Resumo: Verificou-se, durante o vácuo legislativo, que o TSE editou resoluções que buscavam usar a analogia com os outros meios e o bom senso para regulamentar a matéria, já que a internet e, consequentemente, as redes sociais, apresentavam-se como uma grande novidade, sempre com a enorme preocupação de não violar o direito à liberdade de expressão, mas, também, que ali não se tornasse um local onde se pudesse praticar qualquer tipo de ato, tendo algumas situações sido reguladas recentemente por Lei, permanecendo todavia, a discussão sobre alguns pontos. O fato é que foram suscitadas questões limitativas quanto ao uso das redes sociais, como, por exemplo, a gratuidade da sua utilização e quando poderia ser usada, tendo a corte eleitoral sempre buscado decisões que não violassem o direito à liberdade de expressão dos cidadãos, em geral.
PROPAGANDA ELEITORAL NA INTERNET: PANORAMA LEGISLATIVO
No presente tópico, faremos um panorama acerca da evolução legislativa sobre o tema tortuoso da propaganda eleitoral na internet. Parte-se da previsão geral da chamada Lei das eleições, Lei nº. 9.504, de 30 de setembro de 1997 (BRASIL, 1997), que, a priori, não dispôs, sobre a propaganda eleitoral pela internet, já demonstrando uma inicial falta de previsão normativa sobre o tema, muito ocasionada diante do ainda não evoluído uso da internet como meio de comunicação de massa.
Diante do inicial vazio legislativo, e munido de seu poder regulamentar disposto constitucionalmente, o Tribunal Superior Eleitoral, quando da edição da Resolução n.º 20.106, de 04 de março de 1998, a qual estabelece instruções sobre a propaganda das eleições de 1998, editou regras gerais de propaganda e de forma tímida estatui no §3º, do artigo 13, que as disposições deste artigo aplicam-se aos sítios mantidos pelas empresas de comunicação social na Internet e demais redes destinadas à prestação de serviços de telecomunicações de valor adicionado (Lei nº 9.504/97, art. 45, § 3º)., sendo assim, a primeira vez que a questão da propaganda eleitoral na internet foi tratada.
Ante o descompasso existente entre realidade social e legislação das eleições, as demais Resoluções do TSE foram incluindo novidades, na medida em que o uso da internet e sua exploração, foi ficando cada vez mais massivo. Nas eleições municipais de 2000, tivemos a edição da Resolução n.º 20.562, de 02 de março de 2000 (BRASIL, 2000), que inaugurou, finalmente, a permissão (e previsão) para a realização da propaganda eleitoral pela internet, sendo que, logo em seguida, com a Resolução n.º 20.988, de 21 de fevereiro de 2002 (BRASIL, 2002), atinente às eleições de 2002, incluiu-se a possibilidade de realização de debates pela internet, a possibilidade de manutenção de sítio próprio do candidato e a vedação de realização de propaganda em páginas de provedores de serviços de internet.
Vê-se que, gradativamente, diante da necessidade de embasamento legal para o tema, a legislação foi evoluindo para garantia de regulamentação do assunto. Nas eleições de 2004, já se via a preocupação em regular o uso de redes sociais, o que se repetiu em seguida nas demais eleições.
A primeira grande alteração na temática da propaganda eleitoral na internet, e para fins do nosso trabalho, que finalmente sedimentou a possibilidade do uso das redes sociais para campanha, ocorreu com a edição da Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009 (BRASIL, 2009) que chegou alterando regras extremamente rígidas anteriormente (vez que considerava lícita somente propaganda em sítio hospedado em domínio oficial) estabelecendo mais opções para o candidato obter a atenção dos eleitores, através de sítio do candidato informado à Justiça Eleitoral, através de mensagem eletrônica e por meio de blogs e redes sociais.
A grande repercussão em seguida fica por conta da Lei 13.165, de 29 de setembro de 2015 (BRASIL, 2015) com diversas alterações em todo o âmbito legislativo eleitoral, ao ponto de ser chamada de minirreforma eleitoral, trouxe regras específicas no tocante à propaganda eleitoral na internet, trazendo ainda a previsão de um crime para certas condutas adotadas na rede mundial de computadores.
Inicialmente, trouxe a previsão do artigo 36-A, na Lei das Eleições, que trata sobre propaganda eleitoral antecipada, informando que não configura propaganda eleitoral antecipada quando o pré-candidato ou alguma outra pessoa faz em meios de comunicação, na internet e outras formas de mídia, menção à pretensa candidatura ou exaltação às qualidades pessoais de pré-candidatos, desde que não haja pedido expresso de votos.
Alterou ainda o artigo 57-A da Lei das eleições, estabelecendo um prazo para início permitido legalmente para propaganda eleitoral na internet, qual seja, 15 de agosto do ano eleitoral e prevendo agora direito de resposta em ofensas na internet.
Além disso, conforme o artigo 57-A da Lei das eleições, será considerado crime, com detenção de 2 a 4 anos e multa de R$ 15 mil a R$ 50 mil, contratar direta ou indiretamente grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação. A pena de prisão poderá ser aplicada a quem contratar e também aos que forem contratados para esse fim.
Vê-se que, ao contrário de um início totalmente alheio às necessidades sociais com relação à evolução da internet e seu uso pelas pessoas de maneira constante e sem qualquer barreira ou limite, trouxe uma série de problemas com relação à regulamentação e cuidado no tocante à propaganda eleitoral na internet.
LIMITES TEMPORAIS E ANÁLISE DA GRATUIDADE.
As duas maiores polêmicas com relação aos limites da propaganda eleitoral na internet através das redes sociais diz respeito ao lapso temporal em que é permitida, e assim, até que ponto estar-se-ia diante ou não de uma propaganda eleitoral antecipada, bem como a questão dos custos que a permeiam, já que como uma das características marcantes do uso das redes sociais é seu alcance e sua explícita gratuidade.
A questão do lapso temporal é uma problemática intensa no presente tema, uma vez que, com a edição da Lei nº 13.165 (BRASIL, 2015), ficou estabelecido o início da propaganda eleitoral, inclusive pela internet, a partir de 15 de agosto do ano do pleito, regra que só existia através das Resoluções do TSE sobre eleições expedidas em todo pleito. Até esta previsão legal, não havia estabelecimento específico de início do prazo da realização da propaganda na modalidade internet.
Em razão da brecha legal existente antes da minirreforma eleitoral, havia uma discussão acerca da existência ou não de propaganda eleitoral antecipada pela internet, o que parece, a priori, ter sido sanado com a previsão do artigo 36-A na Lei das Eleições, dispondo que não é propaganda antecipada quando o pré-candidato ou alguma outra pessoa faz em meios de comunicação, na internet e outras formas de mídia, menção à pretensa candidatura ou exaltação às qualidades pessoais de pré-candidatos, desde que não haja pedido expresso de votos.
Ocorre que, conforme explanado anteriormente, a internet é um meio volátil de informações, onde pessoas podem passar anônimas em suas opiniões, onde a informação alcança milhares na rapidez da luz e eventuais notícias ou polêmicas falsas ganham contornos perenes em seus efeitos, logo vindo a questão: como controlar esse tipo de situação?
No atual momento, com as previsões legais acima expostas, parece ter havido um consenso no estabelecimento de prazo para efetivo início de propaganda eleitoral na internet, diluindo as dúvidas na questão do tempo e na aplicabilidade de vedações legais também para o uso da internet em sede de propaganda eleitoral, bem como se estabeleceu quais seriam as hipóteses de não configuração de propaganda eleitoral antecipada, sendo qualquer outra situação fora a descrição legal, passível de enquadramento na vedação da lei.
Outra questão é com relação à gratuidade, já que, legalmente, é proibida a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, bem como a venda de cadastro de endereços eletrônicos, vedação que permanece mesmo com as recentes alterações na legislação eleitoral.
De maneira geral, identifica-se as vedações com relação aos custos de propaganda na internet. A primeira vedação existente inclusive para propagandas gratuitas, qual seja, a veiculação de propaganda eleitoral em sítios de pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos, e em sítios oficiais ou hospedados por órgãos ou entidades da Administração Pública direta ou indireta da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, ainda que por meio apenas de Link de acesso.
É vedado o anonimato nesse tipo de propaganda, bem como a realização de cadastros ou acesso a cadastros públicos de pessoas para fins de envio de mensagens de cunho eleitoreiro, sendo ainda vedada a venda de cadastro de endereços eletrônicos (art. 57-E, § 1º, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997).
Sabe-se que grande parte do conteúdo explorado na internet é de acesso gratuito, porém, a identificação de eventuais pagamentos para que pessoas utilizem esse meio de comunicação para profissionalizar a propaganda eleitoral na rede mundial é de difícil prova e de identificação de autoria ainda pior.
Mas nem tudo são críticas, um grande ponto favorável à ampliação da possibilidade de uso da internet para propaganda eleitoral é a difusão da informação de maneira mais ampla e com maior espaço a partidos pequenos e figuras sem grandes poderios econômicos aptos a financiar uma campanha eleitoral, tradicionalmente cara.
Com as recentes alterações legislativas em matéria eleitoral, viu-se cada vez menor o espaço conferido aos partidos menores e novos usufruírem a propaganda eleitoral gratuita, existindo, assim, espaço ilimitado e amplo da internet para compensar tais desigualdades e conferir voz às minorias sem representatividade nos espaços de poder, a par de todos os problemas acarretados por tal falta de limites na rede mundial, o que já vem sendo enfrentado pelo Judiciário, conforme será trabalhado no próximo tópico.
ANÁLISE DE JULGADOS DO TSE SOBRE PROPAGANDA ELEITORAL NA INTERNET ATRAVÉS DAS REDES SOCIAIS
Neste capítulo, superados os obstáculos tratados nos tópicos acima, bem como diante do panorama, cheio de brechas legislativas sobre o tema, passaremos a analisar alguns julgados verificados pelo Tribunal Superior Eleitoral nas duas últimas eleições ocorridas no País.
Uma primeira decisão que merece debate aconteceu no julgamento do Resp nº 7464, onde o Tribunal Superior Eleitoral entendeu que manifestações políticas feitas pelo Twitter não podem ser denunciadas como propaganda eleitoral antecipada, debate que gerou grande polêmica em razão dos parâmetros utilizados para sua conclusão.
O foco era acerca dos seguintes elementos: o Twitter como rede social aberta, onde mesmo pessoas não cadastradas como usuárias conseguem visualizar as mensagens, seria um mecanismo hábil para configuração da propaganda extemporânea, pois permite a difusão de informações em espaço aberto e amplo.
Em divergência, os Ministros abriram alguns fundamentos que devem ser levados em consideração quando da projeção do uso das redes sociais nas próximas eleições, invocando princípios constitucionais para embasar suas teses.
Defenderam que a Justiça Eleitoral e as regras de propaganda eleitoral não podem ferir ou atacar a livre manifestação do pensamento e a liberdade de expressão, bem como definiram que, mesmo que redes sociais, como o twitter, sejam abertas, as pessoas que o acessam tem a liberdade de aderir ou não à ideia da pessoa que está se manifestando através da internet, havendo ainda certa discricionariedade no acesso ao próprio conteúdo veiculado, diferente das formas tradicionais de propaganda, como televisão e rádio.
Trecho importante do julgado definiu da seguinte forma o fundamento do não reconhecimento de propaganda extemporânea: Entende, assim, que a noção de propaganda tradicionalmente adotada pela jurisprudência do TSE não se acomoda aos limites do Twitter, mesmo que alguns milhares de destinatários possam ser alcançados.
Critério curioso foi utilizado pelos Tribunais Regionais Eleitorais que, antes da definição do assunto pelo TSE, analisavam a questão da propaganda antecipada do ponto de vista da insignificância medida através do número de seguidores da pessoa responsável por determinada postagem de cunho político, como no julgamento pelo TRE/MG da Representação nº 635948, concluída no Acórdão de 26/08/2010.
Posição contrária à assumida pelo TRE/RS, que analisando situação fática parecida, concluiu no julgamento pela Irrelevância da questão atinente ao número de pessoas alcançadas pela divulgação ao efeito de desequilibrar o pleito. no momento de definir se havia ou não propaganda extemporânea. (Recurso Eleitoral nº 278847, Acórdão de 01/07/2010).
Em outro momento, durante o julgamento do Recurso na Representação nº 1825-24/DF, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, em 15.3.2012, o TSE definiu que o twitter assemelha-se ao conceito de "sítios de mensagens instantâneas e assemelhados", previsto no art. 57-B, da Lei 9.504/97, havendo portanto possibilidade de exercício de direito de resposta sobre mensagens publicadas nesse veículo, dando maior importância e força para o alcance da rede, do que deu quando da análise da propaganda eleitoral antecipada.
O twitter é uma rede social conhecida por ser uma espécie de microblog, de fato, muito posicionada com relação à política de maneira geral, o que justifica a existência de diversas decisões sobre sua utilização, porém o TSE já se posicionou sobre outras redes sociais, como o Facebook, famosa rede social conhecida por ser um conjunto de páginas pessoais com compartilhamento e publicações de maneira geral.
No julgamento do REspe nº 2949 de 05 de agosto de 2014, mais uma vez estava-se analisando a questão da propaganda eleitoral antecipada, porém, executada, em tese, através do facebook. O TSE defendeu que ainda que seja necessário que a Justiça Eleitoral analise esse tipo de situação, essa atividade deve ser exercida com a menor interferência possível nos espaços de debate democrático da população.
Vê-se assim, que a Justiça Eleitoral age com cautela ao trabalhar os casos que envolvem o uso da internet e principalmente das redes sociais, uma vez que acaba vendo nesse tipo de meio de comunicação e difusão de informação, uma espécie de arena de debate, de manifestações individuais de cada membro da sociedade e que não pode ser tolhido de maneira injustificável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Com a edição da Lei 13.165, tivemos traçados, com maior objetividade, os contornos da propaganda eleitoral na internet, seja no que toque ao seu período permissivo, seja no tocante à sua gratuidade ou não. Porém, como a legislação foi editada no final de 2015, veremos sua prática, e problemáticas, apenas em breve.
Cumpre destacar, inicialmente, que alguns doutrinadores discutem sobre a incidência ou não da referida norma nas eleições de 2016, uma vez que entrou em vigor em dezembro de 2015, logo, após o prazo exigido pelo artigo 16 da Constituição Federal para normas que alterem as regras do pleito eleitoral e, sendo assim, a norma só valeria para as eleições de 2018. Há, contudo, os que defendem que a legislação, no tocante ao tema da propaganda eleitoral, não afeta em si o pleito eleitoral, razão pela qual seria aplicada sim, para as eleições de 2016, sem qualquer violação à norma constitucional.
Diante disso, verificou-se no capítulo anterior a preocupação que é identificada nos julgados sobre o tema, da Justiça Eleitoral em limitar ao máximo a possibilidade de interferência sobre a utilização das redes sociais para campanhas eleitorais, havendo duas problemáticas principais: a questão do lapso temporal de permissão, aparentemente resolvida com o estabelecimento de norma legal editada pela Lei nº 13.165 de 2015, seja em razão da gratuidade das redes, porém, riscos de gastos ilícitos com pessoas orientadas apenas para fins de uso desse meio para campanha, o que parece também regulamentado com a inclusão do crime de contratar direta ou indiretamente grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação, também editado pela minirreforma eleitoral de 2015.
Nessa questão das limitações, que demonstram a preocupação do TSE, pode ser visualizada uma orientação a ser seguida nas eleições de 2016 e próximos pleitos, extraída do julgamento do REspe nº 2949 de 05 de agosto de 2014 pelo TSE, que trata da interferência justificável da Justiça no uso das redes sociais para fins de campanha eleitoral: (...) quando ocorrer ofensa à honra de terceiros ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos. Assim, ofensas e pedidos explícitos de votos, fora do período eleitoral permitido pela lei, seriam as duas hipóteses que autorizariam a interferência do Judiciário, sendo que, a questão do pedido explícito acabou de ser regulamentada pela Lei nº 13.165 de 2015.
Identificada a preocupação com direitos subjetivos alheios, tal qual já demonstrado em diversos julgamentos famosos relacionados ao conflito entre dois direitos fundamentais, há o estabelecimento de uma limitação à liberdade de expressão e de comunicação em geral, consagrado na Constituição Federal, onde o limitador é a própria liberdade e dignidade de terceiros.
As redes sociais e a internet, de maneira geral, surgem trazendo uma nova realidade no palco eleitoral, envolvendo, conforme visto acima, propaganda antecipada, difamação de candidatos, pirataria digital e até a prática de crimes como a contratação de pessoas exclusivamente para difundir propaganda nas redes sociais, temas com contornos já primariamente definidos pela legislação, porém de grande desafio prático para os operadores do direito e políticos.
Pensar nessa nova realidade é encarar que o próprio Direito Eleitoral foi construído com base em outros paradigmas e em uma realidade diferenciada, quebrada pela rede mundial de computadores e pela difusão da comunicação através das redes sociais.
A importância das redes sociais na sociedade contemporânea reside principalmente na ampliação de um espaço de debate que coaduna com os ideais de nosso Estado Democrático de Direito, através do exercício da liberdade de expressão e na livre manifestação do pensamento, havendo apenas a necessidade de interferência judicial quando da transposição dos limites, agora estabelecidos legalmente pela Lei nº 13.165, no âmbito da propaganda eleitoral e que ainda necessitam de atenção casuística para identificação ou não de abusos que acabem afetando o bom andamento das eleições e o exercício livre dos direitos políticos dispostos na Constituição Federal.
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