A (in)constitucionalidade da jornada 12x36 após a Reforma Trabalhista: uma análise da ADI 5994 do STF

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

CURSO DE DIREITO

GERVÂNIA MEDEIROS MACEDO E JORGE VICTOR MARTINS CHAVES

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA JORNADA 12X36 APÓS A REFORMA TRABALHISTA: UMA ANÁLISE DA ADI 5994 DO STF

Contagem
2021

Gervânia Medeiros Macedo e Jorge Victor Martins Chaves

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA JORNADA 12X36 APÓS A REFORMA TRABALHISTA: UMA ANÁLISE DA ADI 5994 DO STF

Artigo Científico apresentado como pré-requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito no Centro Universitário UNA.

Profº. Orientador: Herman Nébias Barreto

Contagem

2021

SUMÁRIO

RESUMO

ABSTRACT

INTRODUÇÃO ...... 1

1. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA JORNADA 12X36 ........ 3

2. HISTÓRICO DA JORNADA 12X36 NO BRASIL .... 4

2.1. Antes da Súmula 444 do TST ............... 4

2.2 Após a Súmula 444 do TST ... 5

3. O REGIME 12X36 APÓS A REFORMA TRABALHISTA ...... 7

4. A MEDIDA PROVISÓRIA nº 808/2017 .. 8

5. PESQUISA DE CAMPO SOBRE OS IMPACTOS DA NOVA JORNADA 12X36 NAS RELAÇÕES DE EMPREGO .. 11

6. A JORNADA DE 12H DE TRABALHO SOB PERSPECTIVA INTERNACIONAL .. 13

7. O REGIME 12X36 À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A ADI 5994 ... 15

CONCLUSÃO ....... 25

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........ 26

RESUMO

A finalidade do presente artigo, objetiva a proposição de uma profunda análise acerca da inclusão do artigo 59-A, advindo da reforma trabalhista, que conjectura as diretrizes do regime de trabalho em escala 12x36, trazendo 12 horas de labor, por 36 horas de descanso, no qual, devido a sua inclusão, este poderá ser estabelecido para qualquer atividade, mediante acordo individual escrito entre empregado e empregador, dispensada a presença das entidades de classe para mediar tal negociação. Ainda, pode-se depreender a partir da inclusão do referido artigo, que houve a mitigação do texto disposto na Súmula 444 do TST, o que reduziu por completo a eficácia de sua redação, em virtude da positivação da norma adida, fato que, além de contrariar preceitos constitucionalmente estabelecidos, ensejou a proposição de Ação Direta de Inconstitucionalidade por parte da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, em que, o exame dos objetos, escopo desta pesquisa, serão constatados por instrumentos doutrinários, pesquisa de campo desempenhada para com operadores do Direito do Trabalho e pesquisas apontadas por países distintos. Dessa forma, mediante ao que foi desenvolvido e discutido, é proposta uma reflexão diante da inclusão do artigo inserido pela reforma trabalhista, notabilizando os impactos que acarretará a vida do trabalhador, em perspectivas diversas, singularmente com relação à precariedade do trabalho acometida devido a positivação da jornada supracitada no texto celetista.

PALAVRAS-CHAVE: Reforma Trabalhista, Jornada 12x36, Súmula 444, Acordo Individual Escrito, Ação Direta de Inconstitucionalidade.

ABSTRACT

The purpose of this article, aims to propose a deep analysis about the inclusion of article 59-A, arising from the labor reform, which conjectures the guidelines of the work regime on a 12x36 scale, bringing 12 hours of work, for 36 hours of rest , in which, due to its inclusion, this may be established for any activity, by means of an individual written agreement between the employee and the employer, the presence of professional associations to mediate such negotiation is waived. Furthermore, it can be inferred from the inclusion of the aforementioned article that there was a mitigation of the text provided for in Precedent 444 of the TST, which completely reduced the effectiveness of its wording, due to the positivization of the adida rule, a fact that, in addition, contrary to constitutionally established precepts, it gave rise to the proposition of a Direct Action of Unconstitutionality by the National Confederation of Health Workers, in which the examination of the objects, scope of this research, will be verified by doctrinal instruments, field research carried out with operators of the Labor Law and research pointed out by different countries. Thus, through what was developed and discussed, a reflection is proposed on the inclusion of the article inserted by the labor reform, noting the impacts that will cause the worker's life, in different perspectives, singularly in relation to the precariousness of the work affected due to positivization of the aforementioned journey in the celetist text.

KEYWORDS: Labor Reform, 12x36 Journey, Precedent 444, Written Individual Agreement, Direct Unconstitutionality Action.



INTRODUÇÃO

O objeto problematizado no presente trabalho é a inclusão do artigo 59-A, advindo da reforma trabalhista, na Consolidação das Leis do Trabalho, que prevê o regime de trabalho em escala 12x36 para qualquer atividade, que poderá ser estabelecido, inclusive, mediante acordo individual entre empregado e empregador.

A hipótese do artigo consiste na tese de que o artigo 59-A introduzido pela reforma trabalhista é inconstitucional por violar normas da Constituição Federal e Convenções Internacionais da OIT.

A metodologia utilizada no artigo é analise hermenêutica sistemática e teleológica dos direitos fundamentais trabalhistas, normas legais e normas convencionais para inferir mediante argumentos dedutivos o enquadramento do regime de trabalho em escala 12x36 como inconstitucional em apoio da hipótese levantada. A pesquisa vale-se também de argumentos científicos empíricos como apoio indutivo de inferências construídas a respeito dos graves impactos dos regimes de 12 horas sobre a saúde de várias categorias profissionais que adotam em diferentes países do mundo.

A reforma da Consolidação das Leis do Trabalho foi propiciada pela Lei n. º 13.467/2017 e sancionada pelo Presidente Michel Temer, em 13 de Julho de 2017, passando a vigorar em 11 de Novembro de 2017. Tal modificação teria ocorrido com intuito de modernizar as relações trabalhistas, promover a queda do desemprego, estimular a economia e facilitar a maior liberdade de acordo entre empregado e empregador. No entanto, a fundamentação do poder legislativo para justificar a reforma não é verdadeira, pois seus efeitos nas relações laborais não foram àqueles defendidos e a modificação foi prejudicial e desfavorável à parte vulnerável da relação de emprego.

Observada a contrariedade do artigo 59-A aos preceitos constitucionais, quais sejam, os incisos XIII, XXII e XXVI do art. 7º da Constituição Federal de 1988, propõe-se uma análise crítica da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5994, ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal, que visa demonstrar a inconstitucionalidade do dispositivo acrescentado, tendo em vista o antagonismo normativo a preceitos estabelecidos em nossa Carta Magna.

O primeiro capítulo apresenta algumas considerações sobre as características da jornada de regime compensatório de 12x36, esclarecendo alguns conceitos relacionados a essa jornada, como jornada de trabalho, horário de trabalho e duração do trabalho.

O segundo capítulo explica brevemente o desenvolvimento histórico da adoção da jornada de trabalho 12x36 antes da homologação da Súmula da Jurisprudência Uniforme do Tribunal Superior do Trabalho de número 444 e as diferenças empregadas sob as diretrizes do regime de trabalho, após a sua homologação.

O terceiro capítulo examina as mudanças da Reforma Trabalhista sobre a relação entre empregado e empregador que foram introduzidas pelo artigo 59-A da Consolidação das Leis Trabalhistas. No presente artigo, o principal aspecto a ser observado é o acréscimo de nova possibilidade que compreende a viabilidade de aplicação do regime trabalhista 12x36 por intermédio de acordo firmado individualmente, por escrito e aplicável a qualquer categoria.

O quarto capítulo discute a Medida Provisória nº 808/2017 e sua posterior perda de eficácia. A Medida Provisória, editada pelo Presidente da República, Michel Temer, foi elaborada com o intuito de reformar alguns equívocos trazidos pela Lei nº 13.467/2017, que originou a tão discutida Reforma Trabalhista.

O quinto capítulo apresenta o resultado de pesquisa de campo cujo objetivo é conhecer, mediante entrevistas, as várias interpretações acerca dos possíveis benefícios e malefícios causados pela referida jornada de trabalho. As entrevistas, com base em questionário de perguntas, colheram as interpretações de sindicalistas da área da saúde e outras categorias, bem como as de operadores do Direito, de maneira a abarcar o maior número possível de entrevistados e opiniões sobre o tema em debate.

O sexto capítulo expõe a jornada laboral de 12 horas com base em estudos científicos de experiências internacionais com essa jornada para evidenciar a prejudicialidade da adoção de 12 horas de trabalho ininterruptos, em especial, para a saúde física e mental do trabalhador.

No sétimo e último capítulo, o regime 12x36 será problematizado sob a perspectiva da ADI nº 5994 que impugna a constitucionalidade da jornada introduzida pelo art. 59-A da CLT. Discute-se como o referido regime poderá ser interposto sem a presença de entidade de classe nas negociações, o que tornou nulo o enunciado da Súmula 444 do TST.

1 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA JORNADA 12X36

Para fundamentar uma análise mais incisiva a respeito dos questionamentos sobre a constitucionalidade da inclusão do dispositivo fixado no art. 59-A, da Consolidação das Leis do Trabalho, é preciso inicialmente fixar o entendimento sobre determinados conceitos laborativos. No Direito Trabalhista, pode-se atribuir diferentes definições acerca do período laboral ao se referir à jornada de trabalho, ao horário de trabalho e à duração do trabalho.

A jornada de trabalho disciplinada pelo art. 4º da CLT pode ser compreendida, consoante definição doutrinária de Sérgio Pinto Martins, como o período de tempo a partir do momento em que o empregado chega à empresa até o momento em que dela se retira[1]. Portanto, considera-se como o tempo em que o empregado permanece à disposição do empregador, computando-se apenas as horas que foram efetivamente trabalhadas, não sendo possível, por exemplo, considerar os intervalos intrajornada.

O horário de trabalho conforme o entendimento de Luciano Martinez, significa a duração do trabalho com seus limites bem especificados, inclusive com a fixação dos intervalos[2], ou seja, é o período do início ao fim da jornada de trabalho diário, no entanto, incluindo os intervalos para descanso. A duração do trabalho, determinada pelo art. 7º, inciso XIII, da CF/88 e art. 58 da CLT, é definida como a duração legal do trabalho ou atividade que não exceda 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) semanais, salvo disposição contrária em lei.

Conforme as premissas estabelecidas acima, se interpreta que se a duração de 8 (oito) horas de trabalho for excedida haverá a caracterização de horas extras. Todavia, para os propósitos desse artigo é preciso discutir as jornadas especiais, singularmente, a que abrange o regime de compensação 12x36. Maurício Godinho Delgado define-a como a jornada que consiste em 12 horas de trabalho diário, em horários fixos, seguidas de 36 horas de descanso[3]. Observe-se ainda que se o empregador exceder 4 (quatro) horas além do disposto em nossa Carta Magna, elas deverão ser compensadas porque serão 36 horas ininterruptas de descanso, em concordância com a permissão legal estabelecida no art. 7º, inciso XIII, da CF/88.

Luciano Martinez defende essa mesma interpretação das diretrizes do regime de compensação 12x36 ao argumentar que se um trabalhador inserido em regime de compensação de 12 horas de trabalho por 36 de folga extrapola o limite da 8ª hora diária, isso ocorrerá não por conta de uma prorrogação de jornada, mas apenas por uma circunstância de compensação de horários[4], da qual se propõe uma análise mais aprofundada, nos capítulos seguintes.

2 HISTÓRICO DA JORNADA 12X36 NO BRASIL

2.1 ANTES DA SÚMULA 444 DO TST

No Brasil, antes do ano de 2012, não havia nenhuma regulamentação específica que estabelecesse diretrizes para coordenação do tempo de labor nas jornadas 12x36 na CLT. Até então essa jornada se restringia apenas a poucas categorias, não necessariamente celetistas, pois havia categorias de trabalhadores de regime estatutário, como é o caso da área de saúde e segurança. Como explica o doutrinador José Avelino a referida jornada de trabalho é adotada, geralmente, em profissões sanitárias e de vigilância[5].

Entretanto, na tentativa de conter a instabilidade jurídica gerada pela absentia lege na CLT em relação à disciplina jurídica do regime 12x36, muitos magistrados decidiram cobrir esse vácuo legislativo utilizando-se da analogia deste ao regime adotado pelos Bombeiros Civis, disposto na Lei de nº 11.901/09. É o caso, por exemplo, da interpretação do Desembargador José Pitas, em decisão datada de maio de 2011, ao determinar que a jornada especial deve ser respeitada [...] em razão da aplicação analógica, ao presente caso, da lei 11.901/09,[6] aderindo, visivelmente, a uma postura mais flexível quanto à validade desta espécie de jornada.

Porém, devido à expansão das demandas processuais acerca desse tema, através da interposição de considerável número de reclamações trabalhistas ou recursos, fez-se necessária a pacificação dessa matéria, em razão das interpretações diversas empregadas tanto pelos Tribunais Regionais, quanto pelo Tribunal Superior do Trabalho, que, muitas vezes, entendiam até pela nulidade da convenção deste tipo de jornada.

Deste modo, em função da carência de regulamentação específica para o regime de trabalho 12x36, houve a necessidade de criação de um entendimento que atuasse de forma convergente ao entendimento dos tribunais, no qual, finalmente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), em setembro de 2012, na Súmula 444 sobre validade da jornada de 12 por 36 horas, sustentou que esta disposição será possível só em casos excepcionais[7] pautando a exigibilidade de acordo ou convenção coletiva como requisitos prévios para sua devida apreciação.

2.2 APÓS DA SÚMULA 444 DO TST

Antes da inclusão do artigo 59-A da CLT, a modalidade de jornada de trabalho 12x36 era regulamentada pela Súmula nº 444. Trata-se de direito sumulado decorrente de jurisprudência consolidada pelo Tribunal Superior do Trabalho em virtude da grande demanda por passivos trabalhistas, dadas às divergências de entendimentos nos tribunais, uma vez que não havia uma padronização em face das diferentes interpretações das jurisdições sobre essa jornada de trabalho, in verbis:

Súmula 444/TST. É valida, em caráter excepcional, a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso, prevista em lei ou ajustada exclusivamente mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, assegurada a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. O empregado não tem direito ao pagamento de adicional referente ao labor prestado na décima primeira e décima segunda horas.

A Súmula supracitada foi clara ao mencionar que a jornada de trabalho 12x36 somente poderia ocorrer em caráter excepcional, ou seja, não era válida para qualquer modalidade de emprego, mas, aplicável de maneira não habitual, observadas as particularidades do caso concreto analisado. Também, era transparente com relação às formas em que poderia se realizar, sendo elas mediante acordo ou convenção coletiva, como permite a Constituição Federal de 1988. Em uma interpretação teleológica José Avelino argumenta que o fundamento para a execução de tal jornada, tem por base a preservação da saúde e a dignidade do trabalhador[8].

Contudo, com o advento da reforma da legislação celetista pela Lei nº 13.467/17, a referida Súmula nº 444 restou mitigada, devido à positivação da jornada 12x36 mediante a inserção do artigo 59-A. A sua redação tornou viável a aplicação desse regime, por intermédio de pactuação firmada individualmente entre empregado e empregador, dispensando a participação das entidades de classe nas negociações.

Segundo as interpretações dos doutrinadores Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado, tais aspectos podem contribuir para uma disparidade ainda maior das relações trabalho, pois a interpretação literalista desse novo preceito, entretanto, conduziria à deflagração de profunda insegurança jurídica para o trabalhador no contexto da relação de emprego, além de exacerbar o poder unilateral do empregador nessa relação já fortemente assimétrica[9].

Desta maneira, torna-se indubitável asseverar que essa inovação normativa contribuiu negativamente tanto para saúde física e mental do trabalhador, quanto para majorar a desproporção nas relações de emprego, visto que, ainda segundo os mesmos doutrinadores, a nova lei não agiu com equilíbrio, sensatez e ponderação, pois afastou diversas garantias à pessoa humana que vive de seu trabalho[10]. Esse fato, consequentemente, gerou amplas discussões acerca da constitucionalidade dessa modernização das relações laborais.

3 O REGIME 12X36 APÓS A REFORMA TRABALHISTA

Por intermédio da aprovação da Lei nº 13.467/17, que reestruturou as diretrizes normativas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a conhecida Reforma Trabalhista foi promulgada com o intuito principal de impulsionar a promoção de empregos e viabilizar a liberdade de acordo entre empregado e empregador, buscando, assim, atalhos para o favorecimento e equilíbrio das relações de emprego.

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Dentre as significativas alterações realizadas no referido diploma legal, pode-se ressaltar a inclusão do art. 59-A à CLT. Ela, finalmente, oficializa e disciplina a implementação da jornada 12x36 ao Código Trabalhista, instrumentalizando a possibilidade de pactuação desse regime, por intervenção de acordo individual escrito, o que corrobora um dos objetivos que pautaram a necessidade de mudança regulamentar, qual seja, a viabilização da liberdade de acordo entre ambos componentes da relação de trabalho. Frente a esse objetivo específico, cumpre-nos analisar a inclusão do seguinte dispositivo:

Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.

Parágrafo único. A remuneração mensal pactuada pelo horário previsto no caput deste artigo abrange os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e pelo descanso em feriados, e serão considerados compensados os feriados e as prorrogações de trabalho noturno, quando houver, de que tratam o art. 70 e o § 52 do art. 73 desta Consolidação.[11]

Em relação ao caput, diferentemente ao estabelecido em nossa Carta Magna acerca dos acordos ou convenções coletivas de trabalho, o art. 59-A trouxe consigo a plena exequibilidade de pactuação de acordo individual escrito, tanto para formalização do regime, quanto para a supressão do intervalo intrajornada. Havendo a aplicação desse último aspecto da norma, este demanda ao empregado a realização do seu labor por 12 horas ininterruptas, carregando, porém, a possibilidade de ser devidamente indenizado caso suas pausas para repouso ou alimentação sejam suprimidas.

Outra interessante observação trata-se do parágrafo único do mesmo artigo, ao instituir que a remuneração mensal pactuada engloba, sem prejuízos, os vencimentos devidos ao trabalhador, referentes ao descanso semanal e feriados, considerando, ainda, compensados os feriados e as prorrogações de trabalho noturno, o que demonstra fortes aspectos de involução normativa, pois, segundo o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, em seu parecer, no que concerne a ADI 5994, o diploma legitimou o salário complessivo, repudiado pela jurisprudência trabalhista por representar falta de transparência e segurança no cumprimento de obrigações patronais,[12] contribuindo para acentuar ainda mais a insegurança do trabalhador e fomentar a disparidade nas relações de emprego.

Em relação às peculiaridades intrínsecas à remuneração no período noturno, pode-se inferir que não foram observadas as características estabelecidas pelo art. 7º, inciso IX da Constituição Federal, ao precisar que a remuneração do trabalho noturno é superior à do diurno[13], configurando, portanto, mais uma violação da Lei Maior inserida neste dispositivo.

Dadas às sinuosas divergências retratadas, que abarcam contrariedade tanto ao texto Constitucional, quanto aos tratados internacionalmente convencionados pelo Brasil, sendo estes detentores de caráter supralegal, quais sejam, a Convenção Americana dos Direitos Humanos (1992) e a Organização Internacional do Trabalho (1919), fez-se necessária a publicação de uma Medida Provisória, por parte do Governo Federal, que viabilizasse a supressão destes e dos demais preceitos normativos que destoaram da apreciação constitucional da reforma.

4 A MEDIDA PROVISÓRIA nº 808/2017

Ao entrar em vigor imediatamente após sua publicação, em novembro de 2017, a Medida Provisória nº 808 sobreveio com o propósito de afastar, da, até então, nova Lei nº 13.467/2017, que instituiu a reforma trabalhista, toda e qualquer disposição regulamentar que se enquadrasse fora das delimitações estabelecidas pela Constituição Federal e pelas convenções internacionais ratificadas pelo Brasil. Segundo Henrique Correia, a nova MP, além de revogar alguns artigos da Lei nº 13.467/2017, alterou 10 pontos da Reforma,[14] o que demonstra a falta de comprometimento do legislador ao elaborar normas.

Dentre os tópicos que demonstraram carência de alteração, mediante a publicação da referida Medida Provisória, inclui-se, por óbvio, a jornada 12x36, que se contrapõe em diversos aspectos, ao texto constitucional. Destarte, manifestada a robusta necessidade de mudança, na busca de favorecer o equilíbrio das relações de emprego, assim se instituiu a nova redação dada ao art. 59-A da CLT, com o advento da MP nº 808/17:

Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 e em leis específicas, é facultado às partes, por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.

§1o. A remuneração mensal pactuada pelo horário previsto no caput abrange os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e pelo descanso em feriados e serão considerados compensados os feriados e as prorrogações de trabalho noturno, quando houver, de que tratam o art. 70 e o § 5o do art. 73.

§2º. É facultado às entidades atuantes no setor de saúde estabelecer, por meio de acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.[15]

Prima facie, no que tange ao caput do art. 59-A, denota-se agora a desnecessidade de se aplicar o regime 12x36 regulado pela legislação celetista em sobreposição às leis trabalhistas específicas, que dispõem acerca do mesmo tema. Segundo essa lógica de interpretação, Henrique Correia argumenta que o art. 10 da Lei do Doméstico e o art. 5º da Lei no 11.901/2009 (Bombeiro Civil), que estabelecem regras próprias para a jornada 12x36, devem permanecer aplicados às respectivas relações jurídicas de emprego[16], assegurando, dessa forma, a observância da lei que ostenta mais vantagem ao trabalhador.

Outra importante peculiaridade que foi devidamente transformada para que se alinhasse aos preceitos constitucionais e parâmetros normativos supralegais diz respeito à viabilidade de pactuação da referida jornada, por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, o que reproduz a disposição referendada através do art. 7º, inciso XXVI da Constituição Federal, dando reconhecimento às convenções e acordos coletivos de trabalho, como direito dos trabalhadores, sejam estes rurais ou urbanos.

Agregado a esse reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, insta ressaltar, que foi suprimida também, por meio da publicação da referida MP nº 808, a exequibilidade de pactuação de acordo individual escrito para o afastamento do intervalo intrajornada, ainda que devidamente indenizado, fazendo subsistir somente a possibilidade de se estabelecer tal medida por intermédio de convenção ou acordo.

Em contrapartida, ao contemplarmos a inclusão do parágrafo segundo, verifica-se certa flexibilização normativa quanto ao estabelecimento de acordo individual escrito, por entre a observação da concessão de faculdade às entidades atuantes no setor de saúde, para estabelecer este meio individual de convenção, carregando, também, a possibilidade de aplicação das convenções e acordos coletivos de trabalho sem prejuízos às entidades ou trabalhadores.

Contudo, com base no art. 62, §4º da Constituição Federal, a promulgação de uma medida provisória atende a um determinado prazo de vigência, competindo a tal determinação a durabilidade de 60 (sessenta) dias, sendo passível de prorrogação por igual período. Por essa razão a MP nº 808/2017 dispôs inteiramente do seu período de validade, tendo ainda sua vigência prorrogada em virtude do recesso parlamentar.

Entretanto, ainda que fosse valorosa para equilibrar as relações de emprego no cenário trabalhista, a MP nº 808/2017 não fora transformada em lei, perdendo sua eficácia em abril de 2018. Em consequência desses fatos, somente as relações jurídicas desenvolvidas na decorrência da validade da supradita medida ainda permaneceram sob a égide desta, fazendo com que as novas demandas processuais fossem outra vez administradas sob as diretrizes do texto aprovado anteriormente, voltando este a vigorar de maneira integral.

Desta maneira, renovaram-se as diversas discussões que argumentavam pela inconstitucionalidade da promulgação do texto originariamente atribuído ao art. 59-A da CLT, fomentadas, principalmente, pelas inseguranças jurídicas resultantes das incongruências ressaltadas em sua redação. Desde então, as divergências interpretativas sustentadas pelos interessados em juízo e os posicionamentos doutrinários antagônicos são indícios da relevância de um debate mais incisivo acerca deste dispositivo, o que motivou a elaboração da pesquisa de campo que será exibida no capítulo seguinte.

5 PESQUISA DE CAMPO SOBRE OS IMPACTOS DA NOVA JORNADA 12X36 NAS RELAÇÕES DE EMPREGO

Ao vislumbrar a importância de reunir relevantes opiniões a respeito da jornada 12x36, o presente capítulo pretende abordar, mesmo que diante de pontos de vista divergentes, os impactos criados pela inclusão do art. 59-A na CLT com a promulgação da Lei nº 13.467/17. A pesquisa de campo elaborou um questionário de perguntas que foi submetido para análise de entrevistados que abrangessem operadores do direito que atuam sob diferentes perspectivas nas em relação ao tema investigado.

No que concerne à jornada de compensação 12x36, ao ser questionado, o Procurador do Ministério Público do Trabalho de São Paulo, Dr. Rodrigo Lestrade Pedroso, entendeu que o legislador ordinário fere a Constituição Federal, pontualmente em seu art. 7º, inc. XIII, admitindo a possibilidade de pactuação de tal jornada por meio de acordos individuais, enfatizando, também, que viola a Convenção 155 da OIT, em seus artigos 5º, alínea b e 8º.

Em congruência a essa percepção, o Dr. Leonardo Fazito, advogado do Sindicato dos empregados em estabelecimentos de serviços de saúde (SINDEESS), de Belo Horizonte e região metropolitana, argumentou que a jornada especial seria inconstitucional, explicitando seu descontentamento, não apenas no que diz respeito à expressão acordo individual escrito, mas, também, acentuando outros pontos relevantes que são discutidos pela doutrina, como a possibilidade de indenização do intervalo intrajornada, a qual repreendeu.

A terceira entrevistada, a professora, advogada e mestre em Direito do Trabalho, Gabriela Nogueira Xavier Matias, concordou que a Reforma Trabalhista alterou sensivelmente as normas trabalhistas, considerando que muitos dos dispositivos foram bem pensados e trouxeram uma uniformização das normas processuais. No entanto, reiterou que os dispositivos que abordam questões de direito material do trabalho vieram em contramão dos princípios trabalhistas da proteção, da alteridade, da norma mais favorável, dentre outros.

Quanto ao quarto entrevistado, o Sindicato dos Empregados em Edifícios e Condomínios, Empresas de Prestação de Serviços em Asseio, Conservação, Higienização, Desinsetização, Portaria, Vigia e dos Cabineiros (SINDEAC), de Belo Horizonte, na pessoa de sua advogada, Dra. Érika Masin, consentiu com os pontos de vista de outros entrevistados, evidenciando, principalmente, as dificuldades que o sindicato tem enfrentado diante das negociações coletivas travadas com os sindicatos patronais e com os empregadores, para manutenção dos direitos anteriormente resguardados no corpo de seus acordos e convenções.

Os entrevistados, ao argumentarem se as mudanças provenientes da Reforma Trabalhista teriam trazido benefícios ao empregador, de forma unânime, expuseram positivamente, ressaltando as convicções que foram anteriormente expostas, asseverando, contudo, o advogado Leonardo Fazito, que não apenas trouxe benefícios ao empregador, mas, sim, o que chamou de vantagem indevida, tendo em vista a estipulação da jornada especial 12x36 para qualquer setor de atividade, sem, ao menos, a participação das entidades sindicais, favorecendo o empregador com reduções de custo, o que está em desacordo com a Constituição da República.

É sabido, conforme elucidado neste trabalho, que foi editada, pelo então Presidente da República, Michel Temer, a Medida provisória nº 808/2017, com o intuito de fazer algumas correções na lei que concebeu a reforma aqui abordada. Esta foi bem recepcionada pelos entrevistados, de um modo geral, pois, em concordância com o aludido pela Dra. Érika Masin, representante do SINDEAC, tal medida favoreceria as negociações coletivas realizadas pelo sindicato, em razão de entender de extrema relevância a intervenção obrigatória deles, para que as relações de trabalho não se tornem precarizadas, no qual os empregados terão a oportunidade de ajuste de melhores condições. Todavia, o representante do SINDEESS, por não ser favorável à jornada de trabalho 12x36, restou convencido de que a medida provisória também não era conveniente, e estava apenas tentando domesticar um monstro, conforme exprimiu.

Diante das indagações feitas em relação à saúde do trabalhador que exerce seu labor no regime do qual foi discorrido, os operadores do direito partilharam de uma mesma opinião, ambos concordando que a maioria dos trabalhadores, por terem, teoricamente, 36 horas para o descanso, irão utilizar-se destas para exercerem outra atividade, como exemplificado pelo Procurador, Dr. Rodrigo Lestrade Pedroso, a função de motorista de aplicativo, o que se tem visto com muita frequência nos dias atuais, trazendo malefícios aos trabalhadores como danos irreparáveis à sua saúde, de acordo com o que será solidificado no próximo capítulo.

6 A JORNADA DE 12H DE TRABALHO SOB PERSPECTIVA INTERNACIONAL

Empenhando-se na busca por argumentos que fundamentem um maior entendimento sobre as eventuais lesões que esse regime causa à saúde, em detrimento da adoção da jornada de 12 horas ininterruptas de trabalho, essa seção do artigo se propõe analisar os estudos publicados nos Estados Unidos, França, Portugal, Reino Unido e Arábia Saudita, que serão utilizados como parâmetros de saúde, sono e qualidade de vida do trabalhador em razão das 12 horas empregues em serviço e suas consequências.

Conforme os entendimentos postulados inicialmente pelo autor Salaheddine Bendak, é interessante ressaltar que os estudos em exame compreendem décadas recentes e são pautados por diferentes opiniões, atribuindo a este tipo de jornada efeitos positivos, negativos e mistos, os quais ainda demandam muita investigação, pois somente nas últimas décadas, desenvolveu-se uma necessidade crescente de operar muitos locais de trabalho e continuamente durante 24 horas[17], que, predominantemente, envolvem as profissões de saúde e de segurança.

Atentando-se para o regime de 12h de trabalho, comumente chamado pela literatura internacional de twelve-hour shift, afirma o mesmo autor que, a depender do design empregado pela jornada, ou seja, o padrão de rotação de turnos, número de turnos consecutivos trabalhados, regimes de descanso e turno tempos de início e término[18] o trabalhador pode experimentar variados tipos de fadiga, fato que, consequentemente, altera sua visão e desempenho durante qualquer duração de turno específico[19] podendo prejudicar, de maneira temerária, a execução da atividade laboral.

Em estudo quantitativo relacionado à produtividade dos profissionais de enfermagem que utilizam-se do regime twelve-hour shift, pôde-se constatar que os horários de trabalho estendidos podem impactar no cuidado e segurança do paciente[20], pois, efetivamente, enfermeiros trabalhando em turnos de 8 horas também obtiveram pontuações significativamente mais altas nos domínios de prática físico e profissional do que aqueles que trabalham por 12 horas ou mais[21], denotando a indispensabilidade de se estabelecer períodos destinados a pausas para realização de descanso durante os plantões, para que o desempenho profissional não seja prejudicado.

Caminhando neste mesmo sentido, a autora francesa Fanny Vincent, em seu estudo sobre as perspectivas interdisciplinares sobre o trabalho e saúde, argumenta que algumas experiências vividas por profissionais de saúde na condição de cuidadoras (geriatras) são marcadas pelo desgaste físico e emocional e por rotinas sucessivas. Para a área de saúde a geriatria é, sem dúvida, vista como o serviço mais pesado para a saúde por parte dos cuidadores [...] devido à conhecida falta de meios e ao pesado fardo física e mental[22] sendo resultante de um trabalho intenso, no ritmo que ele impõe e na disponibilidade que exige[23], no qual não se dispõe de pausa intrajornada.

Destaca-se desta maneira, a necessidade do já mencionado período para realização de pausas para o descanso, pois, na também pesquisa quantitativa relacionada ao desempenho dos profissionais da saúde, foi verificado que em relação à produtividade destes, evidenciou-se um declínio extremo nas enfermeiras do turno da noite [...] enquanto as enfermeiras do turno diurno mantiveram a eficácia cognitiva prevista ideal durante todo o estudo[24], implicações estas que denotam traços de insuficiência cognitiva, em razão da privação do sono noturno.

Defronte a esta análise, é possível observar que as consequências causadas pela adoção do regime de 12h de trabalho podem trazer eventuais prejuízos à saúde, e são consideradas, segundo os estudos publicados, inviáveis, pois os resultados negativos do bem-estar podem levar a um aumento das faltas por doença[25], em razão de produzir um redimensionamento das demandas de trabalho, o que pode levar à deterioração da condição de saúde e bem-estar, bem como da desestabilização da organização da vida fora do contexto de trabalho[26].

Sendo assim, por intermédio do exame das pesquisas e estudos clínicos postulados, caminha-se agora, no sentido de produzir, de maneira interpretativa, uma análise para se a norma evidenciada neste trabalho dirige-se em consonância aos princípios balizados pelos dispositivos normativos constitucionais, supralegais e infraconstitucionais, que serão desenvolvidos no capítulo a seguir.

7 O REGIME 12X36 À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A ADI 5994

Com o objetivo de estabelecer critérios hermenêuticos e jurídicos que sejam relevantes para apreciação do dispositivo normativo posto em destaque, mediante disposição dos parâmetros anteriormente abordados, é proposta, nesse momento, a demonstração da inconstitucionalidade material do art. 59-A da CLT. Segundo nossa hipótese, ele viola dispositivos constitucionais e tratados internacionais ratificados pelo Brasil, por seu conteúdo incompatível com as normas constitucionais e legais vigentes, o que é ressaltado por parte expressiva da doutrina trabalhista com base na Lei nº 13.467/2017.

Neste mesmo sentido cabe-nos esclarecer que o exame do instrumento normativo evidenciado será apreciado predominantemente por meio da interpretação sistemática e teleológica. A interpretação sistemática procura estabelecer certa proporcionalidade e equilíbrio da disposição jurídico-normativa em si, em contraste à conjuntura do ordenamento jurídico. A interpretação sistemática parte de argumentos que destacam os significados díspares das normas e escolhem aqueles sentidos que favoreçam o melhor aproveitamento delas à luz da coerência e unidade do ordenamento jurídico. A interpretação teleológica atribui significado às normas tendo como premissa que o fim ou propósito delas é decisivo para se fixar o seu sentido em face de uma controvérsia sobre a sua aplicação. Portanto, estabelecerá também critérios finalísticos para análise da referida disposição.

Assim como já foi levantado no capítulo 4 deste artigo, é notório analisar que, com a perda da eficácia normativa da MP nº 808/2017, instituída com o objetivo de estabelecer o equilíbrio das relações de emprego e conter a insegurança jurídica propiciada pela publicação da Lei nº 13.467/2017, as novas demandas processuais foram novamente administradas sob a égide do antigo texto aprovado, este que voltou a vigorar de maneira integral, in verbis:

Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.

Parágrafo único. A remuneração mensal pactuada pelo horário previsto no caput deste artigo abrange os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e pelo descanso em feriados, e serão considerados compensados os feriados e as prorrogações de trabalho noturno, quando houver, de que tratam o art. 70 e o § 52 do art. 73 desta Consolidação.[27]

Compreendendo a importância da saúde e bem-estar do trabalhador, mormente aos períodos laborais e de descanso, não se pode desprezar o fato que nossa Constituição Federal, em profunda afinidade com os entendimentos do então Procurador-Geral da República Augusto Aras, elevou os direitos dos trabalhadores à categoria de direitos fundamentais, em um rol que se assenta no princípio da progressividade social ou impossibilidade de regresso social[28], no qual se destaca o papel protetivo quando da elaboração das normas constituintes, que vislumbram a salvaguarda desses direitos, não se admitindo a redução ou renúncia de quaisquer destes.

Não obstante, ao contemplarmos o que preceitua o já mencionado dispositivo infraconstitucional, percebe-se o claro distanciamento frente aos objetivos pretendidos com sua inserção, em relação às consequências realmente auferidas a partir de sua promulgação, pois, embora fossem almejados atalhos para o favorecimento e equilíbrio das relações de emprego, a referida norma, além de carecer de fundamento constitucional, legitimou o salário complessivo, pela ausência de lisura quando descreve a abrangência da remuneração mensal pactuada.

Na análise do caput, se reconhece a manifesta finalidade do legislador no intuito de facilitar a pactuação do regime compensatório 12x36, conferindo ao empregado e ao empregador a faculdade de exercê-la por intermédio de acordo individual escrito, na qual, admite-se de igual maneira, a viabilidade de supressão do intervalo intrajornada condicionada sob indenização das pausas que seriam devidamente utilizadas para eventual repouso ou alimentação.

Conforme o parecer emitido pela Advocacia-Geral da União (AGU) na ADI n. 5794, não haveria qualquer óbice à saúde e ao descanso do trabalhador, em razão desta jornada específica contar com um período estendido destinado ao repouso. A manifestação da advocacia Geral da União nesta ação argumentou ainda que a Constituição Federal em nenhum momento vedou a criação de jornadas especiais, desde que estas não tragam prejuízos ao trabalhador, oportunizando assim, espaço ao legislador infraconstitucional, para criação da referida norma. Contudo, há muitas evidências empíricas robustas que jornadas com essas características tendem a causar danos consideráveis à saúde e bem-estar dos trabalhadores.

No tocante à possibilidade de se estabelecer acordo firmado individualmente a interpretação da AGU sustentou que a liberdade sindical foi recentemente reforçada quando do julgamento da ADI n° 5794, que reconheceu a constitucionalidade da contribuição sindical facultativa[29], concluindo-se que o sistema não é binário e excludente, de modo que a faculdade de entabulação de acordo individual não afasta a possibilidade de as entidades sindicais formalizem acordo ou convenção coletiva[30], amparado, principalmente, no princípio da liberdade individual do empregado em vincular-se a estas entidades.

Todavia, em razão do reconhecimento de uma nova vertente de pactuação, para que seja avençado o regime compensatório 12x36 e viável supressão do intervalo intrajornada, dispensando a relevante participação das entidades de classe em uma possível negociação trabalhista, podendo esta ser instituída através de um simples acordo bilateral escrito, o legislador, ainda segundo Aras, desestimula a negociação coletiva e impõe aos entes sindicais perda de poder de defesa coletiva dos trabalhadores[31], acarretando desequilíbrio das relações de emprego, que já demonstra fortes aspectos de assimetria.

Não obstante, essas asserções, não restam dúvidas que a redação atribuída ao caput ostenta completo desalinho no tocante aos preceitos constitucionais estabelecidos, quando desprestigia a chancela sindical quanto às negociações coletivas, em completo descompasso com a valia concedida a essas entidades, por meio da Lei Maior, precisamente em seu art. 8º, incisos III e VI, ao delinearem sobre o importante papel dos sindicatos na defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas, preconizando também sua atuação indispensável através das negociações coletivas.

Nesse mesmo sentido, ainda segundo a Constituição Federal, agora, em seu art. 7º, inciso XXVI, é conferido aos trabalhadores, sejam rurais ou urbanos, o pleno reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, postura esta que já foi objeto de debate pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, assinalado majoritariamente pelo seguinte entendimento:

TRT da 4ª Região - Proposta nº2 da Comissão nº2 da I Jornada sobre a Reforma Trabalhista:

Regime compensatório 12x36 por acordo individual. Invalidade. A compensação de horários 12x36 exige intervenção sindical. artigo 7º, XIII, da Constituição da República.

Por fim, deve-se ressaltar o significativo papel das Convenções Internacionais 98 e 154 da Organização Internacional do Trabalho, estas ratificadas pelo Brasil, das quais se evidencia a outorga de reconhecimento das negociações coletivas de trabalho, como ferramentas fundamentais para proteção dos direitos do trabalhador, quanto à sua saúde, tempo de trabalho, descanso e remuneração, demonstrando a valia da intervenção das entidades de classe nestas negociações, e, apresentando, mais uma vez, as incongruências constatadas por intermédio do exame do dispositivo infraconstitucional em destaque.

Paralelamente, ao analisar o disposto no parágrafo único do art. 59-A da CLT, denota-se o claro objetivo do legislador de simplificar os vencimentos devidos ao trabalhador, quanto ao pagamento da remuneração mensal pactuada, fazendo com que esta compreenda os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e em feriados, considerando compensadas também as prorrogações de trabalho noturno.

Argumenta a Advocacia-Geral da União que, assim como levantado anteriormente, o eminente regime analisado corresponde a uma modalidade específica, decorrendo, deste modo, de uma compensação especial pelo labor em condições desfavoráveis[32], declarando legítimas as transformações obtidas por intermédio da promulgação da Lei nº 13.467/17, da qual se instituiu o câmbio da compensação de ordem meramente financeira pela ampliação do período de descanso[33], considerando, assim, compensados os vencimentos devidos ao trabalhador, em detrimento da dilatação de seu período destinado ao descanso.

Consoante à interpretação de Homero Batista, o presente instrumento analisado demonstra o propósito de ser o mais abrangente possível, prevendo a supressão da hora noturna reduzida e, ainda, a supressão do intervalo para refeição, tudo para que às 12h sejam mantidas intactas e o turno seguinte entre na sequência, sem a mínima oscilação[34], expressando uma maior preocupação do legislador em fazer com que o trabalhador se encaixe dentro do período laboral de 12 horas, do que propriamente com a sua saúde em relação ao extenso período laboral ininterrupto.

É inegável que a junção de diferentes aspectos para que compreendam uma única razão remuneratória, além de legitimar o salário complessivo, matéria amplamente depreciada ante à Justiça do Trabalho, o parágrafo único do art. 59-A visa eximir o empregador da apresentação discriminada dos vencimentos devidos ao seu empregado, em que se condensa em um só provento os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e em feriados, compensadas também as prorrogações de trabalho noturno, contribuindo vultosamente para um efetivo desequilíbrio das relações de emprego.

Em relação à compensação dos feriados trabalhados, é de suma importância observarmos o que estabelece o art. 70, caput, da CLT, ao determinar que salvo o disposto nos artigos 68 e 69, é vedado o trabalho em dias feriados nacionais e feriados religiosos, nos termos da legislação própria. Nas atividades em que não for possível, em virtude das exigências técnicas das empresas, a suspensão do trabalho, nos dias feriados civis e religiosos, é imposta ao empregador a duplicação da remuneração devida ao empregado, para cada dia laborado que não foi compensado com folga em data posterior, assim como dispõe o supracitado art. 9º, caput, da Lei nº 605/49.

Da mesma maneira, entende majoritariamente o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, ao versar sobre esta matéria, in verbis:

TRT da 4ª Região - Proposta nº2 da Comissão nº2 da I Jornada sobre a Reforma

Trabalhista:

Jornada 12x36. Feriados. Impossibilidade de Regime complessivo quanto ao pagamento de feriados.

Já em relação à compensação do descanso semanal remunerado, observa-se que o empregado inserido em um regime de trabalho regular, ainda que calculado por mês ou quinzenalmente, dispõe da integralidade de seus vencimentos pagos em sua remuneração. Em contrapartida, o trabalhador que adota o regime especial 12x36, observados os termos do parágrafo único do art. 59-A, tem seus vencimentos fundidos às demais remunerações devidas. Nesse caso, há de se considerar o posicionamento majoritário da jurisprudência trabalhista quanto à ilegitimidade do salário complessivo, haja vista que o repouso semanal remunerado é abordado separadamente mediante o art. 7º, inciso XV, da Constituição Federal.

Acerca da distinção dos aspectos remuneratórios abordados, ainda segundo Aras, destaca-se a ênfase concedida a este tema, por intermédio das Convenções Internacionais 14 e 106 da Organização Internacional do Trabalho também ratificadas pelo Brasil, preconizando o direito do trabalhador ao descanso remunerado, assim como também exposto pelo Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais[35], precisamente em seu art. 7º, alínea d, dispondo que:

Art. 7º. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de

gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente:

[...]

d) O descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas

remuneradas, assim como a remuneração dos feriados.[36]

Nesse mesmo compasso, trataremos sobre as prorrogações do trabalho noturno, em que, ainda em conformidade com a colocação do art. 59-A da CLT, é igualmente considerado compensado mediante o pagamento de uma única razão remuneratória, dispensando, por óbvio, a apresentação discriminada dos vencimentos devidos, uma vez que o trabalho noturno é dotado de especificações, inclusive em relação à hora trabalhada, o que retrata, mais uma vez, a incompatibilidade do dispositivo analisado com a Constituição Federal, no que tange ao art. 7º, inciso IX, ao definir acerca da sobrerremuneração do trabalho noturno, no que se refere ao período laboral diurno.

Ademais, há que se falar que tal norma contrapõe, do mesmo modo, o estatuído na CLT, conforme disposição retratada no art. 73, parágrafo 5º, que estabelece o acréscimo de, no mínimo, 20% (vinte por cento) da hora noturna trabalhada sob à hora diurna. De igual maneira, entendem os doutrinadores Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado, frisando que:

Relembre-se, ademais, que a Constituição de 1988 apresenta regra expressa determinando o pagamento de "remuneração do trabalho noturno superior à do diurno" (inciso IX do art. 7o, CF). Dessa maneira, relativamente a esse pagamento (no caso, o adicional noturno previsto pela própria CLT: art. 73, caput - 20%), não há como excluir a imperatividade de seu adimplemento, se a jornada de plantão abranger, no todo ou em parte, o horário entre 22:00 horas e 05:00 horas da manhã no segmento urbano.

O fato é que a sobrerremuneração do trabalho noturno é imperativa, resultante da Constituição de 1988 (art. 7o, IX, CF). Os horários da jornada noturna e os percentuais do adicional noturno é que podem, sim, ser distintos, em conformidade com a legislação aplicável (trabalho urbano; trabalho rural; trabalho no setor portuário; trabalho no setor petrolífero, etc.).[37]

A distinção quanto às especificidades que permeiam a adoção do trabalho no período noturno também foram pauta central da Organização Internacional do Trabalho (OIT) por meio da Convenção 171, da qual, novamente, o Brasil foi signatário, desta vez, preconizando temas como a saúde, compensação e benefícios para o trabalhador que estabelece, em todo ou em parte, seu período laboral noturnamente. Caminhando neste mesmo sentido, coloca-se majoritariamente a posição do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, nestes termos:

TRT da 4ª Região - Proposta nº4 da Comissão nº2 da I Jornada sobre a Reforma Trabalhista:

O trabalhador submetido ao regime 12x36 faz jus à remuneração da hora noturna pelo trabalho noturno prorrogado. Princípio da isonomia e artigo 7o, IX, da Constituição Federal.

Feitas tais atribuições, torna-se indiscutível a constatar que, embora o objetivo inicial do legislador fosse tracejado com o propósito de promover do equilíbrio nos vínculos empregatícios de maneira geral, este contribui para um cenário de inseguranças jurídicas e produz circunstâncias que podem trazer prejuízos, não só ao ambiente de trabalho e ao trabalhador, mas, também, a sua saúde, lazer, descanso e exercício de seu direito constitucional à liberdade religiosa e cultural, todos estes capazes de propiciar instabilidades sociais.

Ainda, a partir da observação quanto aos aspectos normativos que demandam cautela acerca das especificidades a serem empregues, nas quais aqui correspondem à sobrerremuneração devida ao trabalhador em relação a compensação dos feriados trabalhados, descansos semanais remunerados e as prorrogações do trabalho noturno, verifica-se que o dispositivo em destaque é silente ou suprime quaisquer desses direitos, em profunda desarmonia à garantia constitucional da irredutibilidade salarial, disposta em seu art. 7º, inciso VI, e ao princípio da isonomia arts. 3º, inciso IV e 5º, caput, da Constituição Federal, haja vista que um empregado inserido em um regime regular de trabalho não sofre com o afastamento de seus direitos remuneratórios ou salariais.

Por derradeiro, não se pode afastar da presente análise o que fora muito bem observado pelo doutrinador Homero Batista, relativo aos contrassensos retratados à partir do exame da carga horária semanal trabalhada, ao prolatar que:

Embora para o leigo pareça que um dia de folga seguinte a um dia de trabalho já represente a folga compensatório do domingo ou do feriado, temos de lembrar que, na verdade, a carga de 12h embute 4h a mais que necessitam de dia extra para a folga; assim, o dia seguinte era destinado a compensar parte do dia anterior, havendo pouco espaço de manobra para a compensação do feriado. Basta o mês ter 6 dias de descansos mesclando feriados e domingos para a conta não fechar.

Caso o cálculo matemático seja feito com esmero e a questão seja bem compreendida, este artigo pode ser rechaçado por inconstitucional por oficializar módulo semanal superior a 44h.[38]

Desta maneira, torna-se visível outra, das incontáveis atribuições aqui enumeradas e refutadas, que caminham em completo desalinho com o texto constitucional, pois, este, precisamente em seu art. 7º, inciso XIII, delimita que a jornada de trabalho, não pode exceder 44h semanais, colocando tais projeções normativas em um cenário preocupante mormente às condições de saúde, labor e descanso do trabalhador.

Haja vista as colocações adversas que podem promover consequências desastrosas à classe trabalhista, no tocante ao afastamento da chancela sindical à participação nas negociações trabalhistas e ao afastamento de direitos constitucionalmente estabelecidos, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) ajuizou, perante o Supremo Tribunal Federal, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5994, que compreende, principalmente, enfatizar o importante papel desempenhado pelas entidades de classe, para estabelecimento de acordos ou convenções coletivas.

Assim como já levantado neste artigo, e defendido pela CNTS, a Lei Maior, no que diz respeito ao art. 8º, incisos III e VI, concede a valia pertinente a tais entidades, destacando-se o importante papel dos sindicatos na defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas, preconizando também sua atuação indispensável através das negociações coletivas.

Por fim, antes de proceder ao fechamento deste capítulo, é prudente destacar que, orientada pelas diversas Convenções e Tratados já mencionados, dos quais o Brasil configura-se como signatário, a Constituição Federal, vislumbrando a salvaguarda e irredutibilidade quanto à renúncia dos direitos trabalhistas e sociais conquistados, não apresenta qualquer traço de compatibilidade com o dispositivo normativo em exame, o qual demonstra claro distanciamento no tocante aos ganhos sociais e trabalhistas pretendidos, nos direcionando a compactuar pela declaração da inconstitucionalidade material do art. 59-A da CLT, em detrimento das pontuações aqui evidenciadas.

CONCLUSÃO

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Sobre os autores
Jorge Victor Martins Chaves

21 anos, estudante de Direito do 9º período, do Centro Universitário Una, Contagem.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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