A ESCOLA POSITIVISTA DO DIREITO PENAL

28/01/2022 às 15:36
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Ricardio Cesar Franco

Defensor Público do Estado de São Paulo

Mestre em Filosofia do Direito pela PUCSP

RESUMO

O presente artigo tem como finalidade analisar o modelo positivista de direito penal, que consistiu um contraponto à Escola Clássica oitocentista, tendo como pano de fundo a difusão da filosofia positiva e da teoria evolucionista de Charles DARWIN, e, por conseguinte, a transição operada na legislação e no pensamento penal e processual penal no correr do século XIX.

Para tanto, empregou-se como fonte de informações as obras de Michel FOUCAULT, Luigi FERRAJOLI, Luiz Flávio GOMES, Enrico FERRI e de Cesare LOMBROSO, dentre outros autores.

ABSTRACT

This paper aims to analyze the positivist model of criminal law, which consisted of a counterpoint to the 19th century Classical School, having as a background the diffusion of positive philosophy and the evolutionary theory of Charles DARWIN, and, therefore, the transition operated in legislation and in penal and procedural penal thought in the course of the 19th century.

For that, the works of Michel FOUCAULT, Luigi FERRAJOLI, Luiz Flávio GOMES, Enrico FERRI and Cesare LOMBROSO, among other authors, were used as a source of information.

Palavras Chave: Positivismo, Filosofia Positiva, Teoria Positiva do Direito Penal, Medidas de Segurança.

Introdução

A Escola Clássica do Direito Penal[1], a qual, como comumente relembrada pela doutrina pátria, baseara-se na filosofia iluminista para a construção de uma nova forma de punir o ser humano cuja conduta foi reconhecida como criminosa por órgão ou colegiado judicial, e que teve como um dos seus maiores próceres o marques de BECCARIA, foi sucedida, historicamente, pelo pensamento da Escola Positivista[2] (Positiva ou do Positivismo Penal).

Vale ressaltar, inicialmente, conforme a doutrina de Thomas KHUN, que a sucessão de escolas de pensamento sobre determinado tema é relativamente comum na história do pensamento universal[3]. Embora tal movimento não seja necessariamente intencional, a sucessão de uma maneira de pensar dado objeto do conhecimento ocorre no interior de uma comunidade científica a partir do momento em que as soluções propostas pelo paradigma anteriormente empregado não revela mais condições para responder às perguntas formuladas a partir do estudo do referido objeto.

Em se tratando do objeto do conhecimento direito, as repercussões de uma crise paradigmática no interior da comunidade científica trará prejuízos significativos à sociedade de modo geral, relevando-se, assim, que a insuficiência dos instrumentos empregados para a solução dos problemas postos poderá colocar em cheque a credibilidade das instituições vinculadas à distribuição da justiça, do próprio regime democrático e de seu corolário fundado na separação dos poderes. A manutenção de uma justiça hígida, que responda às demandas da sociedade e que cumpra com seus deveres de isenção e de celeridade prenuncia a estabilidade do sistema democrático de direito.

Escola Positiva do Direito Penal

Diante da crítica estabelecida e da ausência de respostas observadas pelo modo de operação do modelo desenvolvido pelos clássicos do direto penal[4], uma nova corrente, formada por uma comunidade científica definida, estabeleceu-se com a finalidade de continuar as conquistas humanísticas apuradas a partir do trabalho dos reformadores, mas avançando sobre os pontos de inflexão insuperáveis pelos quais a antiga ordem restou desgastada.

Diferentemente dos autores relacionados à Escola Clássica, seus sucessores, chamados de positivistas, revelavam um projeto intelectual de perfil unitário-universal[5]. É amplamente conhecido que os primeiros não se preocupavam necessariamente, como postulado fundamental de seu pensamento, com a difusão de suas obras ou para a consecução de mudanças político-normativas para além dos limites de seus próprios Estados. Todavia, as propostas acabaram por provocar uma verdadeira revolução (reforma) nas legislações penais de diversos países do velho e do novo mundos, refletindo-se, diretamente, nas legislações penais locais, nas formas de processamento dos crimes e nas penas aplicadas aos condenados[6].

A Escola Positiva[7], ao contrário, buscou, desde seu breve início, estabelecer-se como influência universalmente compreendida, pois seus fundamentos se lastravam em postulados científicos que se pretendiam imutáveis[8]. No nascimento do movimento de definição das chamadas ciências do espírito, dentre as quais se encontra o Direito, os expoentes da Escola Positiva, movidos pelos visíveis sucessos baseados nas teorias de Charles DARWIN[9] e do sociólogo francês Auguste COMTE, buscavam dedicar à ciência jurídica a mesma confiabilidade cometida às ciências naturais de sua época. A certeza atribuída aos postulados do método científico em voga justificava a universalização de sua prática com vistas à eficaz proteção da ordem jurídico-social[10].

Dentre as medidas de maior destaque observadas na transição dos postulados clássicos para os da Escola Positiva pode-se indicar: a adoção de sanções exemplares, tais como a pena de morte, evocando-se, inclusive, como justificativa, razões alimentadas pela teoria darwinista; o desenvolvimento de um método científico para o reconhecimento e análise do indivíduo criminoso (homem delinquente)[11].

O reconhecimento da segunda figura, ainda, indica o princípio magno sob o qual a Escola Positiva se estabeleceu, de acordo com a concepção do delinquente típico.

Um dos expoentes da referida escola, que invariavelmente é rememorado pelos estudiosos do período, o antropólogo Cesare LOMBROSO, que se notabilizou, em um momento imediatamente anterior ao desenvolvimento da psicoanálise, baseado na análise do perfil de mais de vinte mil encarcerados[12], pela definição da figura do homem criminoso. De acordo com suas conclusões, não seria um consectário lógico concluir que qualquer pessoa poderia ser um criminoso, mas, em verdade, o delinquente seria, necessariamente, nato, alguém biologicamente predisposto à prática criminosa desde o nascimento, revelando, assim, certo grau de primitividade em sua constituição biopsíquica (atavismo)[13] e, portanto, aproximando-se mais dos barbarismos da aurora da humanidade do que do culto e nobre espírito do século XIX.

Na busca por uma definição científica de criminalidade e de criminoso, verificou-se uma dissensão no cerne da Escola Positiva italiana[14], opondo a lição lombrosiana à teoria de Enrico FERRI[15], para o qual, além dos fatores biológicos, também se verificava a necessidade de compreender, para a definição precisa de delinquente, observar a incidência dos fatores sociais sobe a constituição do indivíduo. Interessante notar, ademais, que, embora comumente se vincule a lembrança dos termos Escola Positiva e evolucionismo naturalístico a LOMBROSO, a teoria de FERRI[16] foi, em verdade, recebida com maior acolhida em países da América do Sul[17].

A dissenção doutrinaria que acima se observou não é suficiente para gerar uma cisão entre os baluartes da Escola Positiva italiana, na medida em que o fundamento primeiro do pensamento por eles propalado permanece hígido em ambas as versões, qual seja: a existência de e respeito a um método positivo[18]. Um método, conforme a lição de GOMES:

positivo, empírico, indutivo-experimental ou científico, que é o único capaz de descobrir as leis imutáveis que regem os fenômenos sociais, de acordo com o modelo causal explicativo ou paradigma científico, válido tanto para o mundo da natureza como para os fenômenos humanos e sociais[19].

O método positivo acima indicado, que caracteriza o pesamento em estudo e enceta integridade à comunidade científica envolvida, embora com eventuais dissidências internas insuficientes para gerar uma crise paradigmática, pauta-se pelo respeito a três premissas básicas, mas não exaustivas, a saber: a) a subordinação dos fenômenos sociais às inflexíveis leis da natureza; b) a previsibilidade fenomenológica ditada pelas leis do espírito positivo; e c) a relatividade das conclusões exaradas pelo pensamento positivo[20].

Algumas asserções se fazem necessárias por conta da especificidade dessa anotação e de sua repercussão na teoria em análise. A Escola Positiva, ao enunciar o respeito às leis naturais, segue as conclusões propaladas pelo positivismo filosófico comtiano, segundo o qual as relações sociais, dentre as quais o direito encontra destacada representatividade, também são regidas por leis universais, advindas da observação (empírica) e da análise do comportamento humano (vedação à adoção de conclusões de natureza metafísica), gravadas com a mesma certeza de infalibilidade das leis que regem as ciências da natureza (Naturwissenschaften)[21].

Portanto, as conclusões advindas do lavoro intelectual desenvolvido pela comunidade científica implicada devem ser compreendidas como fundamentais para a solução dos problemas postos a partir da observação do objeto analisado. A relatividade do julgamento científico, todavia, funciona como uma via de acesso ao pensamento inovador, devidamente retratado nos princípios norteadores da filosofia positiva, segundo os quais a evolução (progresso) do pensamento científico não coincide com a vetusta ideia de acumulação do conhecimento[22]. A integridade do modelo positivo permanece inalterada sob a possibilidade da modificação das leis reitoras dos fenômenos observados, desde que essas sigam devidamente os princípios reitores da filosofia positiva[23], dentre os quais o abandono do recurso à metafísica para buscar soluções aos problemas intelectuais propostos e às concepções subjetivas do pensador em favor de um conhecimento estritamente neutro, objetivo e útil[24].

Essa característica é particularmente observável na construção teórica realizada por FERRI, o qual, fiel ao método positivo[25], conclui que não existe possibilidade de sucesso prático e intelectual à revelia da análise dos fenômenos sociais segundo o modelo causal explicativo[26], informativo tanto das ciências da natureza quanto das ciências do espírito[27], pois, mediante a observação criteriosa do cientista a partir de um dado aspecto da conduta humana ou do mundo concreto (paradigma empirista) poder-se-á definir, sinteticamente, uma lei perene, responsável pela elucidação dos meandros dos fenômenos analisados e dedicar, assim, à comunidade científica vinculada, respostas a um dado problema colocado sob sua averiguação (paradigma científico)[28].

A contribuição de FERRI se difere da apresentada por LOMBROSO, na medida em que aquele se referira, primordialmente, à pesquisa de caráter sociológico, enquanto esse tomava em consideração diretrizes marcadas pela antropologia (caráter atávico-regressivo do delito)[29].

FERRI não concordava com a afirmação[30], geralmente vinculado ao pensamento inicial de LOMBROSO, de que o delito é produto das patologias suportadas por um indivíduo. Postulava por uma explicação mais ampla e, por essa razão, mais complexa, que vinculava o referido indivíduo, o delinquente, a fatores de ordem física, social e moral[31]. O fenômeno criminal possui uma dinâmica própria, diversa da generalização e simplificação das causas envoltas em problemas de ordem biopsíquica.

O conjunto das contribuições teóricas cometidas aos expoentes à Escola Positiva do Direito Penal permite concluir uma série de postulados, dentre os quais: o crime é um fenômeno, assim, poderá ser verificado no mundo dos fatos e, por conseguinte, ser analisado de acordo com determinadas leis de regularidade. Não se busca, a princípio, com essa conclusão, extirpar da sociedade o crime, mas ponderar sua ocorrência e relacioná-la à conduta humana necessariamente desviante, que, também, é objeto da ciência do direito penal (positiva); o criminoso é um ser inferior ao humano típico (subespécie do gênero humano), conclusão que parte das definições tipológicas desenvolvidas por LOMBROSO, segundo as quais o delinquente é necessariamente portador de anomalias biopsíquicas hereditariamente legadas[32].

A certeza que advém da conclusão acima apresentada, que nega, ademais, um dos postulados da Escola Clássica, extirpa da figura do criminoso as considerações acerca do livre arbítrio, transformando o homem delinquente[33] em uma realidade determinística. A pressuposição abstrata de crime e a análise da conduta humana desviante da norma cede lugar para a análise das condições pessoais do agente segundo a régua de uma série de apontamentos tecidos por caracteres antropológicos.

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Derradeiramente, o castigo aplicado não se pauta, conforme a doutrina dos Reformistas, na gravidade da conduta típica observada no mundo dos fatos, mas na periculosidade pressuposta (a priori) do agente; sob essa perspectiva, a Escola Positiva postula pela aplicação de medidas de segurança e de tratamentos psicossomáticos ao invés da punição clássica[34]. O criminoso, pelo reconhecimento de sua condição de ente primitivo, deve ser analisado de acordo com o perigo que representa à sociedade civilizada, que é manifesto, não necessariamente pela conformação de sua conduta à norma geral e abstrata[35].

Nesse contexto se apresenta a discussão acerca de um dos pilares da teoria positivista do delito, segundo o qual o direito penal tem a finalidade de proteger o corpo social (organismo social)[36] da criminalidade atávica, que, ao invés de ser punida, deve ser tratada, extirpando-se a periculosidade mediante a aplicação de medidas de segurança[37], que deveriam permanecer ativas até o momento em que perdurar o risco representado pelo delinquente.

Assim, diferentemente do que se observou na estrutura do pensamento da Escola Clássica, que primava, por meio da legislação penal, obter a segurança da sociedade por meio da prevenção geral, a Escola Positiva estabeleceu, como premissa, uma versão extremada da prevenção especial[38], na medida em que o criminoso somente seria redimido de sua condição quando o tratamento representado pelas medidas de segurança confirmasse que sua periculosidade restava sobrestada[39].

Críticas à Escola Positiva do Direito Penal

A crítica que mais claramente apresentada à Escola Positiva do direito penal se refere à imagem preconceituosa desenvolvida em torno do tipo de criminoso adotado pelo ramo antropológico da teoria em comento, que levou a uma desumanização da figura do delinquente[40].

Embora se possa cometer à obra inicial de LOMBROSO uma posição antropológica extremada na caracterização do delinquente como um ser humano inferior, acima se observou que a teoria darwinista permeou o trabalho dos membros da referida Escola de maneira significativa, embora em variados graus, mas como postulado constitutivo.

A Criminologia contemporânea exclui, de maneira peremptória, o perfil atávico do criminoso elaborado pelos expoentes da Escola Positiva[41].

Outra crítica comumente verificada na doutrina penal do século XX se refere à exacerbação do princípio da prevenção especial, na medida em que o criminoso, tomado como um ser humano anormal, deve se submeter ao tratamento adequado até o momento em que não mais seja considerado um risco para a sociedade[42].

Uma última crítica se relaciona com a superação das garantias penais e processuais penais obtidas a partir da reforma humanista do direito penal, marco fundamental da Escola Clássica. A redução científica da conduta humana e do ser humano à categoria de fenômenos marcada por um nihilismo axiológico[43], determina que os estudos de direito penal, a construção legislativa do delito e a aplicação do direito no caso concreto, seja no período de instrução do processo, seja na execução da decisão judicial, sejam realizados conforme a assepsia metodológica da verificação empírica dos fenômenos, retirada da operacionalidade do direito a possibilidade de valorização da conduta.

Conclusões

1. O transcurso do século XIX revelou a idade de ouro da ciência, particularmente com o desenvolvimento e permeabilidade das teorias positivas nas diversas áreas das ciências da natureza e das nascentes ciências sociais.

2. Em grande medida, o pensamento positivista conhece seu auge com a profusão do pensamento do pensador francês Auguste COMTE, o qual buscou teorizar a aplicação dos instrumentos típicos das ciências naturais às ciências do espírito, dedicando aos resultados obtidos aos estudos dessas a mesma confiabilidade e infalibilidade que se dedicava àquelas;

3. Escolas teóricas do direito na Europa ocidental, em um primeiro momento, estudaram o fenômeno jurídico de acordo com os princípios enunciados pela filosofia positivista, valendo-se das conclusões inicialmente expendidas por COMTE para a construção de sua chamada física social, a sociologia positiva;

4. A aproximação entre a filosofia positiva e a ciência do direito a partir da primeira metade do século XIX resta como um movimento particularmente previsível, primeiramente por conta da contemporaneidade no desenvolvimento de ambas as Escolas de pensamento, mas, também, por parte da comunidade jurídica, a busca do estabelecimento de mecanismos objetivos e seguros para analisar o fenômeno jurídico e propor soluções para os problemas verificados pela comunidade implicada;

5. O direito penal daquele período baseou-se, para criação de seus fundamentos teóricos, além da filosofia positiva comtiana, nas obras de DARWIN e de SPENCER;

6. A influência da teoria darwinista na teoria da Escola Positiva do direito penal foi determinante para a construção de seu caráter antropológico, segundo o qual o delinquente é uma espécie humana subdesenvolvida, privada de racionalidade e de autodeterminação;

7. A Escola Positiva do direito penal encontrou em LOMBROSO, FERRI e GARÓFALO como seus principais expoentes.

8. Embora se possa observar pontuais diferenças entre as lições dos doutrinadores acima indicados, a eventual dissenção não se revelou suficiente para gerar uma ruptura na Escola Positiva, a qual continuou a operar de acordo com os seus princípios basilares, vale dizer, o respeito ao método positivo, que, em síntese, postulava pela exclusão da incidência da metafísica nas conclusões tomadas pelos cientistas e na construção e aplicação do direito.

Bibliografia

FERRAJOLI, Luigi: Direito e razão. 3.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010

FOUCAULT, Michel: A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro. Nau Editora, 2008

FOUCAULT, Michel: Vigiar e punir. Lisboa. Edições 70, 2017

FRANCO, Ricardo César: Breve apanhado sobre a produção da prova em processo penal, in Sujeito no direito. Curitiba. Editora CRV, 2012.

GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo, 2007

SOUZA, Artur de Brito Gueiros e JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano: Curso de direito penal 1 parte geral. 2.ed. Rio de Janeiro. Forense, 2015.

  1. Sugere-se a leitura do artigo Introdução e crítica ao modelo garantista clássico do direito penal, publicado em: https://jus.com.br/artigos/96142/introducao-e-critica-ao-modelo-garantista-classico-do-direito-penal

  2. Conforme a definição de FERRAJOLI, espécie do gênero doutrinas terapêuticas da defesa social (FERRAJOLI, Luigi: Direito e razão. 3.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 248).

  3. KUHN, Thomas S.: A estrutura das revoluções científicas. 10.ed. São Paulo, Perspectiva, 2011, p. 210.

  4. A Escola clássica enfocou o crime sob a perspectiva do método abstrato, formal e dedutivo (de premissas naturais extraiu dogmas e princípios; de premissas maiores inferiu outras menores etc). Eis a crítica de Ferri, que foi um dos mais destacados membros do positivismo: abaixo o silogismo (GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo, 2007, p. 99).

  5. Diferentemente da orientação clássica, a Escola Positiva possuía um caráter unitário e universal (SOUZA, Artur de Brito Gueiros e JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano: Curso de direito penal 1 parte geral. 2.ed. Rio de Janeiro. Forense, 2015, p. 37).

  6. Em pouco tempo, aquela obra (Dos delitos e das penas) provocou entusiasmo por toda a Europa e suas propostas influenciaram tantos juristas quanto monarcas e legisladores. À título ilustrativo, Cataria da Rússia, nas suas Ilustrações (1767) à Comissão para a reforma das leis penais quase que transcreve as páginas de Beccaria; Leopoldo da Toscana promulga a reforma de 1786, que dele acolhe as propostas mais radicais, a principiar pela pena capital; no Reino das Duas Sicílias, foi imposta a motivação das sentenças, conservava a tortura, mas esta depressa foi abolida pela ordenança militar de 1789; Giuseppe II de Áustria (1787) abole a pena de morte (exceto para crimes militares); Frederico, o Grande, com as Allgemeines Landrecht extingue a tortura (1794) e a Revolução Francesa, na Declaração dos Direitos do Homem, em vários de seus dispositivos incorpora literalmente ideias de Beccaria (SOUZA, Artur de Brito Gueiros e JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano: Curso de direito penal 1 parte geral. 2.ed. Rio de Janeiro. Forense, 2015, p. 31).

  7. Ela surgiu em um contexto de predomínio, nas ciências naturais, de ideologia evolucionista de Darwin e, nas ciências sociais, do Positivismo de Comte. Chamou-se Scuola Positiva por se pautar pelo método da observação dos fatos para a apresentação das causas gerais da criminalidade, método este chamado de galileiano por Ferri (SOUZA, Artur de Brito Gueiros e JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano: Curso de direito penal 1 parte geral. 2.ed. Rio de Janeiro. Forense, 2015, p. 37).

  8. A cosmogenia da ordem e do progresso (leia-se: a imperiosidade e universalidade da ordem e do progresso como fontes explicativas do universo), a fé cega na onipotência do método científico bem como na sua inevitabilidade selam o proceder metódico da Escola Positiva (GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo, 2007, p. 98).

  9. Na passagem do classicismo (Escola clássica) ao positivismo (Escola positiva) faz-se imprescindível citar um autor Darwin e uma escola a Escola Cartográfica ou Estatística Moral. Particular relevância nesse período teve a obra de Darwin (1809-1882). Três dos seus mais proeminentes postulados seriam (em seguida) assumidos pela Escola positiva: a) a concepção do delinquente como espécie atávica; b) a máxima significação concedida À carga ou legado que o indivíduo recebe por meio da herança; e c) uma nova imagem do ser humano, privado do senhorio (ou seja: da capacidade de autodeterminação, da racionalidade) e protagonismo que lhe conferiu o mundo clássico (GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo, 2007, p. 95). Cf. FERRAJOLI, Luigi: Direito e razão. 3.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 249.

  10. GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo, 2007, p. 98.

  11. SOUZA, Artur de Brito Gueiros e JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano: Curso de direito penal 1 parte geral. 2.ed. Rio de Janeiro. Forense, 2015, p. 37.

  12. SOUZA, Artur de Brito Gueiros e JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano: Curso de direito penal 1 parte geral. 2.ed. Rio de Janeiro. Forense, 2015, p. 37.

  13. SOUZA, Artur de Brito Gueiros e JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano: Curso de direito penal 1 parte geral. 2.ed. Rio de Janeiro. Forense, 2015, p. 37.

  14. Uma segunda polêmica aconteceu dentro da própria Escola positiva: havia os que explicavam o delito como produto de uma predisposição biológica do indivíduo (direção antropobiológica de Lombroso) e aqueles que levavam em conta, também, a incidência de fatores sociais (direção sociológica de Ferri) (GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo, 2007, p. 99).

  15. LOMBROSO (1835-1909), GARÓFALO (1851-1934) e FERRI (1856-1929) foram três representantes mais ilustres da Scuola positivista (italiana). O veículo de divulgação dela foi a revista Archivi di psichiatria, scienze penali e antropologia criminale (GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo, 2007, p. 99).

  16. A Escola Criminal Positivista não consiste unicamente no estudo antropológico do criminoso, pois constitui (na verdade) uma renovação completa, uma mudança radical do método científico no estudo da patologia social criminal e do que há de mais eficaz dentre os remédios sociais e jurídicos que nos oferece. A ciência dos delitos e das penas era uma exposição doutrinária de silogismos, vindo à luz pela força exclusiva da fantasia lógica; nossa escola tem feito dela uma ciência da observação positiva que, fundando-se na antropologia, na psicologia e na estatística criminal, assim como no direito penal e nos estudos penitenciários, chega a ser a ciência sintética que eu mesmo denominei de Sociologia Criminal, e assim esta ciência, aplicando o método positivo no estudo do delito, do delinquente e do meio, não faz outra coisa que levar à Ciência Criminal Clássica o sopro vivificador das últimas e inegáveis conquistas feitas pela ciência do homem e da sociedade, renovada pelas doutrinas evolucionistas (RODRÍGUEZ MANZANERA: Criminologia, p. 239, apud GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 100).

  17. O positivismo criminológico encontrou uma grande difusão na Itália assim como em alguns países sul-americanos (nestes, fundamentalmente, a diretriz sociológica de FERRI). Menor foi sua presença na Alemanha, Espanha e, sobretudo, na França (pelo impacto da obra de LACASSAGNE, TARDE E DURKHEIM). Foi uma doutrina quase insignificante nos países anglo-saxões. (GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo, 2007, p. 99).

  18. GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 100.

  19. GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 101.

  20. GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 99.

  21. Definição adotada segundo a lição de Wilhelm DILTHEY.

  22. GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 99

  23. SOUZA, Artur de Brito Gueiros e JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano: Curso de direito penal 1 parte geral. 2.ed. Rio de Janeiro. Forense, 2015, p. 38.

  24. O silogismo do que parte o positivismo criminológico (daquilo que é pode-se inferir o que será; a partir de uma realidade dada pode-se projetar o que vai acontecer), pretendidamente neutro e objetivo, permitiu-lhe entoar uma espécie de cosmogonia da ordem e do progresso (a universalidade da ordem e do progresso explicam a origem do universo), já que uma ciência que descobre as leis que regulam os fatos naturais ou sociais pode estabelecer a ordem dessa sociedade e um progresso constante graças ao prévio conhecimento daqueles fenômenos imutáveis. Fortalece, em último caso, a ordem social com um respaldo empírico que, na verdade, cumpre um papel meramente ideológico (GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 99-100).

  25. Esse método, na segunda metade do século XIX, ganhou enorme ascensão em virtude do Positivismo de COMTE, do Evolucionismo de DARWIN e SPENCER e do Naturalismo de MOLESCHOTT, BÜCHNER E HAECKEL; foi impulsionado pelo espetacular progresso das ciências naturais ao longo do século XIX assim como pela crise do liberalismo individualista diante do novo modelo de Estado intervencionista (GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 99-100).

  26. GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 100.

  27. o método positivo, empírico, indutivo-experimental ou científico, que é o único capaz de descobrir as leis imutáveis que regem os fenômenos sociais, de acordo com o modelo causal explicativo ou paradigma científico, válido tanto para o mundo da natureza como para o dos fenômenos humanos e sociais (GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 100).

  28. Apensar das várias fontes da ascensão do positivismo, certo é que FERRI (quando o realismo naturalista cedeu espaço para o neoidealismo) rejeitou expressamente qualquer vinculação necessária entre a Escola positiva e os concretos sistemas filosóficos ou sociais (COMTE, SPENCER DARWIN, etc.) e pôs em relevo que a característica específica do positivismo consiste no emprego de um determinado método: o método científico, indutivo e experimental (GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 100).

  29. GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 104.

  30. SOUZA, Artur de Brito Gueiros e JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano: Curso de direito penal 1 parte geral. 2.ed. Rio de Janeiro. Forense, 2015, p. 38.

  31. Distinguiu, com efeito, fatores antropológicos ou individuais (construção orgânica do indivíduo, constituição psíquica, caracteres pessoais de raça, idade, sexo, estado civil, etc.), fatores físicos ou telúricos (clima, estações, temperatura, etc.) e fatores sociais (densidade da população, opinião pública, família, moral, religião, educação, alcoolismo, etc.) GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 105.

  32. SOUZA, Artur de Brito Gueiros e JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano: Curso de direito penal 1 parte geral. 2.ed. Rio de Janeiro. Forense, 2015, p. 37.

  33. Não é correto, no entanto, identificar o pensamento lombrosiano com a teoria do delinquente nato. Lombroso evoluiu. De fato, em sua obra, esse tipo perde progressivamente importância. E o próprio enfoque inicial biológico-individualista deu passagem, no final dos seus dias, a uma realista ponderação dos fatores sociais e ambientais que influenciam o problema criminal (GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 104).

  34. As formulações mais extremadas do positivismo renunciam, inclusive, ao nullum crimen nulla poena sine lege e sugerem uma radical desjudicialização da função penal, que passaria das mãos dos juízes às dos médicos, antropólogos, sociólogos, psicólogos, etc., isto é, do mundo das togas pretas para o das batas ou aventais brancos (GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 103).

  35. O positivismo clama, por isso mesmo, por um diagnóstico científico do problema criminal (psicológico, antropológico, sociológico, estatístico, etc.) bem como pela articulação das estratégias necessárias para neutralizar fatores criminógenos. De acordo com o programa positivista, o Direito penal ocupa lugar secundário, questionando-se a sua eficácia (GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 103).

  36. FERRAJOLI, Luigi: Direito e razão. 3.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 249.

  37. A partir do positivismo lombrosiano surgem as medidas de segurança, que passam a conviver com as penas. Aparece, então, em muitos países, o chamado sistema do duplo binário, que significa aplicar a pena mais a medida de segurança para o mesmo réu. Isso vigorou no Brasil até 1984. Nosso sistema atual é diferente. É o que os autores chamam de vicariante correto seria dizer alternativo (pena ou medida de segurança) (GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 108).

  38. As doutrinas positivistas de defesa social () perseguem a prevenção especial dos delitos conferindo às penas e às medidas de segurança, mais especificamente, a dupla finalidade de curar o condenado (partindo do pressuposto de que ele é um indivíduo doente) e/ou de segregá-lo e neutralizá-lo em razão do pressuposto de que ele também seja perigoso (FERRAJOLI, Luigi: Direito e razão. 3.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 248).

  39. Para o positivismo a finalidade da reação estatal ao delito, com se vê, é a prevenção especial (no seu sentido negativo): inoculação do animal delinquente, que deve se submeter a uma medida de segurança, até curar-se (portanto, sem prazo limitado) (GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 108).

  40. A ideia central dessa tendência é a de que o delinquente é um ser antropologicamente inferior, mais ou menos pervertido ou degenerado, e que, portanto, o problema da pena equivale àquele das defesas socialmente mais adequadas ao perigo que o mesmo representa. Nesta perspectiva, as penas assumem o caráter de medidas tecnicamente apropriadas às diversas exigências terapêuticas da defesa social, vale dizer, higiênico-preventivas, terapêutico-repressivas, cirúrgico-eliminatórias, dependendo do tipo do delinquente ocasionais, passionais, habituais, loucos ou natos e dos fatores sociais, psicológicos e antropológicos do crime. Segregação por tempo indeterminado, com revisões periódicas das sentenças e adaptação dos meios defensivos às categorias antropológicas dos delinquentes em vez daquelas jurídicas do delito, constituem os princípios do novo sistema defensivo (FERRAJOLI, Luigi: Direito e razão. 3.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 248-9).

  41. GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 108.

  42. GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 108.

  43. GOMES, Luiz Flávio: Direito penal, vol. 1 Introdução e princípios fundamentais. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 108.

Sobre o autor
Ricardo Cesar Franco

Defensor Público do Estado de São Paulo, nível IV, que atua perante o E. Tribunal de Justiça Militar de São Paulo. Pós-graduado em Direito Processual Coletivo. Mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP. Professor de Filosofia do Direito Penal e de Direito Processual Penal.

Informações sobre o texto

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