazo legal, tributo que sabem devido, tanto que por eles declarado. HC 675.289-SC, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 16/11/2021. (Info 718)

Conclusão.

Portanto, para a configuração do delito previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, deve ser comprovado o dolo específico.

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Sobre o autor
Aécio Mota de Sousa

Advogado Tributarista. Assessor Jurídico da Companhia de Desenvolvimento dos Vales São Francisco e da Parnaíba - Codevasf. Sócio Fundador do Aécio Mota Advocacia. Ex-Subprocurador da Câmara Municipal do Crato/CE. Ex-membro do Fundo Previdenciário Municipal de Juazeiro do Norte/CE - Previjuno. Ex-Juiz Leigo do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará - TJCE. Pós-graduado em Contabilidade Tributária pelo Centro Universitário de Juazeiro do Norte - Unijuazeiro.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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