Resumo: O trabalho buscou apontar uma alternativa para o tratamento da cola, nas avaliações do ensino superior, usando da experiência aplicada no Curso de Direito. Abordando a cola em sua forma e motivos, demonstrou-se a ineficácia dos procedimentos coercitivos para impedi-la. O processo de ensino-aprendizagem e especificamente a avaliação foram trazidos para reflexão, de maneira a demonstrar sua importância para a superação da cola, justificando a adoção da prova de consulta como um instrumento adequado para se esvaziar a busca por uma fonte de consulta antes ilícita. Demonstrando que uma prova com consulta deve ser elaborada com a observância de diversos critérios e comportamentos, conclui-se pela necessidade de sua implementação cultural, de maneira a superar as dificuldades enfrentadas quando o tema é a avaliação da aprendizagem.
Palavras-Chave: Avaliação. Cola. Fraude. Consulta. Pesquisa.
1. Introdução
A análise da cola como uma interferência para aprendizagem merece muitas reflexões, não somente para a área do Direito como em todas as demais.
Dessa forma, a partir de um levantamento empírico e de inúmeras tentativas frustradas para o cerceamento da cola e das mudanças de postura para o tratamento do problema, voltado à reflexão do processo de ensino-aprendizagem, pode-se constatar que a adoção da prova de consulta poderia ser uma alternativa viável ao problema.
Contudo, mesmo essa opção exige melhores considerações, pois que o assunto impõe maior esclarecimento da própria avaliação, permitindo contribuir com o processo ensino-aprendizagem.
Assim, partindo-se do problema da cola e sua identificação, procura-se refletir sobre os meios costumeiramente adotados para cerceá-la, trabalhando sua eficácia/ineficácia.
Em seguida, reconhecendo os motivos ensejadores da cola, passa-se ao reconhecimento dos elementos que exigem uma amplitude do que se entende pelo processo de ensino-aprendizagem e o papel do professor e do aluno dentro deste contexto.
Destacando-se deste processo, a avaliação é lembrada para o fim de se apontar seus objetivos principais, a partir do que se fará o enquadramento da prova de consulta, destacando-se os dogmas que precisam ser superados, bem como as experiências já vivenciadas com sua instituição concreta.
Desta forma, este trabalho propõe alguns critérios de ordem metodológica importantes para que a avaliação, como consulta, atinja seus objetivos, demonstrando como pode ser realizada no Curso de Direito sem os traumas observados costumeiramente em tal oportunidade.
2. A cola e as suas diversas formas observadas
Tem-se pela conduta colar, qualquer forma de atitude capaz de trazer para a avaliação informações que não correspondam unicamente com o conhecimento do avaliando. Poder-se-ia dizer que colar é uma forma de pesquisa caracterizada como ilícita, já que desautorizada por normas institucionais ou até por determinações estabelecidas pelo professor.
Em momento oportuno, serão discutidas as razões que levam à cola. Por ora, para que se possa compreender as atitudes adotadas, importante que se as registre, permitindo que sobre elas se possa melhor refletir.
Numa primeira análise, torna-se interessante apresentar algumas das inúmeras formas de fraudar as provas, praticadas e melhoradas através do tempo, cujas características são representadas por atividades cada vez mais criativas.
Há que se destacar que a análise do problema limitou-se apenas ao momento teórico da avaliação, já que a prova prática exige outras reflexões, especialmente porque, de regra, a consulta nela é permitida e a cola está atrelada aos modelos de peças jurídicas.
É certo, porém, que tanto para as disciplinas teóricas como para as disciplinas práticas, é possível admitir que podem elas ser afetadas pela fraude na avaliação. Por uma opção de abordagem, limita-se o presente estudo ao primeiro momento, tratando-se apenas das provas teóricas.
Assim, para que se dê um passo inicial à extensão do assunto proposto, elencam-se os seguintes comportamentos, possíveis de serem caracterizados como de fraude à avaliação:
a – observações da prova alheia;
b – redução, realizada por máquina xerocadora, guardado ampla diversidade de lugares, especialmente dentro dos Códigos de Leis; colocadas sob a carteira, sob a folha da prova; nos bolsos (na camisa, na calça ou blusa); sob as pernas; dentro de estojos etc;
c – anotações em paredes e carteiras;
d – anotações na mão;
e – anotações (a lápis) em Códigos de Leis;
f – inserção de páginas nos Códigos de Leis (com conteúdos impressos na mesma formatação dos livros, por vezes colado ou, com maior especialidade, costurado no livro como se página dele fosse);
g – canetas e lápis (sobre os quais se lançam inscrições minúsculas);
h – folhas de almaço adulteradas, obtidas em dia anterior, que vêm com conteúdo a lápis, que fazem a substituição das folhas oficiais, sendo o conteúdo apagado posteriormente;
i – celular (pelo recebimento de mensagens), bem como agendas eletrônicas ou computadores de mão (capazes de armazenar grande quantidade de informações);
j - fazer substituir-se por terceira pessoa, praticando crime de falsidade ideológica, quando o controle pessoal de cada aluno é precário (grande número, ausência de documento identificador pessoal);
l – assinar a lista de presença sem entregar a prova, para em momento posterior, sugerir o desaparecimento de prova e procurar impor a responsabilidade do professor.
É certo que a cada dia novas formas são praticadas e outras velhas são melhoradas a tal ponto de ensejar a admiração pela ousadia que, se fosse aplicada ao conhecimento, seria muito melhor empregada.
De qualquer maneira, é preciso reconhecer que se o aluno quiser colar, uma infinidade de procedimentos poderão estar à sua disposição.
O problema, assim, estaria em definir quais medidas seriam necessárias para poder eliminá-la ou, até mesmo, refletir se a cola poderia ter sua eliminação possível.
3. As tentativas para a eliminação da cola e suas frustrações
Em contrapartida às simplicidades e ousadias das colas pode-se dizer que sistematicamente foram sendo idealizadas posturas mais austeras para tentar impedi-las.
Mas, num primeiro ponto, é interessante observar que nem sempre a cola chega a ser vista como um problema. Chega-se a argumentar de que o prejuízo ficará somente para quem cola e, por isso, azar seria o do aluno que assim procede.
Neste sentido, vê-se que a cola nem sequer é tida como um sinal de alerta para o processo de ensino-aprendizagem. Mas os professores e a Instituição de Ensino que ignoram ou fazem descaso com a situação da cola, podem estar perdendo uma interessante oportunidade para aperfeiçoar o conhecimento e a própria finalidade de seu papel educacional na formação de seus alunos.
Entretanto, é preciso reconhecer que muitas práticas para a eliminação da cola acabam por frustrar seus praticantes, levando à conclusão de que a solução não está nas medidas adotadas para a repreensão da cola, mas sim em algo muito mais profundo.
Para se refletir sobre as falhas dos procedimentos, colacionam-se algumas hipóteses mais comuns:
a) Constituição de fiscais ou bancas para a aplicação das provas:
Inúmeros problemas afetam a efetividade da fiscalização das provas.
Para começar, a fiscalização já interfere no processo de avaliação com um fator de violência, na medida em que fiscalizar pressupõe controle, desconfiança e autoritarismo. Poder-se-ia perguntar o quanto uma fiscalização agressiva não perturba a realização de uma avaliação e até que ponto não a prejudica.
Amplie-se o problema da violência com o acréscimo de fiscais. Só a prática de tal atitude (assoberbando-se as salas de prova com fiscais fazendo verdadeiros arrastões) pode levar à reflexão com o passar do tempo, percebendo-se que o aumentar da violência procedimental não resulta, necessariamente, na diminuição da atitude de colar, mas sim da mudança de sua realização.
Assim, a existência de fiscal ou banca (que poderia ser mais adequadamente denominado colaborador) se faria útil na exata medida de poder auxiliar no atendimento das necessidades do aluno, na distribuição da avaliação e na organização geral dos trabalhos de sua aplicação (jamais apresentando postura que pudesse dar a impressão de estar tratando alguém de modo diferente, auxiliando-o em conteúdo). Posturas intrusivas acabam não trazendo satisfação a ninguém.
É claro que o colaborador responsável e preocupado, fará de tudo para impedir uma fraude. Porém, por mais que todos agissem desta forma (o que acaba sendo uma exceção), poderá se perceber, no final de todo processo de avaliação, que muitas falhas existiram, de maneira que alunos colaram e continuarão colando, seja quem for o colaborador (e por mais eficiente que possa parecer).
b) Revistas aos materiais:
Analisar o material que o aluno está portando para fazer a prova é uma conduta capaz de frustrar a tentativa da cola, apesar de que, obviamente, não a impede absolutamente.
Assim, ainda que a abordagem para a revista seja a mais educada possível (o que é logicamente recomendável), mesmo assim incomoda. Além disso, por mais que se proceda a revista de materiais e por mais que se preocupe com o controle, não haverá certeza da eficácia do procedimento.
Portanto, se o aluno não colou auxiliando-se do material revistado, poderá ter colado de outros modos (bolsos, carteiras etc), o que demonstra que nem sempre a revista é uma atitude eficaz.
c) Proibição de qualquer material
Tende-se a proibir o acesso a qualquer material para evitar-se a cola. Vê-se que professores negam ao aluno o acesso inclusive às leis, como se sabê-las de memória fosse algo necessário para a sua vida futura profissional.
Assim, de um lado fica o temor de que o aluno use do material (Código de Leis, por exemplo) para nele inserir a fonte ilícita da pesquisa e de outro a violência de se fazer o aluno decorar o texto legal e, assim, usar da avaliação apenas para verificar essa memorização do então infeliz e coagido avaliando, habilidade esta que não lhe será fundamental no plano profissional.
Logo, proibir o uso de material não resolverá o problema da fraude, até porque se coagido, procurará o aluno outras inúmeras formas de portar da cola – o que por sinal até dificulta encontrá-las, porque revistas pessoais são mais difíceis de executar.
Veja-se que muitos outros procedimentos ainda podem ser tentados para evitar a cola, como produzir avaliações diferentes, separar os alunos em distância razoável, punir-se com rigor as situações de fraude com zeramento da prova, proibição de provas substitutivas ou segunda chamada, advertências pela Coordenação etc, mas, no final de tudo, chega-se à conclusão de que a cada avaliação tais procedimentos têm que ser repetidos, exigências de outras condutas acabam sendo necessárias, sem, entretanto, poder-se concluir pela efetividade de qualquer um dos instrumentos adotados.
Então, surge a necessidade de se repensar as atitudes costumeiramente adotadas para os Cursos de Direito, que acabam não tendo resultado prático efetivo, principalmente se o processo de ensino-aprendizagem for realmente o foco de preocupação.
4. Os motivos para a existência da cola
Uma pergunta necessária é aquela que indaga as razões da existência da cola. Uma resposta simplista poderia dizer: para se obter nota.
Contudo, parece possível concluir que não somente a nota é o objetivo da cola. É preciso refletir se ela não está sendo provocada; verificar se ela não está sendo uma alternativa ao próprio procedimento do Professor.
Frise-se, de plano, que não se pratica a criticável política de que o culpado é sempre o professor. Coloca-se para reflexão, na verdade, até que ponto o professor pode estar contribuindo para que a cola ocorra.
De qualquer maneira, refletindo-se sobre os motivos da cola, é possível concluir que também inúmeras razões podem sustentá-la. Destas noções, pode-se ter os seguintes desvirtuamentos, que envolvem a existência da cola:
a) o desvirtuamento para o aluno – desinteresse pelo próprio estudo (fazendo o Curso sem realmente tê-lo concebido para uma formação profissional); busca-se a cola como um instrumento de salvação para a avaliação e sua aprovação, sem a preocupação com o conhecimento do conteúdo; não se reflete sobre os prejuízos futuros do conhecimento não apreendido; acredita-se que colar é um procedimento que não se deve ter vergonha de adotar; trabalha-se com o princípio de que "os fins justificam os meios" sem refletir sobre o aspecto ético de seu procedimento, esquecendo-se da idoneidade de sua formação profissional futura; busca-se a salvação para o medo que lhe perturba; procura justificar uma postura social de possuidor de nota, eliminando o status de excluído que a nota impõe a quem vai mal.
b) o desvirtuamento para o professor – trabalha com conteúdos factuais, que são arbitrários, por sua própria natureza, já que os fatos são acontecimentos dos quais o estudante só pode memorizar, ou conceituais, de natureza, portanto, abstrata (ZABALA, 1998, p. 41/42), desvinculados de uma prática significativa, exigindo memorização sem aplicação; restringe-se exclusivamente à avaliação como uma medição e não como um instrumento de formação do seu aluno (circunstância melhor analisada no item 6 do presente estudo); produz avaliação com descaso de sua importância, repetindo provas.
Dentre estes diversos aspectos, vê-se que estando a nota num ponto em comum (mais amplamente pensando-se a própria aprovação), surge a avaliação como ponto fundamental, pois, a ela intrinsecamente ligado o problema da fraude.
Parece, então, que a avaliação possa estar merecendo maior atenção e, de acordo com a proposta do presente trabalho, sua forma pode indicar um caminho, ainda que inverso, para se compreender a importância da efetiva caracterização da aprendizagem.
Como já teve oportunidade de constatar através de uma pesquisa junto ao Curso de Direito, ALVARENGA (2002, p. 76) observa que é um desejo dos alunos uma avaliação que ultrapasse apenas os conteúdos conceitos e factuais. Como afirma a autora, "na verdade, uma avaliação centrada somente nesses aspectos limita os instrumentos às provas de lápis e papel, com o agravante de que, se não forem bem elaboradas e bem utilizadas, mais arruínam o processo do que ajudam".
Logo, uma reflexão sobre o problema da cola leva a uma preocupação maior, residente justamente no quanto se tem em percepção o complexo processo de ensino-aprendizagem, sejam tanto do plano do aluno como do professor e, daí, entender-se o que efetivamente se cabe fazer com a avaliação.
5. A amplitude do processo ensino-aprendizagem
É pressuposto para a compreensão do problema da cola, que se entenda o processo de ensino-aprendizagem como uma superação da tradicional concepção do ensino como mera transmissão de conhecimento.
De certo, é ponto pacífico para a Pedagogia que a educação envolve inúmeros procedimentos e atitudes que ultrapassam, em muito, a idéia de que cabe ao professor apenas passar a informação e ao aluno captá-la e repeti-la. Espera-se que se possibilite transformação nos sujeitos, de maneira que, especialmente ao aluno, se viabilize a capacidade de construção pessoal sobre e além do que aprendeu.
Assim, como afirma ANTUNES (2002, p. 29), o "aprender em sala de aula não é apenas copiar ou reproduzir a realidade, eleger modelos e conquistar novas habituações e novos condicionamentos". Muito mais do que isto, "a verdadeira aprendizagem escolar deve buscar desafiar o aprendiz a ser capaz de elaborar uma representação pessoal sobre um objeto da realidade ou conteúdo que pretende aprender", de maneira que seja "capaz de construir significados".
Partindo-se dessa responsabilidade na formação de um aluno capaz de construir os seus significados, permite-se compreender que a importância da atividade do professor não se resume apenas no desenvolvimento de suas aulas, mas também, com idêntico grau de importância, de como faz a avaliação do que está promovendo na aprendizagem.
Desta maneira, cabe ao professor universitário assumir realmente um papel de educador, que muitas vezes acaba sendo esquecido pelo mito de que o aluno universitário já é senhor de si e plenamente responsável por seus atos. O universitário está em um momento de formação essencial ao seu futuro social e profissional e dentro desta perspectiva deve estar inserida a responsabilidade do professor.
Com efeito, "o papel do professor desponta como sendo o de facilitador da aprendizagem de seus alunos", não tendo por papel ensinar, mas sim "ajudar o aluno a aprender; não é transmitir informações, mas criar condições para que o aluno adquira informações; não é fazer brilhantes preleções para divulgar a cultura, mas organizar estratégias para que o aluno conheça a cultura existente e crie cultura" (ABREU E MASETTO, 1990, p. 11).
Por isso, os tantos questionamentos sobre a eficácia do processo de ensino-aprendizagem devem ser sempre fomentados, na medida em que possam estar alertando para uma constante adequação das atividades institucionais, docentes e discentes. A compreensão dessa realidade que envolve o processo educativo não pode ser deixada de lado, lembrando-se necessariamente de FREIRE (2003), na indicação dos saberes necessários à prática educativa
No caso, tratando-se da cola, vê-se que a mesma representa uma interferência séria no processo de ensino-aprendizagem e que não indica apenas um descaso de ambos os lados (docente e discente). No mínimo, a cola deve servir de alerta de que algo dentro desse processo (de ensino-aprendizagem) está precisando ser repensado.
Diante deste quadro, estando a cola intimamente ligada com o processo de avaliação, cabe sobre ela algumas considerações mais detalhadas, que possam ser úteis à perspectiva da solução que se pretende opinar.