A absolvição criminal por falta de provas repercute no processo administrativo disciplinar

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Resumo:


  • O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) possuem divergências sobre a repercussão da absolvição criminal por falta de provas no processo administrativo disciplinar.

  • O STJ defende que a absolvição criminal por falta de provas deve repercutir no processo administrativo, enquanto o STF sustenta que a comunicabilidade das instâncias só ocorre se a absolvição for baseada na inexistência do fato ou de sua autoria.

  • Propõe-se que a controvérsia seja resolvida por meio do julgamento de recursos especiais e extraordinários repetitivos para garantir a segurança jurídica e alinhar os entendimentos jurídicos sobre a matéria.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO: Ambas as Turmas do colendo Superior Tribunal de Justiça firmaram orientação jurisprudencial no sentido de que a absolvição criminal por falta de provas irá repercutir no processo administrativo disciplinar. O Supremo Tribunal Federal continua a manter seu tradicional entendimento de que a comunicabilidade das instâncias, penal e administrativa, apenas se dará se a absolvição criminal estiver fundada na inexistência do fato e de sua autoria, encontrando sintonia com o entendimento doutrinário. Diante da pública controvérsia entre as Casas de Justiça - uma responsável pela unificação e interpretação do direito federal e outra pela unificação e interpretação do direito constitucional -, sugerir-se-á que a controvérsia seja sanada pela submissão da matéria ao julgamento dos recursos especiais e extraordinários repetitivos, por questão de segurança jurídica, e da solução se conclua pelo amoldamento do entendimento encampado pelo Superior Tribunal de Justiça, acolhendo sua firme orientação paradigmática, dando novo contorno jurídico sobre a matéria.

Palavras-Chave: Absolvição Criminal. Falta de Provas. Repercussão. Processo Administrativo Disciplinar.

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Desenvolvimento; 2.1 Da discussão sobre a repercussão ou não no âmbito do processo administrativo disciplinar da decisão judicial que absolve por falta de provas; 3 Conclusão; 4 Referências.


1 INTRODUÇÃO

Visará o presente trabalho discutir sobre a absolvição criminal por falta de provas repercutir no processo administrativo disciplinar.

Dentro da órbita proposta, realizou-se uma pesquisa bibliográfica e minuciosa em doutrinas renomadas de autores como Assis (2013), Bergel (2001), Costa (2009), Dezan (2019), Meirelles (1992), Melo (2019), Nucci (2019), Rosa (Acesso em 2022), jurisprudências do STF, STJ, STM, Decreto- Lei 3.689/41 (BRASIL, 1941), Decreto-Lei 1.002/69 (BRASIL, 1969), dentro de um contexto aprofundado que a questão em voga demanda.

O assunto é extremamente relevante para a comunidade jurídica atuante no direito disciplinar, sobretudo, se for analisado sob os olhos daqueles que se encontram envolvidos em processos de cunho criminal e, que, venham a serem absolvidos por insuficiência de provas, cuja repercussão de sua comunicabilidade, será defendida como sendo digna de coerência, na esfera administrativa disciplinar.

Com efeito, deixará evidenciada a existência de precedentes Tradicionais oriundos do STF, do próprio STJ e do STM, acerca da inviabilidade da ocorrência da repercussão em processos administrativos disciplinares, caso a absolvição criminal ocorra, apenas, quando não existir prova suficiente para condenação, nos lindes dos Arts. 386, VII do CPP e/ou 439, alínea “e”, do CPPM (BRASIL, 1941, 1969)

De qualquer sorte, o trabalho defenderá a assertiva verberada no frontispício, seguindo a orientação firmada, atualmente, pela jurisprudência consolidada na 5ª (Quinta) e 6ª (Sexta) Turmas do STJ.

Sem pretender exaurir o assunto, proporá, ainda, que diante da matéria demonstrar uma repercussão aviltante no cenário interpretativo jurisprudencial, nos Pretórios Pátrios, que outra alternativa não restará, senão, em submeter a questão, sob o crivo dos recursos especial e extraordinário repetitivos, visando a unificação de entendimentos, proporcionando o alcance da segurança jurídica da controvérsia e, da solução se conclua pelo amoldamento do entendimento encampado pelo STJ, acolhendo sua firme orientação paradigmática, dando novo contorno jurídico sobre a matéria.


2 DESENVOLVIMENTO

2.1 DA DISCUSSÃO SOBRE A REPERCUSSÃO OU NÃO NO ÂMBITO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DA DECISÃO JUDICIAL QUE ABSOLVE FOR FALTA DE PROVAS

A questão colocada em discussão não é nova, encontrando imensuráveis ecos no seio dos processos administrativos disciplinares.

A jurisprudência dos Tribunais Superiores não se entendem e a matéria repele interpretações dissonantes.

Adentrando no âmago dos entendimentos outrora existentes firmados no âmbito dos Tribunais Superiores, inicialmente, traz-se à colação os encampados pelo Tribunal Pleno do STF e 3ª (Terceira) Seção do STJ, vistos como Tradicionais, conforme se denota a seguir:

Esta Corte tem reconhecido a autonomia das instâncias penal e administrativa, ressalvando as hipóteses de inexistência material do fato, de negativa de sua autoria e de fundamento lançado na instância administrativa referente a crime contra a administração pública (STF, MS 21.708-RJ, Número Único: 0001066-30.1993.0.01.0000, Rel. p/ Acórdão Min. Maurício Corrêa, Julgado em 09/11/2000, Ementário nº 2031-4, DJ 18.05.2001)

MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – REGULARIDADE NO PROCEDIMENTO – PRETENSÃO DE SOBRESTAMENTO – IMPOSSIBILIDADE – INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. (...) A independência entre as instâncias penal e administrativa, já de há muito consagrada na doutrina e na jurisprudência, permite à Administração Pública impor sanção disciplinar ao servidor que tenha praticado ilícito administrativo, independentemente de anterior julgamento na esfera criminal. 3. Segurança Denegada (STJ, Terceira Seção, MS 9.768-DF, 2004/0089831-3, Rel. Min. Paulo Galotti, DJU 21.05.2007)

Os julgados colacionados em testilha, oriundos das Casas de Justiça responsáveis, respectivamente, pela Unificação e Interpretação do Direito Constitucional e Infraconstitucional Brasileiro, reafirmaram a independência das instâncias penal e administrativa, com comunicabilidade, apenas, quando a absolvição criminal se advir da inexistência material do fato e de negativa de autoria.

O tradicionalismo da doutrina de Meirelles (1992, p. 414) já sustentava que:

A punição administrativa ou disciplinar não depende de processo civil ou criminal a que se sujeite também o servidor pela mesma falta, nem obriga a Administração a aguardar o desfecho dos demais processos. Apurada a falta funcional, pelos meios adequados (processo administrativo, sindicância ou meio sumário), o servidor fica sujeito, desde logo, à penalidade administrativa correspondente. A punição interna, autônoma que é, pode ser aplicada ao servidor antes do julgamento judicial do mesmo fato. E assim é porque, como já vimos, o ilícito administrativo independe do ilícito penal. Absolvição criminal só afastará o ato punitivo se ficar provada, na ação penal, a inexistência do fato ou que o acusado não foi seu autor.

Rosa (2022, p. 2-3) leciona que:

O Poder Judiciário como guardião dos direitos e garantias fundamentais do cidadão e responsável pela pacificação das lides tem entendido que a absolvição por insuficiência de provas não assegura ao militar o direito de ser reintegrado ao posto ou graduação que exercia antes da demissão ou expulsão.

O S.T.F e o S.T.J de forma majoritária têm decidido que a absolvição por insuficiência de provas não assegura ao interessado o direito de ser reintegrado na função pública. O direito administrativo possui autonomia, sendo que neste campo é analisada a conduta do militar como integrante de uma Corporação Militar regida por princípios de hierarquia, disciplina, e ética, que são essenciais na vida militar.

A absolvição criminal não assegura necessariamente ao servidor militar estadual o direito de ser reintegrado aos quadros da Corporação Militar a qual pertencia. A reintegração somente poderá ocorrer se o servidor militar for absolvido em uma outra modalidade prevista no Código de Processo Penal ou no Código de Processo Penal Militar que não seja a insuficiência de provas.

A respeito da matéria envolvendo a absolvição criminal de servidor público o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já se posicionaram de forma majoritária reconhecendo que a absolvição por insuficiência de provas não autoriza o retorno do infrator em razão da autonomia do direito administrativo em relação ao direito penal, por serem searas do Direito com autonomia e princípios próprios.

Melo (2019, p. 27 apud Assis (2013, p. 362) salienta que:

(...) trazendo julgados do STJ em sua argumentação, que a absolvição no conjunto penal, por falta de prova conclusiva de prática de crime, não impede a responsabilização de acusado no conjunto administrativo por conduta incompatível com o exercício da função. Ou seja, em se tratando de absolvição por ausência de provas, não há ilegalidade na pena administrativa de expulsão.      

Por sua vez, Assis (2013, p. 361) afirma que “quando há absolvição penal do servidor público por inexistência do fato ou negativa de autoria, erige-se um impedimento para a sua condenação civil e/ou administrativa”.

A questão ganha relevância quando se instiga à sopesar sobre caso a absolvição ocorra por falta de provas, se haveria repercussão na decisão a ser proferida no processo administrativo disciplinar.

Doutrinariamente, vislumbra-se que há independência das instâncias administrativa e criminal, de modo que a absolvição por ausência de provas não impede apuração de ilícitos administrativos em processo disciplinar, o que desencadeia nos entendimentos firmados pelas jurisprudências do STJ, a seguir colacionadas:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DEMISSÃO IMPOSTA A POLICIAIS MILITARES POR DESOBEDIÊNCIA A ORDEM DE OFICIAL SUPERIOR, LIBERAÇÃO INDEVIDA DE PROPRIETÁRIO DE MERCADORIAS CONTRABANDEADAS E NEGLIGÊNCIA DO POLICIAL MAIS ANTIGO EM SEUS DEVERES COMO COMANDANTE DA EQUIPE. CORRESPONDÊNCIA ENTRE AS ACUSAÇÕES E A CONDENAÇÃO: INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA DURANTE O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL. INEXISTÊNCIA DE DESPROPORCIONALIDADE NA PENA IMPOSTA. [...] 5. A jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal tem sido consistente em declarar a independência entre as instâncias civil, administrativa e penal, somente podendo ocorrer repercussão do resultado de processo penal sobre as demais instâncias quando nele for reconhecida a inexistência do fato ou afastada a autoria. In casu, como a absolvição do impetrante JAIME LEDUR, na Justiça Penal Militar, teve por fundamento a ausência de provas, não há como se pretender que ela gere reflexos sobre a punição administrativa. 6. A Primeira Seção desta Corte tem entendido que a análise em concreto do malferimento dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na imposição da pena de demissão enseja indevido controle judicial sobre o mérito administrativo. Caberia ao Poder Judiciário, em tais situações, apenas apreciar a regularidade do procedimento, à luz dos princípios do contraditório e da ampla defesa (STJ, AgRg no RMS 47.711/BA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, DJe de 18/08/2015).7. A penalidade de demissão não se circunscreve a atos de corrupção praticados por policiais, podendo ser imposta a outros atos que, igualmente, sejam violadores do padrão ético-moral, da disciplina e do decoro esperados da classe. Situação em que a pena de demissão foi condizente com afrontas a deveres funcionais do Policial Militar que são consideradas sérias. 8. Recurso ordinário a que se nega provimento. (RMS 30.914/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 20/06/2018)

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE.TENTATIVA DE FUGA DO PRESÍDIO. PRÁTICA, EM TESE, DE CRIME DOLOSO (DESTRUIÇÃO DE PATRIMÔNIO PÚBLICO). ABSOLVIÇÃO NO JUÍZO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE DOLO. REPERCUSSÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. 2. Independências das instâncias: a absolvição criminal só afasta a responsabilidade administrativa e/ou civil quando restar proclamada a inexistência do fato ou de autoria, considerando a independência das três esferas de jurisdição. 3. No caso concreto, o paciente foi absolvido por ausência de dolo, que não exclui a culpa administrativa e/ou civil, devendo o agente ser responsabilizado pela sua conduta ilícita. 4. A independência mitigada das jurisdições permite o apenamento como infração disciplinar de fato objeto de absolvição penal, ressalvadas as hipóteses de negativa do fato ou da autoria. (MS 13.134/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/09/2015, DJe 02/10/2015). 5. Além do mais, a anotação administrativa também decorreu do fato de que o paciente tentou fugir do estabelecimento prisional, o que caracteriza, por si só, falta grave, nos termos do art. 50, II, da Lei de Execução Penal. Falta grave reconhecida em regular sindicância administrativa. 6. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 396.390/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 29/8/2017).

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE.TENTATIVA DE FUGA DO PRESÍDIO. PRÁTICA, EM TESE, DE CRIME DOLOSO (DESTRUIÇÃO DE PATRIMÔNIO PÚBLICO). ABSOLVIÇÃO NO JUÍZO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE DOLO.REPERCUSSÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. 2. Independências das instâncias: a absolvição criminal só afasta a responsabilidade administrativa e/ou civil quando restar proclamada a inexistência do fato ou de autoria, considerando a independência das três esferas de jurisdição. 3. No caso concreto, o paciente foi absolvido por ausência de dolo, que não exclui a culpa administrativa e/ou civil, devendo o agente ser responsabilizado pela sua conduta ilícita. 4. A independência mitigada das jurisdições permite o apenamento como infração disciplinar de fato objeto de absolvição penal, ressalvadas as hipóteses de negativa do fato ou da autoria. (MS 13.134/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/09/2015, DJe 02/10/2015). 5. Além do mais, a anotação administrativa também decorreu do fato de que o paciente tentou fugir do estabelecimento prisional, o que caracteriza, por si só, falta grave, nos termos do art. 50, II, da Lei de Execução Penal. Falta grave reconhecida em regular sindicância administrativa. 6. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 396.390/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 29/8/2017).

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O STF continua a manter o entendimento Tradicional, de que somente haverá comunicabilidade das instâncias, penal e administrativa, se a absolvição estiver fundada na inexistência do fato e autoria, valendo destacar a ementa de julgado adiante colacionada:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DE PENA DE DEMISSÃO A POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. ABSOLVIÇÃO DO DENUNCIADO NA ESFERA PENAL POR AUSÊNCIA DE PROVAS. FATOS NOVOS. DENÚNCIA DAS ÚNICAS TESTEMUNHAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL POR DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. CONDENAÇÃO E RETRATAÇÃO. ENQUADRAMENTO NA HIPÓTESE DE INEXISTÊNCIA DO FATO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PENA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. INOCORRÊNCIA DE INVASÃO DO PODER JUDICIÁRIO NO MÉRITO ADMINISTRATIVO DO ATO. INEXISTÊNCIA DE FALTA RESIDUAL. INOCORRÊNCIA DE DECISÃO EXTRA PETITA. MERA INDICAÇÃO DA POSSIBILIDADE DE PLEITEAR INDENIZAÇÃO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A absolvição penal e a comunicabilidade do resultado na instância administrativa é tema jurídico que prescinde de dilação probatória. 2. A absolvição penal baseada na inexistência do fato ou autoria afasta a responsabilidade administrativa, tendo em vista a comunicabilidade das instâncias. 3. In casu: a) O juízo criminal, quando da absolvição do agravado, não negou, expressamente, a existência do fato ou da sua autoria. Ocorre que a superveniência dos fatos novos conduzem à conclusão no sentido da inexistência do fato, porquanto houve a condenação de dois dos denunciantes, um por denunciação caluniosa e outro por falso testemunho, além da retratação das demais testemunhas. b) A Comissão Processante não sugeriu a aplicação de pena de demissão ao policial com fundamento no fato de ter permitido que o motorista buscasse a CNH conduzindo seu próprio veículo. Desse modo, não se verifica falta residual. Súmula 18 do STF. c) Inocorreu exame de conveniência, oportunidade e utilidade do ato primitivo pelo Poder Judiciário, mas, apenas, a apreciação quanto à sua legalidade. 4. A mera indicação da possibilidade de se pleitar indenização nas instâncias ordinárias, sem a existência desse requerimento no recurso ordinário, não configura decisão extra petita. 5. Agravo regimental a que se nega provimento." (RMS 31515 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 24/11/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-247 DIVULG 07-12-2015 PUBLIC 09-12-2015)

Vale ressaltar que o STM também aplica a comunicabilidade de instância, apenas nos casos em que a absolvição se dá por força de comprovação de inexistência do fato ou da sua autoria, consoante julgado a seguir:

Apelação. Recurso defensivo. Estelionato. Absolvição por insuficiência de provas. Alteração do fundamento absolutório. Inexistência do fato. Interesse de agir caracterizado. Independência das instâncias penal, civil e administrativa. Reflexos extrapenais da sentença absolutória. Comprovação de delito. Manutenção da sentença condenatória. Unanimidade. A jurisprudência dos Pretórios é uníssona no sentido de que o interesse recursal da parte se evidencia na possibilidade de melhorar a condição do Réu pela modificação do fundamento das instâncias penal, civil e administrativa, consoante a doutrina e a jurisprudência recorrentes, o interesse de agir nos recursos em que se busca a mudança de fundamentação reside no fato de que o reconhecimento da absolvição criminal pela negativa de autoria ou pela inexistência do fato interferem nas demais esferas de tal sorte que ao agente não poderá ser imposta sanção de natureza civil ou administrativa. Não logrando o Ministério Público Militar comprovar o recebimento indevido da verba indenizatória correspondente ao auxílio-transporte, indicando com precisão a origem ilícita do citado benefício, impõe-se a manutenção do Decreto absolutório pela insuficiência de provas. Comprovado o delito, porém, não havendo provas suficientes para demonstrar a sua autoria, não merece reparo a fundamentação descrita na Sentença a quo que absolveu o Réu por insuficiência de provas, conforme descrito no art. 439, alínea “e”, do CPPM (STM, Apelação Criminal nº 53-07-2009.7.02.0102-SP, Rel. Min. Cleonilson Nicácio Silva, julgado em 20.03.2013)

Com efeito, observa-se que não se afastava da independência das instâncias, a ocorrência da absolvição por falta de provas, o que proporcionava a possibilidade da apuração da infração disciplinar residual, nos moldes do enunciado Sumular nº 18 do STF: “Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor púbico”.

Ocorre, todavia, que o colendo STJ, no âmbito da suas Turmas, deu início à uma nova era de entendimentos sobre a matéria, consoante as seguintes ementas de julgados que se colaciona:

"RECURSO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL.FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE. PRÁTICA DE CRIME DOLOSO. TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO NO JUÍZO CRIMINAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. REPERCUSSÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE.CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PARECER ACOLHIDO. 1. Embora não se possa negar a independência entre as esferas - segundo a qual, em tese, admite-se repercussão da absolvição penal nas demais instâncias apenas nos casos de inexistência material ou de negativa de autoria -, não há como ser mantida a incoerência de se ter o mesmo fato por não provado na esfera criminal e por provado na esfera administrativa. Precedente. 2. Em hipóteses como a dos autos, em que o único fato que motivou a penalidade administrativa resultou em absolvição no âmbito criminal, ainda que por ausência de provas, a autonomia das esferas há que ceder espaço à coerência que deve existir entre as decisões sancionatórias. 3. Recurso provido a fim de determinar o cancelamento da falta grave apurada no procedimento administrativo disciplinar e de todos os efeitos dela decorrentes" (STJ, RHC 33.827/RJ, (2012/0195643-0) Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 12/12/2014).

ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. FALTA DISCIPLINAR. PRÁTICA DE CRIME DOLOSO. POSSE DE ENTORPECENTE PARA USO PESSOAL. POSTERIOR ABSOLVIÇÃO PELA JURISDIÇÃO CRIMINAL. DESCONSTITUIÇÃO DA HOMOLOGAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXAME DE PROVAS. DESNECESSIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. 1. Muito embora se reconheça a independência entre as instâncias administrativa, civil e penal, não pode subsistir o reconhecimento de falta disciplinar de natureza grave decorrente do suposto cometimento de crime diante da posterior absolvição. 2. Ordem concedida, de ofício, para cassar a decisão que homologou a falta disciplinar de natureza grave, desconstituindo os efeitos executórios dela decorrentes, porque da imputação foi a paciente absolvida" (HC 265.284/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe de 27/5/2014).

Eis, a propósito, excerto extraído do voto do eminente Ministro Moura Ribeiro, no HC 265.284/SP, cuja ementa fora citada acima:

A independência entre as instâncias penal, civil e administrativa, de fato consagrada na doutrina e na jurisprudência, permite à Administração impor punição disciplinar sem se vincular ao resultado do julgamento no âmbito criminal. Isto porque as sanções administrativa e criminal têm escopos diversos. Aquela visa assegurar que o transcurso da execução ocorra sem sobressaltos, enquanto esta se baseia na justa retribuição pela conduta criminosa e na prevenção quanto à ocorrência de novas práticas delitivas.

Contudo, diante da necessidade de preservação das conquistas democráticas advindas da judicialização da execução penal, não se pode conceber que o reconhecimento da inocência, em sede de processo criminal, resulte na imposição de sanção disciplinar. A apuração da ocorrência do crime por meio de ajuizamento de ação penal reveste-se de cautelas e de garantias ainda maiores que as previstas no procedimento de apuração de faltas disciplinares no curso da execução da pena, previsto no art. 118, § 1º, da LEP, e que as conclusões do Juízo processante acerca da inocência da paciente nessa hipótese deve ser levada em consideração para revisar a decisão homologatória da falta grave.

Seguindo na linha do entendimento do STJ, colhe-se recente julgado sobre a matéria:

AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM HABEAS CORPUS. AGRAVO EM EXECUÇÃO. FALTA GRAVE. INDEPENDÊNCIA MITIGADA DAS INSTÂNCIAS. WRIT INDEFERIDO LIMINARMENTE.EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. A absolvição criminal só afasta a responsabilidade administrativa quando restar proclamada a inexistência do fato ou de autoria. 2. Embora não se possa negar a independência entre as esferas - segundo a qual, em tese, admite-se repercussão da absolvição penal nas demais instâncias apenas nos casos de inexistência material ou de negativa de autoria -, não há como ser mantida a incoerência de se ter o mesmo fato por não provado na esfera criminal e por provado na esfera administrativa. Precedente. 3. Em hipóteses como a dos autos, em que o único fato que motivou a penalidade administrativa resultou em absolvição no âmbito criminal, ainda que por ausência de provas, a autonomia das esferas há que ceder espaço à coerência que deve existir entre as decisões sancionatórias. 4. Agravo regimental provido a fim de determinar o cancelamento da falta grave apurada no Procedimento Administrativo Disciplinar n. 41/2017 (E-21/934137/2011) e de todos os efeitos dela decorrentes. (STJ, AgRg nos EDcl no HABEAS CORPUS Nº 601533 - SP (2020/0189962-2) RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR 6ª Turma STJ, 21 SET. 2021)

Não é demais salientar que dentro do propósito organizacional e à luz da dinâmica do direito, impondo-se a correção de rumos, bem discorreu o Ministro Sebastião Reis Júnior, no voto proferido no AgRg nos EDcl 601.533, que vem dando oxigenação à mudança de entendimento no âmbito do colendo STJ, cuja ementa de julgado fora transcrita antecedentemente, consoante verberação a seguir, dos excertos extraídos do seu lapidar voto:

(...)

Estou de acordo com o posicionamento adotado no citado precedente e exposto no parecer do Ministério Público Federal, pois, embora não se possa negar a independência entre as esferas – segundo a qual, em tese, admite-se repercussão da absolvição penal nas demais instâncias apenas nos casos de inexistência material ou de negativa de autoria –, entendo que não há como ser mantida a incoerência de se ter o mesmo fato por não provado na esfera criminal e por provado na esfera administrativa.

Em outras palavras, em hipóteses como a presente, em que o único fato que motivou a penalidade administrativa resultou em absolvição no âmbito criminal, ainda que por ausência de provas, parece-me que a autonomia das esferas há que ceder espaço à coerência que deve existir entre as decisões sancionatórias.

Neste viés, se é certo que o direito disciplinar é instrumentalizado pelo poder disciplinar inerente à administração pública respectiva, de onde se vislumbra ser “o direito administrativo, como o conjunto específico de princípios e regras jurídicas que consagra a posição de supremacia dos poderes da administração, ou seja, de quem exerce o Poder Executivo” (Melo, 2019, p. 47 apud Coelho, 2010, p.108); também é certo que o fato de se disponibilizar para o administrador, de meios legítimos para o fim de se instaurar processos de cunho administrativo, não irá significar a imposição de punição.

Logo, não tem pertinência considerar como sendo um infrator, aquele que é absolvido na esteira de um processo criminal por falta de provas, sob pena de incorrer em crassa incoerência sancionatória, pois, a prova não teria sido encontrada no âmbito judicial, contudo, seria ela recriada no âmbito do processo administrativo, favorecendo a eventual imposição de uma punição.

Desta forma, o que se espera em um julgamento, além da realização da justiça, é sua coerência ao repercutir na via administrativa, evitando-se a ocorrência de decisões díspares e contraditórias nestas esferas, proporcionando a ocorrência do descrédito dos apuradores.

Sendo assim, tornar como certa a conclusão de uma decisão penal absolutória, transitada em julgado, por insuficiência de provas, é a melhor forma de solucionar um processo administrativo disciplinar, em atenção ao princípio da comunicabilidade das decisões judiciais, produzindo sua eficácia projetiva no campo disciplinar.

Sabe-se que apenas a jurisdição penal detém competência para deliberar acerca da existência de um crime imputável a alguém, cuja decisão deve possuir cunho de definitividade.

Diante de tal desiderato, a decisão penal possui o condão de fazer coisa julgada nas esferas civil e disciplinar, porém, a recíproca não é verdadeira, ou seja, uma decisão proferida no âmbito de um processo administrativo disciplinar, não possui condições de tornar prejudicada uma apuração a ser perquirida no processo criminal.

Costa (2009, p. 232) ensina que:

Conquanto prevaleça, em regra, a noção da autonomia das instâncias, como aludido acima, vale assinalar que, em hipóteses especiais – como bem deixam entender as normas legais referidas no item anterior – a decisão penal definitiva faz coisa julgada nas instâncias civil e disciplinar, o que não ocorre no sentido reverso, isto é, os decisórios dessas vertentes, em circunstância alguma, poderão constituir prejudicial naquele juízo.

E, adiante, arremata (ob. cit., p. 232-233):

Quais, então, as razões pré-jurídicas ou extrajurídicas que conferem essa especial posição de supremacia ao juízo penal

Dentre outros motivos de igual ou superior peso, destacam-se os seguintes:

  1. O princípio de ordem pública que, sem sombra de dúvidas, é bem mais presente e intenso na matéria penal do que nas questões civis ou administrativas (em que se incluem as de natureza disciplinar);
  2. Maior gravidade, pelo menos em princípio, das consequências oriundas da instância penal;
  3. O juízo penal, em matéria de instrução e prova, é bem mais exigente do que as instâncias aludidas.

É de se entender, assim, que, realmente, haveria uma teratologia considerar a absolvição criminal fundada na ausência de provas, apenas na incoerência, mas, sobretudo, ao princípio do in dúbio pro reo, socorrendo-se, para tanto, das lições de Nucci (2019, p. 469):

Prova insuficiente para a condenação: é outra consagração do princípio da prevalência do interesse do réu – in dúbio pro réo. Se o juiz não possui provas sólidas para a formação do seu convencimento, sem poder indica-las na fundamentação da sua sentença, o melhor caminho é a absolvição.

O ilustrado Dezan (2019, p.234) orienta para o sentido de que:

(...) Não há que se falar em conclusão pela responsabilização de servidor acusado em processo administrativo disciplinar, se não ficar demonstrado, categoricamente, que ele realizou a conduta ilícita com todos os seus elementos conceituais.

Neste ínterim, é digno de respeitabilidade a coerência jurídica encontrada nos atuais precedentes do colendo STJ, ao reconhecer como causa de comunicabilidade nas instâncias penal e administrativa disciplinar, o sentido absolutório para os processos administrativos, quando fundados na absolvição por insuficiência de provas.

E, a ressuscitação dos entendimentos em sentido contrário e diferente ao que vem adotando, firmemente, as Turmas do STJ, equivalerá a decretar, por antecipação, a falibilidade da coerência sistêmica do direito, do princípio do in dúbio do reo, da credibilidade do poder judiciário - especialmente no elastério da força coativa de suas decisões -, enfraquecendo o instituto da coisa julgada material, especialmente pelo reconhecimento da absolvição por insuficiência de provas.

Bergel (2001, p. 15) com a percuciência de um jurista atento às realidades sociais, apontou que:

O jurista deve ser um regente de orquestra, apto a dominar e coordenar todos os instrumentos do direito: a solução jurídica não pode provir do som, por vezes discordantes, de uma disposição isolada, mas depende para sua compreensão, para sua aplicação e sua execução dos princípios, das instituições, dos conceitos e dos procedimentos técnicos de ordem jurídica geral. O jurista não pode ser nem um mero autômato, condenado à aplicação servil de uma regulamentação exageradamente meticulosa, nem um aprendiz de feiticeiro que desencadeia consequências desordenadas e imprevistas por ignorar a dependência e a inserção da regra de direito em seu contexto. (BERGEL, Jean Louis. Teoria Geral do Direito. Tradução Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p 15)

Impulsionado por tais considerações, a coerência apuradora apontada nos precedentes do STJ devem refletir na atual realidade processual administrativa disciplinar, mantendo-se o alcance originário que se espera no afã do cumprimento das decisões judiciais, imprimindo o efeito da autoridade interpretativa do Poder Judiciário, órgão que possui competência firmada constitucionalmente, de definir as lides criminais que forem submetidas ao seu crivo.                  

Sobre o autor
Jacques Eduardo Simão Carneiro

Advogado, Oficial da Aeronáutica, Chefe da Seção de Demandas Administrativas do Centro de Instrução e Adaptação da Aeronáutica - CIAAR, Especialista em Direito Administrativo, Direito Militar e Direito Previdenciário Militar.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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