Da luta e do caminho percorrido pelas mulheres até a glória de pertencer às Polícias do Brasil

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Resumo:


  • As mulheres têm lutado por seu espaço nas forças policiais, enfrentando um mundo predominantemente masculino e preconceituoso, mas têm conquistado avanços significativos ao longo do tempo.

  • A presença feminina nas polícias começou por necessidades políticas, econômicas e sociais, e apesar de inicialmente terem funções limitadas, as mulheres demonstraram competência e passaram a assumir diversas modalidades de policiamento.

  • A história das mulheres na polícia reflete um processo lento e desafiador, marcado por obstáculos e preconceitos, mas também por progressos e reconhecimento crescente de suas capacidades e contribuições para a segurança pública.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Este artigo trata da história de lutas e conquistas das mulheres no âmbito das forças policiais, principalmente nas Instituições Militares. Também demonstra o poder e a ressignificação do papel assumido por elas.

Resumo: Este artigo trata da história de lutas e conquistas das mulheres no âmbito das forças policiais, principalmente nas Instituições Militares. Também demonstra o poder e a ressignificação do papel assumido por essas guerreiras, no sentido literal e metafórico da palavra, na busca por reconhecimento e espaço em um mundo desigual e ainda, infelizmente, preconceituoso. O assunto é sutilmente levantado, por meio de pesquisa bibliográfica, para que não se perca a motivação e a continuidade deste árduo trabalho das mulheres policiais, das que honrosamente envergam uma farda e de todas que ostentam os símbolos respeitosos de suas Instituições. A caminhada sinuosa e repleta de obstáculos já aponta evolução na história dessas bravas mulheres.

Palavras-chave: Mulher; Luta; Conquista; Polícia.


INTRODUÇÃO

Quando se pensa, por exemplo, sobre o pequeno percentual de admissão de mulheres nas forças policiais de maneira geral, questiona-se o porquê desses números. Ainda que sofra variação de um Estado para outro e que algumas polícias tenham um percentual mais alargado para a entrada de mulheres na corporação, o que se constata é que na maioria dos Estados e principalmente nas polícias militares do Brasil, o percentual é bastante pequeno.

O percentual nos cursos de acesso nas policias militares brasileira varia entre 5% a 10% do efetivo da corporação de cada estado, o que por certo inviabiliza igualdade entre os homens e mulheres na carreira policial militar (De Melo, 2013, p.28). Esses são dados possivelmente questionáveis por qualquer pessoa, mas também e especialmente por aquelas que já fazem parte dessas instituições e sentem o peso que esse detalhe, assim considerado por alguns, tem em suas vidas, pois isso pode definir o ingresso ou não em uma carreira respeitosa e almejada por tantas mulheres.

Diante desse questionamento, há um ponto extremamente importante que é a história. O que muitos desconhecem é que ainda que pequeno, injusto ou não, esse número já foi ainda menor, já foi zero. As mulheres já não foram ou fizeram parte da história das polícias, em contrapartida há outro fato muito interessante e relevante, pois as mulheres fazem parte das polícias do Brasil e do mundo há muitas décadas, em anonimato e passando por dificuldades só por elas vivenciadas em cada época de luta e avanço até os dias atuais.

Acontece que a presença do sexo feminino nas polícias ocorreu por necessidades políticas, econômicas e sociais, assim não fosse, muito provavelmente apenas os homens ainda estariam à frente das polícias do Brasil e do mundo.

Ou seja, foi necessária a presença e a força da mulher, ainda que não admitissem publicamente e que seus esforços fossem silenciados, não sendo dado ênfase nas matérias jornalísticas ou qualquer meio de publicidade. É sabido que as mulheres participaram da Primeira e ainda mais fortemente da Segunda Guerra Mundial, nas mais variadas funções.

Ainda após isso, as mulheres começaram a ingressar nas polícias dos Estados, com papéis bem definidos, porém limitados, tais como: trabalhar no atendimento de ocorrências de trânsito e ocorrências envolvendo outras mulheres e crianças, fazendo escolas de formação exclusivas para mulheres.

Mais uma vez a mulher se mostrou forte e inteligente, demonstrando que sua presença era para somar e assim outras funções passaram a ser desenvolvidas por elas, inclusive passando a formação a ser realizada em turmas mistas de homens e mulheres.

Esse movimento das mulheres se deu em épocas em que sequer elas tinham direito ao voto, portanto a luta tinha uma abrangência e proporção muito grande, luta por espaço e por direitos. Era a mulher se inventando e reinventando para provar tudo que era e é capaz de ser e fazer.

Assim, com essas premissas embasadas nos estudos realizados e a partir das necessidades e do caminho ainda percorrido por tantas mulheres, com a metodologia utilizada busca-se compreender o movimento histórico e a busca por direitos dessas mulheres.

Detalhando o que será enfocado ao longo deste estudo, encon­tra-se delineado no primeiro capítulo um breve histórico da polícia no Brasil, sua criação e alterações legislativas. O segundo capítulo destina-se a descrever sobre a luta das mulheres até a polícia.


BREVE HISTÓRICO DA POLÍCIA NO BRASIL

O Brasil ainda era uma colônia quando no século XIX a família real portuguesa chegou e junto a ela a Guarda Real de Polícia que permaneceu em Portugal. Ocorre que outra Guarda equivalente no Rio de Janeiro foi criada, com a denominação de Divisão Militar da Guarda Real de Polícia, em 13 de maio de 1809.

Na metade do século XIX, portanto, esses corpos policiais nas províncias, nem todos militarizados, começaram então a surgir com maior frequência: em 1811 em Minas Gerais, 1818 no Pará, em 1820 no Maranhão, e em 1825 na Bahia e em Pernambuco.

Em abril de 1831 com a abdicação de D. Pedro I uma grande reformulação nas forças armadas brasileiras foi realizada pela Regência, período compreendido entre a abdicação de D. Pedro I e a "Declaração da Maioridade", quando seu filho D. Pedro II teve a maioridade proclamada.

Essa reformulação trata da Guarda Nacional criada pela Lei de 18 de agosto de 1831 que Crêa as Guardas Nacionaes e extingue os corpos de milicias, guardas municipaes e ordenanças.

Foi autorizada a formação de um Corpo de Guardas Municipais Voluntários no Rio de Janeiro após a Guarda Real da Polícia também ser extinta.

Já em 1834 ocorre uma reforma constitucional após a morte de D. Pedro I, com uma relativa descentralização político-administrativa criando-se corpos legislativos nas províncias. Assim o legislativo passou a fixar anualmente as forças policiais respectivas, sendo as guardas municipais lentamente transformadas ou substituídas por corpos policiais. Acontecendo de fato uma reestruturação do aparato policial existente.

Pela formação e estrutura, os corpos policiais são os que mais se aproximam das atuais policias militares; legítimos antecessores, com as quais possuem ligação direta e ininterrupta (POLÍCIA..., 2020)

Com eventos históricos como o Conflito do Contestado em 1913 e a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914, a legislação federal passou a permitir que as forças militarizadas dos estados pudessem incorporar-se ao exército. (POLÍCIA..., 2020)

Na sequência e não menos importante momentos históricos como a Revolução de 1930, envolvendo Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul e a Revolução Constitucionalista de 1932, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul fazem com que o Governo Federal intervenha na organização das polícias nos Estados.

No entanto, após a Segunda Guerra Mundial as polícias militares voltaram ao completo controle dos estados e neste período o termo Polícia Militar foi difundido e oficializado. Outra alteração foi sofrida em 1967 quando criada a Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM) subordinada ao exército. O policiamento fardado passou a ser considerado exclusividade das polícias militares e foram extintas as guardas civis e outras organizações similares.

Necessário de faz destacar o que posteriormente será objeto principal deste artigo, as mulheres.

Ora, durante a Segunda Guerra Mundial as mulheres estão presentes em toda parte: vítimas no caminho do êxodo e sob as bombas, pacientes nas filas, inventivas e industriosas nas privações da vida cotidiana, trabalhadoras nas fábricas e nos campos durante a ausência dos homens. Em todos os países, estiveram também uniformizadas: auxiliares na retaguarda, mas também na linha de frente. Combateram entre os guerrilheiros clandestinos e na Resistência, despertando muitas vezes até a admiração dos inimigos (QUÉTEL, 2009, p.5).

No ano de 1981, com a Proclamação da República a nomenclatura Militares foi incorporada aos corpos de polícia, passando a serem denominados Corpo de Polícia Militar, nomenclatura essa que era usada em 1866 pelo Corpo Policial da Corte.

De acordo com essa mudança constitucional os corpos militares de polícia passaram a ser subordinados aos estados, administrados de forma autônoma e independente; recebendo diversificadas nomenclaturas regionais (Batalhão de Polícia, Regimento de Segurança, Brigada Militar etc.).

No final da década de 1980, a polícia militar passou a investir na reaproximação com a sociedade, dentre os diversos intentos tem-se a criação de dois relevantes programas:

Polícia Comunitária, que não é propriamente um programa, mas sim uma filosofia e uma estratégia organizacional. A filosofia de Polícia Comunitária no Brasil coincide com o período de abertura democrática e com a Constituição de 1988, quando se passa a dar ênfase à proteção dos direitos e liberdades individuais [...] (MARCINEIRO, 2009, p. 49).

PROERD, Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência criado em 1983 nos EUA, e que chegou ao Brasil em 1992 por meio da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

A denominação POLÍCIA MILITAR aparece no texto constitucional apenas em 1946 tendo aí descrita sua missão: a segurança interna e a manutenção da ordem: Art 183 - As polícias militares instituídas para a segurança interna e a manutenção da ordem nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são consideradas, como forças auxiliares, reservas do Exército. (BRASIL, CF, 2020).

Como mencionado anteriormente, em 1967 foi criada a Inspetoria Geradas Polícias Militares (IGPM) e em 1988, com a então Constituição Cidadã, o seu artigo 144 prevê a missão da Polícia Militar: a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todo, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio [...] (BRASIL, CF, 2020).

A Constituição de 1988 trata como competência da polícia militar, em seu artigo 144, § 5º: Às Polícias Militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos Corpos de Bombeiros Militares, além das atribuições definidas em lei, incumbem a execução de atividades de defesa civil.


DA LUTA DAS MULHERES ATÉ A POLÍCIA

Em que pese não tenham sido merecidamente reconhecidas, as mulheres estiveram presentes nas corporações policiais, dentre suas mais diversas nomenclaturas durante toda a história, porém, com papéis específicos, não menos importantes, mas também não rodeados de louros e outdoors como os homens.

Por diversos motivos e justificativas, concretas ou não, a verdade é que no movimento histórico não era é bem aceita a ideia da inclusão de mulheres em uma atividade considerada viril por excelência.

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Ainda é bastante modesta a presença da mulher nas instituições militares, mas muito já se evoluiu. O ingresso das mulheres teve início nos serviços na área de saúde, essas cuidavam dos feridos durante a Segunda Guerra Mundial nas Forças armadas.

No Brasil, as mulheres ingressaram nas Forças Armadas na década de 1980 em várias funções, tais como: saúde, aviação, infantaria, engenharia e tantas outras. A Marinha do Brasil é pioneira na admissão de mulheres na Forças Armadas, em 1980 e a primeira Corporação Policial Militar do Brasil a recrutar mulheres pra compor seu efetivo foi a Polícia Militar de São Paulo (PMSP) em 1955.

A luta das mulheres ecoa desde o período em que essas existem no mundo, obviamente com forma e força diferentes em cada época. Na 2ª Conferência da Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF), em 1931, foi listado o pedido de criação de uma Polícia Feminina nos moldes ingleses, pois essa era conhecida como a mais civilizada no mundo ocidental no pós-guerra.

Em 1931, foi criada no Uruguai a primeira unidade policial autônoma composta por mulheres da América do Sul e essa primazia era apoiada e defendida pelas mulheres de São Paulo. Além de todas as outras buscas por direitos, incluir as mulheres nas forças policiais era um grande passo na batalha travada por aquelas mulheres.

É importante ressaltar o quanto tudo isso é recente, pois há 89 anos as mulheres sequer participavam da vida política do país, pois apenas em 24 de fevereiro de 1932 passaram a ter o direito ao voto, conforme o código eleitoral da época e com limitações. Essas limitações deixaram de existir em 1934 com a previsão do voto feminino da Constituição Federal.

Outro fator que impulsionou a busca pelo direito da mulher fazer parte do efetivo policial ocorreu na década de 1940, quando mulheres participantes do Movimento Político Feminino (MPF) [...], retomaram o enunciado de Berta Lutz, sobre a necessidade de uma polícia que fosse feminina (MOREIRA, 2011, p. 45).

Bertha Lutz, quando deputada, criou um anteprojeto de Lei para criação do Departamento Nacional da Mulher e defendia a necessidade de que a proteção e vigilância de mulheres, crianças e jovens, deveriam ser executadas por outras mulheres:

[...] exercer, em cooperação com a justiça e a Polícia Civil, a vigilância social e preventiva em benefício da infância e da mocidade desamparadas e ameaçadas pelo abandono e exploração moral, intelectual ou física; receber, acompanhar, recolher e vigiar mulheres delinquentes e criminosas. (LUTZ, 2006, p. 260)

As mulheres participantes do Movimento Político Feminino (MPF) passaram então, a apoiar a Campanha Polícia dos Amigos da Cidade lançada em 1947, pelo Secretário de Segurança Cel. Flodoardo Maia, após o episódio conhecido como Quebra-bondes.

Esse episódio trata de problemas do transporte coletivo na cidade de São Paulo na segunda metade da década de 1940, em que as tarifas de bonde e trólebus subiram 150% após a criação da CMTC (Companhia Municipal de Transporte Coletivo), mesmo antes de qualquer melhoria realizada pela empresa. A população e o poder público insurgem em um distúrbio urbano com o evento ocorrido em agosto de 1947 em que:

Na frente do Palácio da Justiça, vários bondes foram atacados, apedrejados, tombados e incendiados. Agravando a situação, os bombeiros não puderam apagar os focos de incêndio porque eram ameaçados de linchamento pela população. As depredações e os ataques seguiram em direção ao bairro da Liberdade, e todos os ônibus e bondes que se encontravam pelo caminho foram incendiados e destruídos. (DUARTE, 2005, p. 27)

O que acontece após o episódio do Quebra-bondes é que com a finalidade de aumentar o contingente de policiais frente à ameaça de novos conflitos com os insurgentes, a campanha Polícia dos Amigos da Cidade visava recrutar cidadãos amigos da cidade, que fizessem a vigilância dos possíveis revoltosos.

Então, segundo PEDROSO (1995, p. 6) as mulheres do MPF se inscreveram na Campanha apregoando a necessidade da existência de uma polícia que não se pautasse pela força bruta no trato com os habitantes da cidade de São Paulo.

Vale salientar que além do quebra-bondes, o significativo aumento do contingente das classes médias a partir de 1945, formando uma população urbana cada vez mais diversificada, exigiu tratamento diferenciado por parte das polícias.

Ainda durante o Estado Novo, que durou de 1937 a 1945, sob o governo do Presidente do Brasil Getúlio Vargas, em 1941, foi criado o Presídio de Mulheres na cidade de São Paulo, como parte da reformulação do sistema prisional. Já em 1942 foi criado a Penitenciária das Mulheres no Rio de Janeiro.

No entanto, na contramão desse processo, o cargo de carcereira foi vetado às mulheres pela Lei Estadual nº. 262. de 1949, que reorganizava os cargos de carreira na Polícia Civil. As mulheres que, no entanto, já trabalhavam como carcereiras eram consideradas auxiliares de carceragem, e eram contratadas como extranumerárias. (MOREIRA, 2011, p. 53)

O poder público trabalhava na contenção das mulheres na ocupação dos cargos públicos, por isso todos os projetos para a ocupação dos cargos de escrivãs, carcereiras ou investigadoras e também a defesa da criação de uma Polícia Feminina ia de encontro aos anseios do poder público, obviamente, formado por homens.

Assim como todo o movimento histórico, a legislação também trouxe pontos importantes para a luta das mulheres por sua inclusão nos mais diversos cargos públicos, bem como a incorporação destas no efetivo policial, considerado, na época, de exclusividade masculina.

O Código de Processo Penal de 1941 passou a prever que a revista que tivesse de ser feita em uma mulher, deveria ser realizada por outra mulher, o que ainda prevalece na legislação no artigo 249. A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência. (BRASIL, CPP, 1941)

Durante a história, visíveis mudanças no Brasil foram ocorrendo, refletindo diretamente em mudanças econômicas, políticas e culturais, o que veio a proporcionar muitas possibilidades para as mulheres que aproveitaram o movimento para buscarem direitos.

Após anos de luta das mulheres em prol de direitos, a ideia sobre a criação de um policiamento feminino foi retomada depois da 2ª Guerra Mundial. A participação de mulheres no mercado de trabalho, principalmente, no comércio e no setor de serviços de consumo coletivo, cresceu após a guerra e se diversificaram as ocupações possíveis a serem por elas desempenhadas.

As mulheres de classe média do Brasil eram direta ou indiretamente influenciadas por mulheres de outros países, como Estados Unidos e da Europa, que participaram da guerra, demonstrando o poder e motivando ainda mais a batalha das mulheres brasileiras.

Nesse interim, a luta das mulheres continuava e projetos de lei para criação de uma polícia feminina na forma de Divisão, Pelotão, Grupo ou qualquer outra nomenclatura eram redigidas e sustentadas, mas na maioria das vezes não logrando êxito e findando-se na expectativa e sonhos daquelas mulheres.

Mesmo com o fim do Estado Novo, somente em 1953 a cidade de São Paulo passou a ter novamente um prefeito eleito pelo voto direto, a saber, Jânio da Silva Quadros.

Outro fator que refletiu e reforçou positivamente para a presença das mulheres na vida militar, foram as atividades desenvolvidas pelas Organizações Femininas Auxiliares de Guerra (OFAGs). O fato é que essas organizações influenciaram na cogitação da criação da Polícia Feminina nos anos 1950. Existentes no Brasil entre 1942 e 1945, essas organizações abriram caminho à experiência da caserna às mulheres.

As OFags (paulistanas e santistas) e as Voluntárias da Defesa Passiva Antiaérea (cariocas) foram organizadas aos moldes dos grupos auxiliares de guerra compostos por mulheres das nações beligerantes dos países aliados, embora sem o mesmo vigor.

Países esses como a Grã-Bretanha que é pioneira nessa questão de instituir as mulheres como auxiliares dos exércitos.

Já em 1914, o recrutamento para os exércitos foi feito na base do voluntariado. [...] No outono de 1914, o womenss Emergency Crops (WEC) é criado, dentro do qual e longe dos combates as voluntárias realizam, a título civil, tarefas de cozinheiras de cantinas, motoristas, auxiliares em ambulâncias e enfermeiras. Em 1918, para compensar as perdas da guerra, o Womens's Auxiliary Army Corps (WAAC- Regimento feminino auxiliar do exército) e o Women of the Royal Navy (WRN-Mulheres da Marinha Real) são criados, e contam 105 mil mulheres no final da guerra. (QUÉTEL, 2009, p.138)

Após esses acontecimentos, a Grã-Bretanha sentindo que a guerra se aproximava, instituiu desde 1938 o Auxiliary Territorial Service (ATS), que recrutara 17 mil mulheres já no primeiro ano e em 1943, elas já eram 200 mil, segundo QUETEL (2009, p.138). Assim, diversos outros países adotaram o formato de ter as mulheres como auxiliares dos exércitos, vale salientar que a questão já havia surgido durante a Primeira Guerra.

Nesses moldes, o Brasil seguiu com as Organizações Femininas Auxiliares de Guerra nas quais muitas mulheres se apropriaram de diversos conhecimentos militares e executaram atividades militarizadas no período de 1942-1945.

Em 1953, Hilda Macedo dá um importante passo na busca do sonho ensejado por tantas mulheres brasileiras, especialmente as paulistas:

Hilda Macedo, assistente da cadeira de criminologia da Escola de Polícia, cujo titular era o professor Hilário Veiga de Carvalho, defende a igual competência de homens e mulheres ao apresentar, no I Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Criminologia, uma tese sobre a Polícia Militar, onde escreve: a criação da Polícia Feminina é, pois, de se aconselhar formalmente, sendo encomiástico um voto para seu imediato estabelecimento consubstanciando uma corporação que formará harmonicamente ao lado de seus irmãos, os policiais, para o melhor cumprimento da lei de da manutenção da ordem, dentro dos ditames da compreensão, do auxílio e da bondade. (MULHERES..., 2021)

Pode-se observar ainda que mesmo que mais materiais de pesquisa sejam encontrados tratando da incorporação de mulheres nas Forças Armadas brasileiras, não se pode ignorar o árduo processo ocorrido anteriormente nas policias estaduais: São Paulo, em 1955 como já vem sido tecidas considerações; Paraná, em 1975; Rio de Janeiro, em 1981 e Santa Catarina, em 1983.

Seguindo com o caminho percorrido em São Paulo da busca das mulheres por avanços, constata-se que na data de 12 de maio de 1955, sob o Decreto 24.548, institui-se, na Guarda Civil de São Paulo, o corpo de Policiamento Especial Feminino e, na mesma data, Hilda Macedo tornou-se a primeira comandante do Policiamento Especial Feminino.

[...] e considerando, inicialmente, que, consoante dispositivo constitucional expresso "os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros", sem distinção do sexo observados os requisitos prescritos nas leis e regulamentos; Considerando já estar reconhecida e proclamada, em definitivo, em nossos dias, a capacidade jurídica e intelectual da mulher de lutar, ao lado do homem, nos mais variados setores da atividade humana [...] Considerando que, no vasto, complexo e multifário campo das atividades policiais há setores que, pela sua natureza reclamam tratamento preventivo e repressivo especial, em que a atuação da mulher, pela sua formação psicológica peculiar, se mostra particularmente eficaz e vantajosa; Considerando, por outro lado, que a ativa participação da mulher em determinados setores do serviço policial já passou, de há muito, da fase das experimentações para a das realizações concretas, como bem o demonstra a adoção, pelos países possuidores de organismo de polícia mais evoluídos, de Corpos de Polícia Feminina; Considerando, finalmente, que a idéia da criação da Polícia Feminina entre nós foi aprovada, unanimemente, pelo I Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Criminologia, realizado nesta Capital; Decreta: Artigo 1.º - Fica criado, Junto à Guarda Civil e diretamente subordinado ao seu Diretor, um Corpo de Policiamento Especial Feminino. (BRASIL, Decreto 24.548, 2021, grifo nosso)

No mesmo norte, seguiu o Estado de Paraná, quando em 1977 a Polícia Militar passou a ser a segunda polícia militar a admitir mulheres na corporação. Os demais Estados incorporaram mulheres em seus quadros a partir de 1982.

Isso remonta há um passado não muito distante e por isso tanto ainda se busca, mas as mulheres vem trilhando uma caminhada de conquistas. O que é importante ressaltar é que, conforme Moreira, 2016, p.63, os anos 1970 dá visibilidade ao debate entre desigualdades entre homens e mulheres devido, entre outros aspectos, ao desenvolvimento do Movimento Feminista no Brasil, o que, de maneira indireta, provocou pressões por mudanças culturais, também em setores considerados conservadores.

A Companhia de Polícia Militar Feminina do Rio de Janeiro, foi criada pela lei estadual nº 746, de 11 de novembro de 1981 e admitiu sua primeira turma de 150 soldados em março de 1982.

Segundo o Plano Geral de Emprego da Companhia de Polícia Militar Feminina as PMs trabalhariam prioritariamente no policiamento de trânsito e no policiamento ostensivo de terminais marítimos, rodoviários, ferroviários e aeroviários (SOARES; MUSUMECI, 2005, p.29).

Em 1977, no Estado do Paraná (PR), após a legislação permitir o ingresso de mulheres na Polícia Militar, aconteceu o 1º Curso de Formação de Sargento Feminino da PMPR (1º CFD PM FEM). O Decreto Lei nº 3238, de abril de 1977 instituiu a denominada Polícia Feminina. O intuito do Estado não era diferente do restante do Brasil: tornar a polícia mais preventiva e menos repressiva. Na sequência, em 1979 foi permitido o ingresso de mulheres no oficialato em PR.

Também com o intuito de amenizar os reflexos após o período ditatorial e apresentar uma imagem mais humanizada da polícia, em Santa Catarina a inserção de mulheres na Instituição seguiu os moldes de São Paulo.

Foi através da Lei Nº 6.209, com base na Lei 5.521 de 28 de fevereiro de 1979 (Lei de Organização Básica da Polícia Militar de Estado de Santa Catarina) que as mulheres passaram a ser incluídas na carreira militar como policiais. Em 10 de fevereiro de 1983 foi criado oficialmente o quadro da Polícia Militar Feminina de Santa Catarina (BRASIL, Lei 6.209, 2021).

Sobre a importância da presença feminina na Polícia Militar, a Major PM Karoline de Melo Cunha Marcon, subcomandante do munícipio de Itajaí/SC, em entrevista ao Programa Cidade Alerta SC, fala a respeito de pontos bastante relevantes, relatando como evolução o aumento do percentual nas vagas destinadas às mulheres na corporação. Aponta também fatores como a carga psicológica, intelectual e física suportada por todos na instituição e destaca que por terem demonstrando competência, cada vez mais, as mulheres foram assumindo todos os tipos e modalidades de policiamento.

Sobre a autora
Liliam dos Santos Costa Leandro

Licenciada em Letras Port/Inglês pela Unisul de Araranguá/SC,2007; pós-graduada em Port/Inglês pela Faculdade Guilhereme Guimbala, 2008; Bacharela em Direito pela Unisul de Araranguá, 2015; pós-graduada em Direito Público com Ênfase na área Criminal, parceria Univali e ABVO, 2016; pós-graduanda em Polícia Judiciária Militar pelo Instituo Venturo. Policial Militar desde Julho de 2008.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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