4. CONCLUSÃO
No Brasil, a prática do aborto clandestino pode implicar na prisão tanto da mulher quanto do profissional que realiza o procedimento. Além de causar uma insegurança com relação à sua vida, o procedimento ilegal provoca, nas mulheres, o medo de serem descobertas pelas autoridades policiais e correrem o risco de serem presas. Os métodos utilizados na prática clandestina do procedimento, em sua maioria, não são suficientes para finalizar o aborto. Nestes casos, será necessária a internação da mulher junto à rede de saúde para que o procedimento possa ser finalizado.
A ADPF n. 442 trata justamente dessa realidade: mulheres brasileiras abortam. Questiona-se como o Estado poderá zelar pela sua dignidade, sua cidadania, garantir seu direito à saúde, a integridade física, o seu direito à vida. A proposta apresentada alega que os requisitos contidos na legislação com relação ao aborto violam direitos e princípios constitucionais inerentes à mulher.
A principal questão não é se a sociedade e o legislativo são a favor do aborto, mas, sim, se são a favor da vida da mulher. Coloca-se em questionamento o direito da mulher de poder decidir sobre o próprio corpo, e não se o aborto é bom ou é ruim; revira-se questões sociais muito mais profundas, como a dignidade, a saúde e a justiça com relação à mulher.
Não tem como considerar o aborto como algo bom, já que ele causa tanto prejuízo; a mulher não decide pela sua realização simplesmente porque gosta, porque acha a situação prazerosa. A decisão envolve todo um contexto psico-econômico-social que não é atendido pelo Estado.
A presente pesquisa procurou demonstrar as questões atinentes à descriminalização do aborto, provocado pela gestante ou realizado com sua autorização por terceiros, nos termos propostos pela ADPF 422, apontando que a não autorização, além de violar princípios e direitos fundamentais, também reflete negativamente em sua saúde e vida social.
Através dos resultados encontrados, verificou-se que a caracterização do aborto ocorre com a constatação da morte do feto, mesmo que não haja a sua expulsão do útero materno. Verificou-se que a prática do aborto é considerada crime dentro do ordenamento jurídico, uma vez que visa proteger a vida do feto, havendo a exclusão de punibilidade somente em casos de aborto necessário, aborto sentimental, ou em casos de feto com anencefalia.
Com relação à ADPF, se verificou que é uma ação proposta diretamente no STF a qual possui como objeto leis e atos normativos federais, estaduais, distritais e municipais, inclusive anteriores à Constituição Federal, que ofendam ou ofereçam risco à preceito fundamental. Como preceito fundamental, entende-se como um conjunto de normativas que assegure o equilíbrio do ordenamento democrático constitucional. Por fim, chegou-se às questões atinentes à ADPF n. 422.
Proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (P-SOL) em março de 2017, e ainda em trâmite, a ADPF 442 busca, perante o STF, o reconhecimento e autorização para a realização de aborto até a 12ª semana de gestação sem que haja penalidades em razão da conduta praticada. As principais questões discutidas na ação dizem respeito ao direito à vida a partir do nascimento; a dignidade da pessoa humana e direitos reprodutivos das mulheres; a população feminina atingida pela criminalização; o atendimento dessas mulheres pela rede pública de saúde; a supervalorização da autonomia reprodutiva da mulher; que aborto não é de competência exclusiva da mulher; a vida não ocorre em etapas; Síndrome Pós-aborto.
O lapso temporal limite proposto pela bioética de 12ª semana de gestão para a realização do procedimento do aborto é baseada na situação do desenvolvimento neural do feto. Até o período citado, o sistema nervoso não está completamente desenvolvido, o que demonstra a ausência de vida, não ferindo, dessa forma, o direito à vida pelo feto.
Por fim, verificou-se que a descriminalização do aborto, como requerido pela ADPF 422 impactará diretamente, de forma positiva, na saúde e vida social da mulher, uma vez que muitas delas vão a óbito por conta de complicações decorrentes da prática de forma insegura; tal fato poderia ser evitado caso a mulher pudesse procurar atendimento médico para a realização do procedimento de forma segura, sem ter que escolher entre a prisão ou a morte.
Se busca com a descriminalização a oportunidade dessa mulher ser vista como um indivíduo autônomo e, também, uma paciente respeitada na rede de atendimento da saúde. Esse novo olhar sobre o assunto possibilitará um diálogo mais aberto e respeitoso sobre o aborto, suas principais consequências e riscos, os motivos pessoais da mulher na decisão, os fatores econômicos e políticos existentes, a elaboração de políticas públicas voltadas para o planejamento familiar, o que será refletido na diminuição dos casos de aborto no país.
A criminalização do aborto não impede que as mulheres o realizem. O efeito tosco da lógica da percussão moral existente não é suficiente para impedir a prática do aborto; a criminalização do ato somente colocará o Estado como agente punitivo de quem viola a lei e afetará somente no contexto no qual essa atividade acaba ocorrendo e no que acontece depois com as pessoas envolvidas no fato. O maior reflexo da possibilidade da realização do procedimento de maneira segura será a queda na taxa de mortalidade em decorrência do aborto. A descriminalização do aborto não será a solução de todos os problemas. Contudo, tal situação se faz necessária para poder se evitar todo o mal proveniente da sua prática clandestina.
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Abstract: Even though it is considered a criminal practice, abortion is present in all corners of Brazil, and its practice can result in penalizing both the woman and the professional who performs the procedure. In some situations in which abortion is considered, there is a collision of fundamental rights inherent in the life of the fetus and the autonomy of the woman's choice. ADPF 442 deals precisely with this conflict; their decriminalization is discussed until the 12th week of pregnancy and the positive effects on the living conditions of women in Brazil. From a bibliographic review, from a critical analysis, the present work was divided into two main parts: it went from the concept of abortion, its legal provision and its causes of exclusion from punishment, until ADPF 442, when it was discussed about the concept of ADPF, the issues involving the discussion argued in ADPF 442, the specifics of bioethics and abortion until the 12th week of pregnancy, culminating in pointing out the social reasons that will be impacted the extent of decriminalization in the required ways. It was concluded that the decriminalization of abortion will not be the solution to the problems; however, it will be a way to make it possible for women to be seen as an autonomous individual who deserves respect.
Keywords: Constitutional right to decide; Clandestine abortion; Decriminalization of abortion.