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Defensoria Pública e direitos fundamentais

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5 DA PREVISÃO CONSTITUCIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA: CONCRETIZAÇÃO DA CIDADANIA

A Defensoria Pública foi prevista originalmente na Constituição Federal de 1988, a famigerada Carta Cidadã, em seus artigos 21, 22, 24, 48, 61, e 134.

À época, a redação trazida pelo constituinte foi singela, tímida perante à importância da instituição para concretização dos direitos civis.

Sua principal previsão constitucional vinha em uma única linha, em um artigo único, inserido na seção III, da Advocacia e da Defensoria Pública, junto à Advocacia Particular.

Art. 134, CF: A defensoria é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXXIV. Parágrafo único: lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.

Por óbvio, essa prescrição enxuta não se coaduna com a importância, nem com a grandeza institucional da Defensoria Pública.


6 DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS REFORMADORAS

6.1 Da emenda constitucional 45 de 2004

No ano de 2004, com o advento da emenda constitucional 45, a redação da Carta Magna Brasileira foi substancialmente modificada.

Entre tantos temas abordados, a Defensoria Pública foi uma das contempladas, felizmente.

Os parágrafos primeiro e segundo foram adicionados à redação original, constitucionalizando-se garantias e prerrogativas, quais sejam, autonomia funcional, administrativa e orçamentária às Defensorias Públicas Estaduais.

Artigo 134, § 1º: Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. (Renumerado do parágrafo único pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 2º: Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)[12]

Esse seria o crepúsculo de uma revolução copernicana de percepção legislativo-administrativa quanto à necessidade de efetivação da cidadania, quanto ao respeito de Direitos Humanos e quanto à internacionalização do Direito, características que invariavelmente dependeriam da Defensoria Pública estruturada e imponente.

6.2 Da emenda constitucional 74 de 2013

Ocorre que, infelizmente, as Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal e Territórios foram preteridas em 2004, isto é, continuaram sem o gozo de garantias básicas para o desempenho livre de suas atribuições.

Em uma perspectiva histórica, a União herda concentração de poderes, de competências e de atribuições provenientes da Monarquia Luso-Brasileira, concentradas em seu Chefe de Estado e de Governo.

Essa questão vai além da juridicidade: é cultural dos brasileiros em geral pensarem que o Presidente da República liderará o país, terá poderes inimagináveis e poderá tudo.

Diante a esse traço existencial Pátrio, mudanças são necessárias, porém ocorrem lentamente. O Direito, por certo, é talvez o último reflexo de modificações culturais, haja visto que em essência é conservador, isto é, o Direito garante estabilidade, manutenção e segurança jurídica ao País e ao sistema socioeconômico vigente.

...a segurança jurídica consiste no 'conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida'. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída[13]

Portanto, após longos 9 anos, os legisladores entenderam ser adequado estender as garantias das Defensorias Públicas Estaduais à Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e Territórios, mediante emenda constitucional 74 de 2013.

Cumpre-se ressaltar que a competência de abranger Territórios foi passada à DPU, modificando-se a DPDFT para DPDF.

§ 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 74, de 2013)

Bem, apesar da mora legislativa, finalmente todas as Defensorias Públicas gozavam de direitos e garantias constitucionais condizentes com suas atribuições.

6.3 Da emenda constitucional 80 de 2014

Durante a breve história brasileira, a nação sofre de atos político-administrativos concretizados repentina, abrupta e desorganizadamente.

Exemplos não faltam à atrapalhada tradição estatal tupiniquim: a vinda desordenada da Coroa Portuguesa à então Colônia do Brasil em 22 de janeiro 1808; o inesperado retorno do Imperador Dom João à europa no dia 26 de abril de 1821; a independência do Brasil perante a Portugal em 7 de setembro de 1822; golpe militar passional de Estado, marco gestacional da República em 15 de novembro de 1889; Revolução Constitucionalista de 9 de julho de 1932; ditadura getulista; golpe militar de 31 de março de 1964; redemocratização; entre tantos outros.

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Nesse sentido, as reformas constitucionais supra indicadas seguiram rigorosamente a confusão legislativo-gerencial: produziram teratologias manifestas, solucionaram parcialmente anseios urgentes institucionais das Defensorias Públicas e demandaram uma década para produzirem um resultado minimamente razoável, apesar de o ideal permanecer longínquo.

Eis que, em 2014, os constituintes derivados realizaram outra reforma: a famigerada emenda constitucional de número 80 ampliou as atribuições constitucionais das Defensoria Públicas, modificou topograficamente a Carta Maior e determinou uma audaciosa política pública voltada à efetivação institucional da cidadania.

A referida emenda inseriu, entre Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, norma programática para que, no período de 8 anos, haja em todos os municípios no País pelo menos um Defensor Público.

Art. 98. O número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

§ 1º No prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste artigo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

§ 2º Durante o decurso do prazo previsto no § 1º deste artigo, a lotação dos defensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)[14]

Apesar de essa previsão ser um marco histórico, revela-se insuficiente, haja visto que as demandas extra e judicial brasileiras são enormes, muito além da previsão bem intencionada dos legisladores.


7 CONCLUSÕES

A democracia foi conquistada em toda a América Latina e, mormente no Brasil, a duras penas. Esse regime pressupõe deliberação, convencimento e respeito pelas minorias para que mudanças normativas, sociais, institucionais sejam realizadas.

Ocorre que as prioridades de nossos legisladores refletem a falta de consciência populacional, a qual é decorrente de um projeto de deseducação, parafraseando as ideias do sociólogo Darcy Ribeiro.

Perante a um povo, em geral, sem o mínimo de ensino formal, questões cruciais para a cidadania e para a efetivação dos Direitos Humanos caminham a passos lentos, quase estagnados, sem a devida celeridade e importância no Congresso Nacional.

O breve histórico narrado acima narra o caminho tradicional escolhido pelos grupos detentores de poder e pela população, qual seja, representantes despreparados, sem senso de prioridade, sem organização e com tendências populistas, ovacionados por massas de desinformados.

Diante a esse cenário, pautas necessárias como a expansão das Defensorias Públicas, que efetivam e concretizam o conceito de cidadania, perdem espaço para voto impresso, para menoridade penal, para pena de morte e para diversos assuntos abjetos, perversos, inconstitucionais, ilegais, inconvencionais, acessórios, secundários e, por que não dizer, esdrúxulos.

Seguimos a batalha diária para a superação do Estado de Coisas Inconstitucional, rumo à tão sonhada normatividade ontológica constitucional.


REFERÊNCIAS

ALVIM, Eduardo Arruda. LEITE, George Salomão. STRECK, Lenio. Curso de direito constitucional - 1. ed. - Florianópolis [SC] : Tirant Lo Blanch, 2018.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª edição. São Paulo: Editora Malheiros Editores, 2000.

BRANCO, Humberto Castelo. apud. SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto Alegre: L&PM, 1978.

BRASIL, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm;

BRASIL, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

CHAUÍ, Marilena. NOGUEIRA, Marco Aurélio. O pensamento político e a redemocratização do Brasil. Editora Lua Nova, São Paulo, 2007. Disponível em https://www.scielo.br/j/ln/a/MsTQ7pNxGqXjbjvwzwsKJsM/?lang=pt&format=pdf ;

GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. 4 edição. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2002. Página 32;

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª edição - São Paulo : Editora Martins Fontes, 1998.

LASSALLE, Ferdinand. Que é uma Constituição? Edições e Publicações Brasil, São Paulo, 1933

LIMA, João Alberto de Oliveira. PASSOS, Edilenice. NICOLA, João Rafael. A gênese do texto da Constituição de 1988. Brasília, Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2013.)

PRADO JÚNIOR, Caio. A revolução brasileira; A questão agrária no Brasil; Caio Prado Júnior entrevista Chico de Oliveira. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2014, página 11.

SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Tradução de Alfredo Gallego Anabitarte. Madrid: Revista de Drecho Privado, 1932.

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2006.


  1. ......
  2. ** 
  3. PRADO JÚNIOR, 2014. Página 11;
  4. BONAVIDES, 2000. Páginas 532 e 533, grifo nosso;
  5. BRANCO, 1978, página 343. Grifo nosso;
  6. GASPARI, 2002. Página 32;
  7. CHAUÍ, NOGUEIRA, 2007. Página 174;
  8. KELSEN, 1998. Página 139;
  9. LASSALLE, 1933. Página 20;
  10. ALVIM, LEITE, STRECK, 2018. Páginas 83, 84 e 87;
  11. ALVIM, LEITE, STRECK, 2018. Página 86;
  12. BRASIL, 1988.
  13. SILVA, 2006. Página 133;
  14. BRASIL, 1988;
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Sobre os autores
Fernando Luz Sinimbu Portugal

Graduado em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2015); especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2017); especialista em Direito Constitucional (2021); Direito Administrativo (2021); Direito Civil e Direito Processual Civil (2021) e em Ciências Criminais (2021); em Direitos Humanos (2023) e em Ensino à Distância (2023) no Centro Universitário União das Américas - Uniamérica; graduado em Teologia (2022), em História (2023) e em Administração (2023) na Universidade Estácio de Sá. Mestrando em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2023-2025).

Mauro Luís Rocha Lopes

Professor orientador

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTUGAL, Fernando Luz Sinimbu ; LOPES, Mauro Luís Rocha. Defensoria Pública e direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6873, 26 abr. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97061. Acesso em: 5 mai. 2024.

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