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Responsabilidade tributária do sócio na empresa limitada

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CONCLUSÃO

            Não resta a menor dúvida que ímpeto estatal arrecadatório de tributos, neste País, atinge a níveis estratosféricos, a ponto de consumir de 38 a 40% do PIB – Produto Interno Bruto. Embora não seja este o foco da presente pesquisa, é imprescindível fixar este marco fático, pois ele revela com que entusiasmo o Estado cumpre o seu dever-poder de arrecadar tributos, como forma de satisfazer as necessidades de custeio da máquina pública, de geração de serviços e de investimentos que satisfaçam as necessidades da população.

            E, essa carga tributária se mostra em constante evolução, em níveis de países escandinavos, enquanto que os serviços prestados e os investimentos realizados estão quase que no patamar de países africanos. Esta é uma prova inequívoca de que estamos diante de um Estado insaciável em sua fúria arrecadatória, e insensível diante do fato de que os tributos arrecadados não têm, há muito tempo, cumprido a sua função social, pois contabilizamos uma das piores distribuições de renda do mundo.

            A história tem revelado que, diante de um Estado insensato -- que é habilidoso e criativo quando exerce o seu poder arrecadatório, mas que não se compadece diante do sofrimento de aproximadamente sessenta milhões de pessoas que sobrevivem abaixo da linha da pobreza --, os mecanismos de que muitas vezes se vale ferem princípios constitucionais consagrados, inclusive aqueles rotulados de cláusulas pétreas. É o caso, por exemplo, do respeito à dignidade da pessoa humana.

            Para conseguir os seus intentos perversos, o Estado conta, em algumas oportunidades, com o apoio ostensivo do Poder Judiciário, que lhe dá amplo respaldo quando ele pretende responsabilizar terceiros por obrigações tributárias, chamadas de indiretas. Até mesmo consagrados doutrinadores, mas que não têm nenhuma experiência administrativa à frente de uma empresa, não conseguem perceber a oceânica diferença entre descontar do trabalhador um determinado valor para ser recolhido à Previdência Social e, por outro lado, capacidade para o recolhimento daquela importância.

            Na verdade, a empresa não efetua desconto, mas tão somente, deixa de pagar ao empregado a importância que deverá ser canalizada à Previdência Social. Pode parecer a mesma coisa, mas não é. Melhor explicando, se uma empresa desfruta de excelente condição socioeconômica, nada mais simples do que, na data fixada em lei, recolher os seus tributos devidos, bem como aqueles que reteve de seus empregados. Há que se reconhecer que, nessas condições, a eventual inadimplência pode ser creditada à conduta desidiosa.

            Contudo, o pomo da discussão não reside aí [na empresa saudável], mas naquela que tem um montante de receitas muito inferior ao das despesas, não obstante todos os esforços empreendidos pelos seus administradores para buscar ao menos um equilíbrio entre essas duas fontes.

            Logo, diante de uma incontornável crise de liquidez de curto prazo, o sócio-gerente ou o administrador se vê obrigado a hierarquizar os seus pagamentos, preferindo manter pontuais os de natureza trabalhista, bem como aqueles decorrentes do fornecimento de energia elétrica, de matérias-primas e produtos essenciais à sua atividade produtiva, a adimplir os tributos dos quais a sua empresa é responsável.

            Portanto, nessa autêntica ginástica financeira não se vislumbra má-fé ou desídia, mesmo porque grande parte das causas que originaram as dificuldades socioeconômicas foi gerada, ainda que indiretamente, pelo próprio Estado, pela fixação de juros em níveis astronômicos, pela escolha de uma política cambial desastrosa, pelo controle da inflação mediante a aplicação de medidas recessivas, pelo modesto crescimento da economia, pela imensa carga tributária, dentre outras.

            Da mesma forma são inaceitáveis as decisões do Poder Judiciário que decretam a desconsideração da personalidade jurídica, como se fosse um ato de somenos importância, expondo o patrimônio pessoal dos sócios à penhora ou o arresto. Essas medidas são ainda mais traumáticas quando atingem pessoas que, comprovadamente, nunca participaram da gestão da empresa.

            São iniciativas que têm por escopo alavancar o recebimento de créditos tributários, sem atentar para os rigores da lei, que exige, por ser extravagante, farta e prévia comprovação de que os dirigentes teriam promovido o desvio malicioso da finalidade social da pessoa jurídica, com proveito para si ou para grupos.

            Destarte, conclui-se, pois, que o Estado-exator e o Poder Judiciário não podem violentar o ordenamento jurídico pátrio, impondo responsabilização tributária para sócios que, sob a óptica legal, não se enquadram nas condições impostas pelo direito positivado.

            O sócio de uma empresa de responsabilidade limitada tem o compromisso de integralizar a totalidade do capital social, de atuar com observância às regras contidas no contrato que a constituiu, e de promover o regular encerramento da sociedade, quando este for o caso. Qualquer outra responsabilidade que for acrescentada fere o ordenamento jurídico, gera insegurança jurídica, congestiona ainda mais os tribunais com medidas que buscam a tutela jurisdicional para se proteger dessas ilicitudes e, o que é pior, afronta o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

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            A violação de um princípio, especialmente o mais importante dentre todos, constitui-se na mais grave forma de inconstitucionalidade, vez que representa uma agressão a todo o sistema, pois despreza a hierarquia dos mandamentos jurídicos, com a conseqüente subversão dos valores fundamentais.

            É de alçada do Estado, por intermédio do Poder Judiciário, prestar a tutela jurisdicional necessária e eficaz, para socorrer aqueles que se sentem lesados por não ter a sua dignidade pessoal valorizada, ainda que o agente agressor seja o próprio Estado.


REFERÊNCIAS

            BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 8. ed., São Paulo: Malheiros, 1996.

            BRASIL. Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006.

            ________. Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2006.

            ________. Constituição da República Federativa do Brasil.São Paulo: Saraiva, 2006.

            ________. Código de Processo Civil.São Paulo: Saraiva, 2006.

            CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 14. ed. revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2000.

            COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária. 3. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

            GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário. 1. ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

            HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 15. ed. revista e ampliada. São Paulo: Atlas, 2006.

            KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2. ed., v. II, Trad. de João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado Editor, Sucessor, 1962.

            MACHADO, Hugo de Brito. Cadernos de pesquisas tributárias. São Paulo: Resenha Tributária, 1980.

            MARTINS, Ives Gandra da Silva Martins. Cadernos de Pesquisas Tributárias. v. 4, São Paulo: Resenha Tributária, 1979.

            NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. vol. 1, São Paulo: Saraiva, 2005.

            REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 26. ed. atualizada por Rubens Edmundo Requião. 1º. vol., São Paulo: Saraiva, 2006.

            SILVA NETO, José Francisco da. Apontamentos de Direito Tributário. 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006.

            TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 1. ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.


Notas

            01

Não é por outras razões que, na análise de qualquer problema jurídico – por mais trivial que seja (ou que pareça ser) --, o cultor do Direito deve, antes de mais nada, alçar-se ao altiplano dos princípios constitucionais, a fim de verificar em que sentido eles apontam. Nenhuma interpretação poderá ser havida por boa (e, portanto, por jurídica) se, direta ou indiretamente, vier a afrontar um princípio jurídico-constitucional. (CARRAZZA, 2000, p. 33)

            02

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada. (BANDEIRA DE MELLO, 1996, p. 546)

            03

Introduzida, na Filosofia, por Anaximandro, a palavra foi utilizada por Platão, no sentido de fundamento do raciocínio (Teeteto, 155d), e por Aristóteles, como a premissa maior de uma demonstração (Metafísica, V. 1, 1.012 b 32 – 1.013 a 19). Nesta mesma linha, Kant deixou consignado que "princípio é toda proposição geral que pode servir como premissa maior num silogismo" (Crítica à Razão Pura, Dialética, II. A). (CARRAZZA, 2000, p. 30).

            04

Contidas nos Art. 149 e 195, da Constituição Federal.

            05

Cf. RE n. 204.827/SP.

            06

Cf. RE n. 245.539-RJ e 361.437-MG.

            07

Cf. Súmula 667, do STF.

            08

Cf. RE n. 138.284-8-CE.

            09

Cf. RE n. 146.733-9-SP.

            10

Do latim redimere, ou seja, aquele que resgata o bem onerado.

            11

São os chamados stakeholders.

            12

Cf. AC 0103623700 – (8175) – 4ª. CCív. – Rel. Juiz Ruy Cunha Sobrinho – DJPR 16.05.1997.

            Para MARTINS, não há Direito Penal Tributário e nem Direito Tributário Penal, mas tão somente Direito Tributário. (MARTINS, Ives Gandra da Silva Martins. Cadernos de Pesquisas Tributárias. v. 4, São Paulo: Resenha Tributária, 1979, p. 261-283.

            13

Ag. 59.361-SP, Rel. Min. Bilac Pinto, Resenha Tributária. p. 497, seção 1.2, 1975. No mesmo sentido, REsp. 174.532/PR e AgRg no REsp 500.007-MG, DJU de 15/09/2003.

            14

Os sócios-gerentes devem agir, no desempenho de suas funções, com o zelo que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seu próprio negócio. (Art. 153, da Lei n. 6.404/76 – Lei das Sociedades por Ações, e Art. 1.011, do Código Civil).

            15

Cf. RT-707/175.

            Se a irregularidade era conhecida de terceiros, não se aplica a responsabilidade social (Art. 1.015, III, do Código Civil).

            16

Cf. Rec. Extr. N. 76.289-SP, in DJU em 02/01/74 e Anuário de Jurisprudência Íncola, 1974, p. 196.

            17

Vejam-se os casos recentes de todas as montadoras de automóveis do ocidente.

            18

Cf. Rec. Extr. n. 36.488, 2. Turma, em 21/08/1968, in RTJ 48/87.

            19

Cf. RT-657/120 e RT-673/160 (Tribunal de Justiça de São Paulo); RT-736/315 (Tribunal de Justiça da Bahia); RT-690/103 e RT-708/116 (1º. Tribunal de Alçada Cível de São Paulo); RT-659/154 (Tribunal de Justiça de Minas Gerais); RT-792/318 (2º. Tribunal de Alçada Cível de São Paulo).

            20

Cf. Art. 16, do Decreto n. 3.708, de 1919.

            21

Cf. Ag. No Resp. 433.227/DF, DJU de 16/06/2003. No mesmo sentido REsp. 496.306/RS, DJU de 22/03/2004; REsp 474.105/SP, DJU de 19/12/2003 e REsp. 117.359/ES, DJU de 11/09/2000.

            22

E não são poucos os órgãos judiciais que têm interpretação eminentemente fazendária, ao arrepio do ordenamento jurídico pátrio.

            23

Cf. Agr. Instr. n. 152.191-SC (97/0045461-4), Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU em 12/11/1997.
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Sobre os autores
André Luiz Depes Zanoti

advogado, especialista em Direito Especiais pela UNIVEM, especialista em Política e Estratégia pela USP, mestrando em Teorias do Direito e do Estado pela UNIVEM, professor de Direito Constitucional, Direito Internacional, Sociologia e Teoria Geral do Estado e Ciência Política nas Faculdades Integradas de Ourinhos (FIO)

Luiz Antonio Ramalho Zanoti

advogado, administrador, contador, economista, professor das disciplinas Sistemática do Comércio Exterior e de Técnicas e Práticas Cambiais e Direito do Trabalho da Fundação Educacional do Município de Assis (FEMA), professor substituto das Faculdades Integradas de Ourinhos (FIO), pós-graduado em Didática Geral, pós-graduando em Direito Civil e Direito do Processo Civil Contemporâneo, mestre em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR) - área de concentração em Empreendimentos Econômicos e Mudança Social

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANOTI, André Luiz Depes ; ZANOTI, Luiz Antonio Ramalho. Responsabilidade tributária do sócio na empresa limitada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1368, 31 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9683. Acesso em: 23 dez. 2024.

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