INTRODUÇÃO
Acerca do cenário de violência de gênero vivenciado no Brasil e no mundo desde os primórdios não há como não se comover com tal realidade, e por esse motivo faz-se necessário hoje em dia discutir mais sobre essa cultura negativa da violência contra a mulher como consequência da cultura dominante patriarcal que vem crescendo desde a antiguidade. E é por isso, que se enfatiza a importância em estabelecer um debate e esclarecer sobre as leis brasileiras vigentes de proteção às mulheres e tentar reverter essa discriminação e violência.
CONTEXTO HISTÓRICO
Não é difícil enxergar que os homens e as mulheres ocupam papéis diferentes na sociedade. Desde os primórdios foi imposto ao homem o papel de chefe da família, atribuindo à mulher um papel de inferioridade.
Segundo (SAFFIOTI, 2001) a identidade da mulher e do homem foi construída distintamente, sendo atribuído a cada um, o papel que a sociedade espera verem cumpridos, delimitados com bastante precisão, os campos que operam a mulher, assim como o terreno em que pode atuar o homem.
Tradicionalmente, às mulheres é atribuído o papel de criar seus filhos, construindo a vida social adulta dos seus dependentes, além de serem responsabilizadas pelo cumprimento de tarefas do lar. Ou seja, à mulher são atribuídas tarefas de grande responsabilidade. Onde o macho é considerado o provedor das necessidades da família. Ainda que sua mulher possa trabalhar remuneradamente, contribuindo, desta forma, para o orçamento doméstico, cabe ao homem ganhar o maior salário a fim de se desincumbir de sua função de chefe. (SAFFIOTI,2004, p. 24).
Aos homens, são impostas obrigações para o provimento de recursos financeiros, buscando sempre exercer seu papel de chefe da família, não podendo fracassar em sua função. O marido era o "chefe da sociedade conjugal", e essa posição conferia-lhe o papel de "representante legal da família" e "administrador dos bens do casal". Tinha, ainda, com tais prerrogativas, o direito de escolher e fixar o domicílio da família. Também só ele tinha o poder de emancipar o filho ou filha do casal. À mulher cabia os papéis de companheira, consorte e colaboradora do marido. (CANEZIN, 2004)
Tais desigualdades são vistas claramente quando comparamos o código civil de 1916 e o Novo Código Civil de 2002. Em 1916, as mulheres eram consideradas relativamente incapazes enquanto casadas e deveriam pedir autorização aos maridos para trabalharem e aceitar herança. As mulheres só podiam administrar bens do casal apenas em situações previstas em lei e só podiam exercer seu poder, na falta ou impedimento do marido. Ajuizar ações sem autorização do marido estava fora de seus direitos, assim como requerer pensão alimentícia, que eram impostas apenas em casos de pobreza e inocência.
A representação da família romana ainda é base da família brasileira como fundamento da sociedade e foi tomada como modelo pelo Código Civil de 1.916. Isso porque imperou no Brasil até aquela data o corpo de leis de Portugal, denominado Ordenações Filipinas, o qual imperou lá entre 1603 a 1867, e continuou imperando aqui até 1916. À mulher, a única realização possível era o casamento e a maternidade, pois eram consideradas destituídas de mentalidade racional. Sua única vantagem era a maternidade, que lhe conferia a educação dos filhos, sempre sob a supervisão e autoridade do marido. Sua educação restringia-se às prendas domésticas, à prática da virtude e da obediência ao futuro esposo. O namoro e o noivado eram um ritual onde a jovem aprendia a ser submissa ao futuro marido, como fora ao pai. A maioria das meninas era analfabeta mesmo, e as que estudavam não passavam das primeiras letras, mesmo nas classes mais abastadas. (CANEZIN, 2004)
Nota-se que a legislação de 1916, não levava em conta e nem impunha a vontade das mulheres em seu texto, mas sim observava e baseava a lei em costumes vigentes à época de criação deixando nítido o papel de cada cônjuge na comunhão. A mulher notoriamente era subordinada ao regime patriarcal.
A Lei 6.515 de 1977, a Lei do divórcio ressalta a subordinação em relação às mulheres ao descrever a mulher como sendo mulher desquitada, uma situação na relação civil onde a mulher não é considerada nem casa e nem solteira, colocando-a em uma situação de constrangimento pois era vista de forma inferior e marginalizada.
Atualmente, a mulher tem seus direitos individuais garantidos e nenhuma forma de opressão limita seus direitos de liberdade.
O casamento também foi modificado no atual Código Civil de 2002 trazendo em seu texto, mais objetivamente no artigo 1.565, § 1°: "Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro". O Novo Código Civil traz a livre vontade dos nubentes em adquirir ou não o sobrenome do companheiro, afastando a ideia de posse do marido sob a mulher.
A criação passada da lei 4.121 de 1962 que se referia ao Estatuto da mulher casada, também foi responsável por enrijecer ainda mais a ideia de submissão imposta à mulher, afirmando que a mulher casada deve seguir regras e ser controlada por legislações impostas em relação ao seu comportamento.
As relações nos padrões sociais são a reprodução do processo social, a construção de um determinado padrão de vida que envolve o cotidiano da vida em sociedade, ou seja, o modo de trabalhar e de viver, de forma determinada pela sociedade aos indivíduos. Para compreender essas relações é importante compreender que o conceito de gênero surgiu por meio do sistema patriarcal, com base na cultura de dominação do homem sobre a mulher. Se atentar a essa relação é conseguir entender.
Porém, sabemos que as relações de gênero são complexas, envolvendo violência e um desequilíbrio entre fortes e oprimidos. A violência em suas variadas formas, afeta a saúde, ameaça à vida, produz danos psicológicos e emocionais e, por fim, provoca a morte. O insulto, a humilhação, a tirania, a agressão física e sexual são formas que o homem sujeita a mulher, no intuito de manter o controle e a dominação total, pelo simples fato dela ser mulher, e isso representa violência de gênero. (SCHMITT, 2016, p.12)
As expressões patriarcais que transformam as diferenças de gênero em desigualdade persistentes, atualmente, são vistas através da cultura de dominação das mulheres. As desigualdades são ressaltadas no momento em que a sociedade estabelece o papel das mulheres, revelando-as a constantes discriminações. Enquanto determinar o papel dos homens, permite-os o poder de oprimir as mulheres.
Consequentemente, essa forma de organização familiar, que enfatiza a autoridade do homem, as mulheres se tornam vítimas e são obrigadas a carregar marcas feitas pelas relações patriarcais de gênero, no qual podemos considerar a subordinação da mulher em respeito ao homem, a masculinização e feminização dos trabalhos, a exploração e repressão, a contínua reprodução da educação patriarcal passando de geração para geração, o autoritarismo abusivo do chefe da família e a submissão da mulher, restringindo a sua sexualidade, naturalizando a opressão diária e desigualdade de direitos.
A violência contra a mulher decorre principalmente da relação hierárquica estabelecida entre os sexos, relação que perpassa toda a história e se reflete nos diferentes papéis e diferenças educacionais que homens e mulheres assumem na sociedade. Portanto, o processo de "fazer homens e mulheres" se desenvolve por meio de escolas, famílias, igrejas, amigos, comunidades e meios de comunicação de massa. Portanto, em geral, os homens são dotados de qualidades relacionadas ao espaço público, domínio e agressividade. Por outro lado, as mulheres recebem a marca de "gênero fraco" por serem mais expressivas (emocionais, sensíveis) e possuírem características opostas aos homens, por isso não são assim. É valorizado na sociedade. (AZEVEDO, 1985)
Segundo Silva (1992), a relação que se estabelece entre homens e mulheres quase sempre dependem de seu poder sobre eles, pois a ideologia dominante tem a função de difundir e reafirmar a masculinidade, prejudicando a inferioridade feminina a ela relacionada. Portanto, quando as mulheres costumam ser o polo dominante dessa relação e não aceitam as posições e papéis que lhes são impostos pela sociedade, os homens recorrerão mais ou menos a meios sutis, como a violência simbólica (moral e / ou psicológica) para expressá-los A vontade de violência física se manifesta nas lacunas do espaço, e a ideologia da violência simbólica não pode ser garantida nesses locais.
Vale ressaltar que, neste ponto, a importância de se compreender o processo de "reificação" das mulheres passa pelo modelo tradicional de família patrilinear, que se compõe das hierarquias dos sexos e das relações intergeracionais, e requer obediência das mulheres às imagens masculinas. A imagem masculina tem direitos exclusivos. Portanto, o sistema familiar patriarcal é uma versão institucionalizada da ideologia da masculinidade como uma ideologia de gênero. (AZEVEDO, 1985)
A identidade das mulheres vítimas de violência doméstica costuma ser fruto desse modelo de subordinação e não questionamento de família imposto pelos homens. Embora atualmente estejamos vendo profundas mudanças na estrutura e dinâmica familiar, o modelo de família caracterizado pelo patriarcado ainda prevalece, portanto, os filhos e as mulheres estão sujeitos a essa autoridade. (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999)
Principalmente na classe trabalhadora, o respeito (ou medo) dos maridos é um valor cultural sólido. O questionamento dessa realidade parece ir contra a estrutura ideológica de conteúdo religioso, moral, econômico, psicológico e social. Discutir a obediência das mulheres aos homens significa desmantelar estruturas que sustentam antigas crenças e conceitos de dominação. (MENEZES, 2000)
Não há necessidade de admitir que a maioria dessas conexões revele as desigualdades existentes entre os gêneros ao reproduzir os padrões sociais mais rígidos e discriminatórios imperceptíveis. Por exemplo, isso acontece quando heroísmo, bravura e força estão associadas à masculinidade, e sensibilidade, sentimentalismo e delicadeza estão associados à feminilidade.
Além disso, o conceito social de masculinidade levou ao conceito de "superioridade do homem". Desse modo, conforme descreve o antropólogo Pierre Bourdieu, é criado um modelo de dominação masculina incentivado desde a infância, que leva o indivíduo a demonstrar seu poder supremo e a ser sensível Manly para controlar os outros. Portanto, o pensamento social masculino vai legitimar o uso da violência (seja física ou verbal) como motivo para afirmar ou reafirmar a superioridade da hierarquia. (BOURDIEU, 1999, p. 23)
Porém, a posição superior que a humanidade ocupa em nossa sociedade significa que ela acabará tendo que pagar por este "privilégio". Como as mulheres, não têm o direito de escolher o papel que desempenham na sociedade. Elas têm que se tornarem provedoras da família, o que acaba por prejudicar sua capacidade de desenvolver sensibilidade e realizar atividades relacionadas ao mundo familiar. Portanto, percebe-se que esse modelo ideológico impacta negativamente para ambos os sexos, pois os impede de atingir seu pleno potencial. (SILVA, 1992)
Nessa narrativa de um poder onde os homens exercem sob mulher, é que acontecem as formas de violência de gênero, e um dos instrumentos mais importantes para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres é a Lei Maria da Penha - Lei nº 11.340/2006.