Nacionalidade Brasileira: É possível a perda da nacionalidade de brasileiro nato?

02/03/2022 às 13:59
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O presente artigo visa a esclarecer as repercussões jurídico-constitucionais referente ao Caso Extradição nº 1.462/2017-DF e ao Mandado de Segurança nº 33.864/2016-DF, no que respeita à possibilidade da perda da nacionalidade de brasileiro nato.

1. Nacionalidade

O instituto da nacionalidade, no ordenamento jurídico brasileiro, está disciplinado no capítulo III, do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 (CRFB88), por meio do artigo 12 e seguintes.

Nas palavras de Alexandre de Moraes[1], nacionalidade é o vínculo jurídico que liga um indivíduo a determinado Estado, fazendo deste indivíduo um componente do povo, da dimensão pessoal deste Estado, capacitando-o a exigir sua proteção e sujeitando-o ao cumprimento de deveres impostos.

A doutrina jurídica nacional e internacional consagra o entendimento de que a aquisição da nacionalidade pode ser adquirida via jus solis ou jus sanguinis, ou seja, transmitida aos nascidos no território nacional ou por descendência de um, ou ambos os pais, respectivamente. Cada ordenamento jurídico adota qual a maneira de aquisição da nacionalidade, podendo, inclusive, estabelecer limites e requisitos.

Nesse viés, a CRFB88, por meio do seu artigo 12, inciso I, define quem são considerados brasileiros natos (nacionalidade originária, primária):

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país (jus solis);

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil (jus sanguinis);

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira (jus sanguinis + registro ou opção);

A última forma de aquisição da nacionalidade foi resultado da promulgação da Emenda Constitucional nº 54/2007. O referido dispositivo constitucional visou a incrementar a aquisição jus sanguinis, para que sejam considerados brasileiros natos, não somente os nascidos no estrangeiro, de pai ou mãe brasileiros que estejam a serviço do país (qualquer deles), mas, também, para aqueles nascidos no estrangeiro, desde que um dos pais seja brasileiro, e sejam registrados em repartição brasileira competente ou, ainda, venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira.

Com relação a essa última opção, é possível que o filho de pai ou de mãe brasileiro nascido no exterior e que não tenha sido registrado em repartição consular promova, a qualquer tempo, a ação de opção de nacionalidade, nos termos do artigo 63 do Decreto federal nº 13.445/2017, a qual tramitará na Justiça Federal, conforme preceituado no artigo 109, inciso X, da CRFB88.

2. Naturalização

Já com relação à naturalização, ou nacionalidade secundária, o artigo 12, inciso II, da CRFB88, preceitua que serão considerados brasileiros naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. 

Com relação à naturalização, a Lei federal nº 13445/2017 disciplina que a naturalização pode ser ordinária, extraordinária, especial e provisória. Por se tratar de disciplina recente e importante no ordenamento jurídico-político do país, vale a citação dos dispositivos referentes a elas:

Art. 65. Será concedida a naturalização ordinária àquele que preencher as seguintes condições:

I - ter capacidade civil, segundo a lei brasileira;

II - ter residência em território nacional, pelo prazo mínimo de 4 (quatro) anos;

III - comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e

IV - não possuir condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei.

()

Art. 66. O prazo de residência fixado no inciso II do caput do art. 65 será reduzido para, no mínimo, 1 (um) ano se o naturalizando preencher quaisquer das seguintes condições:

I (VETADO);

II - ter filho brasileiro;

III - ter cônjuge ou companheiro brasileiro e não estar dele separado legalmente ou de fato no momento de concessão da naturalização;

V - haver prestado ou poder prestar serviço relevante ao Brasil; ou

VI - recomendar-se por sua capacidade profissional, científica ou artística.

()

Art. 67. A naturalização extraordinária será concedida a pessoa de qualquer nacionalidade fixada no Brasil há mais de 15 (quinze) anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeira a nacionalidade brasileira.

Art. 68. A naturalização especial poderá ser concedida ao estrangeiro que se encontre em uma das seguintes situações:

I - seja cônjuge ou companheiro, há mais de 5 (cinco) anos, de integrante do Serviço Exterior Brasileiro em atividade ou de pessoa a serviço do Estado brasileiro no exterior; ou

II - seja ou tenha sido empregado em missão diplomática ou em repartição consular do Brasil por mais de 10 (dez) anos ininterruptos.

Art. 69. São requisitos para a concessão da naturalização especial:

I - ter capacidade civil, segundo a lei brasileira;

II - comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e

III - não possuir condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei.

Art. 70. A naturalização provisória poderá ser concedida ao migrante criança ou adolescente que tenha fixado residência em território nacional antes de completar 10 (dez) anos de idade e deverá ser requerida por intermédio de seu representante legal.

Parágrafo único. A naturalização prevista no caput será convertida em definitiva se o naturalizando expressamente assim o requerer no prazo de 2 (dois) anos após atingir a maioridade.

3. Diferenças entre brasileiro nato e naturalizado

Uma questão relevante para trazer à pauta trata das diferenças de direito/deveres relativos aos brasileiros natos e naturalizados.

A CRFB88, expressamente, arrola essas diferenças em seu artigo 12, §3º:

§ 3º São privativos de brasileiro nato os cargos:

I - de Presidente e Vice-Presidente da República;

II - de Presidente da Câmara dos Deputados;

III - de Presidente do Senado Federal;

IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;

V - da carreira diplomática;

VI - de oficial das Forças Armadas.

VII - de Ministro de Estado da Defesa.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)

Vale referir que apenas a Constituição pode conferir distinções entre brasileiros natos e naturalizados (art. 12, §2º). Além dessas previsões, a CRFB88 confere outras distinções de tratamento entre brasileiros natos e naturalizado. São elas:

Art. 5º ()

LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;

Art. 89. O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da República, e dele participam:

()

VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a recondução.

()

 Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)

()

§ 2º A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, em qualquer meio de comunicação social.         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)

4. Perda da Nacionalidade

A CRFB88, por meio do seu artigo 12, §4º, elenca as causas nas quais será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro, vejamos:

§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;

II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos:         (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira;         (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis;         (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

Por meio desse dispositivo, é clara a ilação de que o brasileiro naturalizado pode perder a sua nacionalidade (secundária), por meio de sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional.

Já com relação ao brasileiro nato, este somente terá declarada a perda da sua nacionalidade, quando adquirir outra nacionalidade secundária (naturalização). Todavia, a lei constitucional expressamente informa que o brasileiro não perderá a nacionalidade brasileira, se a nacionalidade obtida no estrangeiro for: a) nacionalidade originária pela lei estrangeira; OU b) imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.

Nesses termos, tem-se que a lei constitucional brasileira admite a dupla (ou múltipla) nacionalidade, desde que a nacionalidade seja originária ou, que a nacionalidade secundária seja necessária para brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.

Ademais, o Decreto federal nº 9199/2017 informa que a declaração da perda de nacionalidade brasileira se efetivará por ato do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, após procedimento administrativo, no qual serão garantidos os princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 250). Aliado a isso, o artigo 251 do dispositivo normativo federal retrocitado, elenca a possibilidade de instauração da perda de nacionalidade brasileira pelo próprio interessado, desde que observados requisitos mínimos.

5. Extradição nº 1462/2017-DF e Mandado de Segurança nº 33.864/2016-DF. Perda da nacionalidade de brasileiro nato

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Por meio do julgamento da Extradição nº 1462/2017-DF, o Ministro Relator Roberto Barroso, em julgado da Primeira Turma do STF, emitiu decisão no sentido de que a extraditanda não ostenta nacionalidade brasileira por ter adquirido nacionalidade secundária norte-americana, em situação que não se subsume às exceções previstas no § 4º, do art. 12, para a regra de perda da nacionalidade brasileira como decorrência da aquisição de nacionalidade estrangeira por naturalização.

O caso posto à análise do STF discutia crime de brasileira, então considerada nata, de homicídio doloso, sendo solicitada, pela autoridade norte-americana (Estados Unidos), a  sua extradição.

Concomitante a tramitação do pedido de extradição, foi protocolado mandado de segurança, solicitando a perda da nacionalidade da brasileira, por meio do qual restou declarada a perda da nacionalidade da brasileira. Nessa linha, na decisão do Mandado de Segurança nº 33.864/2016-DF, o Minsitro Relator Roberto Barroso informou que a brasileira obteve o visto de permanência americano, o denominado Green Card. Assim, discorreu o Ministro relator que o Green Card confere, nos Estados Unidos da América, os direitos que alega ter pretendido adquirir com a naturalização, quais sejam: a permanência em solo norte-americano e a possibilidade de trabalhar naquele país..

Nesse ponto, a CRFB88, como já colacionado, é clara no sentido de que o brasileiro nato somente terá direito a manter outra nacionalidade secundária, no caso de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civil.

Salienta-se que o objetivo deste artigo é fazer referência a esse importante julgado que é de suma importância para os brasileiros, residentes no exterior, que possuem visto de trabalho ou visto de permanência, e que resolvam se naturalizar no país estrangeiro. É importante aclarar que, se a pessoa brasileira já possuir visto permanente, conseguindo, por meio dele, permanecer no país estrangeiro e exercer os direitos civis, e opta pela naturalização no país em que reside no estrangeiro, a pessoa poderá sofrer a perda da nacionalidade brasileira, por meio de procedimento administrativo, instaurado pelo  Ministério de Estado da Justiça e Segurança Pública, ou por própria solicitação, conforme diretrizes previstas no Decreto federal nº 9.199/2017 (arts. 250 e 251 já citados).

6. Reaquisição da Nacionalidade.

Nos termos dos argumentos acima colacionados, o brasileiro nato pode perder a sua nacionalidade. Contudo, é importante atentar que o artigo 76 da já citada Lei informa que o brasileiro que, em razão da decretação da perda da nacionalidade, prevista na CRFB88, houver perdido a nacionalidade, uma vez cessada a causa, poderá readquiri-la ou ter o ato que declarou a perda revogado, na forma definida pelo órgão competente do Poder Executivo.

Nessa senda, o Decreto federal nº 9.199/2017 regulamenta o processo de reaquisição da nacionalidade. Em seu artigo 254, §1º, dispõe que, cessada a causa da perda de nacionalidade, o interessado, por meio de requerimento endereçado ao Ministro da Justiça e Segurança Pública, poderá pleitear a sua reaquisição. O §2º do mesmo dispositivo estipula duas condições para a requisição da nacionalidade: a) comprovação de que possuía a nacionalidade brasileira; b) comprovação de que a causa que deu razão à perda da nacionalidade brasileira cessou. Salienta-se que a cessação da causa da perda da nacionalidade (ou seja, a naturalização realizada no exterior), poderá ser demonstrada por meio de ato do interessado que represente pedido de renúncia da nacionalidade então adquirida (§3º). Realizados esses requisitos, a pessoa voltará à sua condição de brasileiro nato, ostentando a nacionalidade originária (§7º).

7. Desfecho.

Não se tem dúvidas de que muitos brasileiros que residem no estrangeiro desconhecem o regramento constitucional a respeito da nacionalidade brasileira. Assim, tem-se que ter em mente que o brasileiro nato pode ostentar mais de uma nacionalidade (comumente chamada de cidadania por outros diplomas normativos). Contudo, é necessário que a outra nacionalidade adquirida seja originária ou, então, que a lei estrangeira imponha ao brasileiro a naturalização (nacionalidade secundária) como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.

A novidade trazida pelos diplomas normativos de 2017, para os brasileiros que se naturalizaram no estrangeiro e que não gostariam de perder a condição de brasileiro nato, é a possibilidade de reversão da perda da sua nacionalidade originária (com regramento mais flexível ao previsto no artigo 36 da revogada Lei nº 818/1949). Assim, conforme demonstrado neste artigo, pode o brasileiro nato, o qual perdeu a nacionalidade originária brasileira, readquiri-la, renunciando a naturalização estrangeira, conforme regramento contido no Decreto federal nº 9.199/2017.

  1. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011.

Sobre o autor
Régis Schneider da Silva

Atualmente, Assessor Jurídico - Especialista em Saúde - da Secretaria Estadual de Saúde do RS. Antigo analista processual da DPE/RS e analista de previdência e saúde do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul - IPERGS. Especialista em Direito Penal e Processo Penal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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